David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Funk’ tag

Living Colour e o culto da personalidade

without comments

Em 1988, o Living Colour chegou ao auge após o lançamento do álbum Vivid (Foto: Divulgação)

Em 1988, o Living Colour chegou ao auge após o lançamento do álbum Vivid (Foto: Divulgação)

Contexto – Estados Unidos da América em 1988. Quatro jovens com boa formação cultural e influências que iam do funk ao hard rock, passando pelo punk e chegando ao heavy metal, lançam o disco Vivid, até hoje aclamado como um dos melhores discos lançados nos anos 1980.

Um dos destaques do álbum é a música “Cult of Personality” que se baseia na propaganda da exaltação de virtudes com facetas políticas, religiosas e comportamentais. Mick Jagger, dos Rolling Stones descobriu a banda à época, tornando-se um dos maiores fãs dos caras, inclusive foi um dos responsáveis por alavancar o sucesso do Living Colour.

Outros clássicos do álbum são “Middle Man”, “Funny Vibe”, “Glamour Boys” e “Open Letter (to a Landlord)”. Até hoje, Vivid figura em listas do mundo todo de álbuns que marcaram a história do rock. Em 2013, o Living Colour veio ao Brasil se apresentar no Rock In Rio com a sua formação mais clássica. Quem é fã da banda, se surpreendeu com as performances eletrizantes de Vernon Reid, Corey Glover, William Calhoun e Doug Wimbish que se juntou ao Living Colour em 1992, substituindo Muzz Skillings.

Written by David Arioch

February 11th, 2016 at 11:43 pm

Funk faz jovens da Vila Alta sonharem com o sucesso  

with one comment

Adolescentes cantam sobre desejos de riqueza e a difícil realidade da periferia de Paranavaí

MC Neguin une a sonoridade do funk com a consciência social do rap (Foto: David Arioch)

MC Neguin une a sonoridade do funk com a consciência social do rap (Foto: David Arioch)

Foi numa terça-feira às 9h que estacionei o carro em frente a uma casa da Rua B, na Vila Alta, periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Danilo Medeiros França, de 15 anos, estava ansioso, sentado em uma cadeira sobre a calçada aguardando a minha chegada para uma entrevista. Como o conheço há anos, o jovem logo ficou à vontade para conversar sobre uma transformação cultural que tem chegado a todos os bairros marginalizados de Paranavaí. Estou falando da expansão do funk e o que o gênero representa para uma juventude cada vez mais suscetível ao mundo do crime e das drogas.

Na internet e nas rodinhas de discussões de quem não vive a realidade da periferia, o gênero é bastante criticado. Não faltam pessoas se empenhando em desqualificá-lo culturalmente. O acusam de ser imoral, contraventor, de objetificar as mulheres, de usar linguagem obscena, de fazer apologia ao crime e também de abordar temas superficiais. Em meio a tanto preconceito por se identificarem com um estilo musical ainda impopular em Paranavaí, jovens que moram na Vila Alta estão se unindo para mostrar que o funk vai muito além do senso comum. É um gênero com muitas ramificações e algumas surgiram da necessidade de sonhar e lutar contra a invisibilidade social.

Em Paranavaí, desde os anos 1990 o rap era o gênero preferido dos jovens da periferia, realidade que começou a mudar no final da década passada. Dois fatores podem ser apontados como determinantes para o crescente interesse local pelo funk. Um é a facilidade de acesso à internet, o que permitiu que os jovens da Vila Alta acompanhassem e se identificassem com o mundo dos funkeiros das periferias de São Paulo e Rio de Janeiro que viviam na pobreza e conquistaram o sucesso. O outro é a influência de migrantes paulistanos e cariocas que constantemente chegam aos bairros periféricos de Paranavaí. Junto com suas aspirações econômicas, ou seja, de um futuro melhor, trazem também uma bagagem cultural que desperta sonhos e admiração.

