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Um dos momentos únicos do Femup
18 de novembro – Um dos momentos únicos do Femup, o festival de música, poesia e contos mais antigo do Brasil, que já passou dos 50 anos.
Mais uma vez, tive o privilégio de reencontrar e conhecer artistas de todas as regiões do Brasil.
Na foto, depois de mediar um bate-papo literário com os autores, eu (à direita) com a atriz e declamadora Gislaine Pinheiro e com os escritores Eder Rodrigues e Altair Cirilo. Ou seja, eu e três feras que fazem da cultura uma bandeira de luta.
Renato Frata, entre contos e crônicas
“Arrisquei fazer os primeiros textos poéticos. Gostei, continuei e senti vontade de escrever textos corridos”
Foi na puberdade, quando se apaixonou pela primeira vez, que o escritor e advogado Renato Benvindo Frata, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, rascunhou alguns versos. Influenciado pelo pai e pelo irmão, assíduos leitores, ele descobriu na leitura um dos maiores prazeres da vida. “Então arrisquei fazer os primeiros textos poéticos. Gostei, continuei e senti vontade de escrever textos corridos”, relata.
O primeiro conto, “Pá de Polenta”, foi premiado na década de 1990 no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), 20 anos depois de escrito. “Produzi uma extensão maior desse conto e o transformei em um livro que retrata parte da minha infância. Depois vieram outros. ‘Reflexão dos Cinquenta’, por exemplo, foi a primeira obra de um escritor de Paranavaí a ser publicada por um projeto da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná”, conta.
Em 1999, Frata escreveu o conto infantil “O Sapo Chorão”, lançado pelo projeto Aluno Especial, da Secretaria da Educação de Paranavaí. “Fiz o texto e ele foi ilustrado por alunos de classes especiais. Fiquei muito satisfeito porque uma garotinha de Graciosa [distrito de Paranavaí], que tinha dificuldade de memorização, conseguiu captar a intenção do conto e o ilustrou de forma bastante singela, limpa. A obra foi editada com os desenhos dela”, informa.
Em 2009, o escritor lançou o livro “O Cavalariço e a Rainha Roxa”, que recebeu o Prêmio Clarice Lispector no 7º Concurso Literário Internacional da União Brasileira de Escritores (UBE), no Rio de Janeiro. Na história, há um confronto entre a cultura e a condição financeira dos personagens. “Ela era uma rainha triste e ele era um cavalariço sonhador. E através de sua capacidade intelectual, ele consegue conquistá-la. “Fiquei muito feliz com esse prêmio porque a UBE é um expoente literário e trabalha em parceria com a Academia Brasileira de Letras”, comenta.
Frata publicou também “Quarto de Solteiro”, que traz 60 crônicas da época em que saiu de casa para sedimentar a vida profissional, além de outras 40 crônicas sobre o cotidiano. É uma obra que o marcou muito, com histórias que remetem às décadas de 1960 e 1970. Na sequência, vieram “O Ipê Amarelo”, conto que garantiu outro prêmio no Femup, e “O Azarinho e o Caga Fogo”, premiado em Paranavaí e em Curitiba. “O trabalho com a literatura infantil é complicado porque a cabeça da criança é muito diferente da nossa. Não é fácil”, argumenta.
De literatura infantil, Frata cita ainda os livros “O Sapo Chorão”, publicado em duas versões, “Coração Alegria” e “Gato Tiziu”, escrito em parceria com o neto. Na semana passada, o escritor lançou “200 Microcontos…e mais alguns” na 3ª Festa Literária Internacional de Maringá (Flim). “Um verdadeiro desafio. Eu nunca tinha feito isso. Foi um exercício estafante porque o livro saiu em menos de dois meses. Mas fiquei contente pela receptividade. Algumas professoras de Maringá me convidaram para ministrar oficinas para alunos do ensino fundamental. Sei que há coisas a se considerar, mas parece-me que saiu um livro gostoso de se ler”, avalia, em referência à obra em que cada microconto tem cerca de 140 caracteres.
Depois de 16 livros lançados, o escritor mantém-se animado. Confidencia que está editando mais dois livros de contos e crônicas. “Vamos fazendo por diletantismo. A minha motivação é a vida e uma família que, graças a Deus, segue inteira, sem nenhuma cisão. Sou casado há mais de 46 anos e minha esposa Helena me ajuda muito nesse processo”, pondera o escritor que possui sete Barrigudas, troféu-símbolo do Festival de Música e Poesia de Paranavaí, além de premiações em Maringá, Cornélio Procópio, São Paulo e Rio de Janeiro.
Sobre a inspiração para escrever, Renato Frata esclarece que suas obras surgem a partir de suas memórias ou relatos de amigos e conhecidos. “Tudo vem de um intercâmbio de ideias. Eu gostaria de editar todos os meus trabalhos. Tenho uma quantidade razoável de obras que rendem pelo menos mais dois ou três livros de contos e crônicas”, revela.
O escritor qualifica como muito gratificante as ocasiões em que é reconhecido pelos seus textos literários. Um dia, visitando o túmulo de seus pais, um senhor o abordou e disse que era seu fã. “Falou que guardava todas as minhas crônicas que saíam em jornais e revistas. Uma experiência que faz o trabalho de um escritor valer a pena. Para quem escreve, leitores sempre serão mais importantes do que qualquer prêmio”, enfatiza.
No dia 27, o livro “200 Microcontos…e mais alguns”, de Renato Frata, vai ser lançado às 20h no 1º Sarau da Academia de Letras e Artes de Paranavaí no Lions Clube. “Na mesma noite, serão premiados os vencedores do concurso de microcontos e poemas que versam sobre a doação de órgãos. Recebemos mais de 600 trabalhos. Foi uma experiência muito interessante”, declara Frata que é presidente de honra da academia, atualmente presidida por José Cauneto.
Microconto “Infância”
À beira da calçada, o copo com água e sabão e a haste de arame envergado faziam sonhos, felicidade, magia. Todos assoprados nas bolhas de sabão. (Página 3)
Saiba Mais
Renato Frata já publicou 16 livros de contos e crônicas. O escritor nascido no interior de São Paulo se mudou para o Paraná com apenas cinco anos, então se considera paranaense e paranavaiense.
Frase do escritor Renato Frata
“Simpatizo muito com trovas, porém não tenho o hábito de fazer. Acredito que me dou melhor com a crônica.”
Há diferenças entre viver na época da ditadura e entendê-la enquanto poder político
Analfabetismo no Brasil da década de 1960 chegava a 60 e até 70% em muitos estados
Me sinto deslocado quando encontro pessoas enaltecendo a ditadura como se tivesse sido um período majestoso e edênico. “Meu pai, minha mãe, meu avô, minha avó, meu tio, minha tia e tantos outros contam que só apanhava na época da ditadura quem era bandido”, dizem muitos.
