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70 anos depois, episódio vira documentário em Paranavaí
No dia 23 de novembro de 1949, um avião Douglas DC-4, da Transocean Air Lines (EUA), perdeu a rota com destino a Asunción, no Paraguai, e teve de fazer um pouso forçado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná. A aeronave norte-americana em missão humanitária da ONU transportava 74 passageiros mongóis e oito tripulantes estadunidenses.
Sob o comando do piloto Harvey Rogers e do navegador John Roenninger, o objetivo era cruzar o Oceano Pacífico, levando refugiados para recomeçarem suas vidas na América do Sul, livres da perseguição política e das graves dificuldades econômicas em sua terra natal.
Naquele dia estava começando a anoitecer quando alguns moradores viram um avião de grandes proporções cruzando o céu de Paranavaí, perdido em decorrência da pouca visibilidade e ansiando por uma pista de pouso.
Esse episódio é tema do documentário “Paranavaí 1949: Douglas DC-4”, lançado nesta sexta-feira (22) pelo jornalista David Arioch no canal Colônia Paranavaí no YouTube. A data antecede os 70 anos da passagem do avião por Paranavaí, celebrada no sábado (23).
Com duração de 11 minutos, o filme traz relatos de quem testemunhou a chegada do Douglas DC-4 e acompanhou de perto toda a movimentação envolvendo o acontecimento que foi considerado o mais importante de 1949 em Paranavaí, quando ainda era distrito de Mandaguari.
Entre os entrevistados estão Pedro Carvalho, Ephraim Machado, Ivan Botelho, Persiliana Domingos, Joseplinia Domingos e Clara Francisco. David Arioch, que em 2011 teve o seu trabalho sobre a colonização de Paranavaí premiado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), assina o roteiro, direção e edição. Já o cinegrafismo é de Amauri Martineli, fotógrafo, ator e produtor cultural.
O projeto é realizado pela Prefeitura Municipal de Paranavaí, Fundação Cultural e Conselho Municipal de Política Cultural e foi aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura e está sendo financiado com recurso público oriundo do Edital de Apoio à Cultura 001/2019 – Fundo Municipal de Cultura de Paranavaí.
Ephraim Machado presenciou a inauguração da TV em 1950
“Ouvi muita gente dizendo: ‘Como é que pode, né? O cara lá e a imagem aqui; não dá pra acreditar!'”
O empresário Ephraim Marques Machado, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, assistiu a inauguração da primeira estação de TV do Brasil. No evento, viu de perto celebridades da Rádio Tupi que migrariam para a televisão. A experiência foi tão marcante que o então jovem se apaixonou pela tecnologia.
No dia 18 de setembro de 1950, em meio a milhares de curiosos de diversas partes do Brasil e do mundo, lá estava Ephraim Machado, participando de um dos momentos mais célebres da história da televisão brasileira: o nascimento da Tupi, de Assis Chateaubriand, que consagrou o Brasil como o quarto país do mundo a ter TV.
“Eu não passava de um jacu que tinha um serviço de alto-falante e saiu do mato para ir a São Paulo ver a inauguração da TV”, conta, às gargalhadas, Machado. O empresário diz considerar esse dia como um dos mais incríveis de sua vida, e ratifica tais palavras com brilho nos olhos.
Ephraim relata que jamais imaginou como seria o primeiro contato com um televisor, objeto nunca visto, nem mesmo em fotografias. De televisão, o pioneiro só tinha ouvido falar. “O impacto foi muito grande, tanto para mim, quanto para outras pessoas. Ao meu lado, ouvi muita gente espantada dizendo: ‘Como é que pode, né? O cara lá e a imagem aqui; não dá pra acreditar!’”, relembra Machado.
À época, o empresário supôs que o televisor fosse simplesmente uma tela parecida com a do cinema. “Pensei também que um cara abria ela. Não tinha nada disso. Por isso me surpreendi tanto”, revela. Contudo, o susto de não foi apenas com o aparelho, mas também com o número de pessoas presentes na inauguração. “Tive uma dificuldade tão grande pra entrar no auditório que você nem queira saber. Tinha gente demais, muita gente mesmo, afinal São Paulo é São Paulo”, comenta.
