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“Invencível”: um filme sobre o poder de resistir

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Lançado em 2014, “Invencível” é um drama biográfico dirigido por Angelina Jolie que conta a história de Louis Zamperini (Jack O’Connell), um atleta olímpico que é enviado à Segunda Guerra Mundial para atuar em um bombardeiro dos EUA contra o Japão durante a Guerra do Pacífico.

O filme tem uma estrutura tradicionalmente linear e começa narrando a trajetória de Louie na sua infância, quando ele, filho de imigrantes italianos, passa a ser considerado uma vergonha para o pai por se envolver em pequenos furtos, brigas e outras contravenções em um contexto onde os italianos já sofriam preconceito por parte daqueles que, embora descendentes de imigrantes, apenas estavam lá há mais tempo – o que assim como ocorre no Brasil torna injustificável qualquer forma de preconceito étnico.

A fotografia do filme é bonita e somada ao cenário pacato, ensolarado e bucólico de Torrance remete às nostalgias das primeiras fases da juventude. Nesse contexto, Pete, o irmão mais velho, decide direcionar a energia de Louie para o atletismo quando o vê correndo depois de mais uma de suas transgressões.

Louie resiste, mas por força da insistência de Pete, acaba aceitando dar início a um treinamento que faria dele o atleta de maior prestígio da então cidadezinha californiana. Na adolescência, Zamperini começa a se destacar no cenário local, regional, estadual e nacional. O ápice da sua carreira é a participação nos Jogos Olímpicos de 1936 na Alemanha Nazista – onde, extasiado, e com apenas 19 anos, circulou entre as maiores estrelas dos esportes da época – ladeados por bandeiras com a suástica.

O cenário consolidado de alegrias e conquistas é ofuscado pela chegada da Segunda Guerra Mundial e sua convocação para atuar na Guerra do Pacífico. A partir daí, “Invencível” apresenta um atleta já adaptado à guerra, o que não é nada atípico em filmes hollywoodianos que costumam enaltecer ou mesmo ampliar a bravura daqueles que são elevados a heróis norte-americanos.

A realidade de Zamperini a serviço das forças armadas dos EUA se resume até determinado momento a responder às ofensivas dos japoneses a bordo de um bombardeiro, onde ele divide espaço com outros jovens com quem, mais do que armas, partilha cumplicidade, brincadeiras e temores. Mas como usual de uma guerra, alguns vêm e vão, e é isso que acontece quando, em uma nova missão e voando em um avião já sucateado por outros confrontos com os japoneses, eles caem nas águas do Pacífico Sul.

Dessa experiência, sobrevivem apenas Louie, Phil (Domhnall Gleeson) e Mac (Finn Wittrock), que tentam resistir à fome e à sede enquanto aguardam ajuda em um bote salva-vidas. Zamperini parece o mais preparado para não morrer, além de ser o que tem melhor senso de companheirismo. O que corrobora tal conclusão é que ele consegue recuperar um cantil com água e uma barra de chocolate – e sugere que eles tomem três pequenos goles de água duas vezes ao dia e comam uma porção mínima de chocolate – apenas para não morrerem de fome.

No entanto, motivado por desespero momentâneo, Mac bebe toda a água e come todo o chocolate – ignorando as necessidades dos dois companheiros. A situação então só piora. O tempo passa e a lucidez começa a dar lugar aos devaneios que resultam de uma associação entre fome, insolação e desespero. Louie continua tentando ser um ponto de equilíbrio naquele cenário de desesperança. Na luta pela sobrevivência, eles matam um tubarão e comem sua carne crua – “ assim como os japoneses”, dizem – o que não sei se realmente aconteceu.

Com o tempo, as semanas em alto mar se tornam demais para Mac que, esquálido e já desconectado da realidade, acaba morrendo e sendo lançado ao mar. Há um breve lirismo na cena, mas a falta de força de Louie e Phil – mimetizada com certo realismo – impede que façam mais do que isso. Afinal, não havia mais energia para chorar ou enlutar; apenas um pesar proporcional à situação que dizia que no próximo dia talvez já não restaria mais ninguém vivo no bote inflável.

Foram necessários 47 dias para que Louie e Phil fossem encontrados – e por japoneses. Então é iniciada uma nova etapa de sofrimento como prisioneiros de guerra. O que chama atenção também é a transformação dos personagens, extremamente magros – com a pele “quase colada aos ossos”. Suas feições não inspiram nada que não seja dor.

As consequências da guerra os transformam em farrapos humanos, e isso não é tudo. Louie e Phil são separados e encaminhados para campos de prisioneiros. A história então se concentra, mais do que nunca, em Zamperini, que conhece o cabo Watanabe (Miyavi), que faz da sua vida um inferno – o espancando e o submetendo às situações mais degradantes diante de outros prisioneiros.

A construção da relação dos dois personagens a partir da direção de Angelina Jolie é intrigante, e talvez um dos pontos mais curiosos do filme porque transmite a ideia de que, embora Zamperini seja obrigado a se submeter a Watanabe, o cabo parece temer qualquer possibilidade de inferiorização ainda que sob controle da situação – e talvez isso justifique a sua necessidade de manifestar autoridade a partir de atos de violência em muitos momentos.

Quando a situação parece não piorar mais, assim que os aliados começam a bombardear as imediações do campo, os japoneses levam os prisioneiros para uma região isolada e até então distante do alcance das tropas inimigas. O local, distinto do anterior, é um campo não apenas de prisioneiros, mas também de trabalho forçado.

Depois de viver tantos infortúnios, bem debilitado e carregando muitas marcas de violência, Louie reencontra Watanabe já promovido a sargento e é obrigado a trabalhar carregando pedras. Há um momento em que Louie sucumbe a dor e cai no chão. Ele é arrastado, sob ordens de Watanabe e obrigado a levantar uma viga e colocá-la acima da própria cabeça – caso não consiga mantê-la nessa posição, a ordem é para que o matem a tiros.

Diante de tantos olhares de outros prisioneiros, e de praticamente todos os personagens daquele cenário infausto, Louie, na cena mais simbólica do filme, consegue manter a viga com as mãos e ainda a eleva um pouco mais – como numa guerra particular com Watanabe, que em um momento de fúria, o espanca (sabendo que ele não reagiria) e o deixa no chão, sem qualquer amparo, por dias. Mas, como tantas vezes, Louie sobrevive, e provavelmente porque seguiu uma recomendação de John (Garrett Hedlund), que diz que a melhor vingança não é revidar e ser morto, mas sobreviver, sem reagir, até que a guerra chegue ao fim.

“Invencível” carrega alguns clichês comum aos filmes que contam a história de heróis norte-americanos. Em relação aos planos de filmagem, estrutura e apelo estético-cenográfico também não foge ao padrão hollywoodiano. No entanto, contagia porque traz interpretações honestas e convincentes – surpreende pelas transformações de Jack O’Connell, um britânico de Derby, interpretando um ítalo-americano em uma de suas melhores performances.

Em síntese, Angelina Jolie cumpriu o papel de contar uma história em um contexto de guerra, mas que não é exatamente sobre soldados e vitórias, ou rivalidade entre EUA e Japão, e sim sobre seres humanos – suas guerras pessoais, inseguranças, cumplicidades, cicatrizes e mais do que isso – capacidade de resistir para poder viver; porque mais do que ganhar uma guerra, o que o filme mostra é que todo soldado almeja um dia retornar para casa.