Francamente? Todo mundo tem alguém na família que diz isso e não é algo que me surpreenda porque interpreto de uma forma completamente diferente. Eles não reclamavam e ainda não reclamam da ditadura porque na realidade não se importavam muito com os rumos da política brasileira. Também gozavam de pouco entendimento sobre as responsabilidades de se viver em sociedade.
O individualismo naquela época já era uma coisa aberrante e foi exatamente isso que fez com que a ditadura perdurasse por 21 anos no Brasil. Ademais, tinha uma face sombria e uma néscia. A sombria era encampada por aqueles que se beneficiavam do sistema político vigente, e a néscia era a dos menos instruídos ou incultos que tinham linha de raciocínio azêmola e solene, e por assim dizer até macabra de que “se o governo não me incomoda, tudo está perfeito, mesmo que pessoas morram à minha volta”.
A verdade que vejo pouca gente divulgando nos debates sobre o assunto é que nos tempos da ditadura militar havia uma grande massa de pessoas que não se importavam realmente com a democracia ou a liberdade de expressão. Muitos nem sabiam o significado dessas palavras, o que é aceitável, levando em conta que o analfabetismo no Brasil da década de 1960 chegava a 60 e até 70% em muitos estados, segundo o IBGE.
Por isso grande parcela da população brasileira da atualidade não teve e não tem familiar que foi perseguido nessa época, o que é muito normal, levando em conta que quando a ditadura chegou ao fim o Brasil contava com mais de 136 milhões de pessoas. E tudo isso pode ser usado para reforçar o discurso falseado de que só os “piores cidadãos” eram perseguidos pelos militares. A mim. isso significa algo bem simples. O que veio depois não foi graças ao esforço da maioria, o que na minha modesta opinião endossa mais ainda as histórias de luta de quem seguiu na contramão da obviedade.
Pondero que ter vivido na época da ditadura e tê-la compreendido na essência são coisas completamente diferentes. Conheço muitos idosos que a enaltecem, inclusive da minha família, mas esses não desempenhavam atividades intelectuais, culturais, artísticas ou econômicas que pudessem ser cerceadas. Sendo assim, considero no mínimo incoerente citar um familiar que pouco ou nada contribuiu para os rumos da democracia no Brasil, mesmo que não exercida na sua plena funcionalidade.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tivemos até obras musicais e poemas censurados no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), principalmente nas décadas de 1960 e 1970, porque o Dops suspeitou que havia conteúdo subversivo nos trabalhos enviados, o que não era verdade. E são pessoas que qualificam a ditadura militar como revolução que falam mal de ditadores. Ou seja, um entranhado e estrambólico paradoxo.
Além disso, acredito que embora o Golpe de 1964 tenha sido colocado em prática como uma promessa de transformar o Brasil em um país do futuro, o que ele fez foi instituir uma retrógrada forma de colonialismo baseada em relações de trabalho fundamentadas no barateamento e precarização da mão de obra, o que já acontecia na Europa e nos Estados Unidos na década de 1920.
Ou seja, inspirados na velha Doutrina Góes Monteiro, da Era Vargas, os generais fizeram com que o Brasil evoluísse sim em industrialização, não tenho dúvida disso, mas um progresso que a exemplo de outras versões beneficiou a menor parcela de brasileiros.
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Elemento Principal conquista espaço no cenário nacional de música independente
Destaque no SP Music Festival e WebFestValda, banda de Paranavaí vai gravar o primeiro álbum no icônico Da Tribo Studio
De Paranavaí, no Noroeste do Paraná, a banda Elemento Principal vem se destacando desde 2014 no cenário nacional de música independente. Com uma proposta moderna de mesclar rock, rap, reggae e MPB, Miojow, Arthur Pelego, Bana, Narbona e Mano Bell viajam para São Paulo este mês, onde, entre os dias 21 e 27, vão gravar sete músicas no icônico Da Tribo Studio, por onde já passaram bandas como Sepultura, Raimundos, Krisiun e Claustrofobia.
Três gravações fazem parte da premiação conquistada em agosto de 2015, quando o Elemento Principal ficou em segundo lugar entre mais de 600 bandas de todo o Brasil no SP Music Festival. “Vamos sair de São Paulo com o nosso primeiro álbum produzido pelo lendário Ciero, um grande produtor com 22 anos de experiência e mais de 200 discos gravados. Por enquanto o nosso maior dilema é escolher quais das nossas 15 músicas vão entrar no CD”, informa o guitarrista e vocalista Arthur Pelego.
Levando em conta que o Da Tribo Studio é especializado em rock e heavy metal, a banda optou por priorizar músicas com mais “pegada” – como “Pira”, “Pronto Pra Qualquer Parada” e “Positive Vibration”. “Nossas composições são bem agitadas e abordam bastante a questão da autoestima. Gostamos de mandar mensagens de paz e respeito. O Elemento Principal é aquilo que está em você, que te permite ter condições de fazer a diferença na vida de alguém”, destaca Arthur Pelego.
Depois de São Paulo, a banda viaja para o Rio de Janeiro, a convite da produtora do WebFestValda, o maior festival de música independente do Brasil, para a gravação de um programa veiculado no YouTube. “Vai ser uma ‘live session’ em que tocamos nossas músicas e conversamos um pouco sobre o nosso trabalho. Com certeza vem por aí mais uma experiência fantástica”, avalia o guitarrista.
Após o lançamento do álbum até julho deste ano, o Elemento Principal vai divulgar o material em todo o país e também fechar novas parcerias para a participação do grupo em festivais europeus em 2017.
Revelação no WebFestValda
Em 2014, a banda Elemento Principal foi escolhida como uma das 24 melhores de um total de 1218 inscritas no WebFestValda, o que garantiu ao grupo o direito de participar da final no Circo Voador, um dos espaços culturais mais célebres do Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia da importância da classificação, só duas bandas do Paraná foram selecionadas.
“A experiência de tocar no Valda foi incrível. Ele agrega uma grande equipe de profissionais renomados da área de produção e direção musical, e tudo a seu dispor. Outro ponto alto é o intercâmbio com artistas de todo o país. Sem dúvida, foi um momento de grande reconhecimento do nosso trabalho”, comenta o guitarrista e vocalista Arthur Pelego.
No ano passado, o Elemento Principal participou novamente do WebFestValda. Embora não tenha chegado à final, a banda foi convidada para gravar a música tema do festival. O resultado pode ser conferido no making off de 2015, disponível no YouTube.
