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Nós, enquanto matéria, somos pouco ou nada
Assisto filmes antigos desde criança, e o que sempre me intrigou em muitos dos filmes que assisti é reconhecer que todas aquelas pessoas já faleceram. Se pensarmos a respeito, é intrigante, não? Em um filme com dezenas, até centenas de pessoas, que estão ali “exalando vida”, a certeza de que todos partiram.
Revendo “Fausto”, de 1926, esses dias, esse pensamento voltou a exercer algum tipo de curioso fascínio sobre mim, como quando eu era moleque. Elas continuam ali, eternizadas em um filme – suas vozes, movimentos, expressões, vontades – ainda que materializadas na efemeridade por personagens.
Isso sempre me leva a refletir sobre o fato de que nós enquanto matéria somos pouco ou nada; e talvez o que sobreviva ao tempo indeterminado seja o que fizemos ou fazemos, o que isso despertou nos outros. Por isso nossas ações podem repercutir ao passo que nossa matéria deixa de existir.
E isso pode até mesmo independer da nossa vontade, já que muito do que fazemos é motivado por emoções, sentimentos e desejos evocados por uma época, normalmente o período em que vivemos. Afinal, até mesmo quem pensa na eternização de alguma coisa se pauta primariamente no tempo presente.
Goethe e a busca pelo conhecimento
Para o escritor, o universo se expandia através das ciências e das artes
No dia 22 de março de 1832, Johann Wolfgang von Goethe, um dos mais célebres nomes da literatura alemã, estava em sua casa em Weimar, na Turíngia, segurando a mão de sua nora Otília. Na data, ele falou dos passeios que daria nos meses seguintes e se recordou de uma moça de sua juventude. Também balbuciou o nome de seu grande amigo, o igualmente famoso poeta Friedrich von Schiller, falecido em 9 de maio de 1805.
Ansiando para que as persianas se abrissem para o sol da manhã, o autor de Fausto pediu a um empregado: “Mais Luz!” E então seu dedo tracejou uma palavra no ar e ele mudou de posição em sua cadeira, caindo no sono e sucumbindo em um momento que ninguém imaginava que ele morreria.
Quarenta anos antes, Goethe acompanhou uma batalha entre o Exército Revolucionário Francês e as Forças Prussianas de Intervenção. Ele viu no conflito bélico uma oportunidade para conduzir uma pesquisa sobre uma inédita teoria de luz e cor, que mais tarde se transformaria no livro Teoria das Cores, publicado em 1810, e que inspirou os artistas pré-rafaelistas.
O escritor britânico Christopher Middleton escreveu em sua introdução à poesia de Goethe que durante a Batalha de Valmy o alemão foi visto divagando, estudando os efeitos das ondas de choque na visão, levando em conta a luz sobre a poeira. Os resultados desse trabalho contribuíram em vários ramos da ciência – anatomia, biologia, botânica e geologia.
Goethe também teve um importante papel no governo alemão como administrador de artes. Todas essas atividades alimentaram sua paixão pela busca de sinais que pudessem levá-lo a um plano maior na história. Goethe se empenhou ainda em fazer com que a língua alemã fosse vista como uma “textura viva”, o que justifica porque ele é considerado na Alemanha não apenas um grande poeta, mas também um símbolo nacional.
Se dedicando a temas cósmicos ao longo de toda a carreira, o escritor concluiu a última etapa de seus trabalhos autobiográficos nos últimos meses de vida, quando finalizou a segunda parte da obra-prima Fausto. “Agora posso olhar a minha vida como o mais puro presente”, declarou Goethe prevendo o próprio fim.
O drama poético em que o protagonista faz um pacto com o diabo em troca de sabedoria e conhecimento para entender a vida exigiu 60 anos do alemão. A história autobiográfica reflete o próprio anseio de Goethe na busca por luz em um universo que se expande por meio das ciências e das artes.
Ao contrário da obra inglesa The Tragical History of Doctor Faustus, de Christopher Marlowe, em que Fausto é condenado ao inferno, na obra romântica de Goethe o protagonista que vendeu sua alma a Mefistófeles tem direito à redenção.
Fragmento de Fausto II
Ay, neste pensamento eu prometo minha fé inabalável
Aqui a sabedoria diz sua palavra final e verdadeira
Ninguém tem a liberdade ou a vida que merece
A menos que a conquiste diariamente e como se fosse a primeira vez
Fausto morre e Mefistófeles aparece para reclamar seu prêmio. Todo o espaço é preenchido com anjos, e ouve-se um coro durante o enterro, de acordo com a última cena do último ato da obra-prima.
Rode mais uma vez as chamas do amor
A pura luz se revela
Aqueles que foram deplorados pela vida
A verdade ainda curará
Resgatados, não mais serão escravos de maus cuidados
Em breve e de tudo por tudo
A felicidade será deles
Saiba Mais
Johann Wolfgang von Goethe nasceu em 28 de agosto de 1749 e faleceu em 22 de março de 1832.
Suas maiores obras são “Fausto”, Os Sofrimentos do Jovem Werther, “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, “As Afinidades Eletivas”, “Prometeus” e “Teoria das Cores”.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Lewes, George Henry. The Life of Goethe (1855). Adamant Media; 2000.
Williams, John. The Life of Goethe. A Critical Biography. Wiley-Blackwell; 2001.
Middleton, Christopher. Goethe, Volume 1: Selected Poems. Princeton University Press; 1994.
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