David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Fazendo a diferença em Ruanda

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Violette Mutegwamaso, a mulher que superou uma guerra civil e o brutal assassinato do marido

Aldeia onde a então dona-de-casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Aldeia onde a então dona de casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Em 1994, milícias armadas entraram em conflito em Ruanda, na região dos Grandes Lagos da África. Pessoas de etnias hutu e tutsi tornaram-se inimigos mortais, se enfrentando pelas ruas à luz do dia. A motivação foi o desvio de recursos que deveriam ser utilizados para a reestruturação do país. Com a expansão do caos, iniciado na capital Kigali, 250 mil pessoas foram mortas. Ainda assim, muita gente acreditava que estava livre das zonas de guerra civil. Um exemplo era a dona de casa Violette Mutegwamaso que cuidava dos filhos enquanto o marido trabalhava na capital, a três horas de distância de Gahini, a pacata aldeia onde a família sempre viveu.

“Quando percebi que a guerra já estava ao lado, peguei meus dois filhos nos braços e fugi para a igreja mais próxima. Pensei que encontraria um santuário de paz. Na realidade, entrei em um pesadelo”, lembra. Atacados por uma milícia munida de facões e armas de fogo, muitos moradores de Gahini caíram mortos dentro da igreja. Para sobreviver, Violette deitou-se em um corredor e lambuzou os corpos dos filhos e o próprio com sangue para evitar que os agressores os matassem.

“Nos escondemos entre os cadáveres e nos fingimos de mortos. Ficamos naquela igreja por uma semana até que o exército ruandense apareceu para libertar a área”, conta. No episódio, sobreviveram apenas 20 pessoas dentre os mais de 700 escondidos no templo religioso. O marido de Violette não teve a mesma sorte. Foi brutalmente assassinado quando retornava para casa depois de mais um dia de trabalho.

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

A dona de casa se viu obrigada a assumir sozinha a criação do filho Eric, de cinco anos, e Angelique, de quatro anos. Demonstrando muita força, Violette ainda cuidou de um órfão que perdeu a família inteira na guerra. “Não tive quase apoio, mas tentei reconstruir a vida cultivando as terras de outras pessoas. O que ganhava não dava para alimentar a mim e meus filhos. Também não conseguia pagar a escola, comprar remédios e roupas. Foi muito difícil”, admite em tom emocionado.

Dez anos depois, Violette ouviu falar de um programa internacional de patrocínio para mulheres. Sem nada a perder, se matriculou e ganhou uma ajuda da estadunidense Liz Hammer, uma mãe de dois filhos comprometida em repassar 30 dólares por mês ao longo de um ano. A quantia que partia de Boston pode parecer ínfima para muita gente, mas Violette soube fazer a diferença com tão pouco.

Usou o dinheiro para investir em cerveja de sorgo. “Cheguei a produzir uma tonelada e meia do cereal. Ainda assim, a demanda era tão grande que tive de comprar sorgo de outros agricultores”, explica. De modo artesanal, Violette Mutegwamaso preparava de 150 a 180 litros de cerveja a cada três dias, lucrando cerca de 50 dólares por lote.

Com o dinheiro da bebida, investiu no plantio de feijão. Além de garantir alimento para a família, também conquistou uma nova fonte de renda. “Se o preço está alto, vendo o feijão para os vizinhos. Já quando cai, repasso no atacado para lojas e restaurantes”, revela. Enquanto a maior parte da população de Ruanda tinha uma renda mensal familiar de 260 dólares, segundo dados do Banco Mundial, Violette, superando todas as expectativas, já conseguia faturar 1,8 mil dólares com a safra de feijão.

Marido de Violette morreu durante a Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Marido de Violette foi uma das vítimas fatais da Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Mais tarde, ampliou ainda mais os negócios e contratou trabalhadoras locais para atuar no campo e no gerenciamento das atividades. Preocupada com a comunidade, fez um empréstimo bancário para instalar uma tubulação de água na aldeia, evitando que as mulheres tivessem de andar por horas até achar uma torneira. “Vivemos em um país onde apenas 20% das pessoas tem acesso à água potável, então muitas mulheres são obrigadas a carregar jarros pesados por longas distâncias”, desabafa.

Hoje, Violette Mutegwamaso é presidente de uma cooperativa de artesanato. Dentre os produtos mais populares está a cesta de paz que faz parte da cultura ruandense e normalmente é comprada para presentear a noiva e o noivo no dia do casamento. “Também vendemos bastante cerâmica e artigos de crochê. Fico feliz por reunir na mesma cooperativa mulheres de origem hutu, tutsi e twa. Elas sentam lado a lado para tecer fibras de sisal com técnicas tradicionais de desenho”, afirma Violette.

