David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘direito’ tag

Todos têm o direito de escrever

without comments

writing

Creio que nenhum escritor tem o direito de dizer quem deve ou não escrever (Foto: Reprodução)

Há alguns anos, participei da mediação de um bate-papo com dois escritores. Um deles era mais tranquilo e ponderado, já o outro na primeira oportunidade disse que muitas pessoas deveriam parar de escrever porque segundo ele já existe gente ruim demais no Brasil escrevendo. Mesmo como mero mediador, fiquei surpreso com o comentário. Primeiro porque escrever é também uma expressão existencial.

Claro, mercado editorial aí já é outra coisa. E o que mais lamento em situações como essa é que sei que aspirantes a escritores costumam assistir mesas literárias justamente para buscar uma direção, tirar dúvidas. Agora imagine como uma pessoa que de repente se planejou e, às vezes, até abriu mão de outros compromissos para estar ali, se sente ao ouvir um escritor que admira falando isso?

Creio que nenhum escritor, independente de prestígio, tem o direito de dizer quem deve ou não escrever, até porque não somos oniscientes, logo não sabemos a razão pela qual alguém escreve. Ademais, escrever também é terapia, então dizer isso pode ser como empurrar alguém para um precipício.

 
Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Written by David Arioch

July 28th, 2016 at 12:06 am

Um amor em forma de prosa

with 4 comments

Paulo Campos rejuvenesce o passado de Paranavaí por meio da literatura

Paulo Campos com as duas produções literárias que lhe renderam prestígio (Foto: David Arioch)

Paulo Campos com as duas produções literárias que lhe renderam prestígio (Foto: David Arioch)

Há décadas, o advogado e escritor regionalista Paulo Campos registra o amor a Paranavaí por meio da prosa. Produziu centenas de contos, poemas e publicou dois livros: “O diabo e o Homem na Brasileira” e “Memórias de Luta e uma História de Amor”. Tanta dedicação rendeu prêmios em várias regiões do Brasil e fez de Campos um ícone local na arte de rejuvenescer o passado por meio da literatura.

Paulo Campos começou a se interessar pela produção textual aos 18 anos, influenciado por histórias contadas pelos pais. Não demorou e surgiu o convite para produzir o primeiro texto – adaptação de uma peça do dramaturgo Martins Pena. “O fundador do Teatro Universitário de Paranavaí (TUP), João Batista Tirapelle, me pediu para trazer o conteúdo da obra para a nossa realidade”, conta Campos. A adaptação despertou no jovem Paulo Campos o desejo de resgatar o início da colonização em Paranavaí.

Anos depois, em 1986, o escritor publicou a primeira obra, “Memórias de Luta e uma História de Amor”, que sintetiza a história de Paranavaí sob um prisma artístico com requinte ficcional. Também participou da antologia poética “Assim escrevem os Paranaenses”, iniciativa do renomado escritor paranaense Domingos Pellegrini. Para a obra literária, Campos transferiu, de forma peculiar, fatos da década de 1950, como os muitos assassinatos cometidos à luz do dia, alheios aos transeuntes.

“Meus familiares viam muitos corpos ensanguentados próximos das valetas. Minha mãe pedia a meus irmãos que não olhassem”, relata o escritor. Dentre os textos que homenageia personagens da cidade, o destaque é “Orquídea Negra”, um poema sobre o saudoso Negão do Surucuá. “Ele teve uma morte relativamente misteriosa. Mesmo assim, sempre será parte da nossa história”, avalia Campos.

No acervo, o escritor tem centenas de contos e poemas, mas prefere guardá-los para fazer leituras mais críticas. “Escrevi bastante, tenho até material para publicar livros de contos, mas não me animo com a ideia. Inclusive ‘O Diabo e o Homem na Brasileira’ só foi publicado por incentivo e coordenação do Téia”, explica Campos, referindo-se a José de Arimatéia Tavares, um ícone do movimento cultural de Paranavaí.

Com a Barriguda (troféu do Femup), o reconhecimento de um trabalho em prol da arte e história local (Foto: David Arioch)

Com a Barriguda (troféu do Femup), o reconhecimento de um trabalho em prol da arte e história local (Foto: David Arioch)

Apesar de ter publicado pouco do que produz, conquistou grande reconhecimento. O escritor tem contos lançados no Brasil e em Portugal. Entre as conquistas mais memoráveis, destaca o Prêmio Macunaíma, em São Paulo, e Concurso de Contos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de janeiro, além de vitórias no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), evento que o estimulou a escrever.

“Muita gente cria um laço com a literatura a partir do Femup. Ganhei meu primeiro prêmio em 1973. Depois comecei a escrever com mais intensidade”, diz Paulo Campos.  Atualmente o escritor pensa em publicar um romance. “Até sou cobrado por isso. Tenho uma ideia em mente há muito tempo, mas ainda não comecei. Posso adiantar que é relacionada com Paranavaí que tem uma história muito rica”, confidencia.

Peça polêmica e reconhecimento

Das peças produzidas pelo escritor e advogado Paulo Campos, duas tiveram grande repercussão. A primeira, “Vila Montoya”, foi encenada no Festival Internacional de Londrina (Filo). Como tinha um caráter crítico e foi concebida durante a Ditadura Militar, o Teatro Universitário de Paranavaí, dirigido por João Batista Tirapelle, teve de substituir alguns diálogos envolvendo o presidente Getúlio Vargas.

