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Gondry, Kaufman e as dores da alma
Eternal Sunshine of the Spotless Mind aborda a instabilidade humana frente às adversidades das relações amorosas
Lançado em 2004, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, que chegou ao Brasil com o fidedigno título Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, é um filme do gênero drama do cineasta francês Michel Gondry em parceria com o estadunidense Charlie Kaufman, roteirista muito conhecido por obras conceituais como Being John Malkovich, de 1999, e Adaptation, de 2002.
Protagonizado por Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), que se somam a outros personagens interpretados por famosos como Elijah Wood, Kirsten Dunst e Mark Ruffalo, Eternal Sunshine of the Spotless Mind é um filme interessante sobre a ficcional possibilidade de desconstrução das emoções e sentimentos. Após um conflito amoroso, Clementine decide se submeter a um procedimento neurocirúrgico para apagar Joel de sua memória. A iniciativa parte de uma premissa e anseio de idealização instintivamente humana após grande, mas natural experiência de sofrimento.
Ao saber do ato de Clementine, Joel opta por fazer o mesmo. Durante o processo se arrepende e começa uma batalha psicológica e emocional para preservar fragmentos de sua vida com a namorada. A dor se intensifica ainda mais conforme a mulher se desvanece da memória de Joel. Momentos vividos a dois tornam-se vazios quando o homem é relegado a ser o único personagem de uma realidade que só poderia ser intensa se vivida de forma compartilhada. Tudo parece desértico, difuso e disperso em um contexto mental fugidio e atroz, onde a dor desequilibra a essência humana e submete o homem ao desespero das incertezas da própria existência.
A introspecção leva Joel ao cume da solidão, assim o filme se eleva a um caráter metafórico excepcional. Juntos, Joel e Clementine, inertes em mundos paralelos, mas dissonantes, chegam a representar a desmaterialização do amor. É algo tão dolorosamente humano que lança turbilhões de luz sobre as falhas da natureza social, principalmente a individualização motivada pela insegurança e franca possibilidade de incompreensão. No fundo, tudo é sustentado como consequência de uma comunicação canhestra.
Em suma, Eternal Sunshine of the Spotless Mind é uma obra bela e triste que mistura humanismo, existencialismo e surrealismo. Muito bonita ao traduzir a interiorização e as dores da alma com requinte poético, mas sensivelmente tétrica em premeditar e denunciar o princípio do fim das boas e tradicionais relações humanas. Afinal, o filme parece se embasar na ideia de que em situações de conflito amoroso e existencial cresce o número de pessoas que preferem reclamar de não ter acesso a uma tecnologia capaz de eliminar os desconfortos que as afligem. Não se dão conta que melhor seria ponderar e tentar lidar de frente com as situações mais complicadas.
Um pai incomunicável
O dilema de uma família fragmentada pela instabilidade paterna
Lançado no Brasil como Tudo Perdoado, Tout Est Pardonné, de 2007, é um filme da cineasta francesa Mia Hansen-Løve que conta a história de uma família fragmentada pela instabilidade paterna.
O primeiro longa-metragem de Mia Hansen-Løve apresenta três personagens: o pai Victor (Paul Blain), a mãe Annette (Marie-Christine Friedrich) e a filha Pamela (Constance Rousseau). Victor é egocêntrico e vive uma crise existencial alimentada pelo uso abusivo de drogas. A dependência química é o estopim que culmina no abandono da mulher e na perda da filha.
O filme aborda a incomunicabilidade ao mostrar um homem que mesmo tendo uma família é incapaz de se responsabilizar por ela. Egoísta, Victor reconhece como real apenas a própria dor, ignorando os problemas vivenciados pelos familiares. Mais tarde, a solidão do personagem vai além da interiorização e se torna uma experiência de dor absoluta.
Após 12 anos, Victor se recupera e decide procurar a filha adolescente. Pamela tem a oportunidade de rever o pai, um desconhecido com quem aos poucos estabelece afinidade singular. Apesar do drama central, a beleza de Tudo Perdoado está na simplicidade das cenas. Há momentos triviais que se tornam singulares pelo poder de identificação com o público.
O filme inspira ao naturalismo e ao realismo de maneira tão sublime que se torna desnecessário o uso de metáforas e simbologias. É uma obra sobre as possibilidades do ser humano recomeçar a vida, bastando a ele reunir forças para discernir sobre suas prioridades. Por Tout Est Pardonné, Mia Hansen-Løve recebeu em 2007 o tradicional Prêmio Louis Delluc.
Curiosidade
A atriz que faz Pamela na infância é Victoire Rousseau, irmã da atriz Constance Rousseau que interpreta a personagem adolescente.