David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut

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Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut. “Fahrenheit 451” sobre a emergência da sonhada utopia transformada em distopia é a prova disso. O cerceamento da liberdade sob o pretexto da preservação da “tradição-maior” (“O que é tradição se não um arremedo em construção?”, já diziam os antigos) ou de valores incertos e questionáveis em uma sociedade diversa são sempre marcados pelo anti-intelectualismo na história das sociedades. O anti-intelectualismo é a guarida do despotismo, e surge sempre sob a pretensão de um “bem maior”, “da proteção de valores que nem mesmo são valores.

Se vale da ignorância combinada aos destemores de uma massa indouta, inculta para determinar e escolher por você o que é bom ou não, sem possibilidade de livres escolhas, porque segundo essa crença não há o que escolher, apenas ceder. Em “Fahrenheit 451” há queimas de livros, assim como muitos adorariam fazer hoje com os chamados “livros doutrinadores”. Ou seja, a crença na libertação baseada na privação. Intrigante, não? Atualmente, todos os dias nos deparamos com um sem-número de Montags, bombeiros que não apagam fogo, mas que adorariam incendiar e amplificar a incoerência da ignorância e da intransigência humana.

 

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October 20th, 2018 at 1:06 am

Sem oposição à ditadura, você não poderia votar para presidente hoje

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Estudante caindo no chão, durante perseguição policial aos manifestantes na Avenida Rio Branco.

Após a ditadura, o direito ao voto para presidente, o surgimento das Diretas Já, foi uma conquista baseada em oposição e luta. Sendo assim, qual foi a contribuição ao processo democrático das pessoas que apenas seguiram suas vidas nos tempos da ditadura militar? Elas simplesmente não contribuíram nesse processo. Quem diz que a ditadura foi uma maravilha deixa claro que não era opositor, e nessa ausência de oposição você confirma que não é graças a você que temos o direito de votar para presidente hoje.

David Arioch, jornalista e historiador.

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September 16th, 2018 at 1:35 pm

Kostolias e a história do jovem que foi preso por ser vegetariano

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“Hernán sempre sentira aversão por carne. Era algo que vinha desde a sua infância” 

Lançado em 2016 pela Editora Jaguatirica, “O Exilado Político Vegetariano” é um romance de Alexandre Kostolias baseado em fatos reais. A obra conta a história de Hernán López, um rapaz de origem humilde, morador de um dos bairros mais pobres de Santa Fé, na Argentina, que é perseguido e preso em janeiro de 1970. O motivo? Hernán é vegetariano.

Uma das vítimas da ditadura argentina, ele é arrastado de dentro da própria casa e jogado dentro de uma cela, sem direito a advogado ou qualquer tipo de intervenção a seu favor – nem mesmo contato com qualquer pessoa que não seja o carrasco “La Bestia”. Para realçar a quimera da situação, somente depois de semanas, quando é interrogado pela primeira vez pelo “Comisario Supervisor”, é que a Polícia da Província de Santa Fé reconhece que não há outro motivo para o rapaz estar preso, a não ser por sua filosofia de vida vegetariana; já que ele não é “comunista” nem “maricón” – considerados crimes na Argentina da época.

Na cela, Hernán mal dorme, pois sabe que sempre às 6h o carrasco “La Bestia” os visita. “O que lhe aconteceria? Só para começar, levaria um choque elétrico com bastão, o mesmo usado para conduzir gado para o abate nos frigoríficos. O pavor de levar choque com bastão atingia Hernán visceralmente: um dos motivos de suas convicções vegetarianas era o horror que lhe causava só de pensar na forma como os animais são abatidos nos matadouros. Era impossível saber o que o aguardava”, relata Kostolias nas páginas 32 e 33.

A recusa de Hernán López em consumir carne é considerada execrável porque o regime político da Argentina de 1970 considerava a pecuária como o maior orgulho econômico do país. E o desprezo de Hernán por essa cultura baseada na morte de animais era vista como uma atitude antipatriótica, passível de punição.

