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Bolsonaro, Pinochet e economia
Outra estranha curiosidade. Assim como pretende Bolsonaro, na figura do seu economista Paulo Guedes, Pinochet também tinha um modelo econômico baseado na Escola de Chicago. Pinochet, ditador, que matava seus opositores, privatizou a previdência social e hoje 39% da população chilena não dispõe de nenhum tipo de seguridade social. Como consequência disso, o Chile atualmente é recordista em suicídio entre idosos, que sem condições de viver com dignidade decidem tirar a própria vida.
Bolsonaro quer entregar a economia brasileira para um seguidor do Reaganomics
Querem entregar o Brasil para um economista que segue um plano econômico instituído nos Estados Unidos da década de 1980. Paulo Guedes, que o candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro (PSL) quer nomear como ministro da fazenda, tem como referência o plano econômico de Reagan (Reaganomics). Isso mesmo, que foi presidente nos EUA há mais de 30 anos.
O Reaganomics não apenas cortou impostos dos ricos quando foi instituído, como realizou grandes cortes em gastos sociais. Os cortes foram feitos para compensar a redução no corte de impostos, o que acabou beneficiando os ricos e lesando os mais pobres. Com os cortes sociais, a meta era ampliar os investimentos que favorecessem o crescimento econômico.
Então eles cortaram custos para os negócios visando gerar mais capital que pudesse impulsionar o crescimento econômico. Mas capital próprio não impulsiona crescimento e em vez da economia crescer ela encolheu. Inclusive o último que tentou imitar isso no Brasil foi o Collor. E o resto vocês já sabem.
Pesquisem sobre esse plano Reaganomics. É apontado como logicamente insustentável e matematicamente desacreditado, mas há aqueles que vivem tentando duplicar, triplicar e quadriplicar essa filosofia como política econômica sólida porque não admitem os próprios erros, e também porque acreditam que o segredo da boa economia está em financiar e incentivar sempre os mais ricos. Quando a ganância supera a razão a história nos cega para o futuro.
Um candidato que desconsidera valores humanos e sociais
Bolsonaro, um candidato que desconsidera valores humanos e sociais, que faz piadas sobre tortura, negros, gays e quilombolas; que acha normal desrespeitar mulheres; que não vê palestinos como cidadãos; que diz que “índio” não tem que viver no mato, mas sim aprender a se virar na cidade (não respeitando valores culturais); que fala em destruir o meio ambiente com a maior naturalidade possível, alegando que temos “áreas de proteção ambiental demais”; que chama caça de “esporte saudável”; que é o primeiro candidato à presidência do Brasil recente a ter apoio massivo das bancadas mais perigosas do congresso (BBB), que sempre colocaram os interesses pessoais e econômicos muito acima dos interesses humanos. Como isso pode ser aceitável?
Nada disso é ser sincero, verdadeiro ou do tipo que “fala o que tem pra falar”, mas sim apenas uma figura arbitrária que ao longo de sua vida não aprendeu a lidar com a pluralidade; alguém que não tem um arcabouço cultural sobre a premência de valores sociais porque esteve sempre imerso em vaidades, veleidades e em uma realidade unilateral. Estou falando de um candidato que foi despejado pelo Exército, que se exalta e fica nervoso diante de contrariedades, que em sua ficha militar consta: “Tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos.”
Basicamente, uma pessoa que não tem perfil para ser o presidente do quinto maior país do mundo. Como um sujeito que desconsidera valores básicos como o respeito, as diferenças, tem condições de melhorar a realidade de um país? Se você não respeita as diferenças e as margens sociais de uma nação você está fadado a continuar sacrificando pessoas em benefício de interesses que você, na sua ignorância ou indiferença, considera mais urgentes.
Nas sociedades contemporâneas mais evoluídas, o tratamento dispensado às chamadas minorias é sempre um indicativo dos níveis de progresso de uma nação. Porque há um entendimento de que se você respeita “um diferente” você naturalmente respeita “um igual”. Não existe boa economia que beneficie toda uma população quando valores sociais são desconsiderados. Não existe boa economia se isso ofusca ou suprime outros valores. O Brasil precisa é de políticas econômicas que se voltem para modelos de referência como aqueles defendidos pelo sueco Olof Palme, modelos econômicos que consideram os valores humanos e sociais na formulação de um plano econômico, valores que combinam economia justa com bem-estar social.
