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Lori Gruen: “Os animais devem ter direitos?”

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“O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano”

Lori Gruen: “Lori aponta que quase todas as nossas ações e decisões afetam outros animais de diversas maneiras” (Foto: Divulgação)

Lori Gruen é uma professora de filosofia e escritora que nas últimas décadas tem se dedicado à ética animal. Em 1987, ela coescreveu o livro “Animal Liberation”: A Graphic Guide”, em parceria com Peter Singer e David Hine; depois vieram outros. Atualmente ela coordena estudos ambientais e animais na Wesleyan University, de Connecticut. Lori já contribuiu com outros importantes nomes na discussão sobre os direitos animais nos Estados Unidos, como Raymond Frey, Steve Sapontzis e Marc Bekoff.

Em 2014, levando em conta a controvérsia sobre um caso do Nonhuman Rights Project, que defendia os direitos de quatro chimpanzés que viviam em Nova York, buscando reconhecê-los como indivíduos, Lori Gruen escreveu um artigo intitulado “Should animals have rights?”, ou seja, “Animais devem ter direitos?”, que mesmo após alguns anos ainda propõe uma discussão cada vez mais atual.

De acordo com a professora de filosofia, o debate sobre direitos a animais não humanos sempre vem acompanhado de “piadas” por parte de quem considera um absurdo que outros animais tenham direitos. Por outro lado, há também muitos seres humanos que consideram a resposta para essa questão como bastante óbvia, apontando que é claro que eles devem ter direitos morais. “Afinal, somos animais e muitos de nós amamos, apreciamos e respeitamos não humanos, então por que eles não têm direitos? Não acho a questão totalmente absurda, mas tenho uma preocupação quando falamos em ‘direitos’”, destaca.

A questão é que quando fala-se em atribuição de direitos não se pode esquecer que essas atribuições são feitas por aqueles que estão no poder, ou seja, no comando dessas decisões. Sendo assim, dar ou não direito a alguém vai depender sempre da assimilação que é feita em relação ao assunto. Para Lori Gruen, os argumentos para incluir mais do que seres humanos nas deliberações éticas que podem qualificar outros animais como portadores de direitos dependem sempre de uma preocupação ética que não pode se restringir a quem ocupa o centro moral. Ou seja, o ser humano, neste caso, pode reconhecer direitos que não são os seus se for capaz de observar o outro fora de um escopo de conveniência, com uma percepção amplamente moral e ética.

“Historicamente, nos Estados unidos e na Europa, por exemplo, temos visto homens brancos e cristão estendendo direitos a homens não cristãos e não brancos, e depois às mulheres. À medida que o círculo de detentores de direitos cresce, o ideal é que toda a humanidade seja incluída independente de raça, nacionalidade ou expressão de gênero”, destaca. Porém, Lori faz a seguinte pergunta: “Se podemos ir além da nossa espécie, por que não fazer isso?”, em referência ao preconceito baseado em espécie.

A professora de filosofia cita estudiosos e ativistas que têm tentado combater o que é alternativamente chamado de “especismo”, “humanormatividade” e “excepcionalismo humano”. De que forma isso tem sido feito? Um método bastante usual é a apresentação de trabalhos empíricos que provam que há outros animais que são realmente semelhantes a nós e, portanto, merecem direitos. Pesquisas etiológicas e cognitivas que endossam nossas semelhanças com outras espécies facilitam a aceitação de outros animais em nosso círculo moral por meio do reconhecimento de que eles também possuem características que admiramos em nós, logo atribuímos valor. Assim surge a defesa de que devemos valorizar e admirar aquelas qualidades independente do corpo que as transportam.

Hoje em dia, não são raras as pesquisas que mostram que muitos outros animais têm ricas relações sociais; sacrificam a própria segurança para ficarem próximos de seus familiares doentes ou feridos. Há muitos seres não humanos que se preocupam em não deixar os seus desamparados, mesmo diante da morte.

