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Dio, the discovery of the little hawk
I was surprised to see in the yard a small hawk perched on the branch of a brazilian grape tree
I was eight or nine years old. I got home and I was surprised to see in the yard a small hawk perched on the branch of a brazilian grape tree. He was so young and my mother found him injured near a vacant lot. She took care of him and soon he recovered, but he didn’t want to leave.
The little one loved living at home, going through every space he pleased or instigated his curiosity. His plumbeous feathers contrasted with the clear sky on hot days. I said he was the lord of the rain because his plumes were gray as the misty sky. Whenever someone asked me why Diodon had orange feathers next to the right foot, I repeated the same story I made up:
“In a day of little clarity, he flew so high that the sun got angry and suddenly appeared just burning a small portion of his plumes. The shock was so big that even his blue eyes changed color – an endless memory of his stubbornness.”
Dio was quiet and silent, but he didn’t like to interact with other animals. He only watched them from a distance, as if from the branch where he rested, he observed the vassals of his kingdom. He had an inquiring look and at the same time simple and pure. He couldn’t hunt, so the responsibility fell on us to feed him with ground meat plus calcium carbonate powder.
The first time he went up on my finger, I felt a tickle. When I started to laugh, Dio opened his beak and screeched. I had the impression that he wanted to answer my laughter in his own way. As Diodon grew, my fingers became insufficient to safeguard him, and he decided to nest in my arm and shoulder, especially around the neck, where he learned to poke me subtly with his claws. Over my shoulder, Dio always called the attention of onlookers in the center of the town.
From time to time, he opened his wings like a fan, reaffirming its grandiosity. His popped eyes gave me the impression that his painstaking vision contemplated all around him, like his hearing. Nothing went unnoticed, not even a solitary leaf swept by the breeze into a manhole.
Occasionally, he cowered in the presence of strangers, hiding part of his body behind me. I was tickled and laughed when his grizzly beak poked my head. Then he moved his feet to the left, to touch my deltoid, and watched me carefully, since ignoring the visits that he regarded as intrusion. Despite the estrangement that lasted months, he no longer saw the poodles Happy and Chemmy as threats. By analyzing them, his behavior has changed considerably. I remember when I caught the fond Chemmy licking Diodon’s feathers. Silently, the little hawk was aiming the nozzle towards the indigo sky in contemplation.
At late afternoon, after the restless Happy came to lick his beak, Dio wasn’t positioned to peck the dog’s nose as usual. The truth is that he didn’t care. The little hawk may not have noticed what happened and continued admiring the celestial vastness, abstracted from the earth and released to the heavens where he floated under soft dreams as his feathers.
Happy thought that Diodon’s passivity was strange, and examined with exultant and ensnared expression. The poodles retreated when the little hawk flapped his wings and walked toward the brazilian grape tree in the backyard. Climbing from branch to branch, he reached the top and hesitated for nearly a minute before he jumped with open wings.
During the flight, Dio squealed with excitement that caught the attention of neighbors and strangers who passed through Arthur Bernard Street. He was happy and even the most inattentive person realized it. It was as if the cloudless sky gained a new owner, a young animal which discovered that the breath of life also exists in the concession.
Every day in the afternoon he flew at the same time. I was finding it curious and I started to time the duration of his flights. One, two, three, four hours. Each week that passed I noticed that Diodon spent less time at home. That’s when I realized that his home was no longer a place, but a space where his wings bobbed with the purity of a winged horse.
The last time I met him at home, he gently pecked my head. His feathers were more vibrant as well as their glittering eyes of citrine that conveyed me cunning and conviction. Diodon was no longer the small hawk who came home wounded, malnourished and with few feathers. Although he didn’t like hugs, he allowed me to involve him quickly between my arms, without even pointing his long, sharp claws. I let him, and he played the same way he winched the first time that he came up on my finger. Within minutes, Dio left and never returned.We didn’t try to seek him because there is nothing to find when the departure is motivated by the untimely desire to fly.
