David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Quando eu era criança…

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Quando eu era criança, eu achava que os adultos tinham todas as respostas. Quanto mais velho, mais respostas. “Deve ser bom ser adulto, saber tantas coisas. Ter tanta confiança, segurança. Adultos são incríveis. Estão lá em cima e eu aqui embaixo, querendo crescer como feijão no algodão. Foram como nós, mas agora estão em um estágio bem avançado”, eu pensava.

Havia dois universos – o meu e o dos adultos. Como criança, eu só podia deambular por esse universo ocasionalmente, quando permitiam. Eu não queria exatamente ser adulto – tinha apenas curiosidade precoce sobre esse mundo ignoto. Puerilidade, penso hoje.

Não, você cresce e o que cresce com você são as dúvidas –
meu caso. Volatilidade, o conhecimento perpassa por isso comecei a crer. Quando conhecia algum ser alheio a esse universo eu dizia que ele, manietado às suas pequenas certezas, talvez fosse tão abençoado quanto amaldiçoado pela ignorância. Mas, em muitos casos, a maldição pode ser invisível. Que assim seja então.

Hoje, sem melindre, prefiro me definir apenas como um colecionador de dúvidas, pirronismo, ambiguidades, suspicácias. Uma vida ingerindo, digerindo e regurgitando palavras e ideias que podem renascer ou simplesmente desvanecer. Talvez seja isso que dê sentido à minha vida, porque sempre suspeito que imerso nas minhas asseverações e verdades ineludíveis talvez eu deixasse de deambular para escorar, e escorar me parece tão chato que sinto sono só de pensar – mas sem a possibilidade de sonhar.

 

Written by David Arioch

July 18th, 2018 at 12:25 am

Trabalhe, trabalhe…

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Trabalhe, trabalhe tanto que não tenha tempo de pensar em outras coisas, a não ser em comprar coisas sobre as quais você não tem certeza da necessidade. Mas naturalmente há de comprar porque os outros também fazem isso ou querem isso.

Trabalhe, trabalhe tanto que não tenha tempo de se questionar mais do que superficialmente sobre o que existe de errado no mundo. Não tome parte nisso, afinal você não pode e não deve ter tempo para se preocupar com nada mais do que a sua própria vida e os seus. Isso seria ir contra o “curso natural das coisas”.

Trabalhe, trabalhe tanto que não tenha tempo de refletir profundamente sobre suas dúvidas, porque ter dúvidas é problemático demais, e isso seria um luxo ou um lixo, dependendo da perspectiva. Quando penso na vida comum, que poucos desejam para muitos, me recordo da minha infância brincando com os bonequinhos da Playmobil, tão facilmente manipuláveis quanto a vida de tanta gente.

 

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Written by David Arioch

September 18th, 2017 at 7:50 pm

Somos mais e nos julgamos menos

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Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro (Arte: Reprodução)

Enquanto eu aguardava atendimento, Alberto sentou ao meu lado em uma das poltronas da Caixa Econômica Federal. Me falou que estava se aposentando depois de 40 anos de trabalho dedicados a mesma empresa. Parecia satisfeito, mas não tão seguro sobre isso. “Terminei a faculdade e passei a vida inteira fazendo praticamente a mesma coisa”, contou. Perguntei se ele se sentia realizado. Respondeu que não, mas que se adaptou a viver dessa forma.

O questionei também sobre seus sonhos de infância e adolescência, se tinha lembranças de algum deles. “Já não me lembro quais eram. Faz muito tempo”, disse. Todos os dias, encontro Alberto na figura de outras pessoas. Eles estão por todos os lados e me fazem pensar que não nascemos para nos dedicar somente a uma atividade. Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro, mas a vida, o mundo e aquilo que nos cerca muitas vezes nos limita. O tempo sempre parece curto, sem margem para a diversidade.

E assim corremos o risco de perder nossa pluralidade na infância ou adolescência, quando nos dizem o que devemos ou não fazer, para o que nascemos ou não nascemos; quando as pessoas agem como se conhecessem melhor nossas aptidões do que nós mesmos. A criança nunca quer ser somente uma coisa. Ela quer ser várias. As horas e os dias mostram isso. A vida demanda liberdade, e a nossa diminui quando crescemos por fora, mas nos reduzimos por dentro.