O que vejo nos discursos e nas propostas do candidato, que me parecem vagas ou confusas, é apenas interesse em sacrificar todos ou quaisquer valores visando elevar a economia sem considerar de que forma isso pode efetivamente beneficiar quem mais precisa, não somente uma pequena parcela da população. Vamos considerar que o candidato consiga elevar a geração de renda. Se a apropriação dessa renda continuar, por exemplo, nas mãos dos 10% mais ricos, não há como alcançar mudanças substanciais, e pelo discurso de desconsiderações de outros valores, não tenho dúvida de que é isso que vai acontecer. O Brasil é um país que só vai ser capaz de melhorar quando a social-democracia for levada a sério.
O Brasil vai virar uma Venezuela com o PT?
Não vejo como isso seria possível considerando fatores como territorialidade, configuração macroeconômica e disposição de recursos naturais. A Venezuela é um país que tem como principal fonte econômica o petróleo, diferentemente do Brasil que dispõe de inúmeros recursos naturais e economia fundamentalmente multifária. Além disso, o nosso vizinho tem pouco mais de 916 mil quilômetros quadrados e 31 milhões de pessoas, e o Brasil tem 8,6 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 207,7 milhões de pessoas.
A Venezuela sofre pressões externas há muito tempo, e há indicadores de que na mesma proporção dos países do Tratado do Atlântico Norte. E quando falamos então em geopolítica e relações internacionais, peço apenas que você faça o seguinte exercício. Nessa reta final das eleições, onde os temores de tanta gente se direcionam para a possibilidade de um “Brasil Venezuelano”, as notícias lá fora são mais favoráveis ao Bolsonaro ou ao Haddad? As críticas são mais direcionadas a quem? Assim você terá sua resposta. América do Norte, Europa e Ásia publicam diariamente notícias sobre o impacto negativo de uma vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro (PSL). Sendo assim, quem será que tem mais impacto negativo no mercado? Quem será que traz mais medo e incertezas especulativas?
Venezuela, que apesar de tudo não está no mesmo espectro da Coreia do Norte de King Jong-un, já que Nicolás Maduro foi eleito pela própria população, não é um exemplo de Estado porque cometeu um grave erro de supervalorizar a soberania e desconsiderar o mais importante que são os interesses da população. Correu um risco, com uma economia sucateada e fundamentada no petróleo, e infelizmente muita gente está pagando o preço por esse erro que levou a miséria a níveis estratosféricos. E o mais estranho, é que transversalmente Bolsonaro está mais próximo da Venezuela do que Haddad. Mas como assim?
Bolsonaro já deixou claro antes mesmo das eleições que quer usar o petróleo nacional como moeda de troca pelo protecionismo estadunidense como mecanismo de fortalecimento de um governo menos democrático, o que naturalmente me lembra o que aconteceu no Brasil pré-ditadura militar quando os militares em parceria com os EUA criaram factoides para fundamentar a derrubada de Jango (fizeram uma maquiagem para transformar a imagem de um ruralista em suposto “comunista” e inimigo da nação), e fizeram isso porque queriam submeter a economia brasileira à “americana”, considerando que o Brasil tinha todos os predicados para não se submeter aos EUA. Mas isso era inconcebível porque o Brasil, enquanto reserva estratégica, possuía matérias-primas de alto valor que eram do interesse dos EUA, mas que eles não teriam condições de ter acesso se não fosse em decorrência da emergência da ditadura militar.
Ademais, no Brasil, partidos chamados de esquerda como o PT nem mesmo defendem uma economia planificada, em que todo o sistema de produção é deixado sob controle estatal (que se enquadra nas ideias que costumam associar com um suposto “socialismo” a caminho do “comunismo”. Afinal, o socialismo é o passo instancial do comunismo) – logo não há como o Brasil ter qualquer proximidade com a realidade venezuelana. Bolsonaro, que se esconde sob uma propaganda neoliberal, quer um estado econômico intervencionista e protecionista (por isso, deu um “cala a boca” no “neoliberal de Chicago” Paulo Guedes nas últimas semanas), e Haddad já segue um plano mais próximo das medidas heterodoxas do keynesianismo. Pra entender um pouco melhor, vamos voltar no tempo. Com a saída do PSDB do comando da nação em 2003, o Brasil começou a abandonar uma política econômica mais reacionária se tratando de questões fiscais e monetárias, e motivado pela necessidade de uma política pragmática que considerou o cenário da adversidade econômica mundial.