A experiência foi tão significativa que ele admite ter se apaixonado instantaneamente pela televisão. Inclusive pensou em seguir o caminho do comunicador que tanto admirava: Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados. “É um sonho que gostaria de ter realizado. Fiquei muito interessado no produto quando vi. Se naquela época eu morasse numa cidade com potencial de uma metrópole, eu teria dado um jeito de montar uma estação”, assegura.
Quando o governo brasileiro lançou o primeiro edital para pleito de concessões, o pioneiro cogitou a possibilidade de enveredar pela teledifusão. Segundo Machado, havia um bom patrocínio e também inúmeros benefícios. Entretanto, depois de se inscrever para disputar o direito de montar uma emissora, o empresário soube que firmas estrangeiras estavam capitalizando o negócio no Brasil. “Não pude transformar meu desejo em realidade porque vi que não tinha recursos o suficiente para competir com o capital externo. Nunca gostei de sociedade, então desisti”, justifica.
Atraso para entrar no ar
A primeira emissora da TV Tupi, prefixo PRF-3, seria inaugurada às 21h com o programa TV na Taba, mas problemas técnicos causaram atraso de uma hora. “Entrou no ar e saiu do ar. Tudo isso porque a câmera às vezes parava de funcionar. Mesmo assim foi um evento espetacular. Dava gosto ver aquela minúscula telinha”, defende o empresário Ephraim Machado.
Além de assistir ao vivo o primeiro programa televisivo, comandado pelo emblemático Homero Silva, Machado viu de perto dezenas de artistas que fizeram história no rádio, teatro e cinema, como Lolita Rodrigues, Amácio Mazzaropi, Aurélio Campos, Walter Forster e Lima Duarte. “Fiquei deslumbrado quando vi a Hebe Camargo e o J.B. Junior. Deram um rosto para aqueles famosos que tanto ouvíamos na Rádio Tupi”, reitera.
A influência do rádio para a TV também foi explícita, tanto que o pioneiro se recorda de ter visto o apresentador com uma folha de papel em mãos, lendo tudo ao vivo. “Ele parecia não se importar com o que víamos”, brinca o pioneiro, se referindo a um fato de uma época em que ainda não existia videotape.
Tudo era filmado em 35 milímetros e depois o filme era revelado, para então ser transmitido por uma emissora de televisão. A precisão era algo tão distante da realidade na década de 1950 que a filmagem normalmente era veiculada cinco dias depois.
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A TV Tupi foi a primeira emissora de televisão da América Latina
Todos os equipamentos usados na inauguração da TV eram de origem americana – da Radio Corporation of America (RCA).
No dia do evento, o transmissor foi colocado no topo do prédio do Banco do Estado de São Paulo.
O frei mexicano José Mojica, também cantor, foi a primeira pessoa a se apresentar na TV.
Assis Chateaubriand foi proprietário do Diários Associados, o maior conglomerado de imprensa do Brasil. As posses do comunicador incluíam 36 emissoras de rádio, 34 jornais, 18 estações de televisão, várias revistas infantis, uma agência de notícias, uma editora, a revista O Cruzeiro e a revista A Cigarra.
Paranavaí e a sociedade de “colonização bruta”
Uma cidade que de tão heterogênea surgiu com grandes falhas sociais
Não são poucos os pioneiros que afirmam que Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é uma cidade formada a partir de uma sociedade de “colonização bruta”. Mas qual é o significado disso?Declarações como essa são justificadas por fatos envolvendo principalmente distinções culturais. Paranavaí foi colonizada pelo governo paranaense, ou seja, houve pouca participação ou abertura para a colonização de iniciativa privada ou planejada. Assim a organização precisava partir da própria comunidade.
Nos anos 1940, nos tempos da Fazenda Brasileira, Paranavaí contava com uma sociedade restrita, pouco sociável e formada pela política da conquista de novas terras. A colônia atraía todo tipo de gente porque os lotes eram baratos e, em algumas situações, até doados. “Havia a coletividade, mas sem articulação social. A maior parte das pessoas vinha pra cá com esse interesse em comum. Não socializavam quase. Assim surgiu uma sociedade com uma colonização bruta, sustentada apenas pelos mesmos objetivos econômicos”, afirma o pioneiro Ephraim Marques Machado.
