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Parabéns, Campeão! – Acidentes e estripulias na academia
“É agora que bato a cabeça na quina do banco e caio no chão com o crânio rachado e sem os dentes”
Nunca me machuquei seriamente praticando musculação, mas admito que ao longo dos anos passei por situações surpreendentes e inusitadas. Em um dia de treino de dorsais, a academia estava bem movimentada por volta das 18h. E por um milagre não havia ninguém usando a roldana.
Me aproximei, substituí a barra e coloquei o pino no último tijolinho da polia. “Que beleza! Hoje o treino vai render, já que não vou precisar esperar ou dividir a máquina com ninguém”, refleti com sorriso sardônico enquanto esfregava as mãos e observava outras pessoas que não tiveram a mesma sorte.
Fiz a primeira série de puxador frontal aberto assistindo a minha postura em um espelho à minha direita. Tudo ia bem até que no início da segunda série o cabo de aço se rompeu e voei para trás com a barra no colo, batendo as costas contra uma divisória branca que separa a sala de musculação da sala de aeróbicos.
O estrondo foi tão grande que ouvi duas pessoas gritando escandalizadas, pensando que o prédio estava ruindo. Até quem se exercitava do outro lado da academia veio xeretar. E eu sentado, com um sorriso enviesado, levantei rapidamente. Tentando não olhar ao meu redor, deixei a barra sobre o banco e caminhei até o outro lado da sala para fazer remada curvada.
O que mais causou estranhamento em quem presenciou o acidente foi o fato de eu continuar treinando. Apesar do susto, não senti nada e só deixei a academia quando terminei todos os exercícios. Na realidade, o único incômodo foi perceber tanta gente de olhos esgazeados, me observando e talvez me julgando como louco por não ter ido embora.
Em outra ocasião, eu estava na terceira série da cadeira abdutora quando o cabo arrebentou e violentamente veio em direção ao meu rosto. Faltando dois ou três centímetros para atingir meu olho esquerdo, ele chicoteou o ar e caiu complacente, repousando sobre a lataria do aparelho como se jamais tivesse saído dali. Senti gastura ao imaginá-lo penetrando meu olho e cutucando a íris como uma agulha aplicada com precisão cirúrgica.
Lá dentro, quem sabe a pontinha do cabo envergasse à direita e no momento do retorno – pop! Assim extraindo meu olho da órbita e deixando na cavidade a assinatura AB, de abdutora, como se fosse um tipo de zorro mecânico. Não sei, talvez ela quisesse apenas mostrar quem realmente mandava, que tudo estava ao seu alcance sempre que quisesse.
Vai saber, pode ser que os objetos não sejam completamente inanimados. Dizem que a barra olímpica usada no supino reto ganha vida de vez em quando. Não duvido. Um dia ela ficou teimosa no final do exercício e por pouco não me enforcou. Temendo o pior, senti a faringe se estreitando e o pescoço esquentando. Minha garganta parecia simular um canudo de plástico.
Àquela altura, minhas pupilas há muito dilataram, e mais do que nunca notei a barra lisa, escorregadia, traiçoeira e burlesca. Transparecia odiosa e retaliativa. A poucos centímetros do meu queixo, que se retraía com medo de ser esmagado, e prevendo que meus braços quase rendidos não suportariam mais a tensão, a amorteci levemente contra o peito. Estertorando e sentindo as fibras musculares dos meus ombros queimando, a deslizei em direção a minha barriga até o ponto de conseguir me levantar e tirá-la de cima de mim.
Sentado, me vi revigorado. Meu coração voltou a bater numa frequência mais aceitável, parei de suar frio e minha visão periférica se expandiu. Vislumbrei até o céu da academia se abrindo e uma revoada de dezenas de pássaros das mais diversas espécies circulando, circulando, até formarem a frase “Parabéns, Campeão!”. Quando levantei do banco, percebi que tinha duas anilhas a mais, e que não foram colocadas por mim. Realmente, a barra era inocente.
Ainda assim, acredito que icônico foi um episódio da época em que eu fazia paralelas em um banco de supino. Ele tinha um suporte de barras mais alto do que os mais tradicionais. Bom, em minha defesa, não existia nada específico para a realização das paralelas, então o jeito era improvisar. Como eu fazia esse exercício no dia do treino de peito, era preciso inclinar o corpo para a frente. Até aí tudo bem. Me apoiei sobre as laterais do banco e fiz a primeira série tranquilamente. Na segunda, por um deslize, inclinei demais o corpo e não consegui retornar à posição inicial.
Naquele instante, pensei o pior: “É agora que bato a cabeça na quina do banco e caio no chão com o crânio rachado e sem os dentes.” Contrariando previsões, inclusive de todo mundo que assistiu a cena – penso eu, dei uma cambalhota no ar e caí sentado no banco, sem sequer um arranhão. Nenhum espectador entendeu o que houve, muito menos eu. Mas fiquei orgulhoso pela façanha, assim como todos aqueles que escapam ileso de algum tipo de estripulia não planejada. Quando me levantei, agi como se tudo fosse proposital, sem saber que a calça não velava mais o quintal.
