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Gary Francione critica veganos que “celebraram” a morte de Anthony Bourdain

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Anthony Bourdain se tornou impopular entre vegetarianos e veganos por causa de suas declarações e fotos polêmicas (Foto: Reprodução)

No último final de semana, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências internacionais na luta pelos direitos animais, criticou em sua página os veganos que “celebraram” o suicídio do chef e autor Anthony Bourdain.

Bourdain era conhecido por fazer críticas a vegetarianos e veganos. Em uma entrevista concedida à Folha de S. Paulo em 2000, ele declarou que o vegetariano é uma pessoa que pede a um pintor para que faça um quadro usando apenas duas cores. “Ignorar todas as carnes, ou, pior, leite e derivados, como fazem os radicais, é inaceitável.”

No ano seguinte, ele publicou o livro “Kitchen Confidential”, em que compara vegetarianos e veganos com membros do Hezbollah, os chamando de inimigos de tudo de bom e decente no espírito humano. “Uma afronta a tudo que defendo, o puro prazer da comida”, escreveu. Bourdain também era conhecido por suas fotos provocativas em que aparece debochando de animais mortos. Paradoxalmente, o chef também dizia que ele não tinha de concordar com uma pessoa para gostar dela ou respeitá-la.

Por outro lado, os defensores de Anhony Bourdain dizem que ele se tornou mais flexível nos últimos anos, levando em conta que suas declarações mais polêmicas são da década passada. Em entrevista concedida ao Eater e publicada em 18 de abril deste ano, Bourdain afirmou que reconhece a importância das alternativas aos alimentos de origem animal, considerando principalmente a quantidade de pessoas passando fome no mundo.

Diante da grande repercussão após a morte de Bourdain, Gary Francione decidiu se manifestar a respeito, dizendo que viu um número de postagens absolutamente vis de pessoas que afirmam serem veganas celebrando a morte por suicídio de Anthony Bourdain. “Bourdain não era diferente de qualquer outro não vegano. Aqueles veganos que celebraram o suicídio de Bourdain, mas não festejaram o suicídio de seus parentes e amigos não veganos, são apenas hipócritas misantrópicos.” Ele enfatizou que nenhum vegano abolicionista deve celebrar a morte de ninguém – incluindo a morte de alguém que acabou com a própria vida por causa da depressão.

 





 

Written by David Arioch

June 12th, 2018 at 3:08 pm

Gary Francione: “Qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca?”

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“Minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim”

Francione: “é hora de examinar a justificativa moral do uso de animais” (Acervo: Abolitionist Approach)

Recentemente, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências internacionais na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “It’s time to reconsider the meaning of ‘animal welfare’”, em que, usando como exemplo o contexto britânico, ele explica como a rejeição à violência contra animais em atividades consideradas tradicionais é um indicativo de que os tempos estão mudando.

No entendimento de Francione, muitas pessoas precisam apenas dar um passo a mais para entender que vivemos em um tempo em que o chamado “bem-estarismo animal”, semeado no vórtice do antropocentrismo, deixa claro que os interesses dos animais são coadjuvantes mesmo quando os interesses humanos são baseados em pretensas ou falsas necessidades. Afinal, o “bem-estar animal” é permissivo em relação à morte de animais, desde que “não sofram demais”, o que não condiz com o cenário ideal almejado por quem defende, de fato, o respeito aos animais – já que o respeito é uma forma genuína e inviolável de consideração.

Gary Francione deixa claro que o único caminho possível é entender que os animais não humanos também importam moralmente, logo eles não devem ser vistos simplesmente como alimentos e produtos, ainda mais se considerarmos que vivemos uma época em que já sabemos que o consumo de animais é desnecessário. Então ele faz um apelo para que as pessoas estendam sua preocupação com os animais violados em atividades de entretenimento aos animais violados por finalidades de consumo:

No final de 2017, a primeira ministra britânica Theresa May abandonou o compromisso com o manifesto dos conservadores de realizar uma votação livre sobre a revogação da proibição legal do uso de cães na caça à raposa. A decisão de May foi seguida por queixas de parlamentares conservadores que apoiam a revogação da proibição. Embora popular em algumas comunidades rurais, a posição custou-lhes votos durante a eleição geral de 2017. A posição pró-caça é muito impopular.

Pesquisas divulgadas em maio de 2017 mostraram que quase 70% dos eleitores britânicos se opunham à caça à raposa, e metade tinha menos probabilidade de votar em um candidato pró-caça nas eleições gerais. A oposição não se limita à caça à raposa. Uma pesquisa de 2016 indicou que, além dos 84% que se opõem à caça à raposa, um número significativo de pessoas no Reino Unido também se opõe a caça ao cervo (88%), caça e corrida de lebres (91%) e chapeamento de texugo (94%). Por que existe essa oposição a essas atividades?

A resposta é simples: nos preocupamos com os animais. Acreditamos que eles importam moralmente. Rejeitamos a posição que prevaleceu antes do século 19 de que os animais são meramente coisas para as quais não temos obrigações morais ou legais. Em vez disso, a maioria das pessoas adota a posição do bem-estarismo animal que tem dois componentes-chave.

O primeiro componente é que – embora os animais possam ser usados para propósitos humanos – não devemos impor sofrimento ou morte sem necessidade a eles. A segunda é que quando usamos animais, temos a obrigação de tratá-los “humanamente”.