A cooperativa tirou da miséria muitas vítimas do genocídio e até mesmo pessoas que assumiram a autoria dos mais chocantes homicídios cometidos durante a Guerra Civil de Ruanda. “Se perdoei o assassino do meu marido por que não aceitaria aqueles que cometeram outros crimes?”, questiona, incitando reflexão.

Seringueira garante estabilidade ao produtor

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Seringais despontam como negócio rentável no Noroeste do Paraná

Lucro com a cultura é de R$ 1,8 mil por hectare ao mês (Foto: Reprodução)

Ideal para o solo do Noroeste do Paraná, a seringueira desponta como alternativa de produção e garantia de estabilidade ao produtor. A partir do oitavo ano, lucro com a cultura é de pelo menos R$ 1,8 mil por hectare ao mês.

A seis quilômetros de Paranapoema, em uma região dominada por pastos e canaviais, uma propriedade inspira ao exótico. É a Fazenda Guanabara, onde José Aparecido da Costa coordena o plantio de milhares de seringueiras bem distribuídas em centenas de alqueires. “Começamos o plantio em 1988, mas plantamos bastante também em 2002. Todo ano ocupamos cerca de 60 hectares com novas mudas”, explica Costa em tom de satisfação, apontando no horizonte um paredão formado por centenas de árvores.

Quilo da borracha é comercializado por R$ 1,85 (Foto: Reprodução)

A heveicultura é perene, mas realmente lucrativa. O plantio médio de 1210 árvores por alqueire rende ao produtor cerca de mil quilos de borracha do tipo cernambi virgem prensado (CVB). “Cada quilo é vendido por R$ 1,85, o que significa R$ 1850 por alqueire. Se o produtor preferir comercializar a borracha seca já beneficiada, ele pode lucrar facilmente R$ 4,20 por quilo”, destaca o coordenador de produtividade.

Para a produção de látex, o clone ideal é o RRIM 600, importado da Malásia, o mesmo usado também no Estado de São Paulo. “Outros clones têm qualidade inferior, então esse é o melhor”, assegura e acrescenta que a produtividade depende muito do trabalho profissional, pois sem conhecimento técnico o prejuízo pode ser grande.

Com as mudas prontas, o processo produtivo começa depois de seis anos. “Se a pessoa tiver só as sementes leva dois anos para prepará-las, totalizando oito anos até o início da produção”, explica Costa, lembrando que é preciso ser esperto e poupar tempo.

A seringueira é uma cultura de longo prazo que exige investimento inicial de R$ 4 a R$ 7 mil por hectare. “Se o produtor pagar R$ 3 por muda, ele vai gastar R$ 4,5 mil no total. Só que o plantio em si não fica caro porque não exige um solo muito fértil”, afirma Costa. Segundo o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), o solo da região Noroeste do Paraná é considerado um dos melhores para o cultivo da seringueira.

José Aparecido justifica a afirmação do Iapar mostrando várias árvores saudáveis plantadas em meio aos cafezais danificados pelos nematoides. “Mesmo com essa praga, não tivemos problema nem na formação da seringueira e nem na extração do látex”, ressalta.

Além disso, a heveicultura pode proporcionar mais lucro para o pequeno do que para o grande produtor. José Aparecido da Costa, com a experiência de mais de 20 anos cultivando seringueiras, relata que quem tem uma propriedade pequena pode extrair o látex durante o ano todo.

“Os grandes produtores não gozam desse privilégio porque precisam dar férias aos funcionários, interrompendo a produção por dois meses”, revela. Em uma área de cinco mil seringueiras, duas pessoas dão conta de toda a produção. “Rende cinco toneladas de borracha por mês e um lucro de pelo menos R$ 9 mil”, enfatiza.

Área pode ser ocupada por outras culturas

Um dos grandes benefícios da heveicultura é a possibilidade do produtor aproveitar a mesma área para investir em outras culturas. “Entre as seringueiras, você pode cultivar milho, arroz, feijão, soja, algodão, palmito, etc. Só não pode mandioca, mamona e mamão. Essas três não têm uma adaptação boa com a seringueira, daí surgem fungos”, informa o coordenador de produtividade da Fazenda Guanabara, José Aparecido da Costa, que planta café nas entrelinhas dos seringais.

Seringais podem dividir espaço com outras culturas (Foto: Reprodução)

O padrão de plantio de cada árvore é de 8 x 2,5  m², deixando uma área livre de 20 m². Contudo, hoje em dia já se faz o plantio de 7 x 2,5 m² para aproveitar melhor a área. José Aparecido conta que a maior parte da borracha produzida no Paraná é enviada para São Paulo.

“A demanda lá é muito grande, tanto que eles buscam a borracha sem cobrar pelo transporte”, declara. O único ponto negativo da seringueira é a incidência de fungos. Segundo Costa, com a devida qualificação, o próprio sangrador recupera rapidamente a árvore. “O custo é baixo e faz valer a pena”, comenta.