Como havia povos das mais diferentes origens, por vários anos persistiu uma segregação entre os moradores. Muitos se relacionavam apenas com pessoas que vieram do mesmo estado, região ou país. “Em Paranavaí, naquele tempo, mineiro era chamado de nortista e nortista aqui era considerado ladrão para os migrantes preconceituosos. Sofri muito com isso”, lembra o pioneiro Sátiro Dias de Melo. O testemunho é endossado pelo pioneiro cearense João Mariano que viu muitos peões e colonos nordestinos serem escravizados por migrantes do Sul e Sudeste nos anos 1950 e 1960.
De acordo com Ephraim Machado, a heterogeneidade podia ser vista como um problema social, já que Paranavaí lembrava uma colônia dividida em pequenos povoados. “Os nortistas e os sulistas eram muito diferentes, então o distanciamento foi inevitável. Sem dúvida, algo que interferiu na evolução local. Paranavaí demorou para começar a se constituir como o que chamamos de sociedade nos moldes atuais”, avalia Machado.
A facilidade de acesso às terras fez Paranavaí receber muita gente diferente, não apenas migrantes que sonhavam com um pedaço de terra para construir uma moradia, plantar e assegurar o futuro da família. Aventureiros e oportunistas das mais diversas regiões do Brasil, até mesmo assassinos e ladrões, vinham para a região, crentes de que encontrariam um lugar isolado e de muitas riquezas. “O governo até fretava aviões para abandonar criminosos nas matas virgens das imediações de Paranavaí. O objetivo era não ter despesas e responsabilidades com essa gente”, diz João Mariano.
Pelo país afora, a colônia era conhecida como um local administrado pelo poder público, com pouca interferência da iniciativa privada. “Muitos gostaram daqui por isso”, declara Mariano. Já cidades colonizadas por companhias não atraíam tanta gente assim. O custo de vida não era barato e o investimento era maior em função do planejamento minucioso. E claro, também tinha mais exigências e mais burocracia. Outro diferencial é que em áreas loteadas pelo poder público havia menor participação de autoridades e maior facilidade na realização de negociações escusas.
Intimidada pelo baixo custo dos lotes da antiga Fazenda Brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), conhecida por vender imóveis por preços mais altos, criou uma situação desconfortável entre as décadas de 1940 e 1950. “A companhia chegou até Nova Esperança e ali parou. Eles queriam nos isolar. Não deixavam ninguém fazer nada em Paranavaí, inclusive convenciam quem queria investir aqui de que seria um mau negócio”, lamenta Mariano.
Nos tempos de colonização, Paranavaí foi palco de muitas brigas de corretores de imóveis. “Não esqueço que em 1950, antes de me casar, eu morava no Hotel Real, na antiga Rua Espírito Santo, e ali mesmo o Cangerana assassinou um sujeito por causa de comissão de terras”, relata Machado. Os pioneiros também se recordam do episódio em que um homem matou na Avenida Paraná, no prédio do antigo Banespa, três pessoas que o enganaram em uma negociação.
“Os maiores crimes dos tempos da colonização foram provocados por causa de comissão e não disputa de terras”, ressalta Ephraim Machado, embora admita que houve muitas situações em que o capitão Telmo Ribeiro, braço direito do ex-diretor da Penitenciária do Estado do Paraná, Achilles Pimpão, e amigo do interventor federal Manoel Ribas, teve de intervir em casos de grilagem de terras. Ribeiro foi proprietário de uma fazenda que se transformou no Jardim São Jorge.
No entanto, nada se sabe sobre as implicações legais das atuações de grileiros em Paranavaí, deixando subentendido que muita gente pode ter construído fortunas sem se submeter, em qualquer momento, aos rigores da lei. “Desconheço qualquer caso de alguém de Paranavaí que foi punido por causa disso. Ainda assim, sei que encrenca maior se deu na Gleba Sutucu, Areia Branca, dos Pismel e também na Gleba 23. Teve quem foi tirado da terra à força. Juridicamente, não tenho a mínima ideia de como tudo foi feito”, comenta Machado.
O fato de Paranavaí ser tão grande até o início dos anos 1950 facilitava a grilagem de terras. À época, a colônia tinha uma vasta área que ia até as fronteiras com os estados do Mato Grosso (área do atual Mato Grosso do Sul) e São Paulo. Quem iria fiscalizar tudo isso e com quais recursos, sendo que hoje, mesmo com tantos avanços, ainda existe grilagem no Brasil?”, questiona João Mariano.
