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As ruas de cascas de peroba
As primeiras vias de Paranavaí foram pavimentadas com restos de madeira
Na década de 1940, quando as vias de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, eram compostas por faixas de areia, os pioneiros usaram cascas de peroba como alternativa de pavimentação para o tráfego de veículos.
O marceneiro José Ebiner é o pioneiro da pavimentação em Paranavaí. Na época em que a colônia era chamada de Fazenda Brasileira, teve a ideia de cobrir as vias, que se resumiam a faixas de solo arenoso batido, com cascas de peroba. “A Velha Brasileira era puro areião. Então o Zé Ebiner inventou o calçamento. Isso não começou com os nossos prefeitos não. Foi com a gente usando cascas de madeira”, afirmou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
O marceneiro tomou a iniciativa de cobrir o solo arenoso da Avenida Paraná e da Rua Getúlio Vargas com os muitos restos de madeira que sobravam na serraria. “O Zé Ebiner foi um dos primeiros pioneiros. Quando cheguei aqui a primeira coisa que fiz foi comprar madeira dele”, relatou Palhacinho. O pioneiro paraibano Cincinato Cassiano Silva faz coro às palavras de José Ferreira. “A primeira serraria privada de Paranavaí foi do Ebiner”, comentou.
Pioneiros lembram que a comunidade se uniu para transportar as cascas de peroba e esparramá-las pelas vias da Brasileira. “Era só jogar nas ruas que já dava um pavimento bom pra passar um pé-de-bode”, declarou José Ferreira. Os restos de madeira proporcionavam mais firmeza as vias e também beneficiavam os pedestres.
Em dias de Sol, os transeuntes podiam caminhar sobre as cascas para evitar sujar os calçados. Já quando chovia, o pavimento improvisado permitia que escapassem da lama. “A ideia do Ebiner ajudou muito a gente”, enfatizou Araújo, acrescentando que é impossível falar de madeira nos tempos da colonização sem citar o marceneiro.
O pioneiro paulista Valdomiro Carvalho prestou muitos serviços a José Ebiner. Carregou um grande número de toras de árvores que serviram para a construção de residências, casas comerciais e pavimentação. “Eu puxava tudo com um carretão de bois. Ia lá pra mata bruta derrubar figueiras, perobas, paus d’alho e palmitos. Quase todos os tipos de madeira”, complementou Carvalho.
Ebiner ajudou a construir o estádio e o Grupo Escolar
De acordo com o pioneiro paulista Natal Francisco, Ebiner contribuiu na criação do primeiro estádio de Paranavaí, onde é atualmente a Praça dos Pioneiros. “Ele me ajudou muito. Cobrou pouco pela mão-de-obra e pela madeira”, destacou. O marceneiro também teve participação importante na viabilização do primeiro hospital local.
“O Zé Ebiner deu madeira para construir o Hospital do Estado e também o Grupo Escolar [primeira escola de Paranavaí, onde se situa hoje o Colégio Estadual Marins Alves de Camargo]”, revelou o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira. Parte da madeira aproveitada pelo marceneiro, que também forneceu matéria-prima para a construção da primeira igreja, pertenceu a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) nos tempos em que Paranavaí era conhecida como Distrito de Montoya.
O pioneiro José Ferreira desabafou que nos anos 1940 a vida na colônia era muito difícil. O povoado era praticamente ignorado pelo Governo do Paraná. “A gente teve que fazer muitos sacrifícios como esse da pavimentação. Vivíamos no completo abandono, autoridades estaduais nunca vinham pra cá confortar o povo. Éramos obrigados a decidir tudo. O que valia era a palavra de cada um que vivia aqui”, reclamou.
Só a partir de 1946, a Colônia Paranavaí ganhou outras serrarias. Um homem conhecido como “Seu Pombalino” abriu uma na Avenida Distrito Federal, próxima ao Posto São José. Era pequena, mas também ajudou bastante. “Depois veio a marcenaria do Otto”, ressaltou Cincinato Cassiano.
Paranavaiense ou mandaguariense?
População de Paranavaí teve de registrar os filhos em Mandaguari até 1952
Até 1952, muitos moradores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, enfrentaram dificuldades para se casar e registrar os filhos. Naquele tempo, Paranavaí era apenas um distrito de Mandaguari e não tinha cartório próprio.
Os produtores rurais Gabriel e Francisca Schiroff, que chegaram a Paranavaí nessa época e fixaram residência em Graciosa, lembram com preciosismo as agruras de um tempo que a comunidade distrital se resumia a 50 famílias. “Tudo era muito difícil e Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari. A situação só começou a melhorar no final de 1952, quando aqui virou cidade”, conta o pioneiro Gabriel Schiroff.
