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1959: Incêndio criminoso na Prefeitura de Terra Rica
Prédio municipal foi destruído no dia da posse de James Clark
Terra Rica, no Noroeste Paranaense, se tornou oficialmente distrito de Paranavaí em 5 de agosto de 1952, embora o povoado tenha surgido em 1950 com o nome de Estrela do Norte. Em 26 de novembro de 1954, a colônia foi elevada a município, mas a história política da localidade só teve início em 1955, quando o candidato Francisco Ramirez Galeoti conseguiu se eleger como prefeito. Quatro anos depois, um incêndio criminoso destruiu o prédio da prefeitura, fato que chocou a população e entrou para a história com uma das maiores tragédias de Terra Rica.
Após a eleição municipal de 1955, a população também soube que Ovídio Damiani, João dos Santos, Oswaldo Menoti, Izídio Modena, Vitalino Rodrigues da Silva, Alberto Filipak, Durval Veronese, Serafim dos Santos e Francisco Antônio de Oliveira se tornaram os primeiros vereadores da recém constituída Câmara Municipal de Terra Rica. Em menos de dois anos, o município somou 20 mil habitantes, a maior parte vivendo sob a égide da cultura do café, algodão e cereais. “Tínhamos quase sete milhões de pés de café plantados em Terra Rica”, disse o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso em entrevista concedida ao autor deste blog em 2006.
A alta produtividade cafeeira contribuiu para que o município alcançasse a marca de 146 estabelecimentos comerciais em pleno funcionamento em 1957. Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, Terra Rica estava se desenvolvendo muito bem, além das expectativas. “Havia quatro hotéis na cidade, cinco pensões e um cinema com capacidade para pelo menos 200 pessoas”, contou. Entre os meios de transporte, o mais popular era o caminhão, até pela facilidade de tráfego nas precárias e íngremes estradas de chão da região. A frota de veículos circulando no município era de 52 caminhões, 14 automóveis e 3 jipes.
Em 1959, um novo prefeito trouxe mais esperanças à população. O engenheiro de origem inglesa James Patrick Clark assumiu a administração municipal quando a cidade atravessava um bom momento econômico. Há dez anos vivendo em Terra Rica, Clark foi enviado à região pela Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), comandada por Ênio Pipino e João Pedro Moreira de Carvalho, com a missão de coordenar a abertura de estradas, delimitação do perímetro urbano e divisão de lotes rurais. James Patrick começou a gostar do lugar e dos moradores, então adotou a cidade como lar definitivo.
Com bastante conhecimento sobre a realidade local e regional, não foi difícil para o engenheiro conquistar os eleitores e se eleger prefeito. O trabalho liderado na mata fez até os mais humildes se identificarem com Clark. No entanto, a postura de James Patrick não agradava a todos, principalmente a oposição política que não aceitou muito bem o resultado registrado nas urnas. “Exatamente no dia 4 de dezembro, quando Clark assumiu como prefeito, atearam fogo na prefeitura, deixando somente as cinzas do antigo prédio de madeira. Supostamente, a intenção era eliminar papéis comprometedores que estavam em posse do novo gestor. A maior parte dos documentos tinha relação com apropriação de terras”, revelou o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.
No momento da tragédia, não havia ninguém na prefeitura. Outros antigos moradores de Terra Rica declararam que James Patrick Clark tinha uma postura de trabalho bastante rígida e provavelmente não cedeu aos interesses de outros políticos. Por isso atearam fogo na prefeitura como forma de punição e destruição de provas. Apesar da gravidade, ninguém foi responsabilizado pelo incêndio criminoso.
Considerada uma autoridade de “pulso firme”, o engenheiro de origem inglesa tinha fama de rejeitar acordos que não beneficiassem diretamente a população. “Naquele tempo de pioneirismo, havia muita rixa política, era algo absurdo. Vendo tudo isso, eu nunca quis me meter com política, sempre tive nojo. É muita sujeira”, desabafou Pereira Briso. Mais tarde, mesmo não cedendo aos adversários, Clark foi surpreendido por uma grave doença que o obrigou a se afastar da prefeitura para se tratar fora de Terra Rica.
Nesse período, a administração municipal foi comandada por José Teixeira Prates, Agostinho Vicenzi, Antônio Gerlach e Alberto Filipak. James Patrick planejava retomar a vida política, mas a doença já estava em estado avançado. Clark faleceu antes de colocar em prática seus planos para Terra Rica. “Ninguém jamais soube o que poderia ter mudado se ele tivesse vivido mais”, comentou Briso.