Hoje, anos depois, Haddad se mostra mais próximo da corrente keynesiana desenvolvimentista, que prevê flexibilização no combate à inflação visando a manutenção do crescimento do produto interno e do emprego sem sacrificar as políticas sociais. Além disso, o PT, que já flertou inclusive com o chamado “neoliberalismo do PSDB”, não poderia estar mais longe do que chamam de um demonizado “estado socialista” ou “comunista”, até por cortejar a visão social da escola de Myrdal ou Estocolmo, que se volta para um estado de bem-estar social, e que tem como exemplos de modelos mais bem-sucedidos a realidade dos países escandinavos que vivem a social-democracia.
Curiosamente, é um modelo que inspira e se distancia da economia do modelo estadunidense baseado na escola neoliberal de Chicago, a mesma de onde saiu o economista Paulo Guedes, que Bolsonaro indicou como ministro da fazenda. Chomsky, que conheceu bem o trabalho de Guedes, declarou recentemente que o economista brasileiro tem uma visão macroeconômica e de resolução de problemas ultrapassada e que seria um desastre para a economia de um país com as proporções do Brasil, que é o quinto maior do mundo, e onde ainda há muita concentração de renda nas mãos de poucas pessoas.
Não posso deixar de frisar também que se o PT fosse “comunista” já estaríamos vivendo em uma Venezuela. O Lula ascendeu ao poder quando eu estava saindo da adolescência, e se a intenção fosse essa, por que ele não transformou o país em uma Venezuela antes? Por que ele não planejou uma fuga quando ordenaram sua prisão? Por que o PT não fez uma revolução após o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, não é isso que se faz sob o manto do autoritarismo? Do pseudo-socialismo ou do pseudo-comunismo? Até porque, obviamente, autocratas não aceitam decisões contrárias às suas, não aceitam se submeter às leis ou determinações de um congresso. Eles estão acima de tudo. Mas ainda assim o PT não fez mais do que resistir no campo judiciário.
Não imagino como no tempo presente conseguiriam transformar uma nação de proporções continentais, a quinta maior do mundo, em um “país comunista”. O Brasil nunca se aproximou de fato do “comunismo”. Sim, temos figuras políticas que já tiveram contato e relações com líderes de outras nações de caráter democrático duvidoso, mas nada mais do que isso. Se você estudar a história do Brasil no período da pré-ditadura militar isso fica ainda mais evidente. Além disso, as experiências negativas do passado estão sempre servindo de lição para uma revisão de autoavaliação constante.
Considere também a quantidade de acordos que o PT, assim como outros partidos que comandaram o Brasil, fez ao longo dos anos, inclusive com inimigos históricos na consideração de pautas e projetos. É apenas realidade de um mundo pragmático. Afinal, políticas e partidos diluem-se entre si quando se trata de certas questões, o que é um desdobramento do nosso engessado sistema político. O próprio apoio concedido à JBS no governo petista, e tão apontado por tanta gente, seria inconcebível em um “estado “comunista”. Governantes que visam uma guinada tão radical nunca seriam tão suscetíveis. O Brasil é um país com uma configuração política bem simples – democracia delimitada, guiada e dinamitada pelo dinheiro, assim como outras nações chamadas de “nações em desenvolvimento”.
Pecuaristas estão trocando o leite pela cerveja nos Estados Unidos
“Descobrimos a nossa paixão pela cerveja artesanal”
O casal de pecuaristas Molly Stevens e Sean DuBois está trocando o leite pela cerveja nos Estados Unidos. Situada em Massachussetts, a fazenda Carter & Stevens, que era totalmente dedicada à criação de vacas e produção de laticínios, agora está operando também como cervejaria porque seus proprietários estão enfrentando a maior baixa histórica desde que a fazenda foi fundada, segundo informações do New York Times.