“Eles ficam enlutados, têm respostas ao estado emocional dos outros, se envolvem em comportamentos regidos por normas, são capazes de manipular e enganar, compreendem representações simbólicas e transmitem cultura”, cita Lori Gruen. De acordo com o artigo “Os Animais Devem Ter Direitos?”, pesquisas com chimpanzés e bonobos sugerem que eles têm um sendo distinto de si mesmos, e se entendem como alguém com interesses que se estendem ao longo do tempo. Essa capacidade de se reconhecer como alguém com um passado e um futuro foi definida há muito tempo por John Locke como as características que caracterizam alguém como uma pessoa.

Lori exemplifica que no sistema legal os chimpanzés não são considerados pessoas, assim como nenhum outro animal; logo não são reconhecidos como portadores de direitos. Em vez disso, são classificados como propriedades. O próprio sistema jurídico facilita essa atribuição, já que legalmente só contamos com duas categorias para distinção entre seres. Ou seja, pessoa ou propriedade. “É compreensível em um contexto legal que, como os chimpanzés possuem capacidades semelhantes às pessoas humanas, eles devem ter certos direitos”, defende. Em linhas gerais, a autora define os direitos como reivindicações que fazemos uns aos outros para garantirmos que não sejamos prejudicados ou violados:

“O nosso sistema legal pode ser estruturado de forma a vermos os detentores de direitos em desacordo uns com os outros, mas essa é uma visão bastante sombria de como interagimos uns com os outros em nossas comunidades. Na verdade, esse quadro, no qual temos que nos proteger dos outros, pode servir para reforçar uma visão relativamente obscura de nossos relacionamentos uns com os outros e com os animais. Acabamos focados no que podemos extrair uns dos outros ou como podemos proteger o que temos, ao invés de nos concentrarmos em como podemos trabalhar juntos para melhorar a vida uns dos outros.”

A prioridade deveria ser o que devemos não apenas aos nossos semelhantes, mas também aos outros animais. Se a preocupação central fosse essa, colocaríamos em evidência as nossas relações não estritamente humanas e poderíamos obter melhores resultados no que diz respeito à vida em sociedade e a maneira como interagimos com outras espécies. Com esse pensamento, teríamos mais chances de desenvolver preocupações éticas que envolvem, de fato, o nosso papel enquanto seres conscientes e racionais que promovem ou dificultam o verdadeiro bem-estar dos animais.

Lori aponta que quase todas as nossas ações e decisões afetam outros animais de diversas maneiras: “Se eles vivem ou morrem, se suas descendências têm algum futuro, se os seus habitats continuarão a existir, depende do que compramos, do que comemos e em quem votamos. Ninguém quer estar em um relacionamento ‘ruim’, então pensar sobre a maneira como nos relacionamos com outros animais e o que devemos a eles pode ajudar a melhorar essa relação. A abordagem dos direitos também tende a valorizar semelhanças e ignorar diferenças importantes que podem nos ajudar a repensar sobre quem é valioso e por quê.”

A professora de filosofia crê que quando nos limitamos a procurar semelhanças, no que diz respeito à Inteligência ou habilidades cognitivas, incorremos no erro de obscurecer aspectos distintamente valiosos da vida daqueles que nos são diferentes. Então ela questiona o que isso significa para os animais, seres humanos e não humanos, que são menos inteligentes ou cujas capacidades cognitivas são completamente diferentes das nossas.

O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano. Ou seja, concedemos consideração com base no que acreditamos que eles compartilham conosco. Consequentemente, ignorando o que faz de fato suas vidas serem significativas e valiosas por suas próprias razões. Segundo Lori Gruen, por meio do nosso olhar orientado para humanos, reconfiguramos um dualismo ou, na melhor das hipóteses, uma hierarquia que, inevitavelmente, encontrará um “outro” para excluir ou marginalizar. Ou seja, normalmente aqueles que são realmente diferentes dos que qualificamos como “fisicamente e mentalmente aptos”.

Há que se ter sempre um cuidado em relação à concepção de “direitos”, porque às vezes quando julgamos estarmos construindo algo podemos estar beneficiando alguns enquanto rejeitamos muitos outros: “[…] Podemos considerar o que é ser um chimpanzé, uma galinha ou uma criança com uma deficiência cognitiva em suas relações únicas com os outros. Ao imaginar seus mundos a partir de suas perspectivas, podemos ver que o bem-estar geral pode ser promovido de diferentes formas, mas o bem-estar de um não é menos valioso do que o de outro apenas porque são diferentes.”