Hoje o funk é adotado por esses jovens como símbolo de contestação social. E até mais do que o rap porque tem um poder de popularização ainda maior, além de garantir um retorno financeiro mais rápido e maiores chances de ascensão social. Ainda assim, é unânime o desejo dos funkeiros da Vila Alta de Paranavaí, onde a cultura paranaense se mistura e se confunde com a paulista, de não abandonarem a periferia. “Se pudesse, ‘fechava’ lá pra São Paulo e ‘caía’ pra show. Já era! Depois é só voltar pra cá, construir uma casa e continuar morando aqui”, diz o funkeiro Danilo França, mais conhecido como MC Neguin da VL.

Garoto prodígio das rimas e considerado uma das promessas do funk local, Neguin começou a cantar com dez anos quando seu irmão mais velho lhe mostrou “os piás das quebradas mandando a letra”. “Pensei comigo: ‘Po, tenho o dom. Por que não vou cantar? Comecei aqui mesmo, também com o incentivo do MC Luan”, explica. Para “destravar”, termo que os funkeiros usam em referência ao momento em que conseguem rimar sem gaguejar, Neguin, que na época era chamado apenas de Danilo, ia todos os dias até o Bosque Municipal de Paranavaí, onde aproveitava a solitude e o anonimato garantido pela mata densa para cantar sem constrangimento.

MC Rodrigo: “O pessoal do bairro curte e incentiva pra fazer as músicas mais ‘massa’” (Foto: David Arioch)

MC Rodrigo: “O pessoal do bairro curte e incentiva pra fazer as músicas mais ‘massa’” (Foto: David Arioch)

Quando perdeu a timidez e ganhou a habilidade de fazer “rima na hora”, começou a escrever as primeiras músicas. “Quem trouxe as ideias pra gente foi o MC Caíque, de São Paulo. Ele ensinava a gente sobre o funk. Falava como era, como funcionava e incentivava a cantar. Se hoje temos isso na Vila Alta, foi graças a ele”, garante e acrescenta que o amigo retornou para São Paulo. Da primeira parceria entre MC Luan, MC Neguin e MC Caíque, nasceu a composição “Vem com nós, bandida”, uma música que convida uma moça para um passeio. “O refrão é assim: ‘Vem com nós, bandida! Vem com nós, bandida! Esbanjar de Santa Fe e se preferir na Captiva’. Fizemos essa, mas depois não quis mais saber desse funk não”, comenta Neguin que escreveu a letra quando ainda trabalhava fazendo fretes com uma carroça.

Sobre a vertente ostentação, o funkeiro gosta de falar de automóveis, motos e casas que sonha em ter um dia. Cita como exemplos Lamborghini Gallardo, carros de luxo da Mercedes-Benz e motos Honda CB 600 (Hornet), Suzuki Hayabusa, Yamaha R1 e Honda CBR 1000 Repsol. São veículos que Neguin costuma ver enquanto navega pela internet. “No mundo que a gente vive, você só existe e é respeitado pelo que tem”, destaca o adolescente, justificando porque os jovens da periferia gostam de falar de ostentação.

Enquanto converso com o funkeiro, outros garotos com idade entre 12 e 15 anos se aproximam e dão depoimentos que confirmam o fato de que conversar sobre riquezas e ouvir músicas sobre o tema faz com que se sintam melhor, esperançosos de uma vida completamente diferente da atual. “Acho que falar de riqueza atrai riqueza, né? São coisas boas”, frisa o menor da turma que usa um chinelo de cada cor e de tamanhos diferentes. De acordo com MC Neguin da VL, que atualmente está no primeiro ano do ensino médio e ocupa o tempo com cursos e oficinas gratuitos, o funk é mais uma chance de conquistar melhores oportunidades. “Com dinheiro, dá pra estudar até em faculdade particular. Respeito a gente já tem, pelo menos aqui na ‘quebrada’. Só falta o dinheiro”, pontua com uma risada expansiva.

Com apenas 15 anos, o MC tem conquistado popularidade na periferia por cantar sobre a realidade da Vila Alta. Neguin une a sonoridade do funk com a consciência social do rap. Quando o pai estava preso, costumava visitá-lo no Setor de Carceragem Temporária (Secat) da 8ª Subdivisão Policial (SDP) de Paranavaí. Lá, o adolescente ouvia histórias sobre a vida dos presos. “Comecei perguntando pro meu pai como era a vida lá dentro. Então trazia na ‘mente’, chegava aqui e ‘destravava’. Eu era muito curioso sobre a rotina desses caras”, argumenta. Uma das preferidas do MC Neguin da VL e de muitos moradores da Vila Alta é a música “Essa é a vida do Magrão” que fala de um homem que deixou Foz do Iguaçu, veio a Paranavaí praticar um assalto e acabou preso. “O Primeiro Comando da Capital [PCC] pegou o ‘bonde’ pra ir pro presídio e os outros ficaram. Daí planejaram uma fuga, houve rebelião e ele acabou morto”, confidencia Neguin.