Uma transformação social imposta pela pecuária
O pioneiro Ephraim Marques Machado explica que até os anos 1960 era comum um proprietário de terras contratar meeiros para se responsabilizarem pela produção agrícola. “O camarada ia até São Paulo e Minas e falava: ‘Olha, eu tenho 200 alqueires em Paranavaí e vou produzir 100 mil pés de café. Preciso de cinco famílias e dou a ‘meia’ para plantar. Então ele dividia tudo em partes iguais e cada um cuidava de um pedaço”, exemplifica. Com isso, o bom resultado financeiro foi garantido até o surgimento das geadas. A última que castigou a região foi a de 1975.
Nas décadas de 1960 e 1970, Machado viu centenas de meeiros de Paranavaí migrarem para as regiões de Toledo, Marechal Cândido Rondon, Umuarama e Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Outros se mudaram para o Norte. Muitas propriedades foram transformadas em pasto depois de 1964 e 1965, quando a colonização caiu bastante. “É aquela: ‘onde entra o boi sai o homem’. O café já não tinha mais tanto valor e o pasto acabou com o que sobrou”, pondera Ephraim. Quem partiu para novas frentes de trabalho trocou a lavoura de café por algodão, amendoim e arroz.
Fazendas que tinham 300 alqueires e garantiam o sustento de pelo menos 15 famílias passaram a ser ocupadas por apenas uma. Em outros casos, nem isso. “A migração modificou a sociedade local. A própria cultura da cidade passou por uma transformação”, enfatiza Ephraim Machado. A partir da década de 1970, Paranavaí, que até então atraiu tanta mão de obra para as lavouras, chamou muita atenção de empreendedores e pecuaristas de outras cidades e estados. Eram pessoas de alto poder aquisitivo que aqui se fixaram para ocupar posição de grande status econômico e social.
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Nos anos 1950, já viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, tchecos, iugoslavos, húngaros, espanhóis, neerlandeses, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses, além de outros povos.
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Alegria e sofrimento na era de ouro do rádio
Ephraim Machado: “A gente tocava tudo com motor e bateria de carro”
O pioneiro e empresário Ephraim Marques Machado chegou a Paranavaí, no Noroeste Paranaense, em 1948, pouco tempo depois que seu pai, agente fiscal do Governo do Paraná, foi enviado para instalar a Coletoria Estadual. Admite que no primeiro momento não gostou do que viu na colônia, então retornou para Londrina, onde morava com o tio Odinot Machado, homenageado com um nome de rua em Paranavaí. “Fiquei lá uns seis meses e meu pai insistiu outra vez. Disse que estava muito bom aqui, então voltei”, relata.
A princípio, Machado iria apenas ajudar o pai, mas dois meses depois decidiu investir em um serviço de alto-falantes. “Eu já queria conquistar a minha independência”, conta o pioneiro que nasceu em Castro, na região de Ponta Grossa, no Centro Oriental Paranaense. No final de 1948, Ephraim circulava pela cidade com um microfone e uma caixa amplificadora. Até hoje, lembra como as “vozes saíam por cima”. A sede da modesta rede de comunicação de Machado ficava em frente à Banca do Wiegando, na Rua Marechal Cândido Rondon, de onde administrava os dez alto-falantes espalhados em pontos estratégicos da cidade.
Algumas caixas podiam ser vistas perto do antigo Terminal Rodoviário e outras onde é hoje a Academia Unimed, na Avenida Distrito Federal. Quando o pioneiro anunciava algo em uma caixa, a mesma mensagem era reproduzida em todas as outras. “Foi assim até 1956, quando coloquei a Rádio Cultura no ar, um trabalho iniciado em 1950. Contratava gente da cidade e de fora, o que aparecesse”, explica. A sede da emissora na Rua Getúlio Vargas no cruzamento com a Rua Minas Gerais, onde era a Loja Ipiranga, chegou a ter três andares, dois construídos por Machado e um por Luiz Ambrósio.
Como a maior parte da população não tinha televisor e o cinema abria as portas somente aos sábados e domingos, o pioneiro cativava a comunidade com os programas de auditório. “Sempre aproveitava para levar ao Aeroclube [atual tênis Clube – em frente ao Ginásio Lacerdinha] os artistas que se apresentavam na rádio. Então o povo tinha a chance de assistir shows do Jorge Goulart, Nora Ney, Mestre Sivuca, Orquestra Casino de Sevilla e muitos outros”, cita.
