David Arioch – Jornalismo Cultural

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Nós, enquanto matéria, somos pouco ou nada

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Assisto filmes antigos desde criança, e o que sempre me intrigou em muitos dos filmes que assisti é reconhecer que todas aquelas pessoas já faleceram. Se pensarmos a respeito, é intrigante, não? Em um filme com dezenas, até centenas de pessoas, que estão ali “exalando vida”, a certeza de que todos partiram.

Revendo “Fausto”, de 1926, esses dias, esse pensamento voltou a exercer algum tipo de curioso fascínio sobre mim, como quando eu era moleque. Elas continuam ali, eternizadas em um filme – suas vozes, movimentos, expressões, vontades – ainda que materializadas na efemeridade por personagens.

Isso sempre me leva a refletir sobre o fato de que nós enquanto matéria somos pouco ou nada; e talvez o que sobreviva ao tempo indeterminado seja o que fizemos ou fazemos, o que isso despertou nos outros. Por isso nossas ações podem repercutir ao passo que nossa matéria deixa de existir.

E isso pode até mesmo independer da nossa vontade, já que muito do que fazemos é motivado por emoções, sentimentos e desejos evocados por uma época, normalmente o período em que vivemos. Afinal, até mesmo quem pensa na eternização de alguma coisa se pauta primariamente no tempo presente.

Goethe e a busca pelo conhecimento

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Para o escritor, o universo se expandia através das ciências e das artes

Georg Melchior Kraus

Goethe acompanhou uma batalha entre o Exército Revolucionário Francês e as Forças Prussianas de Intervenção na juventude (Arte: Georg Melchior Kraus)

No dia 22 de março de 1832, Johann Wolfgang von Goethe, um dos mais célebres nomes da literatura alemã, estava em sua casa em Weimar, na Turíngia, segurando a mão de sua nora Otília. Na data, ele falou dos passeios que daria nos meses seguintes e se recordou de uma moça de sua juventude. Também balbuciou o nome de seu grande amigo, o igualmente famoso poeta Friedrich von Schiller, falecido em 9 de maio de 1805.

Ansiando para que as persianas se abrissem para o sol da manhã, o autor de Fausto pediu a um empregado: “Mais Luz!” E então seu dedo tracejou uma palavra no ar e ele mudou de posição em sua cadeira, caindo no sono e sucumbindo em um momento que ninguém imaginava que ele morreria.

Quarenta anos antes, Goethe acompanhou uma batalha entre o Exército Revolucionário Francês e as Forças Prussianas de Intervenção. Ele viu no conflito bélico uma oportunidade para conduzir uma pesquisa sobre uma inédita teoria de luz e cor, que mais tarde se transformaria no livro Teoria das Cores, publicado em 1810, e que inspirou os artistas pré-rafaelistas.

O escritor britânico Christopher Middleton escreveu em sua introdução à poesia de Goethe que durante a Batalha de Valmy o alemão foi visto divagando, estudando os efeitos das ondas de choque na visão, levando em conta a luz sobre a poeira. Os resultados desse trabalho contribuíram em vários ramos da ciência – anatomia, biologia, botânica e geologia.

Goethe também teve um importante papel no governo alemão como administrador de artes. Todas essas atividades alimentaram sua paixão pela busca de sinais que pudessem levá-lo a um plano maior na história. Goethe se empenhou ainda em fazer com que a língua alemã fosse vista como uma “textura viva”, o que justifica porque ele é considerado na Alemanha não apenas um grande poeta, mas também um símbolo nacional.

O escritor caiu no sono e sucumbiu em um momento que ninguém imaginava que ele morreria (Arte: Reprodução)

O escritor caiu no sono e sucumbiu em um momento que ninguém imaginava que ele morreria (Arte: Reprodução)

Se dedicando a temas cósmicos ao longo de toda a carreira, o escritor concluiu a última etapa de seus trabalhos autobiográficos nos últimos meses de vida, quando finalizou a segunda parte da obra-prima Fausto. “Agora posso olhar a minha vida como o mais puro presente”, declarou Goethe prevendo o próprio fim.

O drama poético em que o protagonista faz um pacto com o diabo em troca de sabedoria e conhecimento para entender a vida exigiu 60 anos do alemão. A história autobiográfica reflete o próprio anseio de Goethe na busca por luz em um universo que se expande por meio das ciências e das artes.

Ao contrário da obra inglesa The Tragical History of Doctor Faustus, de Christopher Marlowe, em que Fausto é condenado ao inferno, na obra romântica de Goethe o protagonista que vendeu sua alma a Mefistófeles tem direito à redenção.

Fragmento de Fausto II

Ay, neste pensamento eu prometo minha fé inabalável

Aqui a sabedoria diz sua palavra final e verdadeira

Ninguém tem a liberdade ou a vida que merece

A menos que a conquiste diariamente e como se fosse a primeira vez

Fausto morre e Mefistófeles aparece para reclamar seu prêmio. Todo o espaço é preenchido com anjos, e ouve-se um coro durante o enterro, de acordo com a última cena do último ato da obra-prima.

Fausto, obra original publicada em 1808 (Foto: Reprodução)

Fausto, obra original publicada em 1808 (Foto: Reprodução)

Rode mais uma vez as chamas do amor

A pura luz se revela

Aqueles que foram deplorados pela vida

A verdade ainda curará

Resgatados, não mais serão escravos de maus cuidados

Em breve e de tudo por tudo

A felicidade será deles

Saiba Mais

Johann Wolfgang von Goethe nasceu em 28 de agosto de 1749 e faleceu em 22 de março de 1832.

Suas maiores obras são “Fausto”, Os Sofrimentos do Jovem Werther, “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, “As Afinidades Eletivas”, “Prometeus” e “Teoria das Cores”.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Lewes, George Henry. The Life of Goethe (1855). Adamant Media; 2000.

Williams, John. The Life of Goethe. A Critical Biography. Wiley-Blackwell; 2001.

Middleton, Christopher. Goethe, Volume 1: Selected Poems. Princeton University Press; 1994.

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