Dio, a descoberta do bombachinha
Me surpreendi ao ver no quintal um gavião-bombachinha empoleirado no galho da jabuticabeira
Eu tinha oito ou nove anos. Cheguei em casa e me surpreendi ao ver no quintal um gavião-bombachinha empoleirado no galho da jabuticabeira. Ele era filhote e minha mãe o encontrou ferido nas imediações de um terreno baldio. Cuidou dele e logo ele se recuperou, mas não quis partir. Vivia solto em casa, percorrendo todo e qualquer espaço que lhe agradasse ou atiçasse sua curiosidade. Sua penugem plúmbea contrastava com o céu claro em dias quentes. Eu dizia que ele era o senhor da chuva porque suas penas acinzentadas eram como o firmamento nuvioso. Sempre que alguém me perguntava porque Diodon tinha as penas próximas do pé direito alaranjadas, eu repetia a mesma história que inventei:
“Num dia de pouca claridade ele voou tão alto que o Sol ficou com raiva e apareceu de repente queimando apenas uma pequena porção de suas penas. O susto foi tão grande que até seus olhos azuis mudaram de cor – uma lembrança sem fim de sua teimosia.” Dio era tranquilo e silencioso, porém não gostava de interagir com outros animais. Apenas os assistia à distância, como se do galho onde repousava observasse os súditos de seu reino. Tinha um olhar inquiridor e ao mesmo tempo singelo e lhano. Não era capaz de caçar, então recaía sobre nós a responsabilidade de alimentá-lo com carne moída com carbonato de cálcio em pó.
A primeira vez que ele subiu no meu dedo, senti cócegas. Quando comecei a rir, Dio abriu o bico e emitiu um guincho oxítono e estiolado. Tive a impressão de que ele quis retribuir minhas gargalhadas à sua maneira. Conforme Diodon crescia, meus dedos se tornaram insuficientes para resguardá-lo, e ele decidiu se aninhar em meu braço e ombro, principalmente perto do pescoço, onde aprendeu a me cutucar sutilmente com as garras. Sobre a minha espádua, Dio sempre chamava a atenção de curiosos no centro de Paranavaí. Vez ou outra abria as asas como um leque, reafirmando sua imponência. Seus olhos estalados me davam a impressão de que sua visão atilada contemplava tudo que o cercava, a exemplo de sua audição. Nada passava despercebido, nem mesmo uma folha solitária arrastada pela brisa para dentro de uma boca de lobo.
Ocasionalmente ele se encolhia na presença de estranhos, velando parte do corpo atrás de mim. Era inevitável sentir cócegas e gargalhar ao perceber seu bico ruço ponteando a minha cabeça. Então ele movia os pezinhos à esquerda, até tocar meu deltoide, e me observava com atenção, já ignorando as visitas que ele encarava como intrusão. Apesar do estranhamento que durou meses, os poodles Happy e Chemmy já não eram mais vistos por Dio como ameaças. Ao analisá-los, seu comportamento mudou consideravelmente. Me recordo quando flagrei o caritativo Chemmy lambendo as penas de Diodon. Silencioso, o bombachinha mirava o bico em direção ao céu índigo com ar contemplativo.
Naquele final de tarde, assim que o estrepitoso Happy se aproximou para lamber seu bico, Dio não se posicionou para bicar seu focinho como de costume. A verdade é que não se importou. Talvez nem tivesse notado o que aconteceu e continuou admirando a amplidão celeste, abstraído da terra e lançado aos céus por onde flutuava sob sonhos maviosos como suas penas. Happy estranhou a passividade do gavião e o examinou com expressão exultante e enleada. Os poodles recuaram quando o bombachinha agitou as asas e caminhou até o quintal, em direção à jabuticabeira. Subindo de galho em galho, chegou ao topo. Hesitou por quase um minuto e de repente saltou com as asas abertas.
Durante o voo, Dio guinchava com tanta excitação que chamou a atenção de vizinhos e estranhos que passavam pela Rua Artur Bernardes. Ele estava feliz e até os mais airados percebiam isso. Era como se o céu desanuviado ganhasse um novo dono, um jovem animalzinho que descobriu através da observação que o sopro da vida também subsiste na concessão. Todos os dias à tarde ele voava no mesmo horário. Achando aquilo curioso, comecei a cronometrar a duração de seus passeios e incursões. Uma hora, duas horas, três horas, quatro horas. A cada semana que passava eu notava que menos tempo em casa Diodon ficava. Foi quando me dei conta que seu lar já não era um lugar, mas um espaço inestimado por onde suas asas balouçavam com a pureza de um cavalo alado.
Na última vez que o encontrei em casa, ele bicou carinhosamente a minha cabeça. Suas penas estavam mais vibrantes, assim como seus olhos rutilantes de citrino que me transmitiam astúcia e convicção. Diodon não era mais o miúdo bombachinha que chegou em casa ferido, desnutrido e com poucas penas. Embora não gostasse de abraços, permitiu que eu o envolvesse rapidamente entre os meus, sem sequer apontar suas longas e afiadas garras. O soltei e ele reproduziu o mesmo guinchado da primeira vez em que subiu em meu dedo. Em poucos minutos, Dio foi embora e nunca mais voltou. Não o procuramos porque não há o que encontrar quando a partida é motivada pelo anseio intempestivo de voar.
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