David Arioch – Jornalismo Cultural

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Jornais chegavam depois de dois meses

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Atraso na entrega dos jornais deixava população alheia aos fatos mais importantes da época

Situação em Paranavaí se estendeu até 1954 (Acervo: Fundação Cultural)

Entre os anos 1940 e 1950, um problema comum vivido pela população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era a chegada de jornais dois meses depois da data de publicação. O difícil acesso a Paranavaí se encarregava de impor obstáculos à vida urbana.

Quem era acostumado a ler jornais recém-publicados teve dificuldade de se habituar a receber velhas notícias em Paranavaí. O acesso aos jornais mais importantes da época dependia de quanto tempo os distribuidores levavam para fazer a entrega. O frei alemão Henrique Wunderlich, em carta à revista alemã Karmelstimmen em 1953, frisou que em Paranavaí não havia leitos de estradas, mas trilhos escavados com tratores. Então a entrega dos jornais dependia das habilidades de motoristas que se sujeitavam a trafegar entre a mata virgem e os espaços destruídos pelas queimadas.

Quando chovia e as estradas ficavam intransitáveis, os distribuidores de jornais e revistas recorriam aos aviões. “Tive de ir muitas vezes ao antigo aeroporto para recolher as encomendas”, relatou em 2007 o falecido pioneiro catarinense Wiegando Reinke, proprietário da primeira banca de jornais e revistas de Paranavaí. Antes de 1954, a situação era mais difícil ainda, segundo Henrique Wunderlich. Os jornais eram entregues com pelo menos dois meses de atraso. “Era impossível saber o que acontecia na Alemanha. Informações sobre as eleições e a situação na Alemanha Oriental, onde havia greves, demoravam a chegar. Para piorar, nem tínhamos rádio instalado”, declarou.

Naquele tempo, quem dependia do envio de cartas para comunicar algum fato a um parente distante corria o risco da correspondência não chegar ao destino. “Às vezes, as pessoas enviavam cartas para a terra natal explicando a situação de um parente enfermo. Em alguns casos, a pessoa morria antes da carta chegar, então era algo muito complicado. A notícia era muito tardia”, explicou o pioneiro João Mariano.

Mesmo assim, as correspondências eram o principal meio de comunicação de uma população de não mais que vinte mil pessoas, marcada pela diversidade cultural e étnica. Entre os anos de 1940 e 1950, viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, neerlandeses, poloneses, russos, húngaros, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses. “Paranavaí representava bem quase todas as nações”, comentou frei Henrique. À época, o Governo Federal não permitia que os estrangeiros exaltassem a própria pátria em território nacional. “Era obrigado a desprezar tudo que não era brasileiro, inclusive um papel de carta”, disse o alemão.

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Como surgiu o Colégio Paroquial

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Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952 

Objetivo do fundador era erradicar o anafalbetismo local (Acervo: Ordem do Carmo)

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.

Escola iniciou atividades atendendo 220 alunos (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.

Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.

Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.

Prédio foi construído com ajuda da comunidade local e também da Alemanha (Acervo: Ordem do Carmo)

“Eu dava preferência para as professoras mais feias”

“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.

Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.

Uma das primeiras turmas do Paroquial (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.

Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná

Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.

O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.

Estudantes do Paroquial ficaram em primeiro lugar no Paraná em 1956 (Acervo: Ordem do Carmo)

Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.

Jardim da Infância foi criado em 1954

Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.

Jardim da Infância que mais tarde foi anexado à Escola São Vicente de Paulo (Acervo: Ordem do Carmo)

Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.

Alunos do Jardim da Infância participando do desfile de 7 de setembro (Acervo: Ordem do Carmo)

Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.

Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.

Saiba Mais

Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.

Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.

Em 1954, escolinha já oferecia educação e recreação (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.

Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.

Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.

José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.

Written by David Arioch

November 7th, 2010 at 1:51 pm

Posted in História,Paranavaí,Pioneirismo

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A cruz que evitou uma tragédia

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Cruz da Igreja São Sebastião impediu desastre de avião

Cruz que serviu de referência para um piloto que se perdeu em Paranavaí (Acervo: Ordem do Carmo)

Em fevereiro de 1953, a cruz da Igreja São Sebastião, então situada no ponto mais alto de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, serviu de referência para um avião que sobrevoava a cidade, evitando assim uma tragédia.