“O Noroeste do Paraná era a terra do ouro verde”
Wilson Alonso se recorda da Terra Rica dos tempos de juventude
Em 1947, o pai de Wilson Alonso viajou até o Noroeste do Paraná para conhecer as terras da colônia que se transformaria na cidade de Terra Rica. Curioso, mas ainda com incertezas sobre o futuro, logo voltou para Fernandópolis, no Noroeste de São Paulo. Retornou ao Paraná em 1949, até que em 1953 decidiu se mudar em definitivo para Terra Rica. “Todo mundo tinha curiosidade sobre esta região. É a mesma coisa quando falam hoje das novas cidades do Centro-Oeste e Norte do Brasil. Naquele tempo, o Paraná era muito badalado. A conversa era de que o Noroeste dava muito dinheiro, era a terra do ouro verde, do futuro do café”, lembra Wilson Alonso com um olhar disperso no passado.
Em 1953, Terra Rica, nome que justifica porque centenas de pioneiros migraram para a localidade, se resumia a um povoado em que as poucas e pequenas casas rodeavam um hotel, uma farmácia e um armazém na Avenida São Paulo, via onde o avião do colonizador Ênio Pipino pousava com frequência, atraindo a atenção dos populares. “Meu avô comprou um pedaço de terra aqui e meu pai fez o mesmo. Começaram a trabalhar por conta. Eu tinha entre quatro e cinco anos”, conta Alonso. À época, a pequena colônia em desenvolvimento era vista como a Klondike brasileira de migrantes e imigrantes, em referência ao filme The Gold Rush, de 1925, do cineasta e ator Charles Chaplin.
Mas, em vez do ouro que atraía aventureiros e desafortunados à região pouco explorada do Alasca, no Noroeste do Paraná o atrativo maior era o café e a supervalorização do produto. “As pessoas vinham em busca de riqueza, com sonhos grandes. Parecia até que fosse brotar ouro do chão”, comenta Wilson Alonso em tom bem humorado. O desalento chegou ao município em 1975, quando uma das geadas mais intensas que atingiu o Paraná dizimou boa parte dos cafezais de Terra Rica, com uma economia baseada na monocultura cafeeira.
Ainda assim, muitos perseveraram até o final dos anos 1980. “Em 1985, tínhamos bastante café. Foi se erradicando aos poucos por causa da pecuária. Uns decidiram plantar pasto e muitos seguiram pelo mesmo caminho. A lavoura de mandioca também cresceu”, enfatiza. Como se fosse hoje, Wilson Alonso se recorda da criação do primeiro asfalto de Terra Rica em 1969. Considerada a novidade do ano na cidade, ao longo de semanas foi o assunto mais discutido nas rodinhas do comércio. Com a nova pavimentação, surgiram escolas, indústrias de beneficiamento de café e madeireiras. Se instalaram principalmente empresas que dependiam de boas condições de tráfego. “Sem dúvida, o grande chamariz”, frisa.
“O cinema acabou por causa da televisão”
Dos clubes antigos que marcaram história, o destaque é a Associação Atlética Terra Rica, principal ponto de encontro da população ao longo de anos. “Não tinha lanchonete nem bar, nenhum outro lugar. Só que nem todo mundo frequentava o clube, até porque tinha de ser sócio. Lá, realizaram muitos bailes e brincadeiras. Quando não tinha conjunto musical, a gente inventava. Tinha o ‘Picape e Seus Negritos’, apelido de uma radiolinha, e o ‘bolachão’, termo dado ao disco de vinil’, relata Alonso.
Depois surgiu o cinema, tornado a principal atração da cidade nos finais de semana. A energia elétrica do local, assim como de outras residências e pontos comerciais, era fornecida por meio de um gerador com hora marcada para ser desativado todos os dias. Anos mais tarde, por iniciativa do município, construíram a Usina Hidrelétrica Padre Eduardo para abastecer a população. “Até que a Copel [Companhia Paranaense de Energia] entrou em Terra Rica e começamos a pagar pela energia elétrica oferecida pelo estado”, pontua.
Sobre o modesto cinema do ‘seu’ João Batistella, Alonso tem boas recordações. Com o tempo, o espaço ficou pequeno e a Família Takahashi decidiu investir no ramo. “Era muito divertido e tinha uma enorme capacidade de público. Infelizmente, o cinema em Terra Rica, como no resto do Brasil, acabou por causa da televisão que ‘prendia as pessoas em casa’. Pouco frequentado, acabou fechando”, lamenta. No local onde o cinema funcionou por tantos anos está instalada uma emissora de rádio FM e um depósito de uma loja de departamentos. Não sobrou nada, nem vestígios de que um dia o espaço serviu como principal entretenimento para a população local.