MC Leozinho: “A gente filma, dança e se vira como pode” (Foto: David Arioch)

MC Leozinho: “A gente filma, dança e se vira como pode” (Foto: David Arioch)

Se um dia surgir uma oportunidade de gravar uma música em estúdio, o adolescente diz que “Essa é a Vida do Magrão” deve ser a primeira a ser lançada. “Vou te passar um trecho: ‘A minha coroa chora toda noite. É só decepção. E nessa vida louca é só momento de tensão. Não é fácil não. Não é fácil não’ e vai indo. Falo também da mulher dele que agora ficou sozinha”, exemplifica e ressalta que as suas maiores distrações são um caderno e uma caneta.

Além do homem conhecido como Magrão, MC Neguin da VL escreveu mais seis músicas sobre presos que estão no Secat da 8ª SDP. “O dia que cantei pra eles, alguns choraram e falaram: ‘Ô louco, que som da hora!’ Meu caminho é mostrar que o mundo do crime não vale a pena. É pura ilusão e não traz nada de bom. Por isso falo das coisas da cadeia e da vivência, principalmente quando tudo acaba mal”, defende o adolescente que escreveu 46 composições de funk em cinco anos. Cada letra levou de duas a três horas para ficar pronta.

Entre as músicas do MC que agradam principalmente os adolescentes da Vila Alta também estão “Os magnatas”, “Será que nasci pra folgar”, “Minha história em cima do funk”, “As minas do poder” e “Os mais mais da quebrada”. “Aqui em Paranavaí a gente fica mais na Vila Alta. Não temos onde ir pra mostrar o nosso funk. A chance só aparece quando tem comício, essas coisas. Daí ficamos o tempo todo perto do palco pedindo um tempinho pra cantar”, relata Neguin da VL.

O MC gosta de percorrer as ruas do bairro incentivando a garotada ociosa a “soltar a rima”. O objetivo é fazer com que percam a vergonha e se ocupem com alguma atividade que os afaste do mundo das drogas e do crime. “Vejo a molecada à toa e falo: ‘Rapaz, vamos mandar uma rima aqui pra ver’. Tem muito piá aqui com 10, 11 anos que já ‘manda bem”, avalia. Alguns ficam empolgados com a iniciativa, outros demonstram descrença. Se queixam que em Paranavaí ninguém vai querer ajudar na divulgação. “Pensam que isso só dá certo em São Paulo. Tento animar eles e digo: ‘Mas por que o Paraná não pode? Não! Isso tá errado. Tem que ter aqui também”, enfatiza Neguin.

A primeira experiência do MC se apresentando fora da Vila Alta foi no Jardim Oásis, em uma lanchonete. “Me perguntaram se não tinha putaria na música. Expliquei que não e subi pra cantar. Foi bem legal. No final, o dono da lanchonete me deu os parabéns e disse que ajudei com a freguesia”, comemora. Na Vila Alta, até quem não é afeiçoado ao funk admira o empenho de Neguin que detém o recorde de 16 minutos rimando sem parar. O funkeiro treina todos os dias e de vez em quando participa de disputas de rimas com MCs de outros bairros. “Lá no Jardim Santos Dumont, a gente geralmente marcava encontro em uma lan house. É divertido participar desses duelos”, afirma. Além da Vila Alta, o cenário do funk em Paranavaí tem representantes no Jardim Santos Dumont, Ipê, Renascer, Morumbi, Coloninha e Matarazzo.