“Descobrimos a nossa paixão pela cerveja artesanal”, explica DuBois. Embora eles não tenham feito uma transição completa, o que significa que continuam operando parcialmente como uma fazenda de produção de laticínios, tudo indica que em breve as vacas leiteiras já não serão mais ordenhadas na propriedade, seja mecanicamente ou manualmente. E por um motivo bem simples, o casal vende cada litro de cerveja por sete dólares contra os 0,16 centavos por litro de leite.
Molly Stevens e Sean DuBois não têm dúvidas de que o mercado de leites vegetais deve ocupar cada vez mais espaço. Por isso, decidiram investir na cervejaria. Outras fazendas consideradas tradicionais no ramo de laticínios já fizeram uma transição completa. Dos exemplos mais emblemáticos está a Elmhurst Dairy que depois de 80 anos se transformou na marca vegana Elmhurst Milked, de leites vegetais.
“A ideia é tentar controlar todo mundo, transformar toda a sociedade no sistema perfeito”
Se voltarmos ao século 19, no início da Revolução Industrial, os trabalhadores tinham muita consciência disso. Eles, na verdade, predominantemente consideravam o trabalho assalariado não muito diferente da escravidão, a única diferença é que era temporário. Na verdade, era uma ideia tão popular que era o slogan do Partido Republicano. Ali havia uma afiada consciência de classe. No interesse do poder e privilégio, é bom tirar essa ideia da cabeça das pessoas. Você não quer que elas saibam que são uma classe oprimida.
Então, esta é uma das poucas sociedades [sociedade dos Estados Unidos] em que não se fala sobre classe. Na verdade, a noção de classe é bem simples. Quem dá as ordens? Quem as segue? Isso basicamente define classe. Tem mais nuances, é mais complexo, mas basicamente é isso.
As indústrias de relações públicas e publicidade, que são dedicadas a criar consumidores, são um fenômeno que se desenvolveu nos chamados países livres; na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e o motivo é bem claro. Ficou claro, há um século, que não seria tão fácil controlar a população à força. Muita liberdade foi conquistada. Organização do trabalho, partidos trabalhistas em vários países, as mulheres começando a votar, etc.
Então era preciso ter outras formas de controle. E era de conhecimento expresso que você tinha que domá-las controlando suas crenças e atitudes. Uma das melhores formas de controlar pessoas em termos de atitudes é o que o grande economista Thorstein Veblen chamou de “fabricar consumidores”.
Se você fabricar vontades, fazer as pessoas obterem coisas que estão ao alcance, “a essência da vida”, elas virarão consumidoras. Ao ler os jornais empresariais dos anos 1920, eles falam da necessidade de direcionar as pessoas às coisas superficiais da vida, como “consumo de moda”, e isso as manterá fora do seu caminho.
Você encontra essa doutrina em meio a pensamentos intelectuais progressistas, como de Walter Lippman, o principal intelectual progressista do século 20. Ele escreveu famosos ensaios progressistas sobre a democracia em que sua visão era exatamente essa. “O público deve ser colocado no seu lugar para que os homens responsáveis tomem decisões sem a interferência do ‘rebanho desnorteado’.”
Devem ser espectadores, não participantes. Assim há uma democracia eficiente, retomando Madison, o Memorando de Powell e assim por diante. E a indústria de publicidade explodiu tendo esse objetivo: fabricar consumidores. E tudo é feito com grande sofisticação. O ideal é o que se vê hoje em dia. Em que, digamos, adolescentes que têm um sábado à tarde livre, vão ao shopping passear, não à livraria ou outro lugar.
A ideia é tentar controlar todo mundo, transformar toda a sociedade no sistema perfeito. O sistema perfeito seria uma sociedade baseada em uma díade, um par, o par é você e seu aparelho de TV, ou, talvez agora, você e sua internet, que lhe apresenta o que deveria ser a vida apropriada; que tipo de engenhocas você deveria ter.