No começo, o empresário tinha uma equipe de oito profissionais. Do total, cinco eram locutores. Quem chefiava a redação era o jornalista Ivo Cardoso, mas as notícias eram apresentadas por Jackson Franzoni e Evaldo Galindo. Havia muitos colaboradores, o que fazia a diferença quando surgiam problemas técnicos. “O equipamento de transmissão não era tão caro. O difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica. A gente tocava a rádio com motor e bateria de carro. Tudo era grande, até o gravador”, destaca.
Os problemas de transmissão eram frequentes, pois nem sempre o gerador de energia funcionava como o esperado. Às vezes, a rádio ficava dias fora do ar, um sofrimento inevitável. “Quando surgiu a primeira instalação elétrica, tive que puxar uma fiação de mais de um quilômetro de distância. Começava em uma chácara pra lá da Avenida Tancredo Neves e tinha que trazer por trás da Igreja São Sebastião”, conta o homem que trouxe a Paranavaí os mais diversos tipos de geradores de energia. O melhor funcionou bem por apenas seis meses.
No Brasil da época, pouco se ouvia falar em equipamentos de qualidade. A solução era importar quase tudo, inclusive gravadores, um privilégio para poucas emissoras do Norte do Paraná. Certa vez, o pioneiro fez a transmissão de uma eleição de Mandaguari, de quem Paranavaí ainda era distrito. Na ocasião, pediu emprestado um cabo de comunicação da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Infelizmente, de Alto Paraná até Paranavaí não se ouvia praticamente nada por causa da chiadeira.
Ephraim Machado considera os anos 1950 e 1960 como os melhores do rádio local e regional. A justificativa é que naquele tempo o espectro não era tão carregado. “Depois de alguns anos, melhorou bem. Conseguíamos falar até com pessoas de Santa Isabel do Ivaí e Porto São José. Hoje, a rádio AM não atinge esses lugares com a mesma potência. Só se for FM. Há muita interferência de sinais de TV, comunicação amadora, etc. Não temos mais o espectro livre”, frisa. Até o final da década de 1950, pelo menos 50% da população de Paranavaí já possuía um aparelho de rádio em casa.
Para Machado, o rádio começou a se popularizar no Brasil em 1942 e só em 1954 deu um grande salto, liderando a comunicação de massa no país. A chegada da Companhia Paranaense de Energia (Copel) fez a diferença na cultura radiofônica local a partir de 1964. “Em 1962, vinha uma sobra de energia de Maringá que durava das 20h às 6h. Era limitada, mas melhor que nada”, avalia.
As instabilidades do rádio em Paranavaí surgiram nos anos 1970, exigindo melhores estratégias dos comunicadores e empresários para manterem-se no ramo. Ephraim Machado perseverou e ainda montou a Rádio Caiuá FM em 1980, emissora que começou a operar em 1984. Como a realidade já era bem diferente e o empresário contava com mais recursos, trouxe a Paranavaí os equipamentos mais sofisticados.
“Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone…”
O pioneiro Ephraim Machado começou a trabalhar com radiodifusão aos dez anos. A primeira função foi de trocador de discos. Anos mais tarde, quando surgiu a oportunidade de montar uma emissora, aprendeu a fazer de tudo. “Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone. Mexia no estúdio cortando som e reformava a acústica para dar mais eco. Fui até faxineiro e transportador de óleo. Minhas lembranças são boas porque passei por todos os setores”, relata o pioneiro que fazia questão de ocupar o tempo livre com trabalho.
Machado fala com preciosismo dos tempos de repórter, quando entrevistou os governadores Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha Neto, além do presidente Juscelino Kubitschek. Embora só fosse para as ruas quando faltava algum repórter, o pioneiro adorava fazer entrevista política em época de eleição. Segundo Ephraim, era algo mais livre, diferente de hoje que o entrevistador precisa estar atento às exigências da justiça eleitoral.
“Atualmente, você corre muitos riscos quando entrevista uma autoridade política. Só tem liberdade se for falar com suspeito de crimes, daí é costumeiro o repórter fazer a típica escarrada de besteiras que vemos por aí. É triste ver como temos tanto lixo na radiodifusão brasileira”, critica o empresário que em algumas situações perdeu boas entrevistas por causa da falta de energia. Às vezes, o gravador parava de funcionar de repente.
