David Arioch – Jornalismo Cultural

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Psoglav, o carnívoro

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No folclore balcânico há uma criatura telúrica que chamam de Psoglav, que teria vivido em algumas regiões que hoje fazem parte da Bósnia e de Montenegro. Ganhou fama de demônio, inclusive esteticamente, pelo fato de se alimentar de carne humana, chegando a desenterrar cadáveres.

Mas Psoglav era naturalmente carnívoro, e ainda assim se popularizou como um chavelhudo, pois sua sobrevivência, vinculada a uma condição rara, o tornava dependente do consumo de carne. Com o tempo, sua história ganhou novos elementos, para reafirmarem sua “natureza demoníaca”.

Porém, se ele se alimentava de carne por uma questão incontestável de sobrevivência, deveríamos chamá-lo de demônio? Ainda mais levando em conta que nos alimentamos da carcaça de outros seres vivos por uma questão cultural e opcional, ou seja, não por uma necessidade.

 

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Written by David Arioch

September 14th, 2017 at 12:41 am

O mundo sombrio dos Irmãos Grimm

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Na versão original, os contos dos Irmãos Grimm são recheados de canibalismo, infanticídio e incesto

Wilhelm and Jacob Grimm, 1847; daguerreotype by Hermann Blow

Wilhelm and Jacob Grimm se interessaram em estudar o folclore germânico na juventude (Imagem: Hermann Blow)

Acredito que seja difícil encontrar alguém que nunca tenha lido ou ouvido algum conto dos Irmãos Grimm na infância, principalmente pela facilidade com que povoam o ideário das crianças. São histórias que se tornaram ainda mais populares depois das adaptações feitas pela Disney. A primeira e mais icônica continua sendo Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937, inspirada no conto Schneewittchen, de 1812.

Também famosos por histórias como Hänsel und Gretel (João e Maria), Rapunzel, Aschenputtel (Cinderela) e Dornröschen (A Bela Adormecida), entre outros, os alemães escreveram e editaram 35 livros. O primeiro, baseado em contos domésticos, foi publicado em 1812 com o título de Kinder- und Hausmärchen. No entanto, até hoje a questão da autoralidade nas obras dos Irmãos Grimm desperta muitas controvérsias porque suas histórias já existiam no folclore germânico e na cultura popular de outros países e regiões da Europa.

Jacob e Wilheilm Grimm cursaram direito na juventude, porém como não tinham interesse em seguir carreira, optaram por estudar o folclore germânico. Jacob foi um pouco além, se interessando também pela filologia, o estudo da linguagem através de fontes históricas. Por isso, mais do que escritores, os Irmãos Grimm foram pioneiros na aplicação de métodos científicos na pesquisa da tradição oral.

Movidos por um misto de anseio acadêmico e patriotismo, enveredaram pela pesquisa de contos folclóricos porque estavam preocupados com a preservação da cultura germânica. Assim que perceberam que havia um filão literário a ser explorado, endossado pela crescente quantidade de leitores que queriam somente ler boas histórias, os Irmãos Grimm começaram a se afastar do academicismo.

Ludwig Emil Grimm

“Eles expandiam ou suavizavam a narrativa na tentativa de fazer algum apontamento moral” (Arte: Ludwig Emil Grimm)

A primeira ação foi descartar as notas de rodapé. Também tornaram as histórias mais romanescas, claras, simples e incluíram lições de moral que pudessem ser compreendidas até por crianças, uma manobra para facilitar a aceitação dos contos e torná-los mais comerciais através da caracterização da fábula.

Com a disneyficação, as histórias dos Irmãos Grimm ganharam mais espaço no Novo Mundo. Contudo, ao final da Segunda Guerra Mundial, autoridades do alto escalão dos países aliados aproveitaram a queda do Terceiro Reich para banir por tempo indeterminado as obras dos Irmãos Grimm, alegando que seus contos influenciaram a violência praticada pelos nazistas até 1945.

O que pareceu um despautério, se levarmos em conta que seus contos eram amados por tantas crianças, começou a fazer mais sentido quando a escritora estadunidense Maria Tatar, expert em literatura infantil, germânica e folclore, publicou em 1987 o livro The Hard Facts of the Grimms’ Fairy Tales. De acordo com a autora, quem tiver interesse em ler as obras originais dos Irmãos Grimm precisa estar preparado para descrições gráficas de assassinatos, mutilações, canibalismo, infanticídio e incesto.

“Crianças são decapitadas e servidas em um ensopado para a apreciação dos pais. Há príncipes e princesas que fazem muito mais do que dormir. Meninas más são obrigadas a rolarem pelas colinas dentro de barris cravejados de unhas. E se elas recusarem, suas mãos e seios são fatiados”, informa Tatar que qualificou Wilhelm como alguém com uma visão literária mais comercial enquanto Jacob era mais acadêmico.