Em maio de 1952, o bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud, de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, ciente de que a única igrejinha de Paranavaí não atendia mais a demanda populacional, autorizou o frei alemão Ulrico Goevert a construir uma igreja matriz. “Era um assunto de urgente necessidade”, afirmou o padre no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

Naquele tempo, a cidade tinha um cruzeiro que se situava na atual Avenida Distrito Federal, esquina com a Rua Antônio Felippe, em frente a igrejinha criada em 1944 e que foi ampliada. O cruzeiro fez parte do cotidiano da comunidade local até 1952, quando foi construída a igreja matriz. “Serramos os paus do cruzeiro e fizemos a nova cruz da torre da igreja com 25 metros de altura”, lembrou o pároco alemão.

No mesmo ano, a energia elétrica chegou a Paranavaí, então a cruz que ficava no topo da igreja recebeu iluminação pública pela primeira vez. “Até então quem fornecia energia elétrica para a igreja era o pioneiro Leodegário Gomes Patriota que tinha um gerador no Posto São Cristovão”, declarou frei Ulrico.

Frei Henrique relatou o fato para a revista alemã Karmelstimmen (Acervo: Ordem do Carmo)

A cruz não servia de alento apenas aos religiosos de Paranavaí, mas também para os pilotos que se perdiam quando o mau tempo prejudicava os voos. “A nossa cruz, iluminada no alto da torre da Igreja São Sebastião, já deu um excelente resultado. Numa noite, salvou a vida de três pessoas que viajavam de avião e atravessaram uma tempestade”, escreveu o padre alemão Henrique Wunderlich para a revista alemã Karmelstimmen em 9 de fevereiro de 1953.

O piloto, que hoje ninguém sabe de onde vinha e para onde ia, ao avistar a cruz reconheceu que o lugar era uma cidade e iniciou uma série de sinalizações, na expectativa de que alguém entendesse a mensagem visual e o socorresse. Todos os moradores que tinham carros, jipes ou caminhonetes foram até o campo de aviação, onde formaram duas filas luminosas com os faróis. Sem demora, o avião que estava quase sem combustível aterrissou em segurança. Na hora do desembarque, o piloto tirou o boné e disse: “Deus com sua cruz salvou nossas vidas.”

Frase do padre alemão Ulrico Goevert

“A cruz era o ponto mais alto de Paranavaí e aos seus pés estendeu-se a cidade.”

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Histórias de Paranavaí eram publicadas em revista alemã

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Frei Ulrico Goevert começou a escrever para a Karmmelstimmen em 1958

Adalbert Deckert quem sugeriu que Ulrico Goevert escrevesse sobre Paranavaí (Foto: Ordem do Carmo)

Em 1951, logo que chegou a Paranavaí, o frei alemão Ulrico Goevert teve a ideia de relatar em um diário todos os fatos que lhe chamavam a atenção. Foi assim até o final de 1957. Um ano depois, recebeu o convite para publicar as histórias uma vez por mês na revista alemã Karmelstimmen.

Sobre a necessidade de contar alguns dos fatos mais simples até os mais complexos da história local, o padre justificou que quando um acontecimento não é registrado por escrito em pouco tempo as pessoas esquecem ou criam outras versões. Frei Ulrico começou a escrever, quem sabe, visando a preservação histórica regional que independente de época sempre contribui para a formação da identidade de um povo.

A partir das publicações na revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, o padre queria mostrar aos leitores o quão extraordinária era a jovem Paranavaí que despontava em meio a mata virgem, onde pessoas de diversas etnias conviviam com animais silvestres; um lugar onde crianças balançavam sobre os cipós que adornavam as casas. Segundo frei Ulrico, a solidariedade da população o encantava e o motivava a se sentir mais brasileiro do que alemão.

“Quando uma criança come durante o recreio escolar, sempre oferece o pão à criança mais pobre e diz: Qué um pedaço? O trabalhador mais pobre também fica feliz em dar ao companheiro um pouco da sua sopa de feijão”, escreveu o padre para a Karmelstimmen em 1958. A sugestão para publicar textos sobre Paranavaí partiu do padre provincial Adalbert Deckert, superior de frei Ulrico em Bamberg.