E passa seu tempo e esforço para conseguir essas coisas, que não precisa, não quer, e talvez jogue fora, mas essa é a medida de uma “vida decente”. O que vemos nas propagandas na televisão, se você já fez um curso de economia, você sabe que os mercados devem ser baseados em “consumidores informados fazendo escolhas racionais”.
Bem, se tivéssemos um sistema de mercado assim, então uma propaganda de televisão consistiria de, digamos, a General Motors dando informações dizendo: “Eis o que temos à venda.” Mas uma propaganda de carro não é assim. Uma propaganda de carro tem um herói do futebol, uma atriz, um carro fazendo alguma loucura como subir uma montanha ou algo assim.
A questão é criar consumidores desinformados que farão escolhas irracionais. É disso que se trata a publicidade, e quando a mesma instituição, o sistema de RP comanda a eleição, eles fazem do mesmo jeito. Eles querem criar um eleitorado desinformado, que fará escolhas irracionais, muitas vezes contra seus próprios interesses, e toda vez vemos uma dessas extravagâncias acontecerem.
Logo após a eleição, o presidente Obama ganhou um prêmio da indústria de publicidade pelo melhor marketing de campanha. Não foi divulgado aqui, mas se procurar na imprensa internacional, os executivos ficaram eufóricos. Eles disseram: “Nós vendemos candidatos, fazemos marketing de candidatos como se fosse de pasta de dente, desde Reagan, e essa é a maior conquista que temos.”
Eu geralmente não concordo com Sarah Palin, mas quando ela zomba do que ela chama de “hopey-changey”, ela está certa. Primeiramente, Obama não prometeu nada. Isso é principalmente ilusão. Analise a campanha retórica e preste atenção. Há pouca discussão de questões políticas, e por um ótimo motivo, porque a opinião pública sobre política é muito desconectada do que a liderança de dois partidos e seus financiadores querem. A política cada vez mais está focada nos interesses particulares que financiam as campanhas, com o público sendo marginalizado.
Excertos de Noam Chomsky no documentário “Requiem for the American Dream”, de Kelly Nyks, Peter D. Hutchison e Jared P. Scott, lançado em 2015.
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“Na ditadura militar brasileira, eles [os críticos do Estado] eram chamados de antibrasileiros”
Essa noção antiamericana é bem interessante. É uma noção totalitária. Não é usada em sociedades livres. Então se alguém na Itália critica o Berlusconi ou a corrupção do governo italiano, ele não é chamado de anti-italiano. Se o chamassem de anti-italiano, as pessoas iriam cair na risada nas ruas de Roma e Milão.
Em Estados totalitários essa noção é usada. Na antiga União Soviética, os dissidentes eram chamados de antissoviéticos. Era a pior condenação. Na ditadura militar brasileira, eles eram chamados de antibrasileiros. É verdade que em quase toda sociedade, os críticos são difamados ou maltratados de várias formas, dependendo da natureza da sociedade. Como na União Soviética, Vaclava Havel seria preso.
Em um Estado parte dos EUA como El Salvador, na mesma época, seus homólogos teriam seus miolos estourados por forças terroristas comandadas pelos Estados Unidos. Em outras sociedades, eles são condenados ou difamados, daí por diante. Nos Estados Unidos, um dos termos de abuso é antiamericano. Há alguns outros, como marxista.
Há uma série de termos de abuso. Mas nos Estados Unidos, você tem um alto grau de liberdade, então, se for difamado por alguns comissários, quem liga? Você continua, faz seu trabalho. Esses conceitos só surgem em uma cultura em que, se você criticar o poder estatal, e por estatal quero dizer em geral, não só o governo, mas também o poder empresarial, se criticar o poder concentrado, você é contra a sociedade, é contra o povo.
Noam Chomsky em “Requiem for the American Dream”, de 2015.
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Mais diplomacia e menos guerra
Crise na Ucrânia vai muito além do que a grande mídia informa
Penso que a situação na Ucrânia não é menos delicada do que foi a do Kosovo, Tchetchênia, Sérvia e Montenegro. E pra citar dois períodos hoje remotos, o fim do Império Austro-Húngaro em 1918 e a invasão Bolgar muitos séculos antes. Não há nada simplista quando se trata de povos que, embora dividam o mesmo espaço, e estão sujeitos às mesmas conjunturas sociais e econômicas, possuem formações culturais e posições políticas convergentes e divergentes.