Sem dinheiro para investir em produção profissional, Neguin da VL se reúne com Leonardo Matheus Alves, o MC Leozinho, e Rodrigo Weslley Silva Bento, o MC Rodrigo, para improvisarem nas gravações. Juntos, percorrem uma estrada de terra até chegaram ao fim do bairro, onde tiram os telefones celulares dos bolsos, entram no aplicativo MPC, selecionam uma das nove bases musicais oferecidas pelo programa e iniciam a gravação. “É fácil, mas a qualidade não é boa. A gente também coloca uns vídeos no YouTube, filmados com a câmera do celular. Conecta um cabo em uma caixa pra dar mais batida, liga o microfone e manda ver. Depois edita no Video Trim e já era. Só no improviso”, esclarece Neguin.

Neguin, Rodrigo e Leozinho se dedicam ao funk quando não estão estudando (Foto: David Arioch)

Neguin, Rodrigo e Leozinho se dedicam ao funk quando não estão estudando (Foto: David Arioch)

O que também pode ajudar o adolescente a ganhar projeção é a parceria com funkeiros de outras cidades e estados. Há pouco tempo o rapaz recebeu um convite para gravar com um conhecido grupo de São Paulo. “Ainda não posso divulgar o nome, mas a vantagem é que isso pode chamar atenção pra minha música”, acredita. Outro diferencial é que Neguin da VL mantém contato com MC G3, MC Boy do Charmes, DJ Perera e DJ Wilton, nomes famosos entre funkeiros de todo o Brasil. “Tô na luta, não posso parar não”, reforça.

“Nossa, louco aí, ó. Só escutando o MC Guimê e pá, vixi”

Quando eu estava terminando de conversar com o MC Neguin da VL, chega Rodrigo Wesley Silva Bento, o MC Rodrigo, de 15 anos, que encosta a bicicleta personalizada rente ao meio-fio. Com um cabelo trançado e um estilo inconfundível, o adolescente conta: “Comecei junto com o Neguin. Eu tinha uns 12 anos. Nossa, louco aí, ó. Só escutando o MC Guimê e pá, vixi. Curtia, né?”, lembra enquanto ajeita o corpo sobre o banco de uma bicicleta vermelha que traz no quadro uma arte feita com barbante. No bairro, a garotada usa a criatividade para se destacar das mais diversas formas. Sem dúvida, um jeito de mostrar que é possível ser original mesmo sem grana.

Rodrigo é quem produz as músicas de Neguin. Se considera um curioso e está sempre pesquisando na internet sobre edição de som. “A primeira dele que produzi foi no ano passado. Antes ele só cantava por aí, daí dei a ideia da gente gravar com o celular até surgir um recurso melhor. O pessoal do bairro curte e incentiva pra fazer as músicas mais ‘massa’”, assegura e faz questão de definir o funk do amigo como suave, ‘de boa’, ‘não pesadão’. O adolescente está aprendendo a usar o Fruity Loops Studio, um aplicativo de edição profissional. “É difícil, mas estou me esforçando. Não podemos gravar as músicas em celular pra sempre. Eu e o Danilo ajudamos um ao outro. Só que quem tem o dom para o funk é ele, né?”, avisa.

MC Luan: “Mesmo que um dia eu conquiste o meu espaço, não vou abandonar a Vila Alta” (Foto: David Arioch)

MC Luan: “Mesmo que um dia eu conquiste o meu espaço, não vou abandonar a Vila Alta” (Foto: David Arioch)

Estudante do primeiro ano do ensino médio e aluno de um curso técnico de informática, Rodrigo sonha com dias melhores. “Nos reunimos todo sábado e domingo pra cantar, gravar alguma coisa ou compartilhar o que aprendemos. Tomara que venham boas oportunidades pra gente”, frisa o jovem que tem preferência pelo funk que fala da “realidade das quebradas”. Outro adolescente, também de 15 anos, que chega animado à Rua B para falar do assunto é Leonardo Matheus Alves, o MC Leozinho. Incentivador, é o responsável por gravar alguns vídeos do MC Neguin da VL.

“Já faz um tempo que estou aí com os moleques. A gente filma, dança e se vira como pode. Tem que ajudar pra ver no que vai dar na vida aí, né, não, Neguin?”, diz sorrindo. Leozinho se esforça para divulgar o trabalho do amigo no YouTube e no Facebook. Admite que apesar das limitações técnicas fica feliz quando as pessoas curtem, compartilham e comentam os vídeos. “O funk é ‘massa’, né, ‘véi’? Curtição, né? É legal quando fala de ostentação, mas é melhor ainda quando é sobre a realidade do povo da periferia”, enfatiza.