O surgimento da banda
Formada no início de 2012, a banda Elemento Principal surgiu no Estúdio Garagem, de Paranavaí, onde o vocalista Guilherme Miojow conheceu os irmãos Arthur e Lucas Bellanda – Arthur Pelego e Mano Bell. Logo o trio apresentou a proposta de fusão de estilos musicais para o contrabaixista Fernando Bana e o guitarrista Rodrigo Narbona. “Eles concordaram em participar e estamos aí até hoje. Somos amigos e parceiros de banda”, relatam Arthur Pelego e Mano Bell.
Desde 2014, a banda tem conquistado o público com músicas como “Salve a Rua”, “Paraná”, “Como Um Sonho”, “O Bagulho é Doido”, “Sempre Mais” e “Ação e Reação”. “São músicas que falam principalmente sobre o cotidiano e a situação do país”, explicam. Em Paranavaí, o Elemento Principal foi um dos grupos que mais cativou a plateia do 50º Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), realizado no ano passado.
Formação do Elemento Principal
Guilherme Miojow – Vocal
Arthur Pelego – Guitarra e vocal
Rodrigo Narbona – Guitarra solo
Fernando Bana – Contrabaixo
Mano Bell – Bateria
Neusa Sanches conta a história do Femup
Neusa fez parte da turma de estudantes que criou um dos festivais mais antigos do Brasil em atividade
“Nós éramos a turma pioneira do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí [CEP]. Nos reunimos em 13 alunos para discutir sobre a formatura e pensamos em realizar alguma promoção”, conta a professora Neusa Sanches, uma das fundadoras do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), criado em 1966.
A princípio, por iniciativa de Osvaldo Cruz, vários estudantes cogitaram a possibilidade de fazer um baile, até que Neusa Sanches sugeriu uma noite de artes. Todos concordaram com a ideia e procuraram o professor Gomes da Silva, do Rio de Janeiro, que ministrava aos alunos um curso de oratória e liderança. “Fomos até o Hotel Elite, onde ele estava hospedado. Falamos a nossa ideia e ele achou ótima”, lembra Neusa.
A primeira sugestão da turma foi a abertura de inscrições de poemas inéditos. Como não havia categoria música, a animação do evento era feita por professores e alunos do Conservatório Nice Braga. “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva. Ele disse o seguinte: ‘Façam o primeiro festival e depois deem continuidade’. Começamos o trabalho antes das férias, em junho. Não tivemos muito tempo. Mas tudo deu certo com a orientação dele. Logo saímos às ruas colando cartazes”, relata.
O primeiro festival teve um formato elitizado, já que os convites eram vendidos para pessoas que os alunos consideravam interessadas em arte. Além dos envolvidos na organização, 50 convidados participaram da primeira edição realizada no Paranavaí Tênis Clube. Quem fez a apresentação foi o professor Ângelo Sebastião de Andrade, diretor do Colégio Estadual de Paranavaí.
Dos 16 poemas inscritos, um era “Maria Rio Bahia”, do professor Gomes da Silva.
Toda a divulgação do evento era feita a pé e o dinheiro arrecadado com a venda de convites era destinado às despesas gerais, incluindo confecção dos pequenos e simplórios troféus. Para evitar imprevistos e desorganização, como a maior parte dos estudantes trabalhava, eles assumiram o compromisso de usar a hora do almoço para contribuir na coordenação do evento. “Eu, por exemplo, fazia o curso clássico à noite e escola normal durante o dia. Ninguém tinha muito tempo. Era preciso fazer sacrifícios”, garante Neusa.
No segundo festival, que teve um público três vezes superior ao primeiro, o radialista Fernando da Silva declamou “João das Dores” e também “Maria Rio Bahia”. “Ele foi excelente e ajudou a dar uma cara popular ao festival. O segundo Femup foi realizado em parceria com o pessoal da turma do clássico do período noturno. Não tinha mais a turma da manhã. A repercussão só foi melhorando”, declara Neusa que se emociona ao se recordar do empenho do professor Gomes da Silva.
A partir do terceiro festival, ainda sob coordenação da turma pioneira do curso clássico, não houve mais cobrança de convite nem de ingresso. O 4º Femup, realizado no Cine Ouro Branco em 1969, e pela primeira vez fora do Paranavaí Tênis Clube, contou com o 1º Concurso de Contos de Paranavaí. O grande vencedor foi o escritor Paulo Marcelo Soares da Silva com o conto “O Cafezal”, publicado no Diário do Noroeste.
Desde as primeiras edições os organizadores convidavam professoras de português para participarem da comissão julgadora. “Sempre tivemos essa preocupação. A professora Maria Alice Penteado, que depois casou com o João Vitorino Franco, depois de estreitarem contato através do festival, teve importante participação na comissão de poesia”, declara Neusa Sanches.
Se nos dois primeiros festivais a participação se restringia mais a Paranavaí, a partir do terceiro o Femup começou a atrair atenção de pessoas de todo o Paraná. “Vinha muita gente de Londrina. E com a criação do concurso de contos o festival cresceu muito. Tínhamos apoio do radialista Fernando da Silva que fazia entrevistas com artistas e organizadores do Femup em horário nobre. O Diário do Noroeste e a Folha de Londrina também ajudaram muito”, garante.
Outra característica que distingue o Festival de Música e Poesia de Paranavaí de muitos outros festivais é que desde o surgimento já existia uma preocupação em publicar os trabalhos vencedores. “Começamos em 1966 com um livrinho bem simples, encadernado, até feinho, feito no mimeógrafo. Fazíamos tudo com material doado, desde a tinta até as folhas. Não tínhamos condições financeiras de ir além”, justifica Neusa, lembrando que só os quatro melhores trabalhos eram premiados.
Após décadas de envolvimento com o festival, a professora Neusa Sanches se afastou para cuidar dos filhos pequenos. “Quando me tornei professora do Colégio Estadual, eu sempre participava das comissões julgadoras de contos e poesia. Mais tarde, preferi me distanciar para não fazer um trabalho mal feito. Mas posso dizer que passei muitos anos sem perder nenhum, era macaca de auditório”, comenta às gargalhadas.
João Franco e Leonar Cardoso se emocionam ao falar do Femup
João Vitorino Franco e Leonar Araújo Cardoso também fizeram parte da primeira turma do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) que criou o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Os dois se recordam com muita emoção das primeiras edições. “Até então a gente nem pensava em festival. Queria só fazer uma atividade cultural. E a pessoa mais indicada para nos ajudar era o professor Gomes da Silva. Ele abraçou a ideia e explicou o que era preciso fazer”, conta Franco.
Leonar relata que o 1º Femup teve um público modesto, mas que serviu de estímulo para levar a iniciativa mais a sério, ampliando a qualidade do festival. “Procuramos algumas empresas de Paranavaí porque já achávamos importante fazer um troféu para entregar aos vencedores. Todos ajudaram. Só não vou citar nomes dos patrocinadores porque posso esquecer algum e ser injusto”, justifica João Vitorino.