“Todos tinham muito orgulho da carne de Santa Fé. Bem, quase todos. Hernán López detestava carne. Pertencia a uma categoria de gente sobre a qual, naquelas bandas, pesavam muitas suspeitas, mas poucas informações: os vegetarianos. Hernán sempre sentira aversão por carne. Era algo que vinha desde a sua infância. Os bifes que o obrigavam a comer eram ingeridos com muita dificuldade, lhe causavam náuseas”, narra o autor na página 40.

Por ser vegetariano, os problemas de Hernán surgiram muito cedo. Os primeiros atritos foram com o pai Juan, um homem violento tanto dentro quanto fora de casa. Tendo trabalhado por muito tempo na “lida de gado”, atividade que associava à própria masculinidade, considerava uma afronta ter que tolerar um filho vegetariano sob o mesmo teto, ainda mais em um contexto onde carne era inclusive sinônimo de bem-estar. Associada às mulheres, trazia a equivocada ideia de saúde; e associada aos homens, a equivocada ideia da virilidade:

“Todo bife ancho e asado de costilla que trazia para casa, – com frequência cada vez menor – ganho em troca de serviços esporádicos prestados a algum rancheiro, era sagrado, e Hernán era forçado a comer a sua parte. Se necessário fosse, sob ameaça de chicote e pancada.”

Por isso, a convivência com o pai vaqueiro marcou uma das piores fases da vida do jovem protagonista. Mesmo sentindo profunda aversão, uma repulsa visceral por todos os tipos de carne, se viu obrigado a aprender a engolir sem mastigar – tentando não pensar em tudo que, para ele, estava evidentemente associado ao ato de consumir carne:

“Aprendeu a cortar pedaços no tamanho exato, grandes o suficiente para reduzir o número de vezes que tinha que cometer o sacrifício, pequenas o bastante para passar pela goela abaixo. E fazendo sempre um tremendo esforço para não vomitar. Não é de surpreender que quando seu pai faleceu de cirrose hepática aos 44 anos, Hernán não tenha ficado triste com a ocorrência. Respirou aliviado e nunca mais foi obrigado a comer carne.”

Já detido e encarcerado, em um dos interrogatórios com o “Comisario Supervisor”, Hernán pergunta se é crime ser vegetariano. Então o homem admite que nada consta no Código Penal, porém afirma que ser vegetariano pode se enquadrar como uma ofensa cultural, um delito social.

“Mas eu não considero um delito muito grave ser vegetariano. Eu mesmo, às vezes, prefiro um dourado do Rio Paraná na chapa, ao invés de um bife ancho”, declara o interrogador. Hernán, mesmo diante de uma situação difícil explica que um autêntico vegetariano não come peixe. Só grãos, legumes, verduras, raízes, frutas, coisas assim. Então o “Comisario” não reage bem à explicação do rapaz.

— Hmmm. Tem certeza? Um evidente radicalismo. Você tem certeza de que não é marxista-leninista?”, questiona.

“O Exilado Político Vegetariano”, de Alexandre Kostolias é uma obra sobre um jovem com identidade própria que tenta trilhar o seu próprio caminho em um mundo onde até mesmo a pretensa tolerância está coberta, implícita e explicitamente, de incomplacência. Enquanto as cortinas da vida caem, Hernán López deseja apenas viver à sua maneira, sem ser julgado e condenado por isso.

Em síntese, e na minha concepção, “O Exilado Político Vegetariano” é um livro sobre alguém que, até então imerso em um minúsculo universo de particular inocência e simplicidade, é lançado em um mundo de conflitos constantes entre individualidade, coletividade e alteridade que se diluem entre si. Por onde Hernán passa, há um desespero existencialista, se não o dele, o dos outros, que em face da liberdade de escolha não veem outro sentido na vida que não vivê-la, sofregamente ou não, independente de erros e acertos, e da angústia em um mundo em constante e célere transformação.

Para além do enredo, um dos pontos altos do livro é a leveza e irreverência da narrativa de Alexandre Kostolias, que intercala momentos de tensão com muito bom humor. Em alguns aspectos, a estrutura narrativa e a fluência textual de “O Exilado Político Vegetariano” me trazem lembranças do estilo individual despojado de Charles Bukowski.