Ao final da entrevista, quando eu estava indo embora, ouvi um homem gritando: “Danilo, chega aí! Rapidinho!” O convite era para ajudar a empurrar um carro em uma estrada de chão, no cruzamento com a Rua B. Enquanto sonha com a ostentação, Danilo Medeiros França, o MC Neguin da VL, faz questão de mostrar que quem busca o sucesso não pode virar as costas para os amigos e os problemas da comunidade. “Tem que ajudar, valorizar as origens, né?”, assinala.

“A inspiração vem da ‘quebrada’ mesmo. O que eu vejo vira letra”

Uma semana depois da primeira bateria de entrevistas com os funkeiros da Vila Alta, eu e o MC Neguin da VL deixamos a Rua B e subimos pouco mais de 500 metros até chegar a um conjunto habitacional onde mora Luan Ferreira Silva Lomes, o MC Luan da VL. Com apenas 18 anos, o funkeiro é o pioneiro do gênero na Vila Alta. Tímido, demora um pouco para se sentir à vontade, mas faz questão de esclarecer logo no início da conversa que canta porque quer ajudar a população do bairro. “Mesmo que um dia eu conquiste o meu espaço, não vou abandonar a Vila Alta. Tem muita gente necessitada aqui. A comunidade está cheia de crianças sem nada pra vestir ou comer. Meu sonho é fazer a diferença”, garante o rapaz que teve como primeira referência o MC paulistano Zóio de Gato, falecido em um acidente de trânsito aos 16 anos em 2009.

MC Neguin e MC Luan, duas referências do funk da periferia de Paranavaí (Foto: David Arioch)

MC Neguin e MC Luan, duas referências do funk da periferia de Paranavaí (Foto: David Arioch)

Há seis anos cantando funk, MC Luan é uma importante influência para Neguin da VL. Quando começou a se interessar pelo gênero, Luan foi incentivado por MC Caíque, de São Paulo, que morou um bom tempo na Vila Alta. “Falou que minhas rimas têm bastante qualidade. Aquele era um piá firmeza, hein?”, declara o rapaz que tem seis músicas bem conhecidas no bairro.

O primeiro funk do MC Luan, que cita como inspiração MC Lon, um dos ícones do funk ostentação, foi “O sabadão chegou”. Escrita há quatro anos, a música fala dos prazeres do final de semana. “Hoje a inspiração vem mais da ‘quebrada’ mesmo, da nossa realidade. O que eu vejo vira letra”, justifica. Se pudesse gravar uma de suas composições, o MC gostaria de lançar “Ela é a mais mais”, composição sobre uma moça do bairro que gosta de baladas. Quando saem pelas ruas da Vila Alta cantando, MC Luan e MC Neguin alternam rimas e beatbox. “Por enquanto improviso no celular, gravo brincando. Se um dia aparecer uma boa oportunidade, vou levantar as mãos pro céu e agradecer muito”, promete MC Luan da VL.

Letra parcial de uma música do MC Neguin da VL. A composição foi inspirada na história de um morador da periferia de Paranavaí.

“Deus, me perdoa. Entrei nessa vida simplesmente à toa. Mulheres lindas e o bolso sempre cheio. Whisky na balada e as mulheres no meio. Dinheiro fácil nem sempre é bom. Mundo das drogas, não passa de ilusão. Cheio de malote, eu nunca ligava se pegava cinco, pegava tudo e gastava. As patricinhas tudo vindo atrás. Meu poder ia crescendo a cada momento. Cheguei a ser gerente do grande movimento. Minha responsa era foda e eu não podia vacilar. Num triste dia minha casa caiu. Fecharam minha cachanga com mais de 20 fuzil. Desespero era foda, não aguentava correr. Mas ao mesmo tempo eu sabia que podia morrer. Me entreguei e hoje estou aqui dentro. São várias amizades no mundo lá dentro. Naquele mundo de mulheres, eu só tinha mulher boa. Hoje quem me faz visita é só minha coroa. Só quero sair daqui, nem vou me vingar. Deus sabe o que faz, só quero me libertar.”