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Um final de tarde agonizante no Castelo de Grayskull
Uma camada de ferrugem que a cobria esfarelou sobre o meu rosto como chuva suja de óxido nítrico
Em uma época da minha vida, me empolguei tanto com a musculação que comecei a treinar em duas academias. Ingênuo, eu acreditava que teria melhores resultados dessa forma. Então, sempre no final de semana, eu atravessava a cidade para me exercitar em um desses ginásios precários, onde falta tudo, menos a vontade de levantar pesos.
O cenário era desagradável para pessoas acostumadas com academias mais bem equipadas ou visualmente atrativas, o que não importava muito para mim, já que eu estava ali para complementar a rotina. A manutenção era inexistente, a julgar pelo aspecto enferrujado de anilhas, aparelhos descascados e travas de segurança tão moles que pareciam capazes de saltar sobre meus olhos ao toque de um dedo.
Era difícil não pensar nos riscos de ver pernas esmagadas ou decepadas tão logo a “guilhotina”, apelido que dei ao leg press, descesse na sua contumaz ferocidade, quando o mais descuidado dos usuários ousasse extrapolar nas repetições da última série. Talvez o aparelho até sonhasse com esse momento para compensar anos de negligência enquanto rangia mais do que o piso que a porta pungia.
Ao meu redor, nunca havia muita gente, e eu agradecia, calado e contente. Gostava de treinar sozinho, no silêncio da minha mente ou ouvindo uma playlist pungente. E minha fisionomia austera, que pouco aspirava à socialização, ajudava bastante nesse sentido. Nada contra ninguém. Na realidade, sou um sujeito bem educado. Eu apenas tinha um motivo específico e bem definido para estar ali.
Um dia, quando a outra academia fechou no meio da semana, recorri mais uma vez ao “Castelo de Grayskull”, apelido do ginásio sucateado. Era um final de tarde, e assim que me aproximei da entrada, alguns caras que acabaram de treinar saíram às ruas sem camiseta. Um deles fazia pose e estufava o peito enquanto o outro guardava dentro do bolso uma fitinha usada para medir o próprio braço.
“Olha como tô ficando fibrado! É nóis, mano!”, berrou o terceiro, ajeitando o par de óculos escuros, inclinando o corpo à direita e observando o próprio reflexo no retrovisor de um carro. O quarto amigo sacolejava uma coqueteleira e exibia um par de luvas que reluzia mais do que colete refletivo.
Por descuido, tive que retornar ao carro para buscar minha toalha. Nisso, passaram pelo menos quatro minutos, e o rapaz continuava sacudindo a garrafinha. Pensei até que pudesse ser um novo exercício para tratamento de artrite ou um tipo de powerball em forma de squeeze. Tudo bem! Entrei na academia, cumprimentei alguém na recepção e caminhei até um aparelho.
Era dia de agachamento invertido. Coloquei os fones no ouvido e as anilhas na barra. Num primeiro olhar percebi que aquele aparelho era menor do que o da academia onde eu treinava com mais frequência. “Ok! É só pegar leve e compensar a intensidade com mais séries e repetições”, concluí.
Deitei no chão, posicionei os pés contra a barra e fiz a primeira série. Antes do final, ela envergou e começou a estalar. Julguei que fosse normal e preferi me arriscar. Na segunda série, a barra travou na subida da última repetição. E, parar piorar, no mesmo instante um senhor com um crônico problema de flatulência, que reavivou lembranças da minha visita ao aterro sanitário, encostou na máquina, com as costas à minha esquerda, e seguiu papeando com uma moça.
“Mas você nem precisa fazer musculação. Tá maravilhosa!”, comentou o homem escorando o braço sobre as anilhas do aparelho, simulando um tipo de apoio. Ele forçava a barra para baixo enquanto eu tentava empurrá-la para cima. A música na academia estava tão alta que nem o sujeito nem a garota ouviam minhas reclamações. Me tornei invisível.
Quando comecei a roxear, com o aparelho repleto de anilhas dos dois lados, e a barra subindo apenas do lado esquerdo, tentei forçar a elevação mudando a posição dos calcanhares. Em vez subir, a barra apenas estremeceu e uma camada de ferrugem que a cobria esfarelou sobre o meu rosto como chuva suja de óxido nítrico.
Não consegui evitar que ciscos entrassem em meus olhos. Também franzi a testa e fiz um esgar de desgosto quando senti o pó de ferrugem nos lábios. Sem enxergar nada e tentando terminar a última repetição, ouvi o homem dizendo para a moça: “Nossa! Cruzes! Que mau cheiro! Hoooorrrrríííííveeeel! Vamos sair daqui! Tem gente que não respeita ninguém!”
Sem ver nada e agonizando no chão, com as pernas trêmulas e os olhos fechados, fiquei tão irado que aproximei um pouco mais os dois pés e empurrei a barra numa intempestiva e derradeira lufada de força. Assim que ela se prendeu ao suporte, me libertei. A música acabou e o silêncio começou.
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