Não acho que o problema da crise na Ucrânia seja apenas político e econômico, embora tenha surgido na grande mídia com tal conotação, até porque esse foi o estopim. Vai muito além disso. Infelizmente, a imprensa tem a mania de aproveitar o fato de que não pensamos em plano cartesiano. Então nos bombardeiam com informações que nos confundem demais ou nos permitem julgar algo da maneira mais superficial possível.
Na minha avaliação pessoal, as manifestações na Ucrânia têm a ver com a sua própria trajetória e as muitas transições que surgiram em centenas de anos, começando pelo século 7. É um país com uma história bem complicada de dominância e submissividade. Me recordo que a Ucrânia já sofreu influência russa, búlgara, polaca, lituana, cossaca, mongol, cazar, tártara, viking e bizantina. E acho que tem mais por aí…
Hoje, muitos preferem não pensar muito sobre o assunto, incorrendo no erro de simplesmente amar ou odiar a Rússia, concordar ou discordar das manifestações na Ucrânia. Acho que mais importante do que julgar objetivamente a influência oriental ou ocidental é a necessidade de ponderar sobre uma resolução baseada na diplomacia. Sim, os nacionalistas ucranianos odeiam a Rússia e isso tem muito tempo. Usam símbolos controversos para afrontar os russos.
Não são poucos os jovens que desfilam pelas ruas de Kiev gritando “Heil Hitler”, o popular 88 do movimento nazista, bem como as 14 palavras do slogan “Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas.” São clichês perpetuados há muito tempo. Entretanto, até que ponto e em que proporção isso representa o pensamento do povo ucraniano? Simplesmente não representa. É apenas uma das vozes da Ucrânia moderna, mas está longe de conquistar a simpatia da maioria, como alguns tentam pincelar.
Considero justas algumas reivindicações dos nacionalistas. Embora dentre os defensores do Nacional Socialismo ucraniano tenha muita gente endossando o movimento somente durante as manifestações, há boas justificativas para não simpatizarem com a Rússia. Entre os anos de 1917 e 1921, os soviéticos perseguiram Nestor Makhno, o maior líder da Revolução Ucraniana. Contrário aos bolcheviques, se tornou o principal desafeto de Leon Trotsky.
À época, o intelectual marxista contratou dois homens para assassiná-lo. Não conseguiram porque o ucraniano fugiu para a França, onde viveu até morrer de tuberculose. Nem todos tiveram a mesma sorte. Antes o Exército Vermelho dizimou milhares de ucranianos. Pouco tempo depois, em 1930, foi a vez de Josef Stalin promover dois dos maiores genocídios do povo ucraniano. Com isso, a Ucrânia enterrou parte de sua herança cultural, já que entre os mortos estavam muitos artistas e intelectuais. Isso explica, mas não justifica o ódio generalizado dos nacionalistas ucranianos contra os russos.
O nacionalismo surge como força transformadora em momentos de grande vulnerabilidade. Ele é contraditório em essência porque consegue ser bom e ao mesmo tempo ruim. É bom porque obriga o ser humano a assumir uma posição ativa, olhar para si mesmo, para sua história e a dos seus. Em concomitância, é ruim porque o cega para suas falhas e o faz julgar o que é diferente como uma deformidade, uma degeneração com um viés idiossincrásico bem limitado. Além disso, como defender um Estado e uma cultura homogênea quando a própria arquitetura do país simboliza a diversidade? Uma das sete maravilhas da Ucrânia é o Castelo Kamianets-Podilskyi, um símbolo do multiculturalismo do Leste Europeu.
É importante levar em conta que a Ucrânia é um país com mais de 7,5 milhões de pessoas de origem russa. Sendo assim, o que aconteceria com os ucranianos de origem russa, caso os nacionalistas assumissem o poder? Quando falo em diplomacia, penso que seria justo os ucranianos terem direito a uma maior “ocidentalização”, se for o desejo da maioria, assim como ouvir e avaliar as queixas dos nacionalistas.