Curiosidade

O VL no nome artístico dos funkeiros é uma homenagem ao bairro de origem, a Vila Alta.

Contatos

MC Neguin da VL: (44) 9750-6899

MC Luan da VL: (44) 8806-9585

Periferia, sonho, funk e invisibilidade social

without comments

Almoço rendeu um bom bate-papo com crianças e adolescentes da Vila Alta (Foto: Reprodução)

Almoço organizado por Tio Lú rendeu um bom bate-papo com crianças e adolescentes da Vila Alta (Foto: David Arioch)

Ontem, na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o artista plástico Luiz Carlos Prates de Lima, o Tio Lú, preparou um almoço para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que participam de uma oficina de artesanato em madeira. Aproveitei a oportunidade para conversar algumas horas com a garotada, já que normalmente a turma se divide no decorrer da semana.

Após o almoço, perguntei a cada um dos 15 garotos quais são seus sonhos. Eric, um garotinho de 12 anos, me respondeu com um sorriso tímido: “Ah, meu sonho mesmo é ser MC.” Então interpelei: “Sério? Que tipo de MC? Me dê um exemplo, só pra eu ter uma ideia. A resposta foi a seguinte: “Igual o MC Daleste!” Ingênuo e sonhando com um futuro melhor, Eric não sabia que o seu ídolo, MC Daleste, foi assassinado em 2013. Ficou surpreso quando contei.

Sobre o conteúdo das letras do MC, Eric disse apenas que nunca entendeu muito bem, mas que o estilo sempre o agradou pela “batida” e também porque fala de “coisas” que ele gostaria de ter um dia. Tem gente que prefere generalizar e dizer que quem gosta de funk é isso ou aquilo. Quando se conhece a realidade desses jovens, por exemplo, você percebe que a identificação com o funk tem a ver com um mundo de sonhos, a ingênua vontade do ter para poder existir. “Se eu ganhar um bom dinheiro, não serei mais humilhado”, comentou Tales, de 15 anos.

“Não tenho nada, então as pessoas não me enxergam”, disse outro garoto de 14 anos. Robson, de 12 anos, que adotou um visual de MC e descoloriu os cabelos para ficar parecido com um ídolo, explica que quando um pobre faz sucesso com funk significa que eles também têm uma chance de conseguir se destacar. O gênero também é condenado por quem vive na Vila Alta, mas lá muitos reconhecem que é sim uma forma de cultura, mesmo que famigerada, já que dita paradigmas, tendências, costumes e até mesmo linguagens.

Dos 15 garotos com quem conversei, só um me disse que acredita que um dia vai para a faculdade. Felipe, de 15 anos, que também adotou um visual de MC, gosta do estilo, mas não quer saber de virar funkeiro. Ele sonha em ser engenheiro. A maioria afirma acreditar que não vai conseguir terminar o ensino médio. “Não sei até onde vou chegar, mas aqui muitos pais falam que estudar é perda de tempo”, comenta Robson que tatuou sozinho os nomes dos pais nos braços, apesar de ter sido deixado na rua pela mãe quando tinha só três anos.

Inocência e carência

Quando eu estava indo embora, Yuri, de seis anos, e Gabriel, de oito anos, chamaram a minha atenção: “Ô tio, dá uma carona pra gente até ali em cima.” Então respondi: “Claro, podem entrar!” Yuri e Gabriel sorriram e abriram as portas do carro. Tive que estender a mão para o Yuri subir porque ele é bem pequeno. Os dois se ajeitaram no banco traseiro e começaram a rir, segurando dois pratos de plástico que levaram para participar do almoço na casa do Tio Lú.

Duas quadras depois, Gabriel falou: “É aqui, tio! A gente mora logo ali.” Os dois agradeceram, mas antes de fechar a porta, Gabriel perguntou: “Ô tio, quando é que você volta? Você vai voltar, né?” Respondi que sim e saíram rindo, balançando os pratos de plástico. O que eles queriam não era exatamente a carona, mas passear de carro, mesmo que por um minuto, e também receber mais um pouquinho de atenção antes de partirem para casa.

Written by David Arioch

February 8th, 2015 at 7:26 pm