“O Tirapelle acatou a ordem da censura, porém tivemos um ator com dificuldades em memorizar os diálogos. O resultado foi que o rapaz soltou toda a fala que tinha decorado, sem cortes”, relembra. Ao final, a Polícia Federal subiu ao palco e encaminhou o grupo para a coxia (bastidores), onde foi dada a ‘voz de prisão’ para os artistas. “Enquanto o público aplaudia de pé, nós explicamos a situação e tudo acabou bem”, lembra o escritor.

Outra peça que ganhou repercussão foi “Chão Bruto” ou “Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo”, classificada em um concurso promovido pelo Centro Cultural Teatro Guaíra, de Curitiba. “O presidente do centro gostou muito da história e me ligou perguntando se eu autorizava uma nova encenação. Concordei e fiquei uma semana com eles para fazer as adaptações necessárias”, revela Paulo Campos.

“Chão Bruto” consiste em uma reza para fechar o corpo. O personagem de destaque é um rapaz inconformado com o coronelismo e as desigualdades sociais em Paranavaí. “No período de colonização, era muito comum uma pessoa vender determinada propriedade e cobrar o valor pago outra vez. No conto, o personagem não aceita isso e faz um levante armado para acabar com as injustiças”, frisa.

Um fato curioso é que na peça há um barracão onde as armas são guardadas. O local realmente existiu na Rua Pernambuco, uma das vias mais conhecidas da cidade. Porém, como a arte imita a vida, o levante nem chegou a acontecer porque o líder da mobilização foi convidado para ir até a delegacia, onde o assassinaram em um ato covarde e traiçoeiro.

Literatura X Advocacia

Há 19 anos, antes de optar pela advocacia, Paulo Campos atuava como professor. Influenciado pelos irmãos ligados ao magistério, cursou letras almejando trilhar o caminho da literatura. Foi professor por muitos anos, mas como não tinha tempo para se dedicar à arte literária, resolveu cursar direito. “Já sabia que teria uma condição financeira melhor. O profissional poderia alimentar o escritor”, conta.

Os planos não se concretizaram como Campos vislumbrou. “Comecei a fazer direito, e a partir do segundo ano me apaixonei pelo curso. Em resumo, até hoje atuo como advogado. As duas atividades me satisfazem plenamente”, destaca, acrescentando que no início da profissão podia se dedicar mais à literatura. Com o passar dos anos, a advocacia tomou-lhe a maior parte do tempo. Hoje, Paulo Campos escreve esporadicamente.

Inspiração na história regional

Assim como o emblemático Guimarães Rosa, o escritor e advogado Paulo Campos também privilegia a linguagem prosaica na produção textual, beirando ao dialeto regional, herança que assume com prazer e honra. “Admito a influência do escritor mineiro. Pra mim, ele é o maior escritor de todos os tempos. Tem um grande poder de sedução”, afirma Campos. O regionalismo é o ingrediente mais importante das histórias do escritor paranavaiense.

O conto “Um Grito no Escuro”, por exemplo, é baseado em um fato que o escritor vivenciou há muito tempo, quando foi a uma farmácia. “Um ventríloquo chamou o balconista, mas o homem não percebeu a origem da voz. Curiosamente o atendente ficou desesperado e telefonou para a família. Na minha história isso acontece em um ônibus e desencadeia uma série de acontecimentos”, comenta.

Genocídio na década de 1920

Um altruísta pesquisador da história local, o escritor Paulo Campos sempre procurou informações sobre fatos não oficiais, principalmente do início da colonização, quando Paranavaí ainda era conhecida como Vila Montoya. “Na década de 1920, havia um foco de interesse anti-revolucionário aqui e acredita-se que um exército foi enviado para praticar assassinatos em massa, o que resultou na morte de muita gente”, relata.

Mais tarde, alguns sobreviventes decidiram viver na mata, instalando-se em buracos no interior das árvores, assim como fazem os animais. Cogita-se que os remanescentes do genocídio viveram em ostracismo por mais de dez anos. “Em pesquisas, descobri que viveram nus todo esse tempo”, informa Paulo Campos.

Outra curiosidade é que à época não havia estrada até a Vila Montoya. Mesmo assim, alguns pioneiros encontraram um piano no interior de uma residência. “O acesso a Paranavaí era pelo Porto Tigre, de Presidente Prudente, tinha que atravessar por um picadão. Ninguém sabe como esse piano chegou aqui”, declara Campos, que conhece também muitos outros fatos dignos de contos, não somente ligados a Paranavaí, mas também outras cidades.

“Em Querência do Norte tinha uma pessoa que morava em um sítio e vivia nu, apenas vestia roupa quando ia à cidade. Ele fazia pregações, era considerado louco, mas levava a vida normalmente. Era conhecido por praguejar os poderosos na época”, afirma.

Curiosidade

“Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” era o pseudônimo do escritor Paulo Campos quando concluiu “Chão Bruto”. Só que durante a adaptação da peça em Curitiba, o grupo do Centro Cultural Teatro Guaíra perdeu a primeira folha com o nome do espetáculo, então usaram “Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” como título. A diretora da peça e o presidente do CCTG gostaram tanto do nome que o escritor adotou definitivamente o pseudônimo como título alternativo.