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Mãe e Filho (Ou a Vaca e o Vitelo) – Uma reflexão sobre a realidade da vaca e do bezerro
A caça
Um homem encontrou um caçador acompanhado do filho na mata. Eles arrastavam com dificuldade o cadáver de uma onça-pintada.
— Querem ajuda?
— Sim, por gentileza.
Depois de percorrerem mais de um quilômetro, pararam ao lado de uma caminhonete. O caçador pediu que o homem fotografasse ele e o filho com a onça inanimada.
— Não posso fazer isso.
— Por quê?
— Pelo mesmo motivo que esse animal jamais exibiria o seu filho aos dele como se fosse um troféu.
— Você é louco? Isso é uma onça, não uma pessoa.
— O senhor tem razão. É justamente por não ser uma pessoa que ela não faria isso. Não goza dessa estranha capacidade. A propósito, por que mataram esse animal e o que farão com ele?
— Matamos porque é matreira. Já nos avisaram que ela tem invadido chácaras, sítios e fazendas da região.
— Quem disse ao senhor?
— Um sujeito que mora naquele sítio a leste.
— Isso é intrigante.
— Por quê?
— Porque é lá que eu moro. O que pretende fazer com a onça?
— Curtir o couro, fazer um tapete, um churrasco. Dizem que carne de onça tem gosto de lombo de porco. Vamos experimentar.
— O senhor tem comida em casa?
— Sim…
— Fartura?
— Sim…
— Então por que comer a carne desse animal? O senhor já viu outro ser vivo arrancar o couro de alguém para servir apenas para limpar-lhe os pés?
— Então farei um casaco.
— Imagino que o senhor tenha blusas e jaquetas em casa…
— Farei um cobertor.
— O senhor tem passado frio atualmente?
— Não…
— Imagino.
— Amigo, farei o que eu quiser. Não me interessa sua opinião. Só aceitei ajuda para carregá-la.
— Tudo bem. Mas o que o senhor ensina ao seu filho fazendo isso?
— Ensino que é importante estar preparado pra tudo.
— Humm…
— E o senhor pensa em viver em uma área de mata fechada?
— Não…
— Então em qual circunstância seu filho teria que matar um animal desses?
— Não interessa.
— O que você aprendeu com seu pai hoje?
O menino ficou em silêncio.
— Chega dessa conversa. Vá cuidar de sua vida.
— Tudo bem, senhor.
Entre as ramagens, um filhote de onça-pintada ameaçava se aproximar.
— O senhor tem uma dívida. Se um dia aquele filhote lhe cobrar, o senhor não poderá reclamar.
O caçador riu, mas deixou a onça e partiu.
Mãe e filho
Vi uma criança chorando, forçada a ficar longe de sua mãe. Claro que ela não queria, mas não tinha forças para fazer a sua vontade prevalecer. Sua mãe também tentou se aproximar. Não adiantou. Correu para alcançar o filho. Tarde demais. Manteve os olhos no horizonte, vendo o caminhão se afastar com a criança na carroceria.
Enquanto a seguravam, parecia querer atravessar a cortina de poeira com os olhos. Balançou a cabeça e manteve a perspectiva. A observava e ela reagia. Olhos baixos e escuros, cabelos cobrindo parcialmente a fronte. Um olhar sorrateiro, o último registro daquele amor despedaçado pela violência da vida.
Ninguém chorou pela situação, só os dois que amargavam as agruras da inocência, da intransigência e da sofreguidão. Ele morreria mais cedo, a mãe morreria mais tarde depois de uma vida de servidão. Sobreviveriam as lembranças dos toques, das brincadeiras, das cabeças se tocando e se amornando. A bonomia da amamentação. Talvez o cheiro do campo, da relva. Sim, alguém de sensibilidade não esqueceria.
Mais surgiriam e mais morreriam. A história se repetiria muitas vezes no campo, quando fosse dada a ordem: “Aqui o bezerro não mama mais. Esse leite é pra vender. Pode levar!” Seria muita sorte permitir que os dois se encontrassem como pedaços de bife sobre um prato. Não! Não! Não! A morte, sob jugo humano, clama por destinos diferentes, destinos que não permitem encontros, porque quando a mãe partir os cascos da criança não existirão mais.
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Que cada um tenha o direito de fazer suas próprias escolhas
Não é difícil encontrar pessoas que criticam quem tomou a decisão de não ter filhos. E são essas pessoas que ignoram que muitos dos problemas no mundo têm relação com o fato de haver pessoas que somente colocam filhos no mundo, mas que na realidade não os educam.
Desrespeito, ausência de limites, comportamento violento, desvio de caráter, imoralidade, abandono…; não raramente isso faz parte do kit Omissão e Falta de Estrutura Familiar. Além disso, em um mundo cada vez mais populoso, não acho justo condenar pessoas que não querem ter filhos. Que cada um tenha o direito de fazer suas próprias escolhas.