As inseguranças são amplificadas quando você não se vê como parte de um caminho, e ao mesmo tempo alguém te oferece prazos para “tornar-se alguém”. E esse alguém não raramente é outra pessoa que não você. Os conflitos aumentam na fase adulta porque você é obrigado a abandonar a multiplicidade da sua existência para se resumir a não mais do que uma atividade – o trabalho.

Nomes tornam-se metonímias da profissão, a identidade humana é suprimida pela profissional, e o ser perde cada vez mais espaço para o ter. Acredito que muitos dos males psicológicos e emocionais da atualidade têm relação com essa supressão existencial. Somos mais e nos julgamos menos. Nos vemos como incapazes de fazer mais do que fazemos, ou o que realmente queremos – porque é o que o mundo nos diz.

E o tempo nos leva à passividade, a aceitação de uma perspectiva lancinante de pragmatismo. O conformismo nos sufoca com um tipo de sutileza travestida de aceitável incerteza. Quantas pessoas que você conhece são hoje o que realmente gostariam de ser? Sentem-se verdadeiramente recompensadas pelo que fazem? Vive-se pelo não viver quando a vida se torna um simulacro do que poderia ser.

Não somos seres mecânicos, somos complexos. Quando nossas potencialidades, mesmo que ainda desconhecidas, são ignoradas, morremos um pouquinho a cada dia, sufocados pela rotina, pelas pressões externas e por nossas próprias descrenças. Acredito que somos como árvores que cedem diante da tempestade quando amargam na própria raiz o dissabor da incredulidade.

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Written by David Arioch

December 21st, 2016 at 3:27 pm

Respondendo perguntas sobre veganismo

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Creio que hoje a missão mais importante seja fazer o caminho reverso da indústria de exploração animal (Foto: We Animals/Jo-Anne McArthur)

Me perguntaram qual seria a melhor forma de reverter a exaltação ao consumo de alimentos de origem animal na atualidade. Qual a melhor estratégia para ajudar os animais?

É importante se aprofundar cada vez mais nessas questões, até porque acho importantíssimo ampliar sempre as possibilidades de argumentação. Mas, a princípio, acredito que o primeiro passo, sem dúvida alguma, é a conscientização. Mostrar para as pessoas que elas não dependem da exploração animal, que isso é um fator cultural, não essencial.

Talvez pareça “essencial” hoje para muita gente porque elas não levam em conta que os animais sempre foram vistos como matérias-primas de alta disponibilidade, logo eles são explorados porque a indústria deu a entender que sem esse tipo de exploração a vida como conhecemos hoje não seria possível. Mas isso é um grande engano. Exploramos os animais por comodismo e facilidades; porque quando começamos a reduzi-los à comida, o ser humano percebeu que seria ainda mais rentável aproveitar mais do que sua carne.

“Se já fazemos comida com os animais, se eles vão morrer de qualquer jeito, por que não usar inclusive os cascos e os chifres?”, alguém pensou, e assim a vida animal acabou sendo ainda mais desvalorizada do que já era antes da Revolução Industrial. Todos esses produtos criados a partir de animais como fonte de matéria-prima existem basicamente porque a indústria viu nisso um negócio altamente lucrativo, de baixo custo.

A maior prova disso é o processo de fabricação de artigos de couro. Uma peça de couro cru de pouco mais de um metro pode custar menos de R$ 50 no varejo hoje em dia. Esse é o valor da pele de um animal que um dia respirou, assim como eu e você. Com essa peça, não é difícil obter um lucro de 1000% dependendo do produto a ser feito.

Acredito que a reflexão sobre a questão animalista deve ser estimulada não apenas de forma passional, mas com argumentos, mostrando as falhas desse sistema e suas consequências. A conscientização, mais do que nunca, precisa estar acompanhada de pesquisas que apresentam alternativas para suprir as lacunas que devem ser deixadas pela indústria, até para realocação de recursos, empregabilidade, entre outras consequências que poderiam gerar crises econômicas.