Saiba Mais

Lori Gruen se dedica à teoria à prática ética como foco particular em questões que envolvem animais humanos e também animais não humanos. Ela já publicou livros sobre a questão animal e o ecofeminismo. Em 1994, lançou o livro “Reflecting On Nature: Readings in Environmental Ethics and Philosophy”, em parceria com Dale Jamieson; “Ethics and Animals: An Introduction”, de 2011; “The Ethics of Captivity”, de 2014; e “Entangled Empathy: An Alternative Ethic for Our Relationships with Animals”, de 2015; além de outros.

Referência

 





Richard D. Ryder: “Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos”

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“A igualdade das espécies é a conclusão lógica da moral pós-Darwin”

Uma das obras mais importantes de Ryder

Em 6 de agosto de 2005, o jornal britânico The Guardian publicou um artigo de grande repercussão escrito pelo influente psicólogo, defensor dos direitos animais e escritor britânico Richard D. Ryder, que em 1970 criou em Oxford o termo “especismo”. Intitulado “All beings that feel pain deserve human rights”, ou seja, “Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos”, o texto é uma defesa moral dos direitos dos animais não humanos à vida, além de uma crítica contundente ao desinteresse humano em não considerar os interesses de outros animais. Interesses esses que incluem o natural desejo de não passar por privação, não sentir dor e não ser assassinado; imposições diárias que partem de uma prerrogativa arbitrária humana. Logo abaixo, segue a tradução do artigo na íntegra:

A palavra “especismo” me veio à mente enquanto eu estava deitado em uma banheira em Oxford há 35 anos. Era como o racismo ou sexismo – um preconceito baseado em diferenças físicas moralmente irrelevantes. Desde Darwin, sabemos que somos animais humanos que se relacionam com outros animais através da evolução; como, então, podemos justificar a nossa opressão quase total de todas as outras espécies? Todas as espécies animais podem sofrer dor e angústia. Animais gritam e se contorcem como nós; seus sistemas nervosos são semelhantes e contêm os mesmos componentes bioquímicos que sabemos que estão associados à experiência da dor.

Nossa preocupação com a dor e o sofrimento dos outros deve ser estendida a qualquer “painiente” [indivíduo que sente dor] – sensação de dor – independente de sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie. De fato, se os alienígenas são painientes ou se nós fabricamos máquinas que são painientes, então devemos ampliar o círculo moral e incluí-los. A dor é a única base convincente para atribuir direitos ou, de fato, interesses a outros.

Muitas outras qualidades, como “valor inerente”, foram sugeridas. Mas o valor não pode existir na ausência de consciência ou consciência potencial. Assim, rochas, rios e casas não têm interesses e não possuem direitos próprios. Isso não significa que, claro, eles não têm valor para nós, e para muitos outros painientes, incluindo aqueles que precisam deles como habitats e que sofreriam sem eles.

Muitos princípios morais e ideais foram propostos ao longo dos séculos – justiça, liberdade, igualdade e fraternidade, por exemplo. Mas estes são meros passos para o bem final, que é a felicidade; e a felicidade é facilitada pela liberdade de todas as formas de dor e sofrimento (usando as palavras “dor” e “sofrimento” – intercambiáveis). De fato, se você pensa sobre isso cuidadosamente, você pode ver que a razão pela qual esses outros ideais são considerados importantes é porque as pessoas acreditam que são essenciais para o banimento do sofrimento. Na verdade, às vezes eles têm esse resultado, mas não sempre.

Por que enfatizar a dor e outras formas de sofrimento em vez de prazer e felicidade? Uma resposta é que a dor é muito mais poderosa do que o prazer. Você não prefere evitar uma hora de tortura do que ganhar uma hora de felicidade? A dor é o único e verdadeiro mal. O que dizer então do masoquista? A resposta é que a dor lhe dá um prazer maior que a sua dor!

