Archive for the ‘Eleições’ tag
Se alguém tivesse me falado há 15 anos…
Se alguém tivesse me falado há 15 anos que chegaria um dia em que os brasileiros votariam em massa em um cara que não apenas vê a ditadura militar como um período lindo, mas que além disso fez apologia à tortura, disse que não veria problema em matar 30 mil pessoas para mudar o Brasil, e que homenageou o maior torturador da história moderna brasileira, eu nunca acreditaria. Juro mesmo.
Honestamente, não consigo ver da mesma forma diversas pessoas que votaram e vão votar nesse cara outra vez, ainda mais porque são pessoas que conheço e sei que sabem quem foi o Ustra e tudo que o Bolsonaro já disse a respeito do assunto. A tortura é inadmissível até mesmo contra os piores criminosos condenados à morte em países de “Primeiro Mundo”, vide Estados Unidos. Isso é uma prova de que devemos ser melhores, não piores. Inclusive sou contra a pena de morte.
Eu gostaria que essas pessoas que acreditam na violência como solução para os nossos problemas assistissem um filme do Werner Herzog chamado “Into the Abyss”, sobre a pena de morte, que me fez admirar ainda mais esse cineasta alemão. Não somos bárbaros para endossar tortura. Nada resta se assim como criminosos legitimamos o desrespeito à vida.
Manipulação da opinião pública durante as eleições
Assisti hoje um vídeo (ao final do texto) sobre a manipulação da opinião pública durante as eleições. É realmente interessante. Vale a pena assistir. Eu só faria algumas observações como por exemplo o fato de haver no Brasil um desprezo crônico a um determinado espectro político hoje. Quando se fala em esquerda, há um preconceito e um desconhecimento visceral, e vindo de pessoas que na realidade nem sabem o que é de fato a esquerda, por isso há uma generalização crônica.
Na realidade, são pessoas que nem mesmo entendem o que são espectros políticos (confundem, por exemplo, centro com esquerda e vice-versa). E é fácil conduzir essas pessoas a uma visão equivocada da realidade e da história política nacional, principalmente se não a estudaram parcialmente ou integralmente – desde que o Brasil se tornou presidencialista, e como se deu as transições de poder no processo democrático e fora dele.
Estamos vivendo um momento de grande dissimulação e que tem como terreno fértil as fake news. Quem tem dúvidas, é só pesquisar e ver qual é o partido e candidato que mais tem espalhado fake news nessas eleições. Inclusive recusando-se a firmar um pacto ético. É claro que o PT errou bastante, foi negligente e parte da rejeição vem daí, mas é estranha a maneira como as pessoas desprezam o PT, mas não outros partidos ainda mais corruptos como é o caso do PP, que é o partido do qual Bolsonaro fez parte por 11 anos em dobradinha com Paulo Maluf.
E o que sem dúvida facilita a crença nas fake news é a rejeição e o desprezo. A passionalidade motiva as pessoas a não se importarem com a veiculação de inverdades. Afinal, a má predisposição e a rejeição que desconsidera até mesmo fatos já estava previamente instalada. Há algumas considerações no vídeo que achei interessante sobre como levar alguém com visões de extrema direita ao poder:
Anti-intelectualismo: Steve Bannon disse que é sobre emoção. Afinal, raiva leva as pessoas à eleição.
Você quer que a sua propaganda seja apelativa para as pessoas com limitada formação educacional.
Irrealidade: Você precisa destruir a verdade. Então razão é substituída por teorias da conspiração.
Na política fascista o grupo dominante é melhor que todos os outros. Eles foram os leais, as grandes pessoas do passado, que merecem respeito apenas porque são quem são.
Vitimismo: No fascismo, o grupo dominante são as maiores vítimas.
Lei e ordem: Eles são vítimas de que? Eles são vítimas do outro grupo, que são os únicos criminosos.
Realidade é a maior ameaça ao fascismo, porque o fascismo é construído por meio de um poder que depende da negação, da descrença na realidade.
Eles dizem algo como: “Apenas lembrem-se, o que vocês estão vendo e lendo não é o que está acontecendo.”
O Brasil vai virar uma Venezuela com o PT?