Boa parte dos textos publicados na revista abordou também o trabalho dos padres carmelitas. “Cumpri com muito gosto a tarefa de descrever aos leitores como foi fundada a missão em Paranavaí, além das nossas alegrias”, disse Goevert. Quando o primeiro relato foi publicado, o vigário pediu aos leitores alemães que não fossem rigorosos com o seu estilo literário. Frei Ulrico acrescentou que nunca teve intenção de escrever livros ou artigos científicos.

Modesto, o padre qualificou os próprios textos como rabiscos, talvez pelo fato de tê-los concebido com bastante pessoalidade, incluindo muitos adjetivos e comentários. Ainda assim, é perceptível que essas características agregaram mais valor aos textos, os deixando leves, cômicos e recheados de envolventes contextualizações. “Quando escreveu para os alemães, frei Ulrico não teve a preocupação de fornecer certos detalhes ou citar nomes de pessoas”, revelou frei Wilmar Santin, responsável pela tradução dos artigos publicados na revista alemã.

População de Bamberg leu muitas histórias sobre Paranavaí em 1958 (Foto: Reprodução)

Em janeiro de 1992, durante a Festa de São Sebastião, a Ordem dos Carmelitas publicou o pequeno livro “Histórias e Memórias de Paranavaí” que reúne uma compilação de textos que Ulrico Goevert escreveu para a revista Karmelstimmen.

Para a publicação da obra, Wilmar Santin fez uma profunda pesquisa para a inclusão de notas de rodapé. “O livro não é só para homenagear o frei Ulrico, mas também manter viva parte da memória histórica do povo de Paranavaí e região. Povo sem passado é povo sem futuro”, enfatizou Santin.

Saiba Mais

Livro “Memórias e Histórias de Paranavaí” foi editado pela Livraria Nossa Senhora do Carmo.

Frei Adalbert Deckert chegou a Paranavaí no dia 10 de junho de 1955 para uma visita canônica e ficou aqui até o dia 14 de julho.

Bamberg, cidade de origem da revista para a qual frei Ulrico Goevert escrevia, é um município de 70 mil habitantes.

O homem que quis devolver a noiva

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Marido descobriu que a mulher não era virgem e decidiu devolvê-la

Episódio aconteceu na antiga Igreja São Sebastião (Acervo: Fundação Cultural)

Nos anos 1950, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, não era incomum o noivo procurar o padre pedindo para anular o casamento quando descobria que a mulher não era mais virgem. O frei alemão Ulrico Goevert testemunhou tal situação na época em que era vigário da Igreja São Sebastião.

Crimes à honra eram tratados com extrema seriedade em Paranavaí há mais de cinquenta anos, provam relatos de pioneiros e registros históricos. Assim como um rapaz que desonrasse uma moça era obrigado a se casar sob pressão não apenas familiar, mas de toda uma sociedade, acontecia da moça ser devolvida pelo marido, caso tivesse mantido relações sexuais antes de receber o sacramento do matrimônio.

“Naquele tempo era muito importante se guardar cuidadosamente. Era preciso evitar se entregar”, relatou o padre alemão Ulrico Goevert no livro de sua autoria “Histórias e Memórias de Paranavaí”, publicado em 1992. No entanto, nem todo mundo resistia às tentações da carne.

Em uma ocasião, frei Ulrico recebeu a visita de um homem na Igreja São Sebastião. A primeira reação foi de estranheza ao reconhecer o rosto do rapaz de quem realizou o casamento no dia anterior. Extremamente encolerizado, o homem nem cumprimentou o padre e logo disparou: “Aqui o senhor tem novamente a mulher que me deu diante do altar. Ela não era digna de se casar.”

Frei Ulrico: “Como um mesquinho pecador pode exigir dos outros aquilo que ele mesmo não faz?” (Acervo: Ordem do Carmo)

Paciente, o padre tentou controlar a situação acalmando o homem. Em seguida, interpelou: “Como o senhor sabe que ela não é digna de se casar?” O marido disse que obrigou a mulher a confessar se era virgem ou não. Ao saber da negativa, o homem afirmou que a moça deveria casar com quem a desonrou.

