David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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A caça à onça em Cidade Gaúcha

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O dia em que Fernandez e Euclides quase foram mortos por uma onça

Onça caçada por Fernandez e Euclides em 1957 (Arquivo: Ordem do Carmo)

Em Cidade Gaúcha, no Noroeste do Paraná, os pioneiros Fernandez e Euclides decidiram caçar uma onça que entrou no chiqueiro de Fernandez e comeu alguns porcos em 1957. O que os caçadores não esperavam é que a onça, matreira como era, não cairia tão fácil na emboscada.

Nos anos 1950, Cidade Gaúcha, que surgiu para abrigar migrantes do Sul do Brasil, era um pequeno vilarejo envolto por mata primitiva. Um lugar onde a derrubada de mata e as queimadas faziam parte do cotidiano. Em meio a tal cenário já despontavam as onças, animal que foi considerado o mais perigoso da fauna noroestina.

Na descrição dos pioneiros de Cidade Gaúcha, eram “enormes gatos” com um “miado” díspar e grave que ressoava pelo povoado durante a noite e podia ser ouvido a quilômetros de distância. Chamava atenção pela estatura, pois grande e pesada ainda conseguia ser veloz. O animal se pendurava nos galhos das árvores mais altas e lá ficava imóvel por horas, até o momento oportuno de dar o bote.

Os pioneiros Euclides e Fernandez relataram décadas atrás que era muito complicado matar uma onça. No entanto, o juízo sempre cedia à cólera quando um colono chegava em casa e se deparava com alguns animais mortos ou levados pela felina. Exemplo foi o colono Fernandez que perdeu parte da criação de porcos para a onça. Irascível, o pioneiro previu o retorno do animal conhecido por dizimar criações de suínos, bovinos e equinos.

Fernandez decidiu caçá-la antes que levasse o que sobrou da criação. Contou com a parceria do amigo Euclides, caçador que há muito tencionava eliminá-la. O fato das baixas nas criações serem sempre provocadas pelo mesmo animal despertou um misto de ódio, excitação e senso de justiça. Não reconheciam que o invasor por aquelas bandas era o homem e não a onça.

A caçada malsucedida

Tudo foi preparado previamente, e no dia seguinte pela manhã, Euclides e Fernandez, acompanhados de dois cães de caça, se embrenharam na mata. Depois de percorrerem alguns quilômetros a pé, soltaram os cachorros para farejarem os rastros da onça. Logo começaram a rosnar e latir, até que o silêncio tomou conta do lugar. Um dos cães sumiu e o outro retornou ofegante e assustado. Para Fernandez, só podia ser um sinal de que a “inimiga” estava próxima. Ajeitaram os gatilhos das espingardas e, sem piscar, deram alguns passos até ouvirem o som que emanava dos galhos de uma árvore. Lá estava a felina, como se os aguardasse, atenta a cada movimento dos caçadores.

Quando Fernandez deu o primeiro tiro o animal saltou. Com as patas, dilacerou seus braços e ombros – na região da escápula e do úmero. O estrago foi tão grande que o homem sentiu as garras da onça roçando os ossos. O gatilho da espingarda de Euclides falhou no momento do ataque. Desesperado ao vê-la sobre o companheiro, o caçador tirou uma peixeira da cintura e a golpeou. Mesmo ferida, a felina atacou os dois braços de Euclides, destruiu a espingarda e depois fugiu pela mata.

Frei Ulrico Goevert em Cidade Gaúcha no dia da caçada (Arquivo: Ordem do Carmo)

Apesar de muito machucados, os dois foram encontrados por colonos e levados para o hospital de Rondon. Lá, segundo o frei alemão Ulrico Goevert, que vivia em Paranavaí, estavam com febre alta e braços e ombros atados.

Dias depois, os colonos voltaram à rotina. Mas só até a mulher de Fernandez revelar que a onça levou ‘o seu melhor porco”. “A raiva o cozinhou por dentro. Parecia que a vergonha causada pela onça doía mais que o ferimento nos ombros”, comentou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”. À época, o padre estava participando de uma missão religiosa em Rondon e Cidade Gaúcha.

