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O paraíso das borboletas
Nos anos 1950, os estrangeiros chamavam Paranavaí de paraíso das borboletas
No verão dos anos 1950, o sol atingia Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com tanta intensidade que as crianças aproveitavam para brincar arremessando pequenas porções de areia quente.
As mesmas crianças corriam descalças pela cidade, sem se importar com as bolhas que se formavam nas solas dos pés depois de minutos em contato com o chão cálido. Para os pequenos, tudo era diversão na época em que as roupas do varal secavam em tempo recorde. As crianças também penduravam em cipós e se lançavam com o objetivo de atingir buracos cavados no chão. Quem acertasse mais vezes, era o vencedor da brincadeira.
Para os estrangeiros, Paranavaí era o paraíso das borboletas. Tal afirmação foi feita pelo padre provincial alemão Adalbert Deckert, de Bamberg, em artigo publicado na revista alemã Karmelstimmen em 1955. “Borboletas grandes e coloridas cruzavam nosso carro o tempo todo. Algo que para nós europeus era uma original lembrança”, comentou Deckert. A opinião era partilhada por muitos estrangeiros.
Havia tantas espécies de borboletas em Paranavaí que era comum milhares pousarem nas rodas de um jipe. Quando o motorista parava o veículo, ele via os pneus adornados pela policromia das borboletas. “Também havia muitas mariposas com até seis centímetros de comprimento. Eram tão grandes e numerosas que quando invadiam a igreja zumbiam de tal maneira que dava até dor de cabeça”, revelou frei Adalbert.
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Sobre matanças e os temidos quebra milho
Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização
Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.
Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.
O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.
Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.
Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.
Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.
Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.
Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.
A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.
Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.
As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.
Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.
O perfil e a conduta dos quebra milho
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.
A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.
Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.
“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.
O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.
Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.
À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.
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O aliendígena
Plebeu: “Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, mas não me deram incentivo algum”
Há mais de vinte anos, Roldney Plebeu, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, encontrou na arte mais do que um hobby e uma profissão: uma razão existencial. Cada uma de suas telas recebe cores e formas que nascem da mistura de impressões e sentimentos. É a arte existencialista de um aliendígena, como o artista define a si e tudo que produz.
Roldney Plebeu, 42, teve o primeiro contato com o desenho e a pintura na infância. “Comecei rabiscando com caneta”, diz. Na adolescência, se tornou um artista autodidata solitário por causa da incompreensão e falta de apoio. Aos 23 anos, sentiu necessidade de amadurecimento artístico e tentou entender melhor as próprias pinturas. Anos depois, insatisfeito em Paranavaí, Roldney se mudou para São Paulo.
Na capital paulista, o artista conheceu alguns empórios, institutos e escolas de artes como a Panamericana Escola de Arte e Design. “Precisava saber se o meu trabalho pertencia a alguma corrente artística, mas apenas me decepcionei. Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, que sou revolucionário da arte, mas não me deram incentivo algum”, lamenta, sem esconder a decepção.
Plebeu não conseguiu custear as despesas em São Paulo por muito tempo e logo adotou como lar um banco gelado do Terminal Rodoviário da Barra Funda, espaço que dividia com mendigos. “Eu dormia pouco nessa época. Ficava a maior parte do tempo pintando na Avenida Paulista”, relata. O destino era sempre uma viela do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).
Lá, chamou a atenção de estrangeiros. Turistas dos Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Israel compraram muitas de suas obras. “Um norte-americano, Joshua Rodriguez, presidente de uma fábrica de medicamentos do Texas, gostou muito do meu trabalho. Comprou até pinturas inacabadas”, garante Roldney. Convidado a se mudar para Londres, recusou a proposta para não se distanciar da mulher e dos filhos que estavam em Paranavaí.
Não demorou para os seguranças do Masp pedirem para Plebeu procurar outro lugar para pintar. Sem lugar fixo para expor as obras, o artista teve dificuldade em vender o que produzia. “Comecei a dar aula de graça para crianças de rua que eram viciadas em drogas”, explica. Pouco tempo depois, a desvalorização artística levou Roldney à depressão crônica. “Diziam que minhas obras eram complexas demais. Não consegui vender mais quase nada. Me envolvi com pichação e comecei a usar drogas”, revela o artista que abandonou a dependência química quatro anos depois e retornou a Paranavaí.
Emocionado, declara que nunca conquistou estabilidade trabalhando com arte, inclusive há períodos em que enfrenta sérias dificuldades para comprar materiais. “Pintar é uma terapia, mas é uma pena que com essa arte eu não consiga manter a mim e minha família”, desabafa o pintor que também é escultor. Plebeu manipula madeira, pedra-sabão e ferro.
O conceito aliendígena
Roldney Plebeu é um artista prolífico. Consegue produzir pelo menos 15 obras por mês. Pinta telas com extrema naturalidade, tanto que abre mão de criar esboços. “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim, é algo sem planejamento, um reflexo da maneira como eu encaro o mundo e a vida”, justifica Plebeu que materializa impressões e emoções usando pincel e tinta.
O artista é autor do estilo aliendígena de conceber arte. O neologismo é uma referência às origens de Roldney Plebeu, um sincretismo de europeu e índio. “Eu sou o aliendígena, uma mistura de etnias. Trato das diferenças em meio ao caos mundial. Cada pessoa pode interpretar como quiser”, comenta.
O conceito estético aliendígena parece carregar um pouco de brasilidade, tropicalismo, existencialismo, surrealismo e modernismo; uma arte de origem globalizada e destribalizada que aborda a heterogeneidade cultural do ser humano e descortina as dificuldades do homem em reconhecer a si mesmo diante do semelhante. É possível encarar cada pintura de Plebeu como um quebra-cabeças, tanto na forma quanto no conteúdo, inclusive os personagens do quadro são fragmentos que se encaixam tanto quanto se antagonizam.
Roldney Plebeu também trabalha com paisagismo. É uma maneira de dar novas perspectivas a um ambiente. “É como criar um mundo dentro de outro”, avalia o artista plástico que também é poeta, letrista e escreve até versos de rodeio.
Frase do artista plástico Roldney Plebeu sobre a arte aliendígena
“Em São Paulo, quando era mais jovem, mostrei meus quadros para pessoas com grande formação em arte. Achei que me dariam respostas, mas me enganei.”
Contato
Para mais informações sobre o trabalho de Roldney Plebeu, basta ligar para (44) 9832-3901