Versão original do Kinder- und Hausmärchen, publicado em 1812 (Foto: Museu Histórico Alemão)

Versão original do Kinder- und Hausmärchen, publicado em 1812 (Foto: Museu Histórico Alemão)

Em alguns contos dos Irmãos Grimm a violência e a sexualidade são mais explícitas do que no material oral que utilizaram como fonte. “Eles expandiam ou suavizavam a narrativa na tentativa de fazer algum apontamento moral. Às vezes fizeram mudanças bem pessoais por razões pouco claras”, declara a escritora. Na primeira edição do conto Die zwölf Brüder (Doze Irmãos), um rei misógino diz à esposa que se o décimo terceiro filho do casal for uma menina, os meninos têm de morrer.

“Eu prefiro cortar todas as suas cabeças do que deixar uma menina entre eles”, esbraveja o rei. Já na segunda edição o discurso muda quando o rei enfatiza que os meninos devem morrer para que sua filha seja a única a herdar o trono, sem qualquer concorrência.

Trecho da primeira versão de Schneewittchen (Branca de Neve), publicado em 1812

Ela caminhou até o príncipe e, feliz em vê-la, ele não conteve a alegria ao ter certeza de que ela estava viva. Então se sentaram à mesa e comeram com satisfação.   

Seu casamento foi marcado para o dia seguinte e sua mãe também foi convidada. Naquela manhã, sua mãe deu um passo em direção ao espelho e disse:

Espelho, espelho na parede,

Quem nesta terra é a mais bela de todas?

O espelho respondeu:

Você, minha rainha, é justa, é verdade.

Mas a jovem rainha

É mil vezes mais justa do que você.

Ela ficou horrorizada em ouvir aquilo, tão assustada que não foi capaz de dizer mais nada. Ainda assim o ciúme a motivou a ir ao casamento ver a jovem rainha. Quando ela chegou, viu que era a Branca de Neve. Em seguida, colocaram um par de sapatos de ferro no fogo, até brilhar em brasas, e obrigaram a velha rainha a usá-los e a dançar com eles. Seus pés ficaram terrivelmente queimados, mas ela não conseguia parar e continuou dançando até a morte.

Saiba Mais

Jacob Ludwig Carl Grimm nasceu em 4 de janeiro de 1785 e seu irmão Wilhelm Carl Grimm em 24 de fevereiro de 1786 em Hanau, a 25 quilômetros de Frankfurt. Wilhelm faleceu em Berlim em 1859 em decorrência de uma infecção. Com a morte do irmão, Jacob se tornou recluso até falecer na mesma cidade em 1863.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Grimm, Jacob; Grimm, Wilhelm. Zipes, Jack, ed. The Original Folk and Fairy Tales of the Brothers Grimm: the complete first edition (2014). Princeton: Princeton University Press.

Tatar, Maria. The Hard Facts of the Grimms’ Fairy Tales (1987). Princeton University Press.

Uma premiada Estrela da Guia

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Grupo de folia de reis mantém-se na ativa vencendo dezenas de concursos 

Comemoração é misto de religião e folclore (Foto: Aracruz)

Comemoração é misto de religião e folclore (Foto: Aracruz)

Parte de uma tradição que une religião e folclore, o grupo de folia de reis Estrela da Guia, de Paraíso do Norte, surgiu há quase 30 anos. À época, foi criado para honrar uma promessa envolvendo doença. Mas desde o princípio houve tanta dedicação que além de cumprir compromissos religiosos o grupo venceu mais de 50 concursos no Paraná.

Tudo começou na década de 1980, quando o irmão de Hilda Maria da Silva descobriu um grave problema cardíaco. “Ele foi desenganado pelo médico e começou a viver como se esperasse pela morte. Então lembrei que quando nosso pai ficou paralítico, ele fez uma promessa para os três reis magos. Deu tudo certo, e meu irmão foi curado, assim como meu pai”, conta Hilda que em seguida assumiu o compromisso de fundar o primeiro grupo de folia de reis de Paraíso do Norte.

Após a convalescença, o irmão de Hilda cumpriu a promessa de sair com a companhia de reis durante sete anos consecutivos. Gostou tanto da experiência que continuou e se tornou embaixador do grupo. “Fiquei doente pouco tempo depois. Então todos os membros do grupo se ajoelharam e assumiram um novo compromisso”, relata Maria da Silva. No dia seguinte à promessa, Hilda recebeu alta médica e passou o Natal em casa com os familiares.