Uma nova emboscada

Sem pestanejar, Fernandez pegou novamente a espingarda, a municiou e foi até a casa de Euclides convidá-lo para a caçada. O amigo aceitou, ajeitou a peixeira na cintura e seguiu o companheiro. De acordo com os caçadores, era preciso mais cautela porque a onça ferida sempre foge do perigo. Acompanhados por um cão de caça, seguiram as pegadas do animal e o avistaram devorando o pernil de um leitão. Rapidamente, Fernandez puxou o gatilho e acertou o peito da onça que ainda tentou resistir, mas faleceu.

A primeira coisa que fizeram foi medir a felina. Tinha 2,64m de comprimento e pesava mais de 100 quilos. Orgulhosos, Fernandez e Euclides tiraram várias fotos ao lado da onça-pintada morta. “Quando vi a magnífica pele do animal já curtida brotou em mim o desejo de pendurá-la no Seminário Carmelitano Teresiano de Vocações Tardias, em Bamberg [no Estado da Baviera, na Alemanha], para despertar nas novas gerações de missionários a alegria da caça à onça”, destacou o padre alemão.  A pele da felina foi leiloada por cerca de dois mil cruzeiros e o dinheiro doado para o Hospital de Rondon que atendia principalmente os menos favorecidos.

Saiba Mais

Nos anos 1950, alguns pioneiros pagavam muito dinheiro para caçadores livrarem suas propriedades das onças.

Observação

Como está claro no texto, nem mesmo os mais civilizados tinham consciência de que o homem era o verdadeiro invasor.

Um autêntico pioneiro do jornalismo regional

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Há mais de 50 anos, Euclides Bogoni registra a história do Noroeste do Paraná

Bogoni é jornalista há mais de 50 anos

Bogoni: “Comecei no jornalismo de modo empírico, por idealismo, sem nenhuma formação específica” (Foto: Diário do Noroeste)

O jornalismo entrou na vida de Euclides Bogoni há mais de 50 anos. Desde então, o jornalista assumiu a missão de registrar a história da região de Paranavaí, o Noroeste do Paraná. Motivado por um idealismo surgido na época dos heróis do sertão, Bogoni foi um poeta que se transformou em jornalista quando arte literária e relato noticioso faziam parte de um mesmo panorama cultural e informativo.

O catarinense começou a escrever na juventude. Se dedicava a produzir poemas para publicar em livros. De Alto Paraná, onde seu pai tinha uma empresa, decidiu se mudar para Paranavaí. Aqui abriu um escritório. Assim como outro Euclides (da Cunha), aproveitou o conhecimento literário para narrar com caráter épico a trajetória dos heróis do sertão.

Em 1954, Bogoni foi convidado a ser redator-chefe da Folha de Paranavaí, cargo que assumiu com a missão de escrever poemas e artigos em que sugeria construções de obras públicas. Segundo o jornalista, a estrutura do jornal era precária. Não havia oficinas e a impressão era feita em outras cidades. “Como eu tinha um escritório, às vezes datilografava as matérias lá mesmo. Comecei no jornalismo de modo empírico, por idealismo, sem nenhuma formação específica”, afirma Euclides Bogoni em tom reflexivo.

No ano seguinte, houve uma paralisação tão grande em função das geadas que o jornal para o qual Euclides Bogoni trabalhava faliu. Outros veículos de imprensa que existiam em Paranavaí e região tiveram o mesmo destino. Então o jornalista decidiu fundar o Diário do Noroeste, um dos jornais mais antigos do Paraná, até hoje sob direção de Bogoni.

No início, o veículo era composto por dois funcionários e a edição possuía apenas quatro páginas, raramente chegando a seis.  “Não se separava matéria por editorias. Os assuntos não eram divididos nas páginas. A única diferença de destaque era o tratamento com a manchete”, lembra.

Atualmente o padrão mínimo do jornal regional é de 16 páginas, chegando a 28 graças ao advento da impressora rotativa. “Algo bem diferente da época em que sofríamos com a impressora manual. Além disso, só tínhamos acesso as informações de outras cidades e estados por meio do teletipo e de sinais via rádio”, frisa.