O segundo festival trouxe novo fôlego e começou a chamar a atenção da população de Paranavaí. “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí”, comenta Leonar Cardoso. A comissão organizadora do 3º Femup foi presidida por João Franco que considera um privilégio a oportunidade de organizar um festival que hoje tem abrangência nacional e quase 50 anos. “Se tudo deu certo em 1968 é porque todos os meus colegas contribuíram. A gente ainda não tinha ideia da dimensão que o festival alcançaria. Foram anos inesquecíveis no Paranavaí Tênis Clube e Cine Ouro Branco”, avalia Franco.
Hoje, os ex-alunos do curso clássico do Colégio Estadual acham mais do que justo dizer que o mérito também é de Paranavaí. “A cidade, indireta e indiretamente, tomou consciência do festival a partir da segunda edição e se tornou muito participativa”, defende João Vitorino, lembrando que o festival não existiria hoje sem o apoio da população e da classe artística local.
Neusa Sanches, Leonar Cardoso e João Franco, que estão entre os homenageados do 50º Festival de Música e Poesia de Paranavaí, lamentam apenas a ausência de importantes nomes que ajudaram a moldar o Femup desde a primeira edição. “Dói saber que um amigo como Osvaldo Cruz, uma figura extraordinária, já não está mais entre nós. Mas a vida é assim. Também sentimos a falta de Hermenegildo Garcia que foi embora de Paranavaí há muito tempo. Ele trabalhava na Rádio Cultura e ajudou demais na divulgação. Torcemos para que o Femup nunca chegue ao fim”, declara João Franco.
Quem era o professor Gomes da Silva
O professor José Gomes da Silva, graduado em letras e professor no Rio de Janeiro, é considerado pelos criadores do Femup como a “alma do festival”. Responsável por ensinar como fazer um bom evento de artes, inclusive como julgar, morou em Paranavaí até o final do terceiro festival. “Uma das declamadoras, a Célia, se casou com ele. Numa das viagens para Curitiba, eles sofreram um acidente e caíram na serra. A Célia morreu e o professor Gomes da Silva conseguiu salvar o bebezinho deles depois de subir a serra para pedir socorro. Eu soube que ele deixou a criança no hospital e desapareceu”, confidencia a professora Neusa Sanches.
Comissão organizadora do 1º Femup
Professor José Gomes da Silva, Alzira Suguino, Clóvis Costa Cordeiro, Edna Parpinelli, Elizeu Petrelli de Vitor, Else Ravelli, Gentil Carraro, Hermenegildo Garcia, João Vitorino Franco, Juarez Echeli, Leonar Araújo Cardoso, Luiz Geraldi Sobrinho, Luiz Volzzi Neto, Mara Watanabe, Neusa Sanches, Osvaldo Cruz (In memoriam), Pedro Jardim e Terezinha Silva de Oliveira.
Vencedores do 1º Concurso de Contos de Paranavaí
Curiosidades
Na primeira edição o Femup recebeu cerca de 60 inscrições.
Em 1987, o troféu Barriguda, então feito de ferro e desenvolvido pelo artista plástico Saulo Suguimati, foi entregue pela primeira vez aos participantes que ficaram em primeiro lugar no festival.
Outra boa lembrança era frequente participação do declamador José Maria Cavalcanti.
Frases da professora Neusa Sanches
“O falecido Osvaldo Cruz era da linha de frente em 1966. Muito companheiro, assim com o Hermenegildo Garcia.”
“A Elmita Simonetti Pires era pequeninha e já declamava nas primeiras edições. Era muito bonito de se ver.”
“O Paulo Cesar de Oliveira depois injetou mais ânimo no Femup com o Grupo Gralha Azul.”
“Quando o doutor Atílio planejou criar o curso clássico em Paranavaí, a menina dos olhos dele, trouxe muita gente de fora. Veio o professor Apolo e vários outros professores de português, francês e latim que eram de Curitiba. Todos deram sua contribuição.”
“O professor Gomes da Silva foi o melhor orador que conheci na minha vida.”
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Um artista dos bastidores
Adauto Soares, do alto se sua cabine é sempre uma extensão de quem está no palco
Há oito anos, Adauto Soares é o responsável pelo Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde atua como iluminador, técnico de som, cenógrafo e maquinista. É um artista dos bastidores que leva mais vida aos espetáculos por meio de cenários, luzes e sons que manipula para transmitir sensações e sentimentos. “Tenho que me atentar ao figurino de quem está no palco. Preciso escolher a iluminação certa para transmitir a essência de um momento”, explica Soares que do alto de sua cabine é sempre uma extensão de quem está no palco.
Não é à toa que quando surge algum imprevisto ou problema na montagem de um espetáculo, Adauto é a pessoa mais procurada para resolvê-lo. Nem poderia ser diferente, pois é o único profissional da região de Paranavaí que tem o DRT, registro profissional, de todas as funções que exerce concedido pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated) do Paraná. Admirador e aluno de Jorginho de Carvalho, considerado o maior iluminador do Brasil, conhecido como “O Velho da Luz”, Soares gosta da liberdade de criação, de surpreender o público e de brincar com cores quentes e frias. “Quando o diretor de um espetáculo deixa tudo por minha conta é mais fácil, faço a minha maneira. Quando ele vem com a ideia pronta é mais complicado”, comenta e acrescenta que a criação é a parte da produção que exige mais tempo.
Todo ano, Adauto participa da realização de dezenas de eventos. Já assinou a iluminação e parceria conjunta na criação de cenários de vários espetáculos de dança. “Além do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), as apresentações de dança são as que mais me dão liberdade. Sempre digo que meu trabalho é criar a moldura no quadro do artista, deixar algo mais bonito”, declara o profissional que recebeu três excelentes propostas de trabalho, mas recusou porque prefere continuar morando em Paranavaí.
Adauto Soares também cita como referência a iluminadora Nadja Naira e a cenógrafa Isabele Bittencourt, e se recorda que foi introduzido ao universo das artes quando na adolescência morava em Curitiba. “Tinha um amigo que era relações públicas da Petrobrás e sempre conseguia ingressos para os melhores espetáculos, então a gente não perdia um, fosse de música ou teatro. Assistia peças com o Matheus Nachtergaele, Giulia Gam, Wagner Moura, Luís Melo e muitos outros”, exemplifica.
Em cada apresentação, enquanto a maioria prestava atenção aos artistas, Adauto ia além, ficava maravilhado com os detalhes cenográficos. Ainda em Curitiba, assistiu a interpretação de “Morte e Vida Severina”, do Teatro Estudantil de Paranavaí (TEP). Anos depois, retornou a Paranavaí para dar continuidade aos estudos. Em 2003, ingressou no Grupo Tasp, do Sesc, atuando na peça “Quando as Máquinas Param”, de Plínio Marcos. “Gostava de dar palpites e logo decidi não interpretar. Percebi que gostava mais dos bastidores”, admite.