Até então, antes de Paranavaí tornar-se município em 14 de dezembro de 1952, era comum Mandaguari constar como cidade natal no registro de nascimento. Exemplo é o produtor rural Eugênio Vandresen, residente em Graciosa, que enfrentou uma situação inusitada por ter nascido naquele ano. “Quando fui servir o exército em Brasília, me perguntaram onde nasci. Então respondi Paranavaí, daí retrucaram que eu não sabia onde nasci, já que consta Mandaguari”, destaca Vandresen rindo. Outro problema apontado pela pioneira Francisca Schiroff era a inexistência de padre e igreja na “cidade”.
Mesmo com a condição oficial de município, houve muitos casos de pais que, em função da distância até o cartório, registravam os filhos até meses depois. Para não pagar multa, mentiam para o cartorário, informando que a criança nasceu no dia em que o registro era feito. “Nasci em 7 de maio de 1956, mas na certidão de nascimento consta 20 de julho. Ou seja, meu pai me registrou mais de dois meses depois. Esse tipo de coisa acontecia principalmente com quem morava na zona rural”, exemplifica a empreiteira Maria Neuza Silva.
Situações inimagináveis na atualidade faziam parte do cotidiano de quem viveu em Paranavaí nos primeiros anos da década de 1950. Exemplo é o tio de Eugênio Vandresen que, acompanhado da noiva, saiu de Graciosa e foi até Mandaguari a pé para se casar. Depois de oficializado o matrimônio, retornaram para casa, onde parentes e amigos preparavam a festança. “Parece algo impossível, mas na época não era. Hoje, se alguém tiver de fazer isso, desiste de se casar”, comenta Gabriel Schiroff às gargalhadas, ressaltando a força de vontade dos habitantes da época.
Mas, segundo a pioneira Francisca, no final da década de 1950, a realidade de quem vivia em Graciosa ou na zona rural de Paranavaí mudou bastante. “A partir dessa época, a cidade começou a evoluir e tudo ficou mais fácil. Só quem viveu aquele período entende isso”, avalia.
Viagem tinha de valer a pena
Imagine um grupo de pessoas subindo sobre a carroceria do velho caminhão de uma serraria; único transporte acessível para chegar até a cidade. Logo depois de alguns minutos no carreador, o veículo apresenta um problema mecânico e todo mundo é obrigado a descer.
Ao redor, sentem apenas um forte cheiro de vegetação queimada; colonizadores estão ateando fogo no mato. Enquanto as chamas se alastram, a fumaça se conduz até o carreador. No horizonte, o ponto de referência para a cidade é perdido, restando apenas uma saída: contornar o trajeto da queimada.
A realidade descrita acima foi vivenciada inúmeras vezes por Francisca Schiroff e outros pioneiros de Graciosa, quando se aventuravam em sair do distrito para vir a Paranavaí. “Ninguém podia se dar ao luxo de ficar doente. Quando o caminhão da serraria não passava por aqui, a gente recorria ao meu cunhado que tinha um Ford 1950. Só chamávamos ele quando alguém realmente precisava de médico”, revela a pioneira.
“Vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria”
A população de Graciosa só deixava o povoado quando surgia alguma necessidade primária. A mais comum era a aquisição de roupas. As compras eram feitas nas duas lojas que existiam na cidade. Uma de propriedade de Carlos Faber e a outra de Severino Colombelli.
Francisca Schiroff era exceção. Deixava Graciosa mesmo quando os carreadores estavam intransitáveis. Enquanto a maioria vinha a Paranavaí quatro vezes por ano, ela se aventurava pelo menos uma vez por mês. “Tudo que era feito no sítio, a gente levava para vender na cidade. Lembro que vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria. O pessoal adorava broa de milho”, relata a pioneira sorrindo.
Nos anos 1950, de acordo com Gabriel Schiroff, os clientes gostavam muito de comprar banha de porco porque o óleo de cozinha ainda não era comercializado. “Era muito bom, principalmente para frituras”, enfatiza. O sucesso dos produtos rendeu fama aos produtores rurais de Graciosa. Tanto que quando alguma carroça do distrito chegava carregada de alimentos, a população da cidade a cercava. “Sabiam sempre qual o dia que estaríamos lá. Nem era preciso dizer”, complementa Francisca.
Curiosidade
Francisca Schiroff nasceu no Patrimônio de São José, em Santa Catarina. Como não havia cartório no local, foi registrada em uma cidade próxima – Braço do Norte.
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