Wilson Alonso também faz questão de citar os comícios dos candidatos dos partidos Arena e Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que chegavam a trocar agressões nos palanques nos anos 1960 e 1970. “Época de eleição era sempre uma guerra. Faziam os comícios em caminhões que levavam toras de madeira para as serrarias. “Subiam em cima e saíam aquelas fileiras de caminhões pelas ruas da cidade. Briga política terminada em socos, chutes e pontapés não faltava”, diz rindo. Dos personagens mais violentos da história de Terra Rica, Alonso jamais esqueceu de um homem conhecido como Taquara, figura quase lendária e que servia de referência aos pais para assustarem os filhos desobedientes.
Quando Paranavaí superou Maringá
Paranavaí quase se tornou a “terceira capital do Paraná”
A partir de 1946, a colonização na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou tanta força que anos depois superou as regiões de Maringá e Umuarama. À época, o que contribuiu para o desenvolvimento local foi o trabalho das colonizadoras de capital privado.
Hoje em dia, o que a população mais jovem de Paranavaí não sabe é que a cidade já foi um dos destaques do Paraná, se tratando de povoamento e desenvolvimento. De acordo com dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a região de Paranavaí somou 90 milhões de pés de café antes do final da década de 1950, uma marca que deu visibilidade nacional ao Noroeste Paranaense.
Tudo começou nos anos 1930, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) teve a concessão das terras de Paranavaí revogada pelo Governo Getúlio Vargas. Naquele tempo, muitos investidores se interessaram pela região considerada ideal para a cafeicultura em função das grandes áreas de solo virgem. Um dos colonizadores que apostou no progresso do Noroeste do Paraná foi o engenheiro Francisco Beltrão, da Sociedade Técnica Engenheiro Beltrão, que começou a comercializar lotes da Colônia Paranavaí em 1946.
O interesse de Beltrão pela região surgiu bem antes, no final da década de 1930, porém, só recebeu o aval do Ministério da Justiça em 14 de dezembro de 1943. Depois ainda teve de aguardar a expedição do título de propriedade liberado pelo Ministério da Agricultura em junho de 1946, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva.
Todos os documentos diziam respeito a compra de 17 mil hectares de terras que até então pertenciam ao Governo Federal em área próxima as propriedades da Companhia Norte do Paraná. Boa parte das posses do engenheiro na região de Paranavaí se situava em áreas que mais tarde se tornariam o município de Tamboara, Seara, Suruquá e Anhumaí.
Na década de 1950, foi a vez de pioneiros como Carlos Antônio Franchello e Enio Pipino, da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), apostarem no progresso da região de Paranavaí. Franchello investiu na Gleba 27-A, da Colônia Paranavaí, que se tornaria Querência do Norte, e Pipino no povoado que deu origem a Terra Rica. Na região, as colonizadoras se comprometiam a elevar a economia, proporcionar mais qualidade de vida e de sociabilidade, além das promessas de construção de escolas, unidades de saúde, igrejas e melhores vias de acesso e tráfego.
As campanhas publicitárias veiculadas por todo o Brasil, mas principalmente em cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surtiram tanto efeito que em Paranavaí foram vendidos milhares de imóveis entre lotes urbanos, chácaras e sítios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso justificou os 307 mil habitantes da região de Paranavaí em 1960. “A terra era barata e os lotes rurais eram grandes, então todo mundo que vinha pra Paranavaí ou trazia dinheiro para comprar um imóvel ou logo arrumava um serviço pra adquirir uma propriedade o mais rápido possível”, comentou o pioneiro catarinense José Matias Alencar, complementando que parecia a “Corrida do ouro na Califórnia”, tão grande era o fluxo de pessoas na cidade.
Muitos moradores diziam que Paranavaí tinha tudo para ser a “terceira capital do Paraná”, logo atrás de Curitiba e Londrina. Os habitantes se baseavam no fato de que a região de Maringá somava 237 mil habitantes e a de Umuarama cerca de 253 mil, conforme registros do IBGE. Em 1960, com exceção de Curitiba, se tratando de desenvolvimento, Paranavaí só perdeu para a região de Londrina que chegou aos 600 mil moradores.
Curiosidade
Até o início da década de 1950, Paranavaí somava 45 mil hectares, subdivididos em Gleba-1, Gleba-2 e Gleba-3.
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