Ainda com dificuldades para caminhar, a coordenadora da companhia estimulou os confrades a continuarem a tradição. Porém, antes de deixarem a casa, os membros do grupo iniciaram uma cantoria, um ato que representou o desejo de que Hilda carregasse a bandeira da companhia. “Quando a segurei, consegui andar normalmente”, garante a coordenadora que participa todos os anos de concursos de folia de reis.

Festivais

O grupo formado por 14 integrantes já conquistou mais de 50 prêmios em inúmeros municípios do Norte do Paraná. “Vencemos em Paranavaí, Maringá, Sarandi, Nova Esperança, Campo Mourão, São Tomé, Paraíso do Norte, Apucarana, entre muitas outras cidades. A gente sempre ganha algum prêmio. Significa que o nosso grupo é bem aceito”, declara Hilda. Cada concurso de folia de reis tem, em média, 30 companhias. Quando o Estrela da Guia participa de algum festival fora de Paraíso do Norte, a prefeitura se responsabiliza pelas despesas.

Três reis magos são personagens centrais dos festejos (Crédito: SECMG)

Três reis magos são personagens centrais dos festejos (Crédito: SECMG)

Qualquer pessoa pode participar do grupo que tem integrantes de 7 a 70 anos. A diversificação da faixa etária é importante para uma boa encenação que inclui saltos acrobáticos, danças, cantos e declamações. A coordenadora da companhia é a responsável pela confecção da bandeira e dos trajes de todos os membros do grupo: embaixador, contra-embaixador, bastiões e marungos (palhaços).

Doze dias de folia

O grupo de folia de reis Estrela da Guia, de Paraíso do Norte, inicia os festejos em 25 de dezembro e os encerra no dia 6 de janeiro. “Na primeira hora, eu corto um bolo, eles comem e seguem viagem”, conta a coordenadora Hilda Maria da Silva. Ao meio-dia do Natal, depois de passarem a noite em claro, cantando e batendo nas portas, os foliões param pela primeira vez. “Onde estiverem, eles deixam a bandeira e vão almoçar, retornando às 16h”, explica Hilda. Para a companhia, o mais importante não é o morador dar algo para os foliões, mas sim aceitar a bandeira dos três reis magos.

Durante a encenação que tem como trilha de fundo o som do cavaquinho, viola e caixa, o grupo Estrela da Guia já se deparou com outros grupos pelas ruas; momentos em que o duelo é inevitável. “Quando isso acontece, os palhaços se escondem. A gente canta pedindo a bandeira. Quem vencer no verso fica com ela. Enquanto isso os foliões fazem pedidos e os palhaços ficam chorando e enrolando. É uma bagunça”, frisa sorrindo Hilda Maria.

 Saiba Mais

O respeito e carinho pelo grupo Estrela da Guia é tão grande que mais de mil pessoas participam das anuais festas realizadas por Hilda Maria.

Folia de reis é um festejo folclórico de tradições cristãs que celebra o encontro dos três Reis Magos com o menino Jesus.

Os reis Baltazar, Belchior e Gaspar, guiados pela estrela de Belém, são os personagens centrais da festa trazida pelos colonos portugueses. A comemoração brasileira foi semelhante a portuguesa até o século XVII, quando o folclore de cada região do Brasil se misturou, de modo peculiar, a folia de reis.

Written by David Arioch

December 30th, 2015 at 12:03 pm

O lobo-guará e o Rio Paraná

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Rio Paraná, nascido pelo desejo do lobo-guará (Foto: Reprodução)

Um dia, o lobo-guará estava andando tranquilamente enquanto o sol brilhava sobre ele. “Eu gostaria de uma nuvem”, disse o lobo. E uma nuvem se formou sobre sua cabeça, fazendo um pouco de sombra. Ainda insatisfeito, o guará suplicou por mais nuvens, até que o céu começou a ficar tempestuoso. O calor continuou e o animal sugeriu: “Que tal um pouco de chuva?”

Logo as nuvens começaram a banhá-lo com a chuva. O lobo pediu mais e a chuva se tornou torrencial. “Eu gostaria de um córrego para colocar minhas patas”, comentou. Assim um riacho surgiu ao lado e o guará entrou para se refrescar. Cobrou mais profundidade e o riacho se transformou em um enorme rio que arrastou o lobo por suas águas.

Quando estava quase se afogando, o animal foi arremessado à margem. Ao acordar, os urubus o observavam sem se aproximar demais, na dúvida se o guará ainda respirava. “Eu não estou morto”, afirmou e se levantou rapidamente. Então as aves voaram e o deixaram em paz, ladeado pelo Rio Paraná.

Fonte: Meus avós. 

Written by David Arioch

November 22nd, 2012 at 12:53 am