Uma das linhas da Rádio Cultura, fundada pelo pioneiro, chegava até a sede do Atlético Clube Paranavaí (ACP), atual Praça dos Pioneiros. A fiação foi feita por Ephraim Machado que a ligava a um amplificador chamado de “maleta”, uma espécie de base do famoso microfone de fio comprimido. “Quando era ao vivo, a gente sempre preferia fazer tudo no estúdio, por questão de segurança”, pondera.
O primeiro operador de rádio amador de Paranavaí
O pioneiro Ephraim Machado foi o primeiro operador de rádio amador de Paranavaí. No final dos anos 1940, se comunicava até com pessoas do Rio Grande do Sul. Muita gente o procurava para dar recados aos parentes que viviam em outras cidades e estados. “Repassava mais notícias de falecimentos e de necessidades primárias da população. Era um serviço em prol da coletividade. Perdi as contas de quantas vezes saí de Paranavaí para levar recado em Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Planaltina do Paraná, Amaporã, Tamboara, Alto Paraná e outras localidades”, afirma.
Machado considera o rádio amador um veículo que ajudou o interior do Brasil antes da implantação do telefone. Muitas vidas foram salvas graças ao aparelho. “Meu principal sinal vinha de uma empresa cafeeira que se comunicava com os portos de Paranaguá e Santos. Servi Paranavaí por muitos anos nessas condições”, garante. O pioneiro também se recorda de um rapaz que no final da década de 1940 trabalhava como rádio telegrafista na colônia, a serviço de uma companhia de terras.
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Aeroclube unia a população de Paranavaí
Em 14 de dezembro de 1952, quando Paranavaí se tornou município, já havia uma sociedade bastante heterogênea. Imigrantes europeus, asiáticos e pessoas de Norte a Sul do país se mudavam para o Noroeste do Paraná em busca de estabilidade financeira.
À época, viviam aqui portugueses, italianos, alemães, japoneses, gaúchos, catarinenses, nordestinos, paulistas e mineiros. Segundo o empresário e pioneiro Ephraim Machado, no início da década de 1950, o maior problema era estabelecer relações sociais em meio a tanta diversidade.
“A situação era inédita porque os gaúchos, por exemplo, eram muito festivos enquanto que os nortistas não eram muito sociáveis. Esse era o tipo de sociedade que havia na época”, explica Machado, acrescentando que quando chegou a Paranavaí, no final da década de 1940, não havia mais do que 50 casas.
“Pra mim, essa variedade já representava uma evolução. Mas a maior dificuldade mesmo era a falta de entretenimento. Lembro que por causa disso não havia muita interação entre as pessoas, cada um ficava mais próximo dos seus”, relata o pioneiro que considera o Aeroclube de Paranavaí um marco na história das relações sociais da população local.
Com o surgimento do Aeroclube (atual Tênis Clube), o primeiro clube local, houve uma mudança radical. O espaço contribuiu para um melhor relacionamento da população, já que lá as pessoas podiam se conhecer melhor durante as festas, bailes e outros eventos. “Antes era diferente porque cada um comemorava suas festas dentro de casa, então era algo privado, não pra todos”, assinala Ephraim Machado, ex-presidente do extinto Aeroclube.
Na década de 1960, alguns pioneiros trilharam o mesmo caminho e fundaram outros clubes. “Depois melhorou muito mais, já tínhamos diversas opções. Não era mais necessário sair da cidade pra encontrar diversão”, pontua o pioneiro.
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Cine Paramounth era usado como salão para bailes
Sem local para a realização de festas, moradores alugavam o cinema
No final da década de 1940, foi criado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o Cine Theatro Paramounth, localizado na Rua Marechal Cândido Rondon. O cinema, encarado como primeira e única fonte de entretenimento para a então população de dez mil habitantes, logo foi usado também para a realização de bailes.
Até o ano de 1948, a vida dos moradores de Paranavaí era delimitada pelo trabalho no campo ou no pequeno espaço urbano. Divertimento fazia parte da realidade dos poucos que tinham condições financeiras para se deslocarem até outras cidades. “O improviso era o único jeito de garantir divertimento. Ainda bem que naquele ano foi criada uma sociedade para a construção de um cinema, então percebi que as coisas mudariam”, lembra o pioneiro Ephraim Machado que à época era quem divulgava por meio de um serviço de alto-falantes os raros eventos sociais.