Não vejo como isso seria possível considerando fatores como territorialidade, configuração macroeconômica e disposição de recursos naturais. A Venezuela é um país que tem como principal fonte econômica o petróleo, diferentemente do Brasil que dispõe de inúmeros recursos naturais e economia fundamentalmente multifária. Além disso, o nosso vizinho tem pouco mais de 916 mil quilômetros quadrados e 31 milhões de pessoas, e o Brasil tem 8,6 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 207,7 milhões de pessoas.
A Venezuela sofre pressões externas há muito tempo, e há indicadores de que na mesma proporção dos países do Tratado do Atlântico Norte. E quando falamos então em geopolítica e relações internacionais, peço apenas que você faça o seguinte exercício. Nessa reta final das eleições, onde os temores de tanta gente se direcionam para a possibilidade de um “Brasil Venezuelano”, as notícias lá fora são mais favoráveis ao Bolsonaro ou ao Haddad? As críticas são mais direcionadas a quem? Assim você terá sua resposta. América do Norte, Europa e Ásia publicam diariamente notícias sobre o impacto negativo de uma vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro (PSL). Sendo assim, quem será que tem mais impacto negativo no mercado? Quem será que traz mais medo e incertezas especulativas?
Venezuela, que apesar de tudo não está no mesmo espectro da Coreia do Norte de King Jong-un, já que Nicolás Maduro foi eleito pela própria população, não é um exemplo de Estado porque cometeu um grave erro de supervalorizar a soberania e desconsiderar o mais importante que são os interesses da população. Correu um risco, com uma economia sucateada e fundamentada no petróleo, e infelizmente muita gente está pagando o preço por esse erro que levou a miséria a níveis estratosféricos. E o mais estranho, é que transversalmente Bolsonaro está mais próximo da Venezuela do que Haddad. Mas como assim?
Bolsonaro já deixou claro antes mesmo das eleições que quer usar o petróleo nacional como moeda de troca pelo protecionismo estadunidense como mecanismo de fortalecimento de um governo menos democrático, o que naturalmente me lembra o que aconteceu no Brasil pré-ditadura militar quando os militares em parceria com os EUA criaram factoides para fundamentar a derrubada de Jango (fizeram uma maquiagem para transformar a imagem de um ruralista em suposto “comunista” e inimigo da nação), e fizeram isso porque queriam submeter a economia brasileira à “americana”, considerando que o Brasil tinha todos os predicados para não se submeter aos EUA. Mas isso era inconcebível porque o Brasil, enquanto reserva estratégica, possuía matérias-primas de alto valor que eram do interesse dos EUA, mas que eles não teriam condições de ter acesso se não fosse em decorrência da emergência da ditadura militar.
Ademais, no Brasil, partidos chamados de esquerda como o PT nem mesmo defendem uma economia planificada, em que todo o sistema de produção é deixado sob controle estatal (que se enquadra nas ideias que costumam associar com um suposto “socialismo” a caminho do “comunismo”. Afinal, o socialismo é o passo instancial do comunismo) – logo não há como o Brasil ter qualquer proximidade com a realidade venezuelana. Bolsonaro, que se esconde sob uma propaganda neoliberal, quer um estado econômico intervencionista e protecionista (por isso, deu um “cala a boca” no “neoliberal de Chicago” Paulo Guedes nas últimas semanas), e Haddad já segue um plano mais próximo das medidas heterodoxas do keynesianismo. Pra entender um pouco melhor, vamos voltar no tempo. Com a saída do PSDB do comando da nação em 2003, o Brasil começou a abandonar uma política econômica mais reacionária se tratando de questões fiscais e monetárias, e motivado pela necessidade de uma política pragmática que considerou o cenário da adversidade econômica mundial.
Hoje, anos depois, Haddad se mostra mais próximo da corrente keynesiana desenvolvimentista, que prevê flexibilização no combate à inflação visando a manutenção do crescimento do produto interno e do emprego sem sacrificar as políticas sociais. Além disso, o PT, que já flertou inclusive com o chamado “neoliberalismo do PSDB”, não poderia estar mais longe do que chamam de um demonizado “estado socialista” ou “comunista”, até por cortejar a visão social da escola de Myrdal ou Estocolmo, que se volta para um estado de bem-estar social, e que tem como exemplos de modelos mais bem-sucedidos a realidade dos países escandinavos que vivem a social-democracia.