Por outro lado, também é certo assegurar os direitos dos russos que vivem na Ucrânia, afinal, eles também estão lá para contribuir, trabalhar e constituir família. Não devem ser responsabilizados por algo que não fizeram. Ser Pró-Rússia na Ucrânia é ainda uma forma de autodefesa para muitos descendentes de russos e outras minorias.
Ouso dizer que a história da Ucrânia faz parte da história da Rússia e vice-versa. O maior exemplo disso é “A Crônica Primária”, um trabalho que ganhou status de documento em 1767. A obra é de autoria de Nestor, considerado um dos maiores estudiosos da cultura eslava de todos os tempos.
David Arioch, apenas um entusiasta da cultura do Leste Europeu.
O declínio econômico de Paranavaí
Quando o desenvolvimento foi comprometido pela monocultura e ausência de políticas públicas
A história mostra que Paranavaí, na região Noroeste, poderia ser um dos municípios mais importantes do Paraná, no entanto, em função da falta de diversificação econômica e ausência de políticas públicas para o setor agrícola, a cidade entrou em declínio a partir de 1970.
Paranavaí teve um progresso exemplar até o início da década de 1960. À época, a cidade era vista como símbolo de progresso no Paraná, uma imagem que ganhou solidez em 1956, quando uma pesquisa da Associação Brasileira dos Municípios apontou Paranavaí como uma das cinco cidades com maior índice de desenvolvimento do país.
As consequências humanas
Contudo, como tinha um perfil essencialmente agrícola, baseado na monocultura cafeeira, a ex-Fazenda Brasileira experimentou um declínio sem precedentes. As primeiras geadas que castigaram as lavouras da região de Paranavaí e atingiram profundamente a economia local foram registradas em 1962 e 1964, de acordo com informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil. “Na segunda geada, o prejuízo foi tão grande que tive que vender meu sítio. A partir do acontecido, nunca mais quis mexer com a cafeicultura”, revelou o pioneiro paranaense Orlando Otávio Bernal.
Para piorar, a intempérie voltou a devastar as propriedades do Noroeste Paranaense em 1969, destruindo pelo menos 80% da produção cafeeira regional. “Quando meu pai viu aquela camadinha fina de gelo sobre o cafezal, ele entrou em pânico. Nunca o tinha visto chorar daquele jeito, jogado sobre um pé de café. Perdemos tudo, não deu pra recuperar nada”, confidenciou o empresário Fabrício Gomes Soares. Dias depois, a mãe de Soares flagrou o pai se preparando para ingerir um rodenticida conhecido como chumbinho. Felizmente, conseguiu evitar o pior.
A mesma sorte não teve o pai da aposentada Catalina Prado Ruiz que tinha uma propriedade rural às margens da Rodovia BR-376. “Ele contraiu muitas dívidas com as geadas anteriores, então quando veio a mais forte, em 1969, não aguentou”, enfatizou Catalina com a voz calma e pausada, sem velar os olhos marejados. O homem foi encontrado morto, após um ataque cardíaco fulminante, agarrado à base de um cafeeiro.
O agricultor capixaba Orlando Brás de Mello, radicado em Paranavaí desde 1957, preferiu não citar nomes, mas contou que teve vários conhecidos que não superaram os prejuízos, se endividaram e cometeram suicídio. “Meu cunhado quase enlouqueceu. Ele pôs fogo no cafezal e num barracão enorme onde costumava estocar o café”, complementou.
As consequências econômicas
Como consequência econômica das geadas, o preço do café subiu, surgindo um ciclo de especulações que pareceu infindável. “A situação era preocupante demais, muito triste. Quase ninguém tinha ânimo pra continuar porque aqui a gente já tinha outro problema grave que era o solo empobrecido”, relatou o pioneiro cearense João Mariano, se referindo também ao surgimento das erosões hídricas que se intensificaram a partir dos anos 1960.