De mãe para filho
Todo ano, minha mãe escreve uma carta que recebo somente no dia do meu aniversário. É uma tradição. Assim como tenho feito nos últimos anos, faço questão de compartilhar o conteúdo, afinal trata-se de um dos melhores presentes que um filho pode receber:
Sou mãe de três filhos maravilhosos. Já passamos por muitos momentos tristes. Perdemos muitas pessoas queridas, então me apeguei com Deus e meus filhos. Devo dizer que minha força vem da nossa união familiar. Aprendemos a ter gratidão por tudo, mas principalmente por aqueles que estendem a mão, semeando de alguma forma a felicidade.
Só que hoje quero falar de você, David. Hoje é seu aniversário e eu não poderia deixar de escrever uma nova carta. Hoje fiquei lembrando do dia em que o médico o mostrou para mim, tão pequenino e com dois olhos grandes que mais pareciam duas jabuticabas. Um cabelo tão preto que cintilava como se fosse veludo. E o mais incrível é que nasceu com cabelo comprido! Sim, cabeludo de verdade!
Antes de completar um ano já observava tudo ao seu redor e tentava contar histórias. Quando aprendeu a falar, todo dia narrava uma história diferente. Inventava a partir das coisas que via na rua quando saía para brincar ou passear. Já dava sinais de que seria jornalista e um dia escreveria livros.
Obrigado por ser esse filho maravilhoso, meu amigo e meu confidente. Por ser esse ser humano realmente HUMANO e generoso, sempre preocupado com os outros. Sei que se alguém te pedir um tênis na rua, e você tiver somente um par naquele momento, é capaz de você tirá-lo do pé e entregá-lo a quem pediu.
Também se preocupa com os animais como ninguém, e é assim desde criança. Tem um desapego muito grande de coisas materiais. É apaixonado pela profissão de jornalista, por história, literatura, cinema…Sempre falo que você tem o dom da palavra, da escrita. É um devorador de livros.
Está sempre disposto a escrever matérias para ajudar quem precisa. Transformou isso numa ferramenta capaz de transformar vidas. Tenho muito orgulho de você. Sou sua fã. Sou testemunha do quanto você batalha para realizar seus sonhos. Você já é um vencedor e vai conseguir tudo que você merece. Você é uma pessoa do bem. Eu sei que quando se é honesto tudo é muito difícil, mas não impossível para quem crê.
Te amo muito, meu filho.
De sua mãe, Má.
28 de setembro de 2016.
Meu pai e O Encouraçado Potemkin
No final das férias de julho de 1994, aos 10 anos, eu estava em uma locadora na Avenida Distrito Federal, em Paranavaí. Quando saí de lá, meu pai me olhou e disse: “Me consiga esse filme que lhe dou um prêmio.” Era o clássico do Cinema Revolucionário Soviético “Bronenosets Potyomkin”, conhecido no Brasil como “O Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, lançado em 1925. E assim, a partir de um desafio entre pai e filho, meu interesse por cinema apenas cresceu.
De mãe para filho
É interessante como uma carta sempre diz mais do que um e-mail ou mensagem por mídia social
No dia 28 de setembro de 2015, data do meu aniversário, recebi uma carta da minha mãe, escrita com tinta azul marinho num papel branco fino, quase transparente como sua intenção. É interessante como uma carta sempre diz mais do que um e-mail, do que uma mensagem por mídia social. Talvez o motivo seja o fato de que o próprio papel já chega até a mão embutido de um significado específico.
O formato elevado e relevado das letras parecem mais carregados de intenção e emoção, até mesmo independente da construção e combinação das palavras. Não sou um saudosista, mas há coisas e hábitos que merecem ser preservados. Como minha mãe é aquela com quem tenho o privilégio de ter o relacionamento mais longo da minha vida, faço questão de compartilhar o conteúdo que interpreto como um presente para a vida toda, mas principalmente para os momentos de dúvida. Que mais pais sejam diáfanos com os filhos como minha mãe.
“David, cada semana que passa você me surpreende mais com seu dom de pensar a vida. Você é um pensador. Tem uma capacidade rara de sabedoria e de sensibilidade em enxergar o que as outras pessoas não veem. Sei que tem um gosto muito apurado por histórias. É um apaixonado pelas letras e pela escuta. A leitura é o alimento da sua alma e tenho muito orgulho de você, do ser humano que é, algo raro hoje em dia, em um mundo onde as pessoas se preocupam apenas com si mesmas. Você é alguém que está sempre preocupado com os menos favorecidos. Abre mão de muitas coisas pelos outros. Faz o possível e o impossível para ajudar de algum modo. Sei que só não faz mais por falta de incentivo e sei também que por isso fica chateado às vezes. Só que nunca esqueça que as histórias que você escreve são as suas próprias lições de incentivo. Você é um vencedor. É incrível ver como você faz tantas coisas sozinho, sem ajuda de ninguém. Sou sua fã número 1. Te desejo toda a felicidade do mundo. Que Deus te proteja e te ilumine sempre.”
Te amo.
Sua mãe.