Sossélla, do concretismo à poesia inominada
O poeta se inspirava no passado para transpor as barreiras do indizível
Falecido em 18 de novembro de 2003, o escritor Sérgio Rubens Sossélla deveria ocupar posição privilegiada na literatura paranaense. Um dos mais produtivos escritores do Brasil, referência em neoconcretismo e poesia marginal, tem uma bibliografia que ultrapassa 200 livros entre volumes de críticas, poemas, ensaios, crônicas e artigos de jurisprudência.
Muitas das obras de Rubens Sossélla talvez não sejam conhecidas pelo fato do escritor ter adotado uma linha de produção voltada ao autor e não ao público. Exemplos são as semânticas particulares para muitas palavras, principalmente publicar. Para Sossélla, cada publicação se embutia de um sentido paradoxal de ocultação, o que justifica porque preferia imprimir não mais que 100 exemplares de cada obra em vez de grandes tiragens.
Ao lado do amigo e também escritor paranaense Paulo Leminski, com quem cursou direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Rubens se tornou nos anos 1960 um dos grandes nomes da poesia marginal que concisa e objetiva, influenciada por fontes alheias à poesia convencional, buscava inspiração até mesmo longe da literatura.
No entanto, na década de 1970, quando Sossélla já se dedicava à literatura no interior do Paraná, onde exercia a profissão de juiz, começou a se afastar da poesia marginal e do concretismo contrário ao verso, e que privilegiava tanto o apelo sonoro quanto visual. Se desvinculou de qualquer corrente poética mais formal, assumindo uma posição de artista solitário que se refugiava em uma linha de composição cada vez mais livre, isenta de convencionalismos e mais moderna.
Tanto é que nesse período a poesia experimental do escritor assume uma linguagem mais autoral e se distancia de rótulos, não reflete apenas momentos e, mesmo que criadas como fragmentos, é melhor compreendida em um cuidadoso exercício de interpretação que depende da capacidade de ver os poemas como parte de uma mesma unidade.
Rubens Sossélla se inspirava no passado para transpor as barreiras do indizível, com um esmero estético que remetia à montagem cinematográfica. Exemplos são as obras com justaposição de imagens, páginas em branco, onde poucas palavras ou nenhuma materializam uma cena, um vazio, um silêncio, um distanciamento, um intervalo ou quem sabe uma neutralização.
No final da década de 1980, o escritor revelou em conversa com o cineasta catarinense Sylvio Back que não se preocupava com a circulação das suas obras. Para Sossélla, um poeta alheio ao grande público, a escrita lhe era um exercício de solidão, sem compromisso com os leitores. Tal pensamento conduz a ideia de que para o autor produzir era em primeiro lugar um ato existencial, de sentir-se vivo enquanto ser pensante, numa analogia ao filósofo francês René Descartes.
O pesquisador Marcelo Fernando Lima, professor doutor da Universidade Positivo, de Curitiba, conviveu com o escritor em Paranavaí nos anos 1990 e relata que anexa à residência de Rubens Sossélla conheceu a “Vila Rosa Maria”, uma biblioteca com pelo menos 30 mil obras, inúmeras mesas cobertas pelos mais variados projetos de livros de distintos gêneros. Tudo era feito simultaneamente, e entre uma escrivaninha e outra, o escritor incorporava vários autores, embora não adotasse heterônimos como fazia o português Fernando Pessoa.
Uma das célebres frases de Sossélla versa sobre a sua fonte de inspiração e faz referência aos tempos em que era um jovem freqüentador de cinema nos anos 1950. “Os grandes momentos concentram-se num apagado coadjuvante [que] encarna a coragem dos covardes, a força dos fracos, a revolta dos oprimidos, a consciência dos injustiçados”, escreveu o autor de uma bibliografia fortemente influenciada por um onirismo recheado de brevidade e ironia que o transportava à infância e adolescência.
Na juventude, o cinema o impulsionou a trabalhar com arte, tanto que se tornou crítico literário em jornais de Curitiba e lançou a obra “9 Artigos de Crítica” em 1962. Quatro anos depois, publicou o primeiro livro de poemas. A rotina dividida entre a profissão de juiz e o amor pela escrita se estendeu até 1986, quando veio a aposentadoria e decidiu se dedicar completamente a literatura, atividade da qual jamais se aposentou em mais de 40 anos de dedicação. Marcelo Fernando, estudioso da bibliografia de Sossélla, revela que em 1994 o escritor publicou 23 livros, superando 1995, ano em que produziu 21. Entretanto, o ápice foi em 1997, quando lançou 29 obras.
Fã do ator estadunidense Humphrey Bogart, de quem mantinha um grande pôster na entrada da sua doméstica sala de cinema, o escritor reunia livros sobre filmes, cartazes, roteiros, ensaios e discos de trilhas sonoras. De acordo com Lima, muitos dos livros de Rubens Sossélla têm referências cinematográficas de filmes dirigidos por John Ford, Howard Hawks e Orson Welles, além de personagens interpretados por Bogart, John Wayne, Lee Marvin e Gary Grant. O pesquisador lembra que o fascínio do escritor pelo cinema fez com que certa vez o poeta Cesar Bond qualificasse as obras de Sossélla como legendas de filmes que dependem da cumplicidade do leitor.
Alguns de seus livros mais conhecidos são “Aos Vencedores as Batalhas”, editado e lançado pela Fundação Cultural de Paranavaí; “Tatuagens de Nathannaël”, publicado pela Fundação Cultural de Curitiba; e “A Linguagem Prometida”, viabilizado pela Imprensa Oficial do Paraná. Os demais, ou seja, mais de 200 livros, foram publicados de forma independente, sem qualquer relação com editoras, fundações ou grupos de poetas. Porém, há quem acredite que Sossélla tenha produzido cerca de 370 livros de forma artesanal, como é o caso da poeta Lucy Reichenbach, de Londrina, também estudiosa do trabalho de Sossélla e divulgadora dos poemas do escritor na internet. “Ele me revelou que em apenas um ano escreveu dois mil poemas”, ressalta Marcelo Fernando Lima.
Homenagem no 46º Femup
No dia 15 de novembro de 2011, o 46º Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup) contou com a apresentação da peça “O Espetáculo Interrompido”, baseada na poesia concreta do escritor e juiz Sérgio Rubens Sossélla, que viveu até os últimos dias de vida em Paranavaí. No elenco, Gislaine Pinheiro, Ramiro Palicer, Graciele Rocha, Marcos da Cruz e Rosi Sanga. A equipe técnico foi formada pelo músico Arnaldo dos Santos, a atriz Bibiane Oliveira e o iluminador Adauto Soares. Após a peça, houve bate-papo com a professora Gersonita Elpídio dos Santos, estudiosa das obras do escritor.