Um dos importantes princípios do painismo (o nome que dou à minha abordagem moral) é que devemos nos concentrar no indivíduo porque é o indivíduo – não a raça, a nação ou a espécie – que gera o real sofrimento. Por esta razão, as dores e os prazeres de vários indivíduos não podem ser agregados de forma significativa, como ocorre no utilitarismo e na maioria das teorias morais. Um dos problemas com a visão utilitária é que, por exemplo, os sofrimentos de uma vítima de estupro em grupo podem ser justificados se o estupro gerar uma quantidade maior de prazer aos estupradores. Mas a consciência, seguramente, é delimitada pelos limites do indivíduo. Minha dor e a dor dos outros estão, portanto, em categorias separadas; você não pode adicioná-las ou subtraí-las umas das outras. São mundos separados.

Sem experimentar diretamente dores e prazeres, eles não estão realmente lá – estamos contando apenas com suas cascas. Assim, por exemplo, infligir 100 unidades de dor em um indivíduo é, eu diria, muito pior do que infligir uma única unidade de dor em mil ou um milhão de indivíduos, mesmo que o total de dor no último caso seja muito maior. Em qualquer situação, devemos nos preocupar principalmente com a dor do indivíduo que é o sofredor máximo. Não importa, moralmente falando, o que é ou quem é o sofredor máximo – humano, não humano ou máquina. Dor é dor, independentemente do seu hospedeiro.

É claro, cada espécie é diferente em suas necessidades e em suas reações. O que é doloroso para alguns não é necessariamente para outros. Portanto, podemos tratar diferentes espécies de forma diferente, mas devemos sempre tratar o mesmo sofrimento de forma igual. No caso de não humanos, os vemos explorados implacavelmente pela agroindústria, em laboratórios e na natureza. Uma baleia pode levar 20 minutos para morrer depois de ser violentada com um arpão. Um lince pode sofrer por uma semana com a perna quebrada em decorrência de uma armadilha de dente de aço. Uma galinha mantida em gaiola de bateria pode passar a vida toda sem ter a oportunidade de esticar as asas. Um animal em um teste de toxicidade, envenenado por um produto doméstico, pode permanecer em agonia por horas ou dias antes de morrer.

A simples verdade é que exploramos os outros animais e lhes causamos sofrimento porque somos mais poderosos do que eles. Isso significa que se os alienígenas mencionados anteriormente aterrissassem na Terra e se tornassem muito mais poderosos do que nós – os deixaríamos nos perseguir e matar por esporte, diversão, experiências ou nos criarem em fazendas industriais até nos transformarem em saborosos hambúrgueres? Aceitaremos sua explicação de que seria perfeitamente moral que eles fizessem todas essas coisas, pois não somos da mesma espécie?

Basicamente, isso resume à fria lógica. Se nos preocupamos com o sofrimento de outros seres humanos, logicamente também devemos nos preocupar com o sofrimento dos não humanos. É o explorador insensível dos animais, não o protetor de animais, que está sendo irracional, mostrando uma tendência sentimental de colocar a sua própria espécie em um pedestal. Todos nós, graças a Deus, sentimos uma centelha natural de simpatia pelo sofrimento dos outros. Precisamos pegar essa centelha e ventilá-la em um fogo de compaixão racional e universal.

Tudo isso tem implicações, claro. Se gradualmente trouxermos os não humanos para o mesmo círculo moral e legal que nós mesmos, não seremos capazes de explorá-los como nossos escravizados. Muitos progressos foram feitos com uma nova e sensata legislação europeia nas últimas décadas, mas há um longo caminho a percorrer. Estamos atrasados no reconhecimento internacional do status moral dos animais. Existem vários tratados de conservação, mas nada a nível da ONU, por exemplo, que reconheça os direitos, os interesses ou o bem-estar dos próprios animais. Isso deve, e eu acredito que vai, mudar.

Saiba Mais

Ao longo de mais de 40 anos, Richard D. Ryder influenciou importantes nomes na luta pelos direitos animais e publicou importantes livros como “Victims of Science”, de 1975; “Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Speciesism”, de 2000; “A Modern Morality”, de 2001; “Putting Back Into Politics”, de 2006; e “Speciesism, Painism and Hapiness”, de 2011.