Euclides Bogoni foi um poeta que se tornou jornalista

Idealista, fundou o Diário do Noroeste em 1955 (Foto: Diário do Noroeste)

Com quase 55 anos de carreira profissional, Euclides Bogoni, mesmo não tendo cursado jornalismo, defende a obrigatoriedade do diploma. Segundo o jornalista, a formação acadêmica possibilita maior agregação de cultura e impõe ao profissional o respeito à ética. “Muitos que não fizeram faculdade têm facilidade em exercer a profissão, mas a situação é muito melhor quando a pessoa tem o diploma”, pondera. Se não fosse jornalista, provavelmente Euclides Bogoni seria advogado ou professor. “Na minha família, todos os meus irmãos lecionam”, justifica sorrindo.

O jornalista lembra que ingressou no meio impresso por causa da aptidão literária. Só parou de escrever poemas quando se restringiu ao relato noticioso. “Com o tempo, a inspiração desapareceu. Jornalismo é uma área que requer dedicação e promove um grande desgaste intelectual”, assegura.

“Jornal regional não sobrevive sem o poder público”

O jornalista Euclides Bogoni, proprietário do jornal Diário do Noroeste, admite que nenhum meio de comunicação regional sobrevive sem a participação financeira do poder público. “Os jornais publicam 80% de informações que não são pagas, então é justo recebermos para divulgar informações oficiais da prefeitura, por exemplo”, avalia.

O gerenciamento da comunidade se respalda nas ações da prefeitura, câmara municipal e poder judiciário, segundo o jornalista. São três poderes que precisam criar uma ponte de comunicação com a população. “O jornal é o mecanismo usado para o cidadão se informar sobre o que está acontecendo nesse meio”, explica.

Bogoni se queixa que durante as eleições o Diário do Noroeste é falsamente acusado de favorecer determinados candidatos. “Pode acontecer de algum candidato ser noticiado mais vezes em função de ter melhores condições culturais e políticas. Porém, nunca deixamos de dar espaço a ninguém. Na realidade, acolhemos quem nos procura”, assinala.

“Não existe jornal que não receba pressão”

Sobre a importância da ética, o jornalista Euclides Bogoni enfatiza que é de suma importância para a boa condução do jornalismo. “Sempre precisamos ter compromisso com a verdade. Entretanto, sabemos que a concorrência faz com que jornalistas de caráter duvidoso ajam em desacordo a tudo isso. Se entregar ao sensacionalismo sempre promove erros graves”, comenta. Se um veículo publica uma informação errada, o único jeito de amenizar a situação é usar o mesmo espaço para fazer a correção.

O jornalista vê com bons olhos a liberdade de imprensa na atualidade se comparada ao período da ditadura militar, mas faz uma ressalva. “A censura sempre vai existir, mesmo em menor proporção. Não existe jornal que não receba pressão”, sentencia. Euclides Bogoni lembra também que no final da década de 1950 grande parcela da população de Paranavaí era inculta. Isso também dificultava o trabalho dos veículos de comunicação, principalmente porque poucos entendiam o propósito de um jornal.

Para o jornalista que trabalhou por muito tempo recebendo dados via sinal de rádio, a internet é determinante em ajudar os jornais regionais na coleta de informações de âmbito estadual, nacional e internacional. “É uma aliada principalmente quando a notícia é de grande importância, como alguma manifestação governamental. Tudo está mais fácil porque a internet trouxe rapidez e instantaneidade”, garante.

Frases do jornalista Euclides Bogoni

“O jornalismo é uma profissão muito bonita em que o jornalista tem que se dedicar em tempo integral. Isto gera um desgaste intelectual muito grande. Mas, acima de tudo, é uma profissão que satisfaz e contribui para o desenvolvimento social.”

“Quando usávamos impressora plana, a impressão começava às 18h e terminava lá pelas 2h. Hoje a nossa impressora rotativa roda de duas a duas horas e meia por dia. O trabalho é bem rápido.”