Saiba Mais
Escritor e juiz aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Sérgio Rubens Sossélla nasceu em 27 de fevereiro de 1942, em Curitiba. Nos anos 1970, adotou o interior do Paraná como lar. Foi em Paranavaí que em 1986 iniciou o período mais produtivo da carreira literária.
Frase de Sérgio Rubens Sossélla
“O que sou hoje fui aprendendo na penumbra da sala suarenta, com outros no planeta Mongo, nas selvas africanas, nos poços petrolíferos, nas avenidas de Nova Iorque, no fundo dos mares, nos automóveis de corrida, nos bares dos faroestes, nos desertos, nas geleiras e nos pântanos, nas ilhas perdidas, nos bastidores dos teatros, nas redações dos jornais, nos castelos mal-assombrados, dentro dos vulcões, nos ensaios dos musicais, respirando a paixão de Cristo e a tragédia de Judas.”
Fragmento do livro de poemas Tatuagens de Nathannaël
ela atormentou
até as calmarias
de minha infância
penhorei meu relógio
e por isso me tornei
senhor e legítimo possuidor
das horas em que lhe servia
agonizo sem fim
neste inferno em mim
sou um réu sem tempo
com certidões inúteis
quando eu morrer quero ouvir
a nona sinfonia de beethoven
e reler os livros que fiquei
de levar para a ilha inviável
não me reconheço
fora do sonho
Agradecimentos
Professor doutor Marcelo Fernando Lima, de Curitiba.
Poeta Lucy Reichenbach, de Londrina.
Cineasta Sylvio Back, de Blumenau, Santa Catarina.
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“A recepção cultural começa no feto”
Domingos Pellegrini fala sobre o poder da oralidade e da leitura na construção da identidade humana
Autor de inúmeras obras literárias premiadas, entre as quais “O Caso da Chácara Chão” e “O Homem Vermelho” que venceram o Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, o londrinense Domingos Pellegrini é o escritor de todos os públicos, pois seus livros, sejam infanto-juvenis ou romances, falam com a humanidade, independente de estar representada numa figura infantil ou adulta.
Pellegrini já trabalhou como jornalista, publicitário e professor universitário, porém, há quinze anos, mesmo sem ter certeza do que o futuro lhe reservava, tomou a decisão de se dedicar ao que admite ser um dom, a criação de histórias que nascem regionais e se universalizam, brindando o leitor com um sentimento de pertencimento. Um exemplo é a obra “Terra Vermelha” que gira em torno de uma família de colonos pés-vermelhos de Londrina, numa ficção embutida de realidade que carregada de humanismo sensibiliza e desperta identificação até mesmo num camponês de uma vila islandesa.
Detentor de um estilo de escrever peculiar, claro e simplificado, mas que sempre propõe profusão reflexiva, uma subjetiva influência de escritores como o estadunidense Ernest Hemingway e os brasileiros Graciliano Ramos e Manuel Bandeira, Domingos Pellegrini é na atualidade um dos escritores mais respeitados e bem sucedidos do Brasil. Em outubro, o autor lança sua mais recente obra: “Herança de Maria”.
No dia 28 de abril, quinta-feira, às 15h, tive a oportunidade de entrevistar Pellegrini no Grande Hotel, na Rua Getúlio Vargas, em Paranavaí. O escritor se preparava para participar à noite do projeto “Autores e Ideias”, do Serviço Social do Comércio (Sesc), na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, onde dividiu o palco com a mineira Angela Lago, renomada escritora e ilustradora de literatura infantil.
Espontâneo e bem-humorado, Domingos Pellegrini transformou a entrevista em um diálogo informal com caráter de bate-papo, e tudo foi acompanhado pelo fotógrafo, artista e diretor cultural da Fundação Cultural de Paranavaí, Amauri Martineli, e também pelo artista e técnico em atividade do Sesc, Dorival Torrente. Pellegrini falou sobre muitos assuntos ao longo de mais de uma hora, como a importância da contação de histórias na infância, internet, literatura e democratização do ensino. Confira alguns trechos logo abaixo.
Levando em conta que a sua vinda a Paranavaí foi motivada por uma discussão sobre a contação de histórias e a literatura infanto-juvenil, como o senhor avalia a relação entre a descoberta do mundo na infância e a oralidade?
Eu vejo que a história oral para crianças é muito importante porque a recepção cultural começa no feto. A partir do nascimento, uma simples cantiga de ninar já começa a ditar nossas emoções e comportamentos. Com uma música de rock a criança se agita e com uma música clássica ela se acalma. Com base nisso, percebemos que a voz humana encanta e nada substitui isso, é o poder da oralidade. Quer se sentir bem? Pegue uma criança e leia para ela, isso afasta qualquer emoção ou sentimento negativo.
Partindo da ficção literária, até que ponto a oralidade contribui no processo civilizatório?
A própria contação de história é uma ação civilizatória. Quando a criança ouve um conto, nasce um sentimento de pertencimento. Ela se sente parte de uma sociedade, reconhece a sua própria língua e depois percebe que é capaz de inventar e criar. A fogueira em volta da qual as pessoas se reuniam no passado para contar histórias ainda existe, é o abajour de hoje. Cada vez mais o mundo precisa de contadores. Se o Wellington [Menezes de Oliveira], que cometeu aquele massacre no Rio de Janeiro, tivesse alguém que lhe contasse histórias, ele não se tornaria uma pessoa tão solitária, nem cometeria aquele ato.
Em um contexto sócio-cultural, o que representa o contador de histórias nos dias de hoje?
Hoje em dia, ser contador de histórias é uma profissão que exige imaginação, talento e ética, pois até os quatro anos de idade tudo que a criança absorve é a partir da oralidade. Quando ela pisca é como se virasse a página de um livro mental em um clima de cumplicidade e magia criado a partir da voz. Quanto mais uma criança ouve histórias, mais os seres imaginários são absorvidos como parte da família humana. Pelo fato de sermos os únicos animais que fazem arte de forma intencional é importante despertar logo cedo a identificação com a humanidade.
A atual literatura infanto-juvenil desempenha bem a missão de proporcionar a criança uma leitura que a permita refletir sobre a sua realidade, o mundo que a cerca?
Sim. Claro que há autores que escrevem apenas para divertir, no entanto, há muitos outros que tratam da ética. Não sou moralista, mas acredito na humanidade e na idéia de que as pessoas podem se tornar melhores. Sou da geração que tinha horizontes bem rurais em 1950, quando as pessoas viviam em um mundo limitado pelas crendices. Tudo isso mudou. O Brasil passa por uma revolução cultural que muitos outros países viveram há 150 anos, como Alemanha, Inglaterra, França e Japão. Está havendo a democratização do ensino. Temos mais pessoas alfabetizadas, mais leitores e ao contrário de antigamente acabou-se aquele pensamento de que você deveria se tornar doutor ou então não seria nada. Hoje, temos muito mais gente fazendo curso superior. Além disso, há alternativas como os cursos técnicos.