Sobre “frescuras”

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Um sujeito me disse que acha que é frescura quando uma pessoa se recusa a comer carne. Então perguntei se ele também considera frescura quando um animal se debate em dor e desespero, lutando pela própria vida, enquanto é degolado. Ele não comentou nada.

Written by David Arioch

January 28th, 2017 at 8:34 pm

Com os animais não morre somente a carne

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“Homem Moderno Seguido pelos Fantasmas de Sua Carne”, da artista britânica Sue Coe

Visite uma grande criação e olhe nos olhos de cada animal. Por mais parecidos que eles sejam, nunca são iguais. São seres únicos, e cada qual nasce com a sua própria individualidade e peculiaridade sensitiva.

O maior exemplo disso é a reação diversa à nossa presença. Alguns se assustam, outros se aproximam; há aqueles que imóveis assistem em silêncio e há aqueles que emitem algum tipo de som.

Quando esses animais são mortos, o que morre com eles não é somente a carne, mas existências singulares que não tiveram tempo de amadurecer para reconhecer o seu próprio lugar no mundo, e é daí que acredito que vem o desespero animal diante da finitude.

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Written by David Arioch

January 26th, 2017 at 12:06 am

Um ratinho na cozinha

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Arte: Risachantag

Com não mais que sete anos, numa noite fui até a cozinha e encontrei meu pai sentado no chão, aparentemente falando sozinho. Quando me aproximei, vi que tinha um rato perto dele, desses que a maioria despreza e mata quando invadem a cozinha. Ele conversava com o animalzinho, e achei aquilo intrigante.

Por alguns meses, meu pai encontrou todas as noites aquele ratinho ruço, o alimentando com a mais singela malácia. Mazzaropi sempre retornava quase no mesmo horário, com diferença de minutos. Um dia, ele desapareceu. Então perguntei ao meu pai o que ele faria: “Nada, porque na hora certa ele seguiu o seu caminho, o que não deve ser traçado por nós só porque demos a ele um pouquinho daquilo que chamamos de carinho.”

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Written by David Arioch

January 25th, 2017 at 11:40 pm

Leandro Karnal: “Os vegetarianos são insuportáveis”

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“Eles ficam querendo pregar que a vaca tem direito e a cenoura não”

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Karnal compara os direitos dos animais com os direitos das cenouras (Foto: Reprodução)

Está disponível no YouTube uma palestra do professor Leandro Karnal intitulada “Os Novos e os Velhos Pecados”. Em um determinado momento, o historiador diz que “Os vegetarianos são insuportáveis. Eles ficam querendo pregar que a vaca tem direito e a cenoura não.” Quando você compara um animal com uma cenoura, você está querendo dizer que um animal sofre tanto quanto uma cenoura, ou seja, há uma banalização do sofrimento e da violência. Agora imagine o que isso pode representar na cabeça de um jovem que já não gosta muito de animais.

Bom, achei uma pena vê-lo fazendo esse tipo de comentário satírico e sem embasamento, ainda mais levando em conta que ele costuma viajar pelo país ministrando palestras sobre moral e ética. Pelo jeito, ele precisa estudar sobre direito animalista, que também versa sobre moral e ética. Karnal costuma citar filósofos gregos em suas palestras, e parece-me que ele não sabe que era comum entre eles uma alimentação isenta de carne, e por uma questão moral – o que contrapõe sua observação mais do que irônica.

Em seus artigos e palestras, também há inúmeras citações a Arthur Schopenhauer. Creio que se ele conhecesse profundamente o trabalho do filósofo alemão jamais teria ignorado o fato de que Schopenhauer escreveu que animais não são artigos fabricados para o nosso uso, de acordo com informações da página 375 do livro “Parerga and Paralipomena: Short Philosophical Essays – Volume 2 .

Animais não são meros meios para quaisquer fins. Ao pensarmos que sim, somos coniventes com a violência contra outras espécies e incentivamos a exploração animal em todas as esferas, sendo permissivos inclusive com formas inimagináveis de privação e crueldade. E esse tipo de conduta em detrimento de outros seres vivos leva a um questionamento a respeito da nossa própria moralidade que não contempla ninguém além de nós mesmos.