Curiosamente, é um modelo que inspira e se distancia da economia do modelo estadunidense baseado na escola neoliberal de Chicago, a mesma de onde saiu o economista Paulo Guedes, que Bolsonaro indicou como ministro da fazenda. Chomsky, que conheceu bem o trabalho de Guedes, declarou recentemente que o economista brasileiro tem uma visão macroeconômica e de resolução de problemas ultrapassada e que seria um desastre para a economia de um país com as proporções do Brasil, que é o quinto maior do mundo, e onde ainda há muita concentração de renda nas mãos de poucas pessoas.
Não posso deixar de frisar também que se o PT fosse “comunista” já estaríamos vivendo em uma Venezuela. O Lula ascendeu ao poder quando eu estava saindo da adolescência, e se a intenção fosse essa, por que ele não transformou o país em uma Venezuela antes? Por que ele não planejou uma fuga quando ordenaram sua prisão? Por que o PT não fez uma revolução após o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, não é isso que se faz sob o manto do autoritarismo? Do pseudo-socialismo ou do pseudo-comunismo? Até porque, obviamente, autocratas não aceitam decisões contrárias às suas, não aceitam se submeter às leis ou determinações de um congresso. Eles estão acima de tudo. Mas ainda assim o PT não fez mais do que resistir no campo judiciário.
Não imagino como no tempo presente conseguiriam transformar uma nação de proporções continentais, a quinta maior do mundo, em um “país comunista”. O Brasil nunca se aproximou de fato do “comunismo”. Sim, temos figuras políticas que já tiveram contato e relações com líderes de outras nações de caráter democrático duvidoso, mas nada mais do que isso. Se você estudar a história do Brasil no período da pré-ditadura militar isso fica ainda mais evidente. Além disso, as experiências negativas do passado estão sempre servindo de lição para uma revisão de autoavaliação constante.
Considere também a quantidade de acordos que o PT, assim como outros partidos que comandaram o Brasil, fez ao longo dos anos, inclusive com inimigos históricos na consideração de pautas e projetos. É apenas realidade de um mundo pragmático. Afinal, políticas e partidos diluem-se entre si quando se trata de certas questões, o que é um desdobramento do nosso engessado sistema político. O próprio apoio concedido à JBS no governo petista, e tão apontado por tanta gente, seria inconcebível em um “estado “comunista”. Governantes que visam uma guinada tão radical nunca seriam tão suscetíveis. O Brasil é um país com uma configuração política bem simples – democracia delimitada, guiada e dinamitada pelo dinheiro, assim como outras nações chamadas de “nações em desenvolvimento”.
Um breve desabafo sobre a política nacional
O Brasil tem 35 partidos políticos ativos, além de 20 partidos em vias de legalização. Para que tudo isso? Quantos desses partidos conhecemos de verdade? Precisamos de reforma política urgente. Acho que se existisse um eficaz sistema de fiscalização de atuação partidária ficaria mais fácil saber quais são relevantes e contribuem para o desenvolvimento do Brasil.
Na realidade, o que defendo como substancial e imprescindível é que os partidos sejam obrigados a atingir metas com base na proporcionalidade de seus candidatos eleitos. O partido que não honrasse seus compromissos deveria ter seu registro cassado. Outra vantagem é que isso minimizaria a desforra de pré-candidatos que lançam o próprio nome apenas visando especulação.
Muitos eleitores ingênuos e desinformados não sabem que há sujeitos com certa popularidade que se lançam como pré-candidatos visando apenas ganhar um bom dinheiro, pois sabem que os concorrentes de maior poder aquisitivo podem remunerá-los muito bem para que desistam da candidatura.
Defendo que promessas de campanha sejam punidas quando não são honradas. Afinal, o eleitor votou com base na cartilha defendida pelo seu candidato. Além disso, quem deseja concorrer às eleições deveria obrigatoriamente participar de um curso específico sobre política, com ênfase na função pretendida.
Dessa forma, muita gente sem qualificação política seria obrigada a desistir do pleito. Também seria salutar a realização de uma nova triagem com os pré-candidatos, levando em conta a coerência e aplicabilidade de suas propostas. Assim os eleitores mais ingênuos não seriam obrigados a escolher o melhor entre os piores.
Duvido que haveria tanta bagunça na política nacional se exigências como essas fossem colocadas em prática. A política no Brasil é deplorável e constrangedora porque é amadora. Vivemos em um país que realiza eleições desde 1532 e até hoje tem uma carência hercúlea de políticos profissionais. O que vemos são amadores e libertinos rendidos à politicagem.