Com a popularização da internet e também das publicações virtuais, como incentivar o interesse dos mais jovens pelo livro impresso?
Eu não vejo conflito entre a internet, o livro e outras formas primitivas de fruição com as formas mais atuais, muito pelo contrário, são meios de comunicação que se complementam. Hoje, um pai pode contar uma história para o filho dormir mesmo estando a milhares de quilômetros de distância, por meio de uma webcam. É uma conquista que só é possível graças à tecnologia, à internet.
A literatura infanto-juvenil brasileira está se renovando ou se restringe mais às adaptações e readaptações de obras do passado?
Com certeza, se renova. O Brasil passa por uma revolução tecnológica e cultural que inclui a literatura infanto-juvenil. Há uma grande preocupação em se transmitir cada vez mais valores a partir de uma arte feita com beleza, criatividade, amor, imaginação e ética.
Quando o senhor descobriu o talento de escrever para públicos de todas as faixas etárias?
Decidi escrever um livro sobre uma árvore que dava dinheiro e percebi que não tinha muito a ver com o público adulto, então me direcionei ao público infanto-juvenil. “A Árvore que Dava Dinheiro”, lançado em 1981, tem enredos fantásticos em que uso metáforas para abordar problemas como inflação e estagnação econômica. A história ensina que para se conseguir dinheiro é importante trabalhar.
A autobiografia é uma de suas características mais marcantes, de que maneira isso influi na concepção de uma obra?
Comecei a escrever poemas aos 14 anos e desde então só escrevo sobre aquilo que conheço, vejo e vivo. Na obra “Terra Vermelha”, por exemplo, eu falo sobre a minha terra. Prefiro sempre mostrar as características de um personagem por meio da ação e não de adjetivos. Gosto de uma escrita mais econômica. Ainda assim o que eu faço é criar um mundo de imaginação, onde misturo realidade e ficção.
Há previsão de lançamento de alguma obra ainda este ano?
Meu último lançamento foi “Professor Milionário”, em 2009, que fala de um professor que venceu na loteria e usou o dinheiro para investir na escola em vez de se entregar ao consumismo. Mas até outubro será lançado pela Editora Leya, de Portugal, uma das maiores do mundo, o meu livro “Herança de Maria”, uma homenagem a minha mãe, uma mulher guerreira, a frente do seu tempo, que tinha autonomia em suas decisões. A obra será 30% ficção e 70% realidade.
Quais as lembranças das inúmeras vezes em que participou dos eventos culturais de Paranavaí?
Vir a Paranavaí é sempre uma experiência muito interessante. Aqui tem gente interessada em discutir, falar abertamente sobre arte. De fato, há um quociente cultural mais denso do que em outras cidades. Percebo, e não é de hoje, que Paranavaí tem uma tradição de atividades culturais. Lembro de quando estive aqui com a palestra-recital “Saques e Toques” [“Poesia para Ver, Ouvir, Sentir e Pensar” – durante o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup) de 2009] e a participação do público me surpreendeu. Naquela ocasião, abordei temas diversos como ecologia, relações humanas e cidadania.
Curiosidade
O escritor Domingos Pellegrini nasceu em 23 de julho de 1949 em Londrina, no Norte Central Paranaense.
Fundação Cultural homenageia Emir Mancia
Advogado foi um dos grandes entusiastas da arte paranavaiense
Em homenagem ao falecido advogado e artista Emir Mancia, a Fundação Cultural revitalizou uma antiga placa que carrega um fragmento do poema “Totó Guda”. A placa está exposta em frente a Casa de Cultura Carlos Drummond de Andrade e faz parte do projeto Paranavaí Cidade-Poesia que dá visibilidade ao trabalho de artistas locais.
Emir Mancia, natural de Curitiba, mas radicado em Paranavaí, foi um dos grandes colaboradores e incentivadores da arte e cultura local. Várias de suas músicas e poemas foram selecionados no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). “Ele também dirigia peças de teatro, inclusive foi o fundador do grupo Chaplin”, explica a atriz e professora de teatro, Rosi Sanga.
Embora tinha a advocacia como profissão, Emir Mancia passava muito tempo envolvido com cultura, principalmente música, literatura e teatro. Era um escritor prolífico, no entanto teve tempo de publicar apenas uma obra; “Rastros Recolhidos”, de poemas e crônicas, escrito em parceria com o escritor Roberto Kalil e publicado em 1987.
A classe artística local sempre vira Mancia como um artista polivalente. Tal dedicação fez surgir o convite para presidir a Fundação Cultural em 1988. Naquele mesmo ano, o artista abriu o Femup com uma frase histórica. “Repete-se a alegria de ver a cidade invadida por artistas desse imenso Brasil que, como aves de arribação em tempo certo, aparecem para compartilhar a imensa alegria do conto, da música e da poesia em momentos tão efêmeros, e por isso tão esperados e gratificantes”.
Além de entusiasta do Femup, Mancia foi professor de muita gente que na atualidade se destaca trabalhando com arte e instruindo outras pessoas. “Na minha primeira declamação eu ensaiei com ele”, lembra a professora de teatro. O artista movimentava a classe cultural com idéias inovadoras. Graças ao advogado surgiu em Paranavaí o Centro Cultural Chaplin. Mas, infelizmente, o artista faleceu antes de ver tudo pronto. “Então decidimos homenageá-lo dando ao teatro o nome Emir Mancia”, explica Rosi, acrescentando que Mancia ajudou a escolher o espaço e se responsabilizou pelo registro do centro cultural.
À época, o Teatro Emir Mancia, fundado em 1995, se situava ao final da Rua Rio Grande do Norte em um velho barracão de beneficiamento de café. O espaço atendeu a comunidade por um período de um ano e meio, servindo de reduto para grupos de estudo, oferecendo espetáculos e oficinas para estudantes. Toda semana era apresentada pelo menos uma peça no local. “Lembro que a Elmita Simonetti e o Adriano Morais ajudaram bastante. Realmente havia muita gente envolvida na iniciativa”, destaca Rosi Sanga.
O Centro Cultural era totalmente independente, mantido com recursos dos associados e renda dos espetáculos. Lá, foram apresentadas peças que ficaram em cartaz por um bom tempo como “Mão na Luva”, de Oduvaldo Viana Filho, dirigida por Emir Mancia; “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes; e “A Noite Escura e Mais Eu”, de Lygia Fagundes Telles. Muitas peças infantis também foram encenadas no Teatro Emir Mancia que teve de fechar as portas em função de dificuldades financeiras. “Havia muitas despesas e não conseguíamos mais pagá-las. O aluguel era bem caro”, reitera Rosi.