Além disso, o aprofundamento é uma boa forma de rebater falsos argumentos disseminados por uma indústria que não poupa esforços, que patrocina a produção de muitos artigos acadêmicos com finalidades escusas, assim ampliando o escopo de desinformação. Sem dúvida, na atualidade muita gente depende do sistema de exploração animal, e claro que porque isso não se firmou agora.

Estamos falando de um sistema que começou a se desenvolver exponencialmente e nos moldes industriais no período da Revolução Industrial, ou seja, desde o século 18. É muito tempo incutindo na mente das pessoas uma quantidade absurda de falsas necessidades. Infelizmente, é um fator negativamente cultural, reforçado por meio de propaganda. E os meios de comunicação, como vetores, têm grande parcela de culpa nisso.

Creio que hoje a missão mais importante seja fazer o caminho reverso da indústria de exploração animal. As transformações, as mudanças, devem acontecer dia a dia. Por enquanto, é imprescindível a contínua disseminação de informações que induzem à discussão, à reflexão, à produção de soluções e de provas de que o abolicionismo animal busca e prevê o melhor futuro para a humanidade e os animais.

Também acho importante mostrar que os vegetarianos e veganos nunca estiveram sozinhos. A história do vegetarianismo e do veganismo precisa ser contada sempre, para mostrar que não se trata de uma tendência. Sempre tivemos bons representantes dos direitos animais e do vegetarianismo, e, desde 1944, do veganismo. Essa preocupação sempre existiu, ao contrário do que muitas vezes é veiculado de forma equivocada pelos meios de comunicação. Em síntese, quanto mais informação e mais pesquisa, melhor.

 





A importância das opiniões contrárias

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Quem se julga sábio, dificilmente se abre para o conhecimento de forma isenta (Arte: Hype Orlando)

Pode parecer estranho, mas aprendi a gostar de opiniões contrárias às minhas na adolescência. E acredito que isso faz parte de um processo de constante amadurecimento, principalmente porque acho mais importante ter dúvidas do que certezas. Afinal, sou movido pelas dúvidas. Me provam que pouco sei sobre tantas coisas e isso é estimulante porque me permite evitar ser petulante, recair o mínimo possível em senso comum ou generalizações.

Quem se julga sábio, dificilmente se abre para o conhecimento de forma isenta de pré-conceitos ou preconceitos. Além disso, é através das diferenças que aprendo a ser mais paciente. Se calar para ouvir pode ser um desafio quando as palavras não nos agradam, mas é recompensador porque é a maior prova de que a essência humana não abandonou o ser.

Quem busca semelhanças o tempo todo corre o risco de se inclinar sobre si mesmo e não perceber que o outro na realidade é apenas o seu próprio reflexo imutável e pulverizado, como um ouroboros distorcido. A internet, por exemplo, é um ambiente muito bom para uma avaliação de autocontrole. Nesses mais de seis anos usando o Facebook me agrada o fato de eu jamais ter xingado alguém, mesmo diante de provocações e ofensas.

Tudo que sei é baseado em verdades parciais e fragmentos

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Tenho certeza de pouco ou quase nada (Arte: Linarie Art)

Tenho certeza de pouco ou quase nada (Arte: Linarie Art)

Tudo que sei é baseado em verdades parciais e fragmentos que se acumulam, se aglutinam, se contrapõem, se aproximam e se distanciam, num sempiterno exercício em que o raciocínio interage com a sensibilidade. Tenho certeza de pouco ou quase nada.

Na realidade, minhas dúvidas se multiplicam todos os dias. Nada ecoa mais pela minha mente do que as incertezas. Quem se vê sábio, pouco se abre para o conhecimento na sua forma mais livre. Hoje a vida me ensina isso muito mais do que na adolescência ou princípio da fase adulta.

Reconheço minha fragilidade e até a vejo como uma suposta qualidade porque sei que é exatamente a insegurança com relação ao conhecimento que leva o ser humano a ser mais ponderado e menos pernóstico. Por isso que sempre que alguém tem algo a dizer, mesmo que seja um analfabeto, já que sabedoria independe de educação formal, prefiro me calar do que falar.

Written by David Arioch

December 31st, 2015 at 11:54 am