Saiba Mais

“O Exilado Político Vegetariano” está à venda na Amazon, Cultura, Saraiva, Americanas e Submarino.





O equívoco de Zezé di Camargo ao dizer que a Hungria vive uma ditadura

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Imagino que o cantor Zezé di Camargo se identifique com política de centro-direita. Ele deu uma entrevista a Leda Nagle falando que a Hungria vive uma ditadura (a citando junto com países como Coréia do Norte e Venezuela). Ignorou (ou talvez não saiba) que o primeiro-ministro da Hungria é o Viktor Orbán, líder do Fidesz, maior representante de centro-direita da Hungria. Hungria só foi “comunista” nos tempos da União Soviética. Seria o mesmo que chamar a Rússia hoje de “socialista” (vide Perestroika, Glasnost). Vamos estudar um pouquinho.





Written by David Arioch

September 14th, 2017 at 12:44 am

“Por que o senhor chama a ditadura de revolução?”

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Imagem: Canal Notícias Comentadas (https://www.youtube.com/watch?v=eh4NMsN4Sm4)

Conversando, com um amigo, do nada ele me falou que com o retorno da ditadura tudo iria melhorar no Brasil. Achei melhor ficar calado, sorrir e seguir o meu caminho. Há momentos em que não é difícil perceber que o silêncio diz mais do que qualquer palavra, apesar do clichê.

Isso me lembrou das vezes em que, entrevistando pessoas idosas, principalmente homens, alguns se referiram à ditadura como revolução. Assim, é sempre difícil não suspeitar que tenham sido simpatizantes do Golpe de 1964. Um dia, quando um senhor me disse isso, perguntei:

— Por que o senhor chama a ditadura de revolução?
— Porque foi uma verdadeira revolução. Tudo melhorou.
— Sério?
— Sim…
— Então fale isso para o meu tio que levou uma camaçada de pau e foi preso porque estava tocando violão em frente de casa numa noite de 1978.

Ademais, quem quiser conhecer as muitas histórias de corrupção nos tempos da ditadura, recomendo os livros “A Chave do Tesouro”, “Os Mandarins da República” e “A Dupla Face da Corrupção”, os três publicados pelo economista José Carlos de Assis, vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo em 1983. Outra boa referência sobre a ditadura militar é o documentário “O Dia que Durou 21 Anos”, de Camilo Tavares, lançado em 2013.

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Written by David Arioch

July 27th, 2017 at 12:37 pm

A professora que enfrentou sozinha o Estado Islâmico

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“Quando protestei em frente ao quartel-general do EI, ninguém teve coragem de tirar foto”

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“Eles atiraram em nós e mataram 16 pessoas que estavam com a gente” (Foto: Yvan)

Há anos, a professora síria Souad Nawfal protesta contra o Estado Islâmico e contra o regime ditatorial do presidente sírio Bashar al-Assad, que segundo ela é o maior responsável pela expansão terrorista na Síria. As ações de Souad tiveram início em 15 de março de 2012, após a morte de Ali Babinsky, de 17 anos, o primeiro sírio a ser assassinado pelo regime de Assad.

Naquele dia, um grupo se reuniu para realizar o funeral do garoto seguido por um protesto clamando por justiça. Mas o que ninguém imaginava era que Assad mandaria matar quem ousasse “afrontá-lo”. “Eles atiraram em nós e mataram 16 pessoas que estavam com a gente”, conta a professora. A popularidade de Souad, que sempre se recusou a seguir o código de vestimenta feminina, cresceu quando um vídeo dela intitulado “A Mulher de Calças” foi publicado na internet. Ao longo de quatro minutos, a professora aparece criticando o Estado Islâmico e o qualificando como um governo ilegítimo fundamentado no obscurantismo religioso.

“Comecei a protestar contra o Estado Islâmico quando eles levaram o Pai Paolo [jesuíta italiano que apoiou a revolução síria e tinha uma paróquia ao norte de Damasco], meu hóspede. Eles o raptaram e desde então nunca mais tivemos notícias”, relata. O padre foi visto como uma ameaça porque ele tinha planos de acabar com o sigilo envolvendo os crimes cometidos em Raqqa, no centro-norte da Síria.

