David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Breve reflexão sobre a depressão

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(Artes: Carts/Shawn Cross)

Se tenho ou já tive depressão, isso não faz de mim uma referência em depressão, mas apenas alguém que talvez tenha condições de compartilhar suas experiências e impressões do assunto – ou seja, talvez permitir uma compreensão diferenciada, um algo mais, nem completo nem incompleto. Não creio que isso signifique que eu esteja autorizado a falar em nome de outras pessoas que estão vivendo essa realidade, principalmente se isso for feito de forma pétrea. Afinal, os níveis de depressão e suas motivações podem ser visceralmente diversos.

Quando falo de alguém em determinada situação que conjecturo análoga ao que vivi, considero semelhança não equivalência, porque a minha individualidade, as minhas experiências, se traduzem em especificidade, em recortes pessoais. E recortes são mais subjetivos do que objetivos, assim como seu impacto, mesmo que eu tente fazer parecer o contrário.

A minha experiência não pode ser uma baliza para simplificar e julgar a experiência do outro, mas talvez uma possibilidade para criar uma ponte se não de entendimento, pelo menos de consideração à individualidade, porque, na minha concepção, isso é essencialmente uma manifestação de respeito. Por isso, sou da opinião de que a dor de uma pessoa é somente dela, e só ela sabe o que isso representa em sua vida.

Quando me coloco no lugar do outro, tenho como parâmetro tal reflexão: “A dor de alguém não pode ser medida, qualificada como maior ou menor do que a de ninguém, é simplesmente a sua dor.” Isso basicamente resume o que penso em relação à individualidade do sofrer. Creio que quando damos nomes às coisas, não raramente temos uma tendência a apoucar o seu impacto pessoal, e isso pode ser problemático, porque embora duas pessoas vivam uma chamada “mesma realidade”, por exemplo, isso não significa que o peso seja equivalente.

 





 

Written by David Arioch

June 12th, 2018 at 11:06 pm

Por que só reconhecemos a exploração animal quando envolve violência explícita?

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Por que acredito que o sofrimento de um animal não humano não é menor do que o humano na iminência da morte

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Richard Dawkins: “Não temos nenhuma razão para pensar que os animais não humanos sintam dor menos intensamente do que nós”

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“Práticas como marcação de gado, castração sem anestesia e touradas devem ser tratadas como moralmente equivalentes a fazer o mesmo com seres humanos”

Dawkins: “Não é plausível que uma espécie não inteligente possa precisar de uma grande dose de dor para levar para casa uma lição que podemos aprender com um estímulo menos poderoso?” (Acervo: The Times)

Em 2011, o biólogo evolutivo e etólogo britânico Richard Dawkins publicou o artigo “But can they suffer?” No texto, ele manifestou publicamente a sua contrariedade em relação à displicência humana no que diz respeito ao tratamento dispensado aos animais não humanos. Ele defende que se não somos capazes de reconhecer o sofrimento dos animais que exploramos em nosso próprio benefício, deveríamos no mínimo dar a eles o benefício da dúvida e considerar as implicações de nossas ações:

O filósofo moral Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo, disse: “A questão não é, “eles podem raciocinar?” nem “eles podem falar?”, mas sim “eles podem sofrer?” A maioria das pessoas entende, mas trata o sofrimento humano como algo particularmente preocupante, porque acham vagamente óbvio que a capacidade de sofrer da espécie está positivamente correlacionada com a sua capacidade intelectual. As plantas não podem pensar, e você teria que ser bastante excêntrico para acreditar que elas podem sofrer. É plausível que o mesmo possa ser verdade sobre as minhocas. Mas e as vacas?

E os cachorros? Acho que é quase impossível acreditar que René Descartes, que não é conhecido como um monstro, sustentava com tanta veemência a crença filosófica de que apenas os seres humanos têm mentes, e que ele alegremente seria capaz de colocar um mamífero não humano grávido sobre uma mesa para dissecá-lo. Você pensaria que, apesar de seu raciocínio filosófico, ele poderia ter dado ao animal o benefício da dúvida. Mas ele vinha de uma longa tradição de vivisseccionistas, incluindo [Cláudio] Galeno e [Andreas] Vesalius, seguido por William Harvey e muitos outros.

Como eles podem fazer isso: amarrar com cordas um mamífero que grita e resiste, e dissecar o seu coração vivo, por exemplo? Presumivelmente, eles acreditavam no que veio a ser articulado por Descartes: que os animais não humanos não têm alma e não sentem dor. Hoje em dia, a maioria de nós acredita que cães e outros mamíferos não humanos podem sentir dor, e hoje nenhum cientista respeitável seguiria o horrível exemplo de Descartes e Harvey e dissecaria um mamífero vivo sem anestesia. A legislação britânica, entre outras, os puniria severamente se o fizessem (embora os invertebrados não sejam bem protegidos legalmente, nem mesmo os polvos com seus cérebros grandes).

No entanto, a maioria de nós parece assumir, sem questionar, que a capacidade de sentir dor está positivamente correlacionada com a destreza mental – com a capacidade de raciocinar, pensar, refletir e assim por diante. O meu propósito aqui é questionar essa suposição. Não vejo razão alguma para que haja uma correlação positiva. A dor parece primal, como a capacidade de ver cores ou ouvir sons. Parece o tipo de sensação que você não precisa que o intelecto experimente. Os sentimentos não têm peso na ciência, mas, no mínimo, não deveríamos dar aos animais o benefício da dúvida?

Sem entrar na interessante literatura sobre o sofrimento dos animais (ver, por exemplo, o excelente livro de Marian Stamp Dawkins – “Rethinking Animals”), posso ver uma razão darwiniana por que poderia realmente haver uma correlação negativa entre o intelecto e a suscetibilidade a dor. Abordo isso perguntando para que, no sentido darwinista, serve a dor. É um aviso para não repetir ações que tendem a causar danos corporais. Não meta o dedão do seu pé novamente, não provoque uma cobra ou sente-se em uma vespa, não segure brasas mesmo que brilhem lindamente, tome cuidado para não morder a sua língua. As plantas não têm sistema nervoso capaz de aprender a não repetir ações prejudiciais, e é por isso que cortamos alfaces vivas sem remorso.

É uma questão interessante, incidentalmente, o porquê da dor ter que ser tão dolorosa. Por que não equipar o cérebro com o equivalente a uma pequena bandeira vermelha que, indolor, apenas avisa: “Não faça isso novamente”?  Em “O Grande Espetáculo da Terra”, sugeri que o cérebro poderia ser dividido entre impulsos conflitantes e um anseio em rebelar-se, talvez hedonisticamente, contra a busca dos melhores interesses da aptidão genética do indivíduo, caso em que precisaria ser agonizantemente punido para retornar à linha.

Vou deixar passar essa questão e retornar a minha questão principal de hoje: você esperaria uma correlação positiva ou negativa entre a capacidade mental e a capacidade de sentir dor? A maioria das pessoas assume, sem pensar, uma correlação positiva, mas por que?

Não é plausível que uma espécie inteligente como a nossa possa necessitar de menos dor, precisamente porque somos capazes de trabalhar inteligentemente o que é benéfico para nós, e quais eventos nocivos devemos evitar? Não é plausível que uma espécie não inteligente possa precisar de uma grande dose de dor para levar para casa uma lição que podemos aprender com um estímulo menos poderoso?

No mínimo, concluo que não temos nenhuma razão para pensar que os animais não humanos sintam dor menos intensamente do que nós, e de qualquer forma devemos dar-lhes o benefício da dúvida. Práticas como marcação de gado, castração sem anestesia e touradas devem ser tratadas como moralmente equivalentes a fazer o mesmo com seres humanos.

Referência

Richard Dawkins on vivisection: “But can they suffer?” Boing Boing (30 de junho de 2011).





Richard D. Ryder: “Todos nós conhecemos pessoas que podem desistir da carne com facilidade”

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Há também a luxúria [do consumo] de carne que é muito forte, digamos que atinge 30% da população humana”

“Agora temos de tentar argumentar contra o preconceito do especismo no resto do mundo, e particularmente nos novos centros de poder econômico como Índia, Brasil e China” (Foto: Kim Stallwood)

Richard D. Ryder é um psicólogo, defensor dos direitos animais e escritor britânico que em 1970 cunhou o termo “especismo”, uma forma de discriminação que se baseia na ideia de que pelo fato do ser humano considerar outros seres inferiores, ele ignora seus interesses em não sofrer, inclusive negando-lhes o direito à vida. Ao longo de mais de 40 anos, Ryder escreveu importantes livros como “Victims of Science”, de 1975; “Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Speciesism”, de 2000; “A Modern Morality”, de 2001; “Putting Back Into Politics”, de 2006; e “Speciesism, Painism and Hapiness”, de 2011.

Em 2010, Richard D. Ryder publicou na Critical Society, Issue 2, uma versão comentada e atualizada do seu folheto “Speciesism”, distribuído em Oxford em 1970 como uma reação contrária às experiências com animais. Logo o termo especismo passou a ser estendido a todas as formas de exploração contra animais não humanos, incluindo, claro, criaturas reduzidas a produtos e alimentos.

Na publicação da Critical Society, Ryder afirma que as revoluções de 1960 contra o racismo, sexismo e classismo ignoraram completamente os animais. Todos pareciam estar preocupados em reduzir somente o preconceito contra seres humanos. “Eles não tinham ouvido falar de Darwin? Eu odiava o racismo, sexismo e classismo também, mas por que parar nisso?”, declarou e acrescentou que como cientista ele já sabia que outras espécies de animais também sentem medo, dor e aflição, assim como nós.

A princípio, o panfleto “Speciesism”, que Ryder distribuiu em Oxford, não teve nenhum efeito. Então ele mudou a sua tática. Reimprimiu o texto com uma ilustração de um chimpanzé usado em experiências e infectado com sífilis. “Pedi a um amigo, David Wood, que incluísse seu nome para que o folheto tivesse um endereço universitário e o enviei às universidades. Desta vez tive algumas respostas. Um dos destinatários era um jovem filósofo australiano chamado Peter Singer. Em poucos meses, ele entrou em contato comigo. Muita coisa aconteceu desde então”, revelou.

No panfleto, o psicólogo afirma que desde Darwin os cientistas têm concordado que não há uma diferença essencialmente “mágica” entre seres humanos e outros animais, falando biologicamente. “Por que então moralmente fazemos uma distinção quase total? Se todos os organismos estão em um contínuo físico, então eles também devem estar no mesmo contínuo moral”, defendeu.

No panfleto, Richard D. Ryder faz uma observação bem crítica em relação ao especismo ao frisar que sob condições especiais de laboratório talvez seja possível acasalar um gorila com um professor de biologia. “Será que a prole peluda será mantida em uma gaiola ou em um berço? […] É costume descrever o homem de Neandertal como uma espécie diferente de nós, uma especialmente equipada para sobreviver à Era do Gelo. No entanto, a maioria dos arqueólogos agora acredita que essa criatura não humana praticava o enterro ritual e possuía um cérebro maior que o nosso. Suponha que o elusivo e abominável Homem das Neves, quando apanhado, acabe por ser o último sobrevivente desta espécie de Neandertal, daríamos a ele um assento na ONU ou implantaremos elétrodos em seu cérebro super humano?” As questões levantadas lembram os conflitos e a “evolução” do símio Peter apresentada por Franz Kafka no conto “Ein Bericht für eine Akademie” ou “Um Relatório para a Academia”, publicado em 1917.

Exemplos hipotéticos como os citados anteriormente por Ryder podem chamar a atenção para a falta de lógica da nossa posição moral em relação à exploração animal. Independente do direito à vida, ele pondera que um critério moral claro é o sofrimento, o sofrimento ocasionado pelo confinamento, medo, tédio e dor física, entre outros exemplos.

Se assumirmos que o sofrimento é uma função do sistema nervoso, então é ilógico argumentar que outros animais não sofrem de maneira semelhante a nós. Na realidade, é precisamente porque alguns outros animais têm sistemas nervosos tão parecidos aos nossos que eles são extensivamente estudados. Em relação aos argumentos a favor de experiências com animais, Ryder aponta inúmeras inconsistências. Há cientistas que dizem que o avanço do conhecimento justifica todos os males. Será que realmente justifica?

Suponhamos que em um determinado experimento as chances de sofrimento de um animal são mínimas, e as probabilidades dessa experiência auxiliar a medicina aplicada é excelente, ainda assim isso não seria especismo? “E como tal é um argumento emocional egoísta, não fundamentado. Se acreditamos que é errado infligir dor a animais humanos inocentes, então a única lógica, falando filogeneticamente, é estender a nossa preocupação sobre direitos elementares aos animais não humanos”, escreveu Richard D. Ryder no panfleto publicado originalmente em 1970.

Além de lutar pela proibição de testes em animais, Ryder, que tem mestrado em psicologia experimental e doutorado em ciências políticas e sociais pela Universidade de Cambridge, se envolveu diretamente em campanhas contra a criação de animais para consumo, e campanhas de proteção aos elefantes, baleias e focas. Desde 1985, o psicólogo qualifica a sua posição moral como painism (painismo), que diz respeito ao reconhecimento de direitos para todas as criaturas que sentem dor, um assunto que é exaustivamente abordado no seu livro “Speciesism, Painism and Happiness”, de 2011.

Na perspectiva do psicólogo, o painismo é uma terceira via entre a posição utilitarista do filósofo australiano Peter Singer e a visão deontológica de direitos do filósofo estadunidense Tom Regan, já que combina a visão utilitarista de que o status moral vem da capacidade de sentir dor com a proibição sob a ótica de direitos de que é errado usar outros seres sencientes como meios para um fim, desconsiderando as implicações disso para vítima.

O painismo considera o utilitarismo falho porque nesse sistema ético a tortura ou estupro é “justificável quando os benefícios totais compensam as dores da vítima”, o que é um absurdo, segundo Ryder, se considerarmos que os limites da experiência são os limites do indivíduo. Ou seja, não é porque várias pessoas tiveram prazer em um ato que o sofrimento de uma vítima pode ser considerado secundário. Uma ação não deixa de ser errada ou imoral porque dezenas, centenas ou milhares foram beneficiados.

Embora o trabalho de Richard D. Ryder contra a objetificação animal tenha ganhado mais visibilidade nas últimas décadas, a sua luta começou há muito tempo. Em 1969, ele participou de um protesto contra a caça às lontras em Dorset, no sudoeste da Inglaterra. Foi nessa época que ele realmente se interessou pela questão dos direitos animais e enviou três cartas sobre o assunto para o jornal The Daily Telegraph. Em um dos textos, intitulado “Rights of Non Human Animals” ele usou como referência o seu próprio trabalho como pesquisador para condenar as pesquisas com animais.

A romancista Brigid Brophy, também defensora dos direitos animais, leu as cartas de Ryder e o apresentou a Rosalind Godlovitch, Stanley Godlovitch e John Harris, três estudantes de pós-graduação da Universidade de Oxford que estavam editando a obra “Animals, Men and morals: An Inquiry into the Maltreatment of Non-Humans”, uma coleção de ensaios sobre direitos animais lançada em 1971.

O grupo que mais tarde recebeu o nome de Oxford Group, e atraiu novos membros, sedimentou o caminho de Ryder como ativista pelos direitos animais. Eles não apenas produziam material, mas também realizavam encontros, reuniões, imprimiam e distribuíam folhetos em crítica à exploração animal. Logo a luta contra exploração de animais para consumo se tornou uma das prioridades, assim como à rejeição à experimentação animal.

Em 1973, Peter Singer escreveu uma resenha do livro “Animals, Men and morals” para o The New York Review of Books, enfatizando que o artigo “Experiment on Animals”, que integra a obra, e escrito por Richard D. Ryder, era um apelo à criação de um movimento de libertação animal. O trabalho influenciou Singer a escrever o livro “Animal Liberation”, de 1975. Na obra, Singer aborda o especismo no quinto capítulo; o que ajudou a popularizá-lo mundialmente, passando mais tarde a ser incluído inclusive nos mais importantes dicionários.

Em 1977, Richard D. Ryder assumiu a posição de chairman do conselho da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA) e ajudou a coordenar a primeira conferência acadêmica de direitos animais realizada em agosto de 1977 em Cambridge. O resultado foi a criação de uma “Declaração contra o Especismo”, assinada por 150 pessoas. Com a ajuda de Ryder, o conselho, que se dedicava principalmente à proteção de animais de companhia, passou a dar grande importância às questões envolvendo fazendas industriais, experiências laboratoriais caça e esportes com animais.

Em 9 de março de 2011, a “AR Zone – A Record of Rational Discourse” publicou uma entrevista histórica e bastante esclarecedora com Ryder. O psicólogo relatou que uma tática usada por ele para divulgar o termo “especismo” foi mencioná-lo sempre que era convidado a dar alguma entrevista. “Naquele tempo, a mídia gostou porque era algo novo, mas o meio acadêmico demorou para reagir em relação a isso”, comentou.

Segundo Richard D. Ryder, o especismo ainda não chegou ao fim, embora as pessoas estejam se tornando mais conscientes, porque existe um consolidado discurso que atrela a existência dos animais à utilidade em benefício humano. “Há também a luxúria [do consumo] de carne que é muito forte, digamos que atinge 30% da população humana. Essas pessoas vão lutar com unhas e dentes para proteger o seu ‘direito’ de comer carne. Eles ficam muito irritados se forem desafiados. A carne é uma forma genuína de dependência? Ou é basicamente um impulso básico carnívoro que está geneticamente incorporado em alguns seres humanos, mas não em todos nós? Realmente não sei se essa pesquisa foi feita. Todos nós conhecemos pessoas que podem desistir da carne com facilidade, e sem sentir falta. Mas também há outros que determinam as políticas que parecem ‘precisar’ de carne tanto quanto sexo. Eles desejam isso! Esse problema requer pesquisa”, informou em entrevista à AR Zone.

Para Ryder, se quisermos realmente fazer a diferença na vida dos animais, não devemos ter medo de expressar nossas opiniões sobre isso. “Entre em contato com deputados, professores e editores, assim aumentando a importância moral dessa questão. Agora temos de tentar argumentar contra o preconceito do especismo no resto do mundo, e particularmente nos novos centros de poder econômico como Índia, Brasil e China”, escreveu na versão atualizada do panfleto “Speciesism”, publicado em 2010.

Saiba Mais

Richard D. Ryder se candidatou duas vezes ao parlamento inglês. Também é conhecido por suas incansáveis campanhas para convencer os partidos políticos a tratarem a proteção animal como uma questão política.

Referências

Ryder, Richard D. Speciesism (1970). Privately printed leaflet. Oxford (2010).  

Ryder, Richard D. Speciesism, Painism and Happiness: A Morality for the 21st Century. Societas. Imprint Academics (2011).

The Encyclopedia of Animal Rights and Animal Welfare. The Oxford Group. Páginas 261-262 (2009).

Ryder, Richard D. The Struggle Against Speciesism (1979).

Singer, Peter. Animal Liberation (1975). New York Review Books. Página 269.

http://www.62stockton.com/richard/index.html

Professor Richard Ryder Interview





Peixes podem sentir tanta dor quanto mamíferos e pássaros

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“Os peixes raramente recebem o mesmo tipo de compaixão que oferecemos aos vertebrados de sangue quente”

Por ano, matamos no mundo todo 970 bilhões a 2,7 trilhões de peixes de acordo com informações da organização britânica Fish Count. Temos o costume de subestimar esses animais, levando em conta o tendencioso fato de que eles são silenciosos, logo ao serem feridos não expressam seu descontentamento da mesma forma que outros animais. Talvez seja inclusive por isso que os peixes estão entre as maiores vítimas da violência humana.

A maior prova de como a humanidade é injusta na sua relação com os peixes é que muitos desses animais são capturados “acidentalmente” em grandes redes de pesca. Basicamente, em ações com fins comerciais que ignoram o valor da vida dessas criaturas. Aqueles que são considerados indesejados, são vistos como “danos colaterais”. Sendo assim, caso o valor de mercado seja nulo ou irrisório, os peixes são devolvidos já sem vida à água. E, claro, muitos são mortos em decorrência de golpes violentos, descompressão, sufocamento ou esmagamento.

Mas será que esses animais não sentem dor? Será que está tudo bem em capturá-los? Sim e não. Embora cientistas não possam dar uma resposta definitiva sobre os níveis de consciência dos animais não humanos, todas as evidências indicam que peixes têm uma singular sofisticação comportamental e cognitiva. Sendo assim, isso é o suficiente para que esses animais tenham os mesmos direitos de outros animais que fazem parte do nosso círculo moral.

No artigo “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition, o professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, na Austrália, escreveu, baseando-se em suas pesquisas, que peixes têm suas próprias tradições, inteligência sofisticada e capacidade de cooperação e reconciliação, além de facilidade em reconhecer uns aos outros. Ademais, alguns sentidos dos peixes são superiores aos dos seres humanos. “O nível de complexidade mental dos peixes está no mesmo nível de outros vertebrados, e há evidências de que eles podem sentir dor de maneira semelhante aos seres humanos”, registrou.

Um dos animais mais explorados pela humanidade, os peixes são quase sempre “colhidos” em ações violentas praticadas pela indústria pesqueira global. Também são as maiores vítimas da aquicultura intensiva e comumente são reduzidos a animais de estimação e objetos de pesquisa. “Os peixes raramente recebem o mesmo tipo de compaixão que oferecemos aos vertebrados de sangue quente. Parte do problema é a grande diferença entre a percepção das pessoas sobre a inteligência do peixe e a realidade científica”, argumentou Cullum Brown.

O professor defende que as pessoas se conscientizem sobre a importância da vida dos peixes, porque disso depende a percepção pública que orienta as políticas governamentais. O reconhecimento da senciência e da inteligência de um animal normalmente é o que guia a nossa decisão de incluí-los em nosso círculo moral. “Muitos pesquisadores sugerem que se um animal é senciente, então provavelmente pode sofrer e, portanto, deve ser oferecida a ele alguma forma de proteção formal [o que é o caso dos peixes]”, observou Brown.

O pesquisador também analisou a capacidade de cognição dos peixes partindo da percepção sensorial. Isto porque essa percepção oferece evidências de que os peixes possuem habilidade de cognição que são mais evoluídas do que a de outros animais. Na realidade, esse estudo sobre a inteligência e a senciência dos peixes e a importância disso no contexto das considerações éticas vai ao encontro do que escreveu a bióloga Victoria Braithwaite, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia, no livro “Do Fish Feel Pain?”, publicado em 2010.  Na obra, Victoria afirma que peixes são seres sensíveis que podem sentir tanta dor quanto pássaros e mamíferos, e até mais do que humanos recém-nascidos.

Referências

Brown, Collum. Fish intelligence, sentience and ethics. Animal Cognition (2014). Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24942105

Braithwaite, Victoria. Do fish feel pain? Oxford University Press (2010).

 

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Duas perguntas sobre direitos animais e plantas

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No utilitarismo existe a defesa de que caso um animal não seja senciente, não há problema em sua morte, já que ele não sente dor. Você concorda?

Arte: Bool

De modo algum. Embora os animais que a humanidade mais explora e mata sejam aqueles que, de fato, são sencientes, pra mim esse não é e não deve ser o único argumento em defesa dos direitos animais, do abolicionismo animal. Até porque se formos por esse caminho, acabaremos por ignorar o que ainda nos é desconhecido. Vejamos. Dizem que há 7,77 milhões de espécies animais no mundo, mas pouco mais de 953 mil foram estudadas em algum nível, mesmo que superficial, pela humanidade. Sendo assim, é difícil dizer se todos foram ou são sencientes. Justamente por isso eu acho que a senciência não deve ser a única baliza moral no reconhecimento do direito à vida animal. Por exemplo, vamos supor que eu tenha nascido sem a capacidade de sentir dor. Ou seja, você pode me bater, me esfaquear, que não sentirei nada. Isso seria motivo para que alguém tivesse o direito de me matar? Claro que não, porque aqui ainda existe uma vida com nível de consciência. E os animais não humanos também têm seus níveis de consciência. Afinal, eles se comunicam, se movem, interagem de alguma forma. Os julgamos de forma bastante equivocada, principalmente quando partimos do obtuso senso comum. Porque nesse caso temos o falho costume de usar como referência a forma como vivemos, nos comunicamos e nos relacionamos. E o especismo nos leva a isso, a uma forte crença de que tudo que é diferente de nós é inferior, menos digno. Os outros animais não precisam ser como nós para terem direito à vida. Eles são como são, e o que devemos fazer é respeitar isso.

Mas se você reconhece que os animais têm direito à vida mesmo quando hipoteticamente eles não são sencientes, as plantas reduzidas a alimento também têm, não acha?

Então, as plantas não têm cérebro, e não há nada realmente concreto quanto aos níveis de consciência delas. Mesmo entre os estudiosos do tema, não há consenso, principalmente quando se compara com os níveis de consciência dos animais humanos e não humanos. O que se descobriu de forma concreta até hoje é que elas respondem a estímulos externos. Há uma pesquisa interessante que repercutiu em 2016 envolvendo o sistema acústico-etileno, que captou reações das plantas a situações bem específicas, ou seja, com manipulação do ambiente. Os próprios pesquisadores deixaram claro que isso não significa consciência como conhecemos, mas sim reações ao meio. Além disso, existe a questão da autoconsciência também que é encontrada nos animais, mas não nas plantas. O que se sabe com certeza é que as plantas possuem elementos de consciência anótica, que é reação sem cognição, o que em si não é a mesma coisa que consciência. Bom, é aquela, vivendo, aprendendo e se adaptando conforme for surgindo novas descobertas. Estou preparado para qualquer coisa. Não vejo isso como um problema.

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Mazinho e o menino

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There’s No Place Like Home, de Edwin Henry Landseer

Encontrei uma criança dando um tapa na cabeça de um cachorro na rua. Não foi um tapa muito violento, mas pela reação do cãozinho pareceu tão comum que suspeitei que não era o primeiro. Encostei o carro, desci e caminhei até ele.

— Oi! Tudo bem?
— Oi! Tô bem.
— Legal! Isso é bom!
— Esse cachorro bonito mora com você?
— Mora sim…
— Faz tempo?
— Desde que nasci…
— Qual é o nome dele?
— Mazinho.
— Você gosta do Mazinho?
— Gosto sim, muito.
— Isso é muito bom!
— Você lembra de mim?
— Sim, você visita o Tio Lu.
— Isso mesmo!
— Posso te fazer uma pergunta?
— Pode…
— Você acha que dói apanhar?
— Dói…dói sim…
— Você já bateu em alguém de quem você gosta?
— Não…
— Entendo. Nem no Mazinho?
— Aaaah….bati…
— Você acha que ele sente dor?
— Não sei…acho que sim…
— Ele fica feliz perto de você?
— Fica…
— Então se ele fica feliz, ele também fica triste, e se fica triste significa que tem emoções e sentimentos. E quem tem emoções e sentimentos também sente dor, concorda?
— É…verdade.
— Quando você bate no Mazinho, ele fica alegre?
— Não…
— O que ele faz?
— Ele foge de mim…
— Você gosta quando ele foge de você?
— Não…
— Por quê?
— Acho que porque ele fica com medo de mim.
— E por que ele fica com medo de você?
— Porque quando faço isso ele me acha mau…
— E você é mau?
— Não…
— Então que tal mostrar pra ele o tempo todo que você não precisa ser mau com ele?
— Acho que seria bom…
— Seria sim, e vai ser bom.
— Que tal experimentar?
— Vou fazer isso.
— Promete?
— Prometo.
— O que acha de pedir desculpas e dar um abraço no Mazinho?
— Tá bom…

O menino caminhou até o cãozinho que se escondia atrás de uma cerca em um terreno baldio vizinho. Hesitou com o focinho virado para uma mureta, mas aceitou o abraço. Antes que o soltasse, Mazinho lambeu-lhe a orelha. O menino sorriu e uma lágrima escorreu. “Desculpa, Mazinho…” – disse baixinho.

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A dor de uma pessoa é somente dela

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Arte: David Wojnarowicz

Quando me sinto mal, normalmente penso que há pessoas em situação pior que a minha. Faz sentido? Sim. Resolve? Depende. Mas faço questão de fazer uma observação que considero importante. Muitas vezes há uma tendência a se comparar o sofrimento de uma pessoa com o das outras. Isso é justo? Nem sempre, e não deve ser um padrão.

Por isso, sou da opinião de que a dor de uma pessoa é somente dela, e só ela sabe o que isso representa em sua vida. Quando me coloco no lugar do outro, tenho como parâmetro tal reflexão: “A minha dor não é maior nem menor do que a de ninguém, ela é simplesmente a minha dor.” Isso basicamente diz muito sobre o que penso em relação à individualidade do sofrer.

Acredito que evitar comparações em relação à dor de alguém é importante, porque em vez de ajudar, na tentativa de mostrar a alguém que o seu sofrimento “é inferior ao de outro”, e por isso deve ser assimilado como tal, pode atrapalhar e muito. Nisso subsiste o risco de nivelar a dor do outro por baixo, como se fosse algo insignificante. E como podemos avaliar a dor de alguém quando não partilhamos do mesmo sentimento e experiência em dado momento?

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Written by David Arioch

June 21st, 2017 at 11:33 pm

“Me senti como se eu tivesse cometido um assassinato”

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Walking the Line – Pheasant Hunting, de Michael Sieve

O britânico William Harris, um dos caçadores mais famosos de seu tempo, conta que durante os anos de 1836 e 1837 viajou para longe no coração da África com a mera intenção de perseguir animais, algo que ele definia como uma de suas paixões. Em uma passagem de sua biografia, publicada em Bombaim em 1838, ele descreve como atirou em seu primeiro elefante, uma fêmea.

Na manhã seguinte, indo procurar seu novo alvo, ele descobriu que todos os elefantes tinham fugido da localidade, exceto um jovem elefante que passou a noite toda ao lado de sua mãe morta. Vendo os caçadores, o animal não sentiu medo e, com os mais claros e vivos sinais de tristeza desconsolada, caminhou até eles. Então moveu seu minúsculo tronco como se suplicasse por ajuda. Sobre o episódio, registrou Harris em sua biografia: “Eu estava cheio do mais verdadeiro remorso pelo que tinha feito e me senti como se eu tivesse cometido um assassinato.”

 

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Written by David Arioch

January 25th, 2017 at 11:42 pm