Depois de ouvir as declarações, o padre perguntou se até o dia do casamento o rapaz não teve relações íntimas com mulheres. Em tom de orgulho, o marido revoltado respondeu que a situação era diferente, pois ele era homem. “Eu disse que ele não era homem coisa alguma, pois não dominou a sua paixão e entregou-se para as mulheres da vida. Como um mesquinho pecador pode exigir dos outros aquilo que ele mesmo não faz?”, questionou frei Ulrico, desvelando a hipocrisia do rapaz.

O padre sugeriu que o marido levasse a mulher para casa. O rapaz hesitou e coçou a barba enquanto os fiéis na igreja comentavam que o frei tinha razão. “Ele não olhou a mulher com afeto, mas logo a tomou pela mão e foi embora”, revelou Ulrico Goevert.

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A história de frei Estanislau

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 Hobby do frade era se aventurar na selva de Paranavaí

Frei Estanislau se mudou para Paranavaí em 1951 (Acervo: Ordem do Carmo)

Frei Estanislau é um personagem histórico de Paranavaí. Se mudou para o Noroeste do Paraná em 1951 e viveu aventuras inesquecíveis numa época em que a mata virgem envolvia a cidade.

O pernambucano Agripino José de Souza, conhecido como frei Estanislau, deixou muitas lembranças. Carismático, o frade tinha o poder de cativar os mais jovens. “Ele brincava com as crianças como se pertencesse a elas, e os pequenos o obedeciam como se fosse o pai deles”, relatou o frei alemão Ulrico Goevert no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

O frade foi noviço do frei Ulrico na Ordem do Carmo, em Recife, Pernambuco, onde recebeu o convite para vir a Paranavaí trabalhar com o frade alemão. Chegou aqui em outubro de 1951 e estranhou as dificuldades em se conseguir carne. “Só havia carne na cidade uma vez por semana”, frisou Goevert.

Foi aí que Estanislau disse ao frade alemão que conseguiria carne sem gastar nenhum centavo. No dia seguinte, o pernambucano saiu cedo e retornou às 20h. Frei Ulrico se surpreendeu ao ver a mochila cheia de aves e outros pequenos animais caçados por frei Estanislau. “Ele mesmo preparou e por vários dias tivemos uma mesa farta. Eu lhe dava licença para caçar duas vezes por mês”, revelou Goevert. Além de pássaros silvestres, o frade caçava veados, queixadas e pacas.

Um fato jamais esquecido pelo frei pernambucano foi uma caça a um grupo de macacos que comiam todo o milho da plantação de um colono local. “Acertei um dos animais e ele caiu ferido aos meus pés. Gritava igualzinho a uma criança e ainda estendia as mãozinhas ensanguentadas, pedindo ajuda. Foi terrível! Nunca mais atiro em macaco, mesmo que roubem todo o milho”, desabafou frei Estanislau quando retornou para casa.

Frade pernambucano (segundo da esquerda à direita) era ótimo caçador (Acervo: Ordem do Carmo)

A caça era o grande hobby do frade pernambucano que sempre reunia um grupo para se embrenhar na mata virgem do Noroeste Paranaense. Iam a cavalo e as caçadas duravam de dois a três dias. No entanto, um acontecimento desestimulou o frei. “Uma vez, amarramos os cavalos nas árvores e providenciamos as coisas para passar a noite. De repente, escutamos o rugido de uma onça. Ficamos muito assustados e pegamos nossas espingardas. Duas luzes esverdeadas brilharam e desapareceram”, contou frei Estanislau.

Com o susto, o frade e os companheiros não conseguiram se mover. Mais tarde, ouviram mais um esturro de onça. A experiência foi tão impactante que ninguém dormiu. Desde então, as caçadas se tornaram cada vez mais raras e o frade pernambucano nunca mais dormiu na mata.

As velas do frade 

Nos anos 1950, nenhuma casa comercial de Paranavaí vendia velas, então com a proximidade do feriado de Páscoa, o frei Estanislau teve a ideia de buscar cera na selva que cercava a cidade, onde havia muitas colmeias de abelhas silvestres. “Ele foi para o mato na Semana da Paixão. Com a ajuda de dois amigos, derrubou em dois dias uma peroba parecida com o carvalho alemão”, assinalou frei Ulrico.