Schopenhauer via isso como um tipo frequente de moralidade de conveniência. Sendo assim, pode-se dizer que a moralidade conveniente ao homem não é moralidade, já que a moralidade genuína depende de você não observar somente a si mesmo e as conveniências que envolvem apenas aqueles que são de sua própria espécie.

“É uma vergonha essa moralidade digna de párias […], chandalas, mlechchas e que não reconhece a essência eterna que existe em cada coisa viva, e brilha com significado inescrutável em todos os olhos que veem o sol”, escreveu Arthur Schopenhauer na página 173 do livro “O Fundamento da Moral”, publicado em 1840.

Seria mais honesto o historiador Leandro Karnal dizer: “Dane-se os animais e os vegetarianos”, que parece ser o que ele pensa, mas não fazer piadas sobre pessoas simplesmente por serem vegetarianas. É curioso reconhecer que já vi ele falando de moralidade e citando Tolstói. Provavelmente ele não sabe que o autor de “Guerra e Paz” e “O Primeiro Passo” era vegetariano.

A segunda obra que citei, publicada pela primeira vez em russo em 1883, fala justamente da nova concepção moral que Tolstói alcançou com o vegetarianismo. Então observo com certo pesar quando alguém discorre sobre moralidade e faz chacota do vegetarianismo, já que a moralidade vegetariana preza pelo bem-estar animal. Ou seja, tenta expandir a compreensão ética e moral para além daquela que abarca somente seres humanos.

Não é a primeira vez que vejo o Karnal cometendo esse tipo de deslize. Uma vez, quando assisti uma de suas palestras, ele confundiu esteroides anabolizantes com vitamina ADE, e usou a imagem de um rapaz para abordar o tema. Ou seja, é importante termos o cuidado de não abordarmos assuntos sobre os quais não temos conhecimento. Também é ético não expor pessoas à situação vexatória, mesmo que por meio de imagens.

Resposta de Leandro Karnal em que ele confunde veganismo com especismo (Imagem: Reprodução)

Resposta de Leandro Karnal em que ele confunde veganismo com especismo (Imagem: Reprodução)

O problema na atualidade é que há pensadores falando sobre assuntos que desconhecem. Seria muito mais interessante e proveitoso para todos se eles se preocupassem basicamente em transmitir informações sobre aquilo que estudaram e sobre o qual desenvolveram um raciocínio valorosamente crítico.

Algumas pessoas me disseram que o Karnal não disse nada de mais ao fazer piada sobre vegetarianos e os direitos animais, já que ele defende, mesmo que sem argumentos, o ponto de vista dele. Bom, se ele tivesse um programa de stand-up, eu não me importaria com o que ele falou. A diferença é que ele é um formador de opinião que viaja pelo país discutindo sobre moral e ética. Ademais, direitos dos animais tem tudo a ver com moral e ética. Logo se ele vai falar alguma coisa sobre isso, é importante sim estudar sobre o assunto.

Além de desconsiderar meu texto e não apresentar argumentos, Karnal continuou debochando de todos que o questionaram sobre o vídeo em que ele satiriza vegetarianos e os direitos animais. Pelo jeito, o historiador não sabe que vegetarianos e veganos, que se recusam a se alimentar de animais por uma questão moral, naturalmente defendem inclusive o direito à vida dos insetos. Parece que houve uma confusão com um entendimento particularista de especismo. Uma pena, mas cada um conhece a sua própria consciência. 

“Se o problema é dor, bastaria dar sonífero para as vacas e matá-las ao som de Mozart, certo? Seria uma carne sem dor.” Muita sensibilidade vinda de alguém que discorre sobre filosofia. Ainda bem que na contemporaneidade tivemos e temos filósofos como Agostinho da Silva, Sônia T. Felipe, Peter Singer e Tom Regan, só para citar alguns, que foram e vão na contramão disso. Outro fato inesperado é que Leandro Karnal deletou os comentários de veganos e vegetarianos o questionando sobre o assunto.

Passagem em que Leandro Karnal ironiza vegetarianos e os direitos dos animais:

https://www.youtube.com/watch?v=ZAjKScwJvVc

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