Com a queda da cafeicultura, que preservava um caráter familiar na região Noroeste do Paraná, houve grande abertura para a formação dos latifúndios, o que intensificou mais ainda as desigualdades sociais. Logo as lavouras começaram a ser substituídas por pastagens e, como a pecuária absorveu pouca mão de obra, milhares de trabalhadores rurais ficaram desempregados. “Que eu me lembre, quando deixei o trabalho na lavoura e não consegui nada na área urbana de Paranavaí, pelo menos da fazenda onde eu trabalhava e de outra propriedade vizinha mais de 200 pessoas foram embora pra Maringá”, disse o taxista Jurandir Romano de Paula.
No Noroeste do Paraná, entre as cidades mais prejudicadas pela intempérie estavam Paranavaí, Tamboara, Paraíso do Norte, Nova Aliança do Ivaí e Mirador que em 1960 representavam 1/3 de toda a produção agrícola regional, conforme registros do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). Em 1970, a região de Paranavaí somou 336 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dez anos depois, em 1980, perdeu quase 50 mil habitantes, somando 288 mil moradores.
Foi um retrocesso para a região que em 1960 contou com mais de 307 mil habitantes. “Em 1970, tive que fechar minha mercearia porque fazia mais de seis meses que estava trabalhando no vermelho. Teve mês que não vendi nada porque ninguém tinha dinheiro. Nem conseguia mais honrar os compromissos com fornecedor”, destacou o ex-comerciante Geraldo Marques.
Em 1980, a produção cafeeira do Noroeste Paranaense foi quase reduzida pela metade, caindo de 30 milhões de cafeeiros para 16 milhões. O solo frágil e comprometido pela falta de técnicas adequadas de plantio, manejo e cultivo fez com que o milheiro de pés de café rendesse apenas 27 sacas, quantia muito inferior as 150 da década de 1960, revelou estatísticas do extinto IBC.
Do melhor ao pior índice de desenvolvimento
Orlando de Mello frisou que a lavoura era o “carro-chefe” da economia regional de Paranavaí, por isso, o impacto foi tão grande. “Eu mesmo não tinha nenhum conhecido, amigo ou parente que trabalhasse com outra cultura que não fosse o café”, assinalou Jurandir de Paula. A falta de diversificação econômica deu ao Noroeste Paranaense reflexos muito negativos. Nos anos 1970, a região encabeçada por Paranavaí teve os piores índices de desenvolvimento do Paraná.
O que ilustra bem esse fato é uma pesquisa do IBGE que foi lançada em 1980 sobre industrialização e geração de empregos. A microrregião de Paranavaí ocupou a última posição, com uma ínfima contribuição estadual de 0,5% enquanto as regiões de Ponta Grossa e Londrina despontaram com 10,4% e 9,5%. “Na cidade, não tinha emprego, então a gente tinha que ir pra onde dava. Cheguei a passar uma temporada trabalhando em lavouras em Minas Gerais pra poder sobreviver. Tinha mulher e filhos pra sustentar”, argumentou o aposentado Bernardo Ricardi Proença.
Conforme a pecuária se desenvolveu, o homem se afastou cada vez mais do campo. Um estudo do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva indicou que nos anos 1980, o gado já ocupava mais de um milhão de hectares na região de Paranavaí enquanto as lavouras mal ultrapassavam 180 mil. “Eu era acostumado a ver muitas plantações e muita gente trabalhando no campo. Isso acabou. O que a gente viu depois foi só boi e deserto”, desabafou Proença.
No livro “História de Paranavaí”, o escritor Paulo Marcelo levantou duas hipóteses sobre o declínio econômico de Paranavaí a partir de 1969. A primeira foi a ausência de uma política oficial para o setor agroindustrial. Já a segunda, a adoção de um sistema tributário centralizador que prejudicou os municípios da microrregião, inviabilizando o surgimento de novos incentivos fiscais.
Pesquisadores e pioneiros são unânimes em afirmar que o retrocesso de Paranavaí nos anos 1970 e 1980 teve raízes na supervalorização da monocultura. “Muita gente fez o mesmo depois com a pecuária. Mas o problema é que criar gado só beneficiou uma minoria, não teve um aspecto social, ao contrário da cafeicultura, apesar da exploração do trabalho rural ter surgido na nossa região logo nos primórdios da colonização”, avaliou o sociólogo Otávio Bernal Filho, acrescentando que os nordestinos foram os mais lesados pelas injustiças sociais que transcorriam no campo.
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