Da colmeia de um metro de diâmetro que estava próxima ao topo da árvore extraíram cinco litros de mel. O restante escorreu pelo chão com o impacto da queda. Segundo o frade alemão, os três caçadores fizeram uma bola enorme com a cera derretida em uma caçarola.

Frei Estanislau (sentado à esquerda) passava até três dias na mata (Acervo: Ordem do Carmo)

“Na noite do Domingo de Ramos, o frei Estanislau voltou para casa com o rosto tão inchado que nem o reconheci. Levou muitas ferroadas. Mesmo assim, ele sorriu e disse que trouxe quase dez quilos de cera”, enfatizou Goevert. O frade pernambucano confeccionou as velas e deixou toda a igreja iluminada. Pioneiros lembram que sentiam de longe o cheiro de mel tomando conta da igreja no Domingo de Páscoa.

Um presépio à brasileira

A primeira comemoração pública de Natal realizada em Paranavaí foi preparada pelo frei Estanislau. Para a criação do presépio, o frade foi até a mata acompanhado de crianças e adolescentes para buscar matéria-prima. “Ele fez um presépio com 24 figuras de 10 cm de altura. Quando a cortina caiu durante a Missa do Galo não gostei muito do que vi. Mas percebi que a população adorou e contemplou”, salientou frei Ulrico.

Logo o frade alemão se deu conta que a obra foi feita de acordo com as tradições brasileiras. “Por ser alemão, num primeiro momento achei que muitas coisinhas não tinham nada a ver com o presépio de Belém. Depois refleti e percebi que o presépio não foi feito para um missionário alemão, e sim para o povo que mora aqui”, pontuou frei Ulrico que parabenizou o frei Estanislau durante a celebração.

Frei Estanislau, Dom Geraldo, frei Ulrico e as crianças que participaram da primeira celebração de Natal (Acervo: Ordem do Carmo)

No mesmo dia, o frade pernambucano reuniu cem crianças vestidas de branco para levarem o Menino Jesus de 40 centímetros, ladeado por duas velas, até a igreja. “Enquanto os demais cantavam ‘Noite Feliz’, de acordo com a velha melodia alemã, coloquei Jesus na manjedoura”, ressaltou o frei alemão.

Frei se dedicou à Vila Operária

Agripino José de Souza, conhecido como frei Estanislau, chegou a Paranavaí durante a Festa de Santa Terezinha, no dia 3 de outubro de 1951. Conforme informações do livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”, o frei Ulrico Goevert ficou muito feliz em recebê-lo. “No dia seguinte, fomos ao comércio comprar um fogão a prestação, utensílios para a cozinha e roupas de cama”, lembrou o frade alemão.

Frei Estanislau construiu igreja, salão de festas e paróquia da Vila Operária (Acervo: Ordem do Carmo)

Estanislau ajudou Goevert até dezembro de 1955, quando deixou a Ordem do Carmo para trabalhar no Rio de Janeiro. Retornou a Paranavaí, concluiu o ginásio na Escola Paroquial, atual Colégio Nossa Senhora do Carmo, e o clássico no Colégio Estadual de Paranavaí (CEP). Em 1970, se mudou para Curitiba, onde estudou filosofia e teologia.

Se tornou sacerdote aos 50 anos, em 16 de março de 1975. Então retornou a Paranavaí, onde se dedicou à Vila Operária. frei Estanislau construiu a igreja, o salão de festas e a paróquia do bairro. Em 1988, foi convidado a trabalhar em Querência do Norte, até que faleceu em 17 de maio de 1989. O corpo do frade foi trazido a Paranavaí e sepultado na cripta da Igreja São Sebastião.

Frases do frei Ulrico Goevert sobre o frei Estanislau

“Frei Estanislau tinha uma alma sem mácula e um coração de ouro.”

“Nunca esquecerei como preparou a primeira festa de Natal.”

“Com o seu humor sadio, me tirou muitas preocupações da cabeça. Nas dificuldades, era tão engenhoso que eu fiquei muitas vezes admirado.”