Machado percorria toda a cidade incentivando os moradores a participarem das festas locais. Naquele tempo, muitas atividades não visavam retorno financeiro. Os eventos eram realizados apenas com o objetivo de entreter a população. “É bem diferente de hoje. Em qualquer evento envolvendo a comunidade, sempre há pelo menos um que lucra em cima dos outros”, compara o pioneiro.
Quando o Cine Theatro Paramounth foi inaugurado, a cidade ainda não tinha um ambiente específico para festas e bailes de carnaval. Por isso, Ephraim Machado e outros pioneiros tiveram a ideia de usar o espaço do cinema para resolver o problema. “O Paramounth tinha piso em nível, então o que fazíamos no carnaval? Alugávamos o salão do cinema e tínhamos três dias ininterruptos de batuque”, conta Machado sorrindo.
A realização de eventos no Cine Theatro atraiu muita gente. O primeiro baile, por exemplo, reuniu mais de 400 pessoas. O sucesso da iniciativa permitiu que festas fossem realizadas no Paramounth ao longo de três anos. O pioneiro Wiegando Reinke, que já tinha uma banca de jornais e revistas a alguns metros dali, se recordava com nostalgia do intenso fluxo de pessoas. “Não havia asfalto, apenas uma estrada de areia bem densa. O pessoal saía de lá e vinha direto aqui comprar alguma coisa. Era como se fosse um hábito, costume mesmo.”
Surgem os primeiros clubes
Com o surgimento dos clubes em Paranavaí, foram construídos os primeiros locais específicos para a realização de festas. O pioneiro foi o Aeroclube, atual Tênis Clube, onde a maior parte da população com vida social ativa se reunia, principalmente na década de 1950, para aproveitar os finais de semana. “Sempre organizávamos algum evento atrativo para o público, de modo geral. Não havia distinção de classe como hoje. Ali recebemos diversos governadores, entre eles Bento Munhoz da Rocha e Moisés Lupion”, conta o pioneiro e ex-presidente do extinto Aeroclube, Ephraim Machado.
Os clubes da época serviram para ampliar a consciência comunitária, algo que não existia até a década de 1940, quando as comemorações eram mais restritas. “As pessoas até então só organizavam festas particulares, até porque o conceito de confraternização da época era muito limitado. O pensamento das pessoas mudou somente quando organizamos as primeiras grandes festas”, revela Machado.
Os bailes nos salões dos clubes, mesmo fora da época do carnaval, eram impulsionados pelo hino de Benedito Lacerda e Humberto Porto: A jardineira, de 1938. A marchinha de tema baiano, somada a outras canções nordestinas e nortistas, fazia a alegria da população. Tudo era improvisado, e até mesmo pessoas da plateia subiam ao palco para tocar algum instrumento. Foi uma época de muito samba, baião, maxixe e bolero, segundo Machado.
Os grupos musicais normalmente eram compostos por três instrumentos: sanfona, violão e pandeiro. “Toda banda normalmente tem bateria, mas nós não tínhamos isso na cidade, era tudo muito experimental. Quem surgia com um instrumento diferente via o que podia ser feito dentro do ritmo que o grupo estava tocando”, enfatiza o pioneiro. Certa vez, um músico chamou a atenção do público ao subir no palco e casar a sonoridade de um violino com a sanfona, o pandeiro e o violão.
“A diversão do homem era o clube ou a zona”
Para aqueles que preferiam locais ermos, havia os clubes comerciais. O mais emblemático era o Clube do Arara Vermelho, localizado em uma ilha no Porto São José. “Eles venderam muitas ações. Todo mundo tinha vontade de ir lá, mas não deu certo por muito tempo. Quando chovia, a estrada ficava horrível, levava até 15 dias para voltar a ser transitável”, informa o pioneiro Ephraim Machado.
Na década de 1950, a realização de festas juninas tornou-se bastante comum. A principal influência para as comemorações de São João eram as comunidades nordestinas e nortistas. “Claro que tudo era regado a muita bebida quente, principalmente pinga e quentão. Ninguém aqui tinha acesso a bebida gelada”, revela o pioneiro.
Até o ano de 1964, os convites para as festas eram direcionados às famílias, não apenas a uma ou outra pessoa. Quando os pais informavam que estavam de saída, todas as mulheres da família tinham de ir embora também. “Lembro bem que a diversão do homem era o clube ou a zona. Havia dois setores. Dá pra dizer que um era bom e o outro mau porque este segundo era separado da sociedade”, exemplifica Ephraim Machado às gargalhadas.