Segue abaixo o poema do qual foi extraído fragmento para a criação da placa em homenagem ao advogado e artista Emir Mancia
Totó Guda (Femup/1985)
Atrás do morro do Feiticeiro
na cabeceira do Coatinga
rodeoado de ipê, uvaia e cacheta
e guarimirim, no meio de sambaqui,
ergueu cabana, criou porco e galinha,
Heitor Bento e Luiza, naquele rincão guarani.
E matou-se veado, tateto, lontra e paca,
bananal crescendo, por bicho cobra vigiado,
caminho de tigre e onça,
daí tiraram o sustento, mais farinha de mandioca.
Tinhoso de rio, manhoso de mato,
filho de outro casamento, mas não enjeitado,
cresce com igual cuidado e de Deus a ajuda,
o índio caboclo, de apelido Totó Guda
Até os quinze, de corpo mirrado,
tanto remo, subida de morro, corte de gissara,
palmito às costas, aos dezesseis afamado
cerveja em casa de mulher dama
e muita lição a safado.
Em festa de Navegantes, de remo ou de vela,
pescador festejado no cerco à tainha,
matador de robalo, badejo e cardume de pescadinha.
Também na batalha diária da maré
era moço conhecido de Antonina a barra do Jacaré.
Anos que passam, águas que rolam,
rapaz feito e casador, levou mulher pro rancho,
erguido de pau-a-pique, rejuntado de sapé.
Comendo a caça abatida no armado mundéu,
mergulho na água fria, corpo pelado secando ao céu,
picura na banha fritando, no poço bonito, passou lua de mel
Mas os tempos mudaram, plantação definhou,
as crianças chegaram, bananal acabou.
Palmito não corta é lei do Governo,
a caça arribou e o peixe do rio, veneno matou.
Larga o rio vem prá cidade, com tralha e filharéu.
Trabalho é pouco na estiva da Marinha,
porisso as horas perdidas no Chiquito Bordel
Do jogo e da cachaça não larga
filhos crescem e ninguém ajuda,
biscate não tem, volta ao mar, Totó Gudá.
Na noite enluarada, bêbado e briguento,
apanha e surra João Peitudo e Nascimento.
Daí em diante, vingança jurada, à traição
Ou mão armada, só na morte a expiação, prometem os desafetos.
A Páscoa se aproxima, semana santa,
se avizinha, em noite de maré alta,
Totó Gudá as redes lança, em nome de Iemanjá
na procura de peixe bom,
prá comemorar a ressurreição do filho de Oxalá.
Na volta grande folia, na venda do pescado
em roda de amigos e até tantas a cantoria.
Perto de casa, não escapa do atentado,
da faca e da navalha, dos inimigos a autoria.
Parte pro mar, parte pro mar, Totó Guda.
Com teu peito agonizante, das ondas
verdes outro eterno viajante.
Escritor paranavaiense terá obra publicada pelo Governo do Paraná
O livro “Viagens”, de Altair Cirilo dos Santos, será lançado até o final do ano
Anualmente, a Secretaria de Estado da Cultura seleciona 40 livros de autores paranaenses a serem publicados. Este ano, um dos contemplados é o escritor Altair Cirilo dos Santos com a obra “Viagens” que reúne 50 poemas.
Altair Cirilo dos Santos conta que tudo começou no ano passado, quando recebeu apoio da Fundação Cultural para encaminhar sua obra a apreciação da Secretaria de Estado da Cultura. “Deu tudo certo e meu trabalho foi um dos escolhidos. Agradeço muito a Fundação Cultural porque sozinho seria muito difícil conseguir publicar esse livro”, explica.
Altair Cirilo reuniu vários trabalhos em um. A obra consiste em 50 poemas selecionados pelo próprio autor. “Há desde sonetos até poemas concretos. Tentei dar uma unidade ao trabalho, então peguei aqueles que foram premiados nos concursos que participei”, conta o escritor. A obra “Viagens” soma 75 páginas e deve ser publicada até o final deste ano.
Um apanhado do estilo literário de Santos nos mais diversos períodos da sua trajetória como escritor, o livro sintetiza reflexões políticas e rigor formal poético. “É preciso ter um pensamento sobre o que é poesia”, afirma Altair Cirilo que além de poeta também é cronista.
Conhecido por uma escrita heterogênea, o escritor passeia por diversas correntes literárias, influências que ele admite como referências para o surgimento de um estilo sólido e próprio de escrever. “Da prosa e da poesia posso citar Osman Lins, Rubem Fonseca, António Lobo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski, Mário de Andrade e todos os outros modernistas”, exemplifica.
O interesse de Altair Cirilo pela literatura surgiu na escola, quando visitas regulares a biblioteca despertaram o interesse por contos. “Lembro quando li pela primeira vez ‘A Terra dos Meninos Pelados’, de Graciliano Ramos’”, enfatiza. O interesse pelos contos se deu pelo fato de serem histórias curtas, algo atrativo para crianças e adolescentes. “Desde então se passou muito tempo, já faz 30 anos que escrevo. Quando a gente lê bastante o interesse por escrever sempre aparece”, assinala.
Santos teve suas primeiras obras publicadas no início dos anos 90, a mais conhecida, segundo o próprio autor, é “Passarim, Passarão”, um livro infantil lançado em 2003 que teve o apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc) e Fundação Cultural. Entre as outras obras estão “Viver Enquanto Amar”, de haicai até sonetos, “As Encruzilhadas”, “Por instantes lembrei de mim” e “Um conto, uma espada e uma sombra”. “Três das minhas obras podem ser encontradas na Biblioteca Municipal Júlia Wanderley”, revela Santos.
Altair Cirilo já participou de pelo menos 25 antologias
O escritor Altair Cirilo dos Santos tem poemas e contos publicados em pelo menos 25 antologias. Além disso, coleciona prêmios em concursos literários de todo o Brasil. “Minha primeira vitória foi em Brasília”, lembra sem esconder o sorriso nostálgico. Dentre as grandes conquistas, Altair cita o primeiro lugar na fase nacional da categoria poesia no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup) em 2005.
Diariamente, Santos escreve pelo menos um parágrafo. Tal hábito e amor pela literatura permitiu que ao longo dos anos reunisse grande volume de trabalhos inéditos. “Tenho muito material que ainda quero publicar, tanto poemas quanto contos. Penso também em escrever uma novela ou um romance”, declara. Altair Cirilo dos Santos é policial militar, escritor, graduado em letras e direito, além de membro da Academia de Letras e Artes de Paranavaí (A.L.A.P.)
Frase do escritor Altair Cirilo dos Santos
“Quem mexe com arte, sem apoio não é ninguém”