Saiba mais

A Hevea-Tec, maior produtora de mudas de seringueira do Estado de São Paulo, fornece mudas gratuitamente para quem quer investir na heveicultura. Antes o interessado deve firmar um contrato com a empresa se comprometendo a fornecer todo o látex produzido.

Dona Maria e o carrinho branco

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Dona Maria criou nove filhos com a renda de um carrinho de doces

Dona Maria em frente ao companheiro de longa data (Foto: David Arioch)

Abandonada pelo marido na juventude, a vendedora ambulante Maria Vieira dos Santos, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, conseguiu se reerguer e sozinha criou nove filhos com a renda de um carrinho branco de doces.

No início da década de 1970, Dona Maria, como é mais conhecida, trabalhou como diarista e lavadeira. À época, era mal remunerada. Recebia o equivalente a R$ 2,50 para lavar dois sacos grandes de roupa que pesavam cerca de 20 kg. Para a mulher que falava das dificuldades do passado com um sorriso tímido, era inevitável mostrar os calos remanescentes, lembranças de uma fase de agruras.

Quando atuava como diarista era muito comum Dona Maria iniciar a jornada de trabalho às 6h e retornar para casa somente à noite, carregando no bolso um punhado de notas que garantia a subsistência da família. Na moeda de hoje, não passaria de R$ 5. Quando não ofereciam alimentação no serviço, Maria ficava sem comer.

Além do trabalho pesado e dos nove filhos pequenos para criar, ela teve de lidar com a indiferença do marido, alguém que passava o dia em casa, desinteressado em procurar emprego. Um dia, sem avisar, o homem foi embora para o Mato Grosso. A situação ficou tão difícil que teve dúvidas sobre o que fazer da vida, então surgiu uma oportunidade. “Minha irmã que vivia em São Paulo adoeceu. Pediu que eu fosse até lá visitá-la. Quando cheguei, vi um negócio compridinho de diversas cores. O marido de minha irmã falou que chamava ‘gelinho’, então decidi trazer a Paranavaí”, relembrou.

O cunhado de Dona Maria comprou 10 mil saquinhos para geladinho e 10 litros de liga para o preparo. “Quando cheguei aqui, percebi que ninguém nunca tinha visto geladinho. O problema era que eu não tinha um freezer para conservá-los”, reiterou. Solidários com a situação, alguns amigos compraram o refrigerador. “Me deram o freezer e falaram que eu iria pagar com as vendas. Foi o que aconteceu, paguei cada centavo”, destacou orgulhosa. A princípio, se limitou a comercializar geladinhos, até que encontrou um amigo disposto a trocar um carrinho de doces por uma bicicleta.

Já com o novo veículo, Dona Maria comercializou uma grande gama de produtos ao preço de dez a cinquenta centavos. Chips, geladinho, goma de mascar, cocada, doce de abóbora, mariola, maria-mole, bala, pirulito e muitos outros que sempre estiveram alinhados cuidadosamente por trás da vidraça do velho companheiro. “Graças a esse carrinho, consegui comprar uma casa e criar meus nove filhos. São seis mulheres e três homens”, enfatizou.

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Desde 1974, a vendedora estacionava o velho carrinho branco em frente ao Colégio Estadual Sílvio Vidal. “Vi muitas crianças se formarem nesse colégio, inclusive os meus filhos. Os pais daqueles que hoje estudam aqui também compravam doces comigo”, revelou. Infelizmente, após mais de 30 anos dedicados a mesma atividade, em dezembro de 2008, Maria Vieira dos Santos foi vítima de um ataque cardíaco, mal que a separou do carrinho branco, da família, amigos e estudantes do Sílvio Vidal. Hoje, Madalena Vieira dos Santos, uma das filhas de Dona Maria, é quem com a parceria do velho carrinho branco dá continuidade ao legado da mãe.

Saiba mais

A reportagem acima homenageia a bem-humorada mineira Maria Vieira dos Santos, a quem tive o prazer de entrevistar em 2006/2007. É uma personalidade que faz parte da história de milhares de pessoas, principalmente na infância, que estudaram no Colégio Estadual Sílvio Vidal.

No dia da entrevista, Dona Maria disse uma frase inesquecível e que fez jus à sua personalidade aguerrida e perseverante. “Sinto uma paz de espírito muito grande quando estou trabalhando. Me falaram que eu já devia ter parado, mas eu digo que enquanto estiver mexendo as pernas vou continuar.”

A vendedora Maria Vieira dos Santos começou a trabalhar no campo com oito anos de idade. Atuou nas lavouras de mamona, algodão, arroz e feijão.

Atendia em média 80 crianças e adolescentes todos os dias e foi pioneira na comercialização de geladinhos em Paranavaí. Segundo ela, na década de 1970 os sabores que mais atraíam as crianças eram menta, uva, groselha e abacaxi.