As atividades que a maioria do público britânico rejeita envolvem impor sofrimento e morte aos animais quando não há necessidade nem compulsão; é errado fazer animais sofrerem ou matá-los quando a única justificativa alegada é que os humanos obtêm algum tipo de prazer ou divertimento. O uso de animais para fins frívolos equivale a negar seu valor moral. A maioria das pessoas rejeita isso.

O problema é que, embora a maioria das pessoas considere a imposição de sofrimento e morte desnecessária aos animais, seu comportamento real não é consistente com sua posição moral. Eles participam da imposição de sofrimento e morte aos animais em situações em que não há necessidade, e nos quais o tratamento dos animais é tudo menos “humano”.

Sofrimento e morte desnecessários

A maioria das pessoas come animais e produtos feitos de animais, e ambos envolvem muita crueldade. Somente no Reino Unido, mais de um bilhão de animais são mortos por ano para fins alimentícios.

Muitos animais são criados em condições intensivas que constituem tortura. Mesmo aqueles que são criados em circunstâncias supostamente mais “humanas” sofrem de angústia durante e ao final de suas vidas. Isto não é apenas uma questão concernente à carne. As vacas usadas na produção de leite são repetidamente engravidadas e têm seus bezerros levados logo após o nascimento. E todos os animais, sejam usados para obtenção de carne, laticínios ou ovos, estão sujeitos ao terror e à angústia do matadouro.

Algum desse sofrimento e morte é “necessário”? Existe alguma obrigação envolvida? A resposta é não. Ninguém sustenta que é necessário consumir produtos de origem animal por ser idealmente saudável. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido diz que uma sensata dieta vegana pode ser “muito saudável”, enquanto os profissionais de saúde de todo o mundo estão cada vez mais assumindo a posição de que os produtos de origem animal são prejudiciais à saúde humana.

Não precisamos debater se é mais saudável viver com uma dieta de frutas, vegetais, grãos, nozes e sementes. O ponto é que uma dieta vegana certamente não é menos saudável do que uma dieta de carne em decomposição, secreções de vaca e ovulação de galinha. E esse é o único ponto relevante para a questão de saber se o sofrimento e a morte são necessários ou não.

Além disso, a agricultura animal constitui um desastre ecológico. É responsável por mais gases do efeito estufa do que a queima de combustíveis fósseis para o transporte, e resultando em desmatamento, erosão do solo e poluição da água. O grão que alimenta os animais só nos Estados Unidos poderia alimentar 800 milhões de pessoas. Contra esse cenário, qual é a melhor justificativa que temos para infligir dor e morte aos animais?

A resposta é simples: Achamos que o gosto é bom. Nós sentimos prazer em comê-los. Comer animais e produtos de origem animal é uma tradição, e nós a seguimos há muito tempo.

Mas como essa posição é diferente da justificativa oferecida para o uso de animais a que a maioria de nós se opõe? Como o prazer do paladar é diferente do prazer que algumas pessoas sentem quando participam de esportes sangrentos com animais? Não há diferença. Caça à raposa, chapeamento de texugos, lutas de cães, são todos tradicionais. De fato, quase todas as práticas a que nos opomos – envolvendo animais ou seres humanos – envolvem uma tradição valorizada por alguém. O patriarcado é também uma forma de tradição que existe há muito tempo, mas que nada diz sobre seu status moral.

Muitas pessoas se opõem à caça à raposa porque não podem ver nenhuma distinção moralmente significativa entre o cachorro que eles amam e uma raposa perseguida e assassinada. Mas qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca? Não há diferença. Cães e gatos que amamos são sencientes – assim como frangos, galinhas, vacas, bois, porcos, peixes e outros animais que exploramos. Todos eles sentem dor e experimentam a angústia; todos eles têm interesse em continuar a viver.

Tratamento “humano”

Se a exploração da maior parte dos animais não pode ser caracterizada como plausivelmente necessária, o que dizer sobre o segundo componente da posição de bem-estar animal – que temos a obrigação de explorar os animais “humanamente”? Isso também é uma fantasia.

Animais são propriedade. Eles são bens móveis. São coisas que são compradas e vendidas. Custa dinheiro para proteger os interesses dos animais, e o status de propriedade dos animais garante que, como regra geral, os padrões de bem-estar animal (sejam mandatados por lei ou adotados pela indústria), sempre serão muito baixos. Nós protegemos os interesses dos animais quando obtemos algum benefício financeiro ao fazer isso. Na maioria das vezes, os padrões de bem-estar estarão ligados ao nível de proteção necessário para explorar os animais de uma maneira economicamente eficiente, de modo que esses padrões (na medida em que são impostos) proíbem nada mais que o sofrimento gratuito.

Os padrões de bem-estar animal na Grã-Bretanha são reivindicados como os mais altos do mundo, mas o tratamento concedido aos animais britânicos ainda é aterrador. Dizer que os animais no Reino Unido são tratados “humanamente” seria falso usando qualquer entendimento plausível dessa palavra.

Em algum nível, todos nós sabemos disso. É por isso que vimos o surgimento de um nicho de mercado na Grã-Bretanha e em outros países que pretende fornecer carne e produtos de origem animal baseados “no mais alto padrão de bem-estar”. Mas, como várias exposições desse nicho de mercado mostraram, a promessa de “tratamento humano” nunca foi colocada em prática. Podemos dar aos animais um pouco mais de espaço; podemos permitir que eles vejam um pouco da luz do sol; podemos permitir que as vacas passem um pouco mais de tempo com seus bezerros antes de serem levados para longe delas. