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Dostoiévski: “Homem, não se orgulhe de sua superioridade em relação aos animais”
“Compara-se por vezes a crueldade do homem com a dos animais selvagens; é uma injustiça para com estes. As feras não atingem jamais os refinamentos do homem.
O tigre dilacera sua presa e a devora; não conhece outra coisa. Por isso, ame todas as criaturas de Deus, do todo ao grão de areia. Ame cada folha, cada raio de luz. Ame os animais, ame as plantas, ame cada coisa, e assim você conhecerá os mistérios de Deus.
E quando perceber isso, você terá uma compreensão mais completa de que o mundo todo precisa ser amado, de forma abrangente e universal. Ame os animais. Deus deu aos animais uma consciência rudimentar e uma imperturbável alegria. Não se deve chateá-los ou privá-los de sua felicidade.
Não trabalhe contra os intentos de Deus. Homem, não se orgulhe de sua superioridade em relação aos animais. Eles não possuem pecados, enquanto você mancha a terra com tua grandeza, com tua aparição, deixando após ti um rasto de podridão — Ai! Quase todos nós!”
Citações de “Os Irmãos Karamázov”, de Fiódor Dostoiévski, publicado em 1879. Páginas 260, 352 e 353.
Escritores carregam um mundo sem fronteiras
Não é incomum eu me deparar com pessoas criticando quem lê mais literatura estrangeira do que brasileira. Até entendo que é uma forma de valorizar autores brasileiros, mas por outro lado há sempre um discurso desconcertado da realidade. Penso, por questões até óbvias, que a literatura brasileira não se fez sozinha. Machado de Assis era fã do romancista espanhol Miguel de Cervantes, assim como Augusto dos Anjos reconheceu o princípio da própria identidade poética no simbolismo francês de Baudelaire e Rimbaud – dois nomes que inclusive estão entre os mais influentes da poesia brasileira desde o século 19.
Leiam “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, e percebam quantas referências podem ser encontradas à “Eugenia Grandet”, do francês Honoré de Balzac, que curiosamente também foi um dos escritores estrangeiros que mais influenciou a literatura russa, mas principalmente Dostoiévski. Literatura é um exercício de hibridismo e a partir dele reconhecemos ou não as influências do autor, de acordo com nossa bagagem cultural. Acredito que os bons escritores carregam um mundo sem fronteiras geográficas. Ele é cosmopolita mesmo quando não quer ser.
E, claro, a literatura brasileira contemporânea é essencial como meio de compreensão da nossa realidade. Aí não há como discordar, porém, na minha opinião, não é irrelevante conhecer os clássicos estrangeiros, mesmo depois de tanto tempo, e não apenas para entender a nossa literatura da atualidade, mas o mundo, a humanidade e sua relação com a vida. Ademais, acredito que seja sempre imprescindível evitar o ufanismo para não cairmos em contradição. Independente de origem, o mais importante são as dúvidas e as reflexões que um livro consegue despertar.
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O dia em que a Rússia chorou com Dostoiévski
“Eles prometeram que não iriam mais odiar, mas simplesmente amar uns aos outros”
Em 8 de junho de 1880, seis meses antes de sua morte, Fiódor Dostoiévski discursou na inauguração do monumento em homenagem a Alexander Pushkin, à época reverenciado como o poeta nacional da Rússia. A estátua construída por Alexander Opekushin, um escultor de origem humilde, foi custeada através de doações e logo se tornou um marco histórico.
Naquele dia, milhares de curiosos foram até a Praça Pushkin, no centro de Moscou, pensando em encontrar um campo de batalha em que a consciência literária russa seria definida por Ivan Turgueniev e Dostoiévski. Liev Tolstói, que também foi convidado a participar da cerimônia, recusou o convite por causa de suas inclinações religiosas. Enquanto Turgueniev, que vivia em Paris, representava os escritores mais ocidentalizados, com uma perspectiva mais europeizada, Dostoiévski seguia na contramão, como um camponês apaixonado e devotado ao que era essencialmente russo.
Com a saúde debilitada, porém lúcido, Dostoiévski aproveitou a oportunidade para promover uma mistura de nacionalismo místico e cristianismo em oposição ao refinado liberalismo de Turgueniev. O autor da obra-prima “Pai e Filhos” teve o seu discurso calorosamente recebido, mas não tanto quanto o de seu conterrâneo existencialista. Fiódor Dostoiévski superou todas as expectativas com palavras que soaram como um hino ao espírito russo, uma profecia de grandeza e um chamado messiânico. Quando o escritor subiu no palco o auditório trovejou em aplausos. Ele se inclinou e fez sinais pedindo para que o deixassem ler.
Em meio ao alarido, começou a leitura de seu discurso. Em cada página, Dostoiévski foi interrompido por rajadas de aclamações. Leu em voz alta, com grande entusiasmo, e destacou a importância da união da humanidade, a definindo como o único caminho para a sobrevivência harmoniosa. Do início ao fim se surpreendeu ao ouvir gritos vindo da plateia. Desconhecidos começaram a chorar e jogar-se sobre os braços de familiares, amigos e estranhos. “Eles prometeram que não iriam mais odiar, mas simplesmente amar uns aos outros”, escreveu Fiódor Dostoiévski emocionado em carta à esposa Anna Dostoyevskaya em junho de 1880.
Uma testemunha declarou que teve a impressão de que as paredes do auditório foram substituídas por uma desmesurada fogueira. Dostoiévski foi visto como um grande profeta diante da escultura de Pushkin. Movidos por impetuoso paroxismo, muitos gritaram que estavam dispostos a morrer pela Rússia se necessário.
Ao final da noite, mais de cem mulheres se apressaram, compraram uma enorme coroa de flores e coroaram o soberano da noite – Dostoiévski, diante de uma audiência de milhares de pessoas. Mesmo com as transformações vividas pela Rússia no século 20, o monumento ao poeta nacional e a Praça Pushkin perseveraram não apenas como símbolos do espírito russo, mas também da esperança na humanidade, tanto que o local continua sendo o preferido dos russos para se reunir e ler poemas.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Dostoevsky, Mikhailovich Fyodor. Letters of Fyodor Michailovitch Dostoevsky to His Family and Friends – 1917.
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