Baixinha, Souad Nawfal, que tem como hábito usar apenas o hijab, e por tradição identitária, não por obrigação, chegou a passar meses protestando contra a imposição de uma nova ideologia que segundo ela é totalitarista e contrária ao verdadeiro islã. “O Estado Islâmico trata todos muito mal. São exatamente como o regime de Assad. Assustam e subjugam as pessoas”, reclama. Durante os protestos de 2012, o EI impediu que os manifestantes fotografassem ou filmassem as mobilizações. Quem os desafiasse, era surrado e preso.

“Ao longo dos 45 dias que protestei em frente ao quartel-general do Estado Islâmico, ninguém teve coragem de tirar foto de mim, nem de longe”, lembra. Ainda assim, ela prosseguiu sozinha, tentando chamar a atenção para a realidade do povo sírio que já morria aos milhares. Muitas vezes a professora foi alvo de xingamentos, cusparadas e até atropelamentos. “Um dia um homem de barba longa e branca, que fazia parte do Estado Islâmico, quis estacionar bem onde eu estava. Eu disse que não sairia e ele me bateu algumas vezes com o carro, querendo me intimidar”, enfatiza.

De acordo com Souad, o EI nunca teve dificuldade em conquistar adeptos porque a tática deles é baseada na desinformação. Para as linhas de frente, eles sempre procuram recrutar jovens pobres e ignorantes, que pouco acesso tiveram à educação formal. “Uma tática eficaz é a lavagem cerebral das crianças de Raqqa. Eles prometem alimento e dinheiro à família e em troca exigem que seus filhos se tornem soldados. Essas crianças se sentem poderosas porque ganham armas e são chamadas de ‘xeiques’”, pontua.

Não foram poucas as vezes que Souad teve uma kalashnikov apontada para sua cabeça. E as ameaças eram diárias. Acostumada, ela simplesmente respondia: “Vamos! Se vocês me matarem primeiro, não esqueçam que a segunda bala tem que ser para Bashar.” Esse comentário irritava os soldados do Estado Islâmico porque provava que a professora sabia do relacionamento de conveniência deles com o presidente sírio.

Nem mesmo Souad Nawfal consegue explicar como ela conseguiu ir tão longe sem ser assassinada. Embora seja vista como heroína por tantos ativistas sírios, é possível crer que o fato dela não integrar nenhum grupo ou movimento fizesse com que o Estado Islâmico não a encarasse como uma real ameaça, permitindo que ela vivesse.

Porém, de acordo com o jornalista estadunidense Michael Weiss e o analista sírio Hassan Hassan, Souad ficou bem próxima da morte em setembro de 2012, quando o Estado Islâmico atacou e queimou duas igrejas cristãs, removendo as cruzes e colocando a bandeira negra da jihad. “No dia 25 de setembro, eles fizeram isso na igreja católica Sayidat al-Bishara e então 24 pessoas apareceram para protestar”, narram.

Ciente de que não adiantaria se queixar diante dos escombros. Souad sugeriu que todos a acompanhassem até o quartel-general do EI. Porém, antes de chegar lá, os manifestantes se dispersaram e a deixaram sozinha. Irritados, os soldados do Estado Islâmico lançaram uma bomba que explodiu ao lado da professora. Por sorte, ela saiu ilesa. “Antes escrevi uma mensagem à minha família me desculpando. Eu achava que aquele seria meu fim”, confidencia.

E para piorar, um garoto de 16 anos se aproximou, a chamou de infiel e perguntou aos outros soldados porque eles não matavam Souad. Não houve resposta. Ordenaram apenas que o menino se afastasse. “Depois um sujeito armado desceu de um carro, me pegou pelo braço e bateu em meu ombro”, assinala. A professora também recebeu cusparadas de outro homem.

Antes de ser liberada, ela fez questão de se queixar da apatia da população síria: “Vocês estão felizes, sírios? Olhem o que eles estão fazendo comigo. Olhem para suas mulheres, como elas estão sendo estupradas, como estão sendo atacadas e vocês só aí, olhando.”

Prêmio Homo Homini

Em 2015, Souad Nawfal foi premiada em Praga, na República Tcheca, com o prêmio Homo Homini, destinado a quem luta pela defesa dos direitos humanos. Até hoje a professora atua como ativista, denunciando as mazelas do Estado Islâmico e do governo sírio.

Ela também critica a apatia da comunidade internacional, que ignora o fato de que mais de 470 mil pessoas já morreram na Síria ao longo de cinco anos de Guerra Civil, segundo dados do Centro Sírio para Pesquisa Política.

De acordo com Souad, o único jeito de acabar com o terrorismo na Síria é derrubando o regime de Bashar al-Assad, a quem ela culpa por oferecer condições para a expansão do Estado Islâmico no Oriente Médio.

Referências

Weiss, Michael. Hassan, Hassan. Isis: inside the Army of Terror. Regan Arts (2015).

If Assad falls the terrorists will fall too – Souad Nawfal accepts the Homo Homini Award (2015). Disponível em http://oneworld.cz.

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Quando o Khmer Vermelho fez milhões de vítimas no Camboja

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Empresário foi uma das milhões de vítimas do Angkar

A reforma política do Khmer Vermelho culminou em genocídio, miséria e fome (Foto: Reprodução)

A reforma política do Khmer Vermelho culminou em genocídio, miséria e fome (Foto: Reprodução)

Entre os anos de 1975 e 1979, o Camboja, no sudeste asiástico, foi governado pelo Khmer Vermelho, como era mais conhecido o Partido Comunista do Kampuchea (Angkar), uma organização política com o compromisso de promover de Norte a Sul do país uma nova engenharia social baseada na reforma agrária e autossuficiência. O problema é que a tentativa foi ineficaz, resultando em fome e miséria para a maior parte da população do Camboja.

Inocentes eram executados em sítios nas imediações de Phnom Penh (Foto: Reprodução)

Inocentes eram executados em sítios nas imediações de Phnom Penh (Foto: Reprodução)

Nesse período, muitos morreram vitimados por doenças que já tinham cura, como a malária, enquanto muitos outros, considerados opositores do governo, foram torturados e executados pelo Khmer Vermelho. Uma das vítimas do genocídio colocado em prática de 1976 a 1978 pelo Partido Comunista foi o empresário do ramo de transportes Kara Doung Sisowath.

De acordo com o cientista político cambojano Chanto Doung Sisowath, Kara Sisowath foi um dos milhões de alvos da política de genocídio do Khmer Vermelho. “Até hoje não consigo entender a razão da execução do meu pai e de todos os outros compatriotas. Ele não era um homem engajado na política, muito menos criminoso. Pelo pouco que me lembro, se tratava de um homem de família, assim como a maior parte dos cambojanos”, afirma Chanto Doung que era criança na capital Phnom Penh, quando o pai foi executado pelo Khmer Vermelho.

A ditadura do Angkar afetou milhões de cambojanos (Foto: Reprodução)

A ditadura do Angkar afetou milhões de cambojanos (Foto: Reprodução)

Entre 1970 e 1975, o chefe de família dos Sisowath recebeu muitos convites para deixar o país e começar uma nova vida longe da guerra civil que levaria o Khmer Vermelho ao poder. “Ele era patriota e não quis abandonar o Camboja e desistir da sua empresa de transportes. Meu pai disse que continuaria aqui porque ao final da guerra queria ajudar na reconstrução do país. Infelizmente, o seu patriotismo não foi recebido com gratidão”, declara Chanto Sisowath.

Logo as atitudes do empresário foram interpretadas como suspeitas pelo Partido Comunista que não acreditava nas boas intenções de pessoas sem ligação com o Khmer Vermelho. Kara Sisowath foi preso em 1978 e enviado para interrogatório. Um homem chamado Met Chan, conhecido como um contumaz inquiridor, conta que certo dia levaram Sisowath para fora de uma cabana, onde o arrastaram e o espancaram por todo o caminho, até chegarem ao sítio de execuções.

Crianças tiveram de aprender a conviver com a morte (Foto: J. Isaac)

Crianças tiveram de aprender a conviver com a morte (Foto: J. Isaac)

Antes de ser assassinado, o empresário foi algemado e jogado em um porão que ficava em um antigo templo abandonado, com outros três homens. Nenhum dos prisioneiros recebeu comida por dias. Sisowath estava com o rosto inchado e coberto por hematomas. Muitas de suas costelas foram quebradas pelos violentos golpes diários que o fizeram perder a consciência e a capacidade de articular palavras.

O empresário chegou a um ponto de sofrimento que não conseguia mais se mover, nem mesmo pedir por clemência. “Na última vez que falou, ele perguntou pela esposa, filho e filha. Imaginei que estivesse preocupado com a família, mesmo quase morto”, confidencia Met Chan que envergonhado pelo próprio passado começou a denunciar as práticas criminosas do partido em 1985.

Pol Pot e Leng Sary, dois dos maiores criminosos da História do Camboja (Foto: Reprodução)

Pol Pot e Leng Sary, dois dos maiores criminosos da História do Camboja (Foto: Reprodução)

Dois dias após o último interrogatório, Kara Sisowath recebeu três golpes com hastes de metal na parte de trás da cabeça. Met Chan preferiu não falar se o empresário morreu naquele momento ou se agonizou por mais algum tempo. “Meu pai foi morto em julho de 1978, cinco meses antes dos vietnamitas invadirem o Camboja e libertarem os prisioneiros do Khmer Vermelho. Hoje em dia, faço questão de ser uma das vozes que falam ao mundo sobre as atrocidades da política do Angkar [como os cambojanos se referiam ao Partido Comunista do Kampuchea]”, enfatiza emocionado o filho e cientista político Chanto Sisowath.

Durante o domínio do Khmer Vermelho, milhões de cambojanos perderam familiares e amigos. A maioria dos que viveram esse período tem problemas psicológicos e precisam de acompanhamento médico. “Ainda somos uma população assustada”, admite Chanto Doung. Muitos cambojanos talentosos, principalmente intelectuais, optaram por deixar o país, mesmo com o fim da política Angkar, o que foi muito negativo para o Camboja.

O que o Partido Comunista do Kampuchea fez, sob a liderança de Pol Pot e Leng Sary – dois dos maiores criminosos de guerra do país, jamais deve ser ignorado. “É uma lição monumental para as gerações futuras. Que o mundo evite mais dessas atrocidades, mas ao mesmo tempo nunca as esqueça”, ressalta o cientista político.

Curiosidades

Ex-líderes do Khmer Vermelho, Pol Pot e Leng Sary morreram de ataque cardíaco. O primeiro em 15 de abril de 1998 e o segundo em 14 de março de 2013.

Os crimes praticados no Camboja pelo Khmer Vermelho inspiraram a banda de punk-rock Dead Kennedys, uma das mais politizadas do gênero nos EUA, a compor o clássico Holiday In Cambodia, lançado em 1980.

Uma metamorfose social

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Lord of the Flies mostra como a necessidade de sobrevivência transforma as pessoas

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A liderança de Ralph encontra resistência no autoritarismo de Jack (Foto: Reprodução)

Lançado em 1990, Lord of the Flies, inspirado no livro homônimo de William Golding – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, é um filme do cineasta inglês Harry Cook que chegou ao Brasil com o título O Senhor das Moscas e mostra como a necessidade de sobrevivência transforma os seres humanos. Na obra, um grupo de crianças resiste a uma queda de avião no oceano e encontra abrigo em uma ilha.

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No início, os garotos seguem um programa diário de direitos e deveres (Foto: Reprodução)

Logo nos primeiros dias, Ralph (Balthalzar Getty), o mais maduro dos garotos, demonstra aptidão para a liderança, deixando claro, apesar da pouca idade, que o melhor meio de sobreviver e manter o equilíbrio é seguindo um programa diário de direitos e deveres. Para Ralph, todos na ilha desempenham papel importante e insubstituível, o que remete à democracia.

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Situação sai de controle quando Jack se torna líder (Foto: Reprodução)

Contudo, Jack (Chris Furrh) antagoniza o idealismo de Ralph. Assim como muitos líderes se aproveitaram de um momento de fraqueza de suas nações para instituir um sistema ditatorial, Jack faz o mesmo na ilha. Com a proposta de oferecer caçadas e brincadeiras aos comparsas, o garoto consegue persuadir quase todos os seguidores de Ralph, com exceção de Simon (James Badge Dale) e Piggy (Danuel Pipoly).

O primeiro é uma criança com uma essência mística que se destaca dos demais pela sensibilidade aguçada. O segundo representa a ciência, o juízo e a razão. Mas ninguém personifica melhor a metamorfose social do homem do que Jack. O garoto aparentemente amistoso se torna agressivo após formar um grande grupo de dissidentes. Embriagado pelo poder, se recusa a refletir sobre as propostas dos companheiros. O novo líder mergulha os passivos discípulos em uma realidade truculenta, chegando a perder a capacidade de ver a si e aos outros como crianças e adolescentes.

Jack cede espaço ao ódio indiscriminado e se isenta de culpa por todos os atos de injustiça, crente de que sacrifícios são válidos por um “bem maior”. O cineasta Harry Cook explora a transformação do personagem através de fortes expressões faciais, maquiagem pesada e vestimentas que se definham. Tudo se soma na construção simbólica da decadência do homem como ser social, marcado pelo retorno ao estado primitivo.

Curiosidade

O primeiro filme baseado na novela de William Golding, de 1954, foi lançado em 1963 pelo cineasta britânico Peter Brook.

Um autêntico pioneiro do jornalismo regional

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Há mais de 50 anos, Euclides Bogoni registra a história do Noroeste do Paraná

Bogoni é jornalista há mais de 50 anos

Bogoni: “Comecei no jornalismo de modo empírico, por idealismo, sem nenhuma formação específica” (Foto: Diário do Noroeste)

O jornalismo entrou na vida de Euclides Bogoni há mais de 50 anos. Desde então, o jornalista assumiu a missão de registrar a história da região de Paranavaí, o Noroeste do Paraná. Motivado por um idealismo surgido na época dos heróis do sertão, Bogoni foi um poeta que se transformou em jornalista quando arte literária e relato noticioso faziam parte de um mesmo panorama cultural e informativo.

O catarinense começou a escrever na juventude. Se dedicava a produzir poemas para publicar em livros. De Alto Paraná, onde seu pai tinha uma empresa, decidiu se mudar para Paranavaí. Aqui abriu um escritório. Assim como outro Euclides (da Cunha), aproveitou o conhecimento literário para narrar com caráter épico a trajetória dos heróis do sertão.

Em 1954, Bogoni foi convidado a ser redator-chefe da Folha de Paranavaí, cargo que assumiu com a missão de escrever poemas e artigos em que sugeria construções de obras públicas. Segundo o jornalista, a estrutura do jornal era precária. Não havia oficinas e a impressão era feita em outras cidades. “Como eu tinha um escritório, às vezes datilografava as matérias lá mesmo. Comecei no jornalismo de modo empírico, por idealismo, sem nenhuma formação específica”, afirma Euclides Bogoni em tom reflexivo.

No ano seguinte, houve uma paralisação tão grande em função das geadas que o jornal para o qual Euclides Bogoni trabalhava faliu. Outros veículos de imprensa que existiam em Paranavaí e região tiveram o mesmo destino. Então o jornalista decidiu fundar o Diário do Noroeste, um dos jornais mais antigos do Paraná, até hoje sob direção de Bogoni.

No início, o veículo era composto por dois funcionários e a edição possuía apenas quatro páginas, raramente chegando a seis.  “Não se separava matéria por editorias. Os assuntos não eram divididos nas páginas. A única diferença de destaque era o tratamento com a manchete”, lembra.

Atualmente o padrão mínimo do jornal regional é de 16 páginas, chegando a 28 graças ao advento da impressora rotativa. “Algo bem diferente da época em que sofríamos com a impressora manual. Além disso, só tínhamos acesso as informações de outras cidades e estados por meio do teletipo e de sinais via rádio”, frisa.

Euclides Bogoni foi um poeta que se tornou jornalista

Idealista, fundou o Diário do Noroeste em 1955 (Foto: Diário do Noroeste)

Com quase 55 anos de carreira profissional, Euclides Bogoni, mesmo não tendo cursado jornalismo, defende a obrigatoriedade do diploma. Segundo o jornalista, a formação acadêmica possibilita maior agregação de cultura e impõe ao profissional o respeito à ética. “Muitos que não fizeram faculdade têm facilidade em exercer a profissão, mas a situação é muito melhor quando a pessoa tem o diploma”, pondera. Se não fosse jornalista, provavelmente Euclides Bogoni seria advogado ou professor. “Na minha família, todos os meus irmãos lecionam”, justifica sorrindo.

O jornalista lembra que ingressou no meio impresso por causa da aptidão literária. Só parou de escrever poemas quando se restringiu ao relato noticioso. “Com o tempo, a inspiração desapareceu. Jornalismo é uma área que requer dedicação e promove um grande desgaste intelectual”, assegura.

“Jornal regional não sobrevive sem o poder público”

O jornalista Euclides Bogoni, proprietário do jornal Diário do Noroeste, admite que nenhum meio de comunicação regional sobrevive sem a participação financeira do poder público. “Os jornais publicam 80% de informações que não são pagas, então é justo recebermos para divulgar informações oficiais da prefeitura, por exemplo”, avalia.

O gerenciamento da comunidade se respalda nas ações da prefeitura, câmara municipal e poder judiciário, segundo o jornalista. São três poderes que precisam criar uma ponte de comunicação com a população. “O jornal é o mecanismo usado para o cidadão se informar sobre o que está acontecendo nesse meio”, explica.

Bogoni se queixa que durante as eleições o Diário do Noroeste é falsamente acusado de favorecer determinados candidatos. “Pode acontecer de algum candidato ser noticiado mais vezes em função de ter melhores condições culturais e políticas. Porém, nunca deixamos de dar espaço a ninguém. Na realidade, acolhemos quem nos procura”, assinala.

“Não existe jornal que não receba pressão”

Sobre a importância da ética, o jornalista Euclides Bogoni enfatiza que é de suma importância para a boa condução do jornalismo. “Sempre precisamos ter compromisso com a verdade. Entretanto, sabemos que a concorrência faz com que jornalistas de caráter duvidoso ajam em desacordo a tudo isso. Se entregar ao sensacionalismo sempre promove erros graves”, comenta. Se um veículo publica uma informação errada, o único jeito de amenizar a situação é usar o mesmo espaço para fazer a correção.

O jornalista vê com bons olhos a liberdade de imprensa na atualidade se comparada ao período da ditadura militar, mas faz uma ressalva. “A censura sempre vai existir, mesmo em menor proporção. Não existe jornal que não receba pressão”, sentencia. Euclides Bogoni lembra também que no final da década de 1950 grande parcela da população de Paranavaí era inculta. Isso também dificultava o trabalho dos veículos de comunicação, principalmente porque poucos entendiam o propósito de um jornal.

Para o jornalista que trabalhou por muito tempo recebendo dados via sinal de rádio, a internet é determinante em ajudar os jornais regionais na coleta de informações de âmbito estadual, nacional e internacional. “É uma aliada principalmente quando a notícia é de grande importância, como alguma manifestação governamental. Tudo está mais fácil porque a internet trouxe rapidez e instantaneidade”, garante.

Frases do jornalista Euclides Bogoni

“O jornalismo é uma profissão muito bonita em que o jornalista tem que se dedicar em tempo integral. Isto gera um desgaste intelectual muito grande. Mas, acima de tudo, é uma profissão que satisfaz e contribui para o desenvolvimento social.”

“Quando usávamos impressora plana, a impressão começava às 18h e terminava lá pelas 2h. Hoje a nossa impressora rotativa roda de duas a duas horas e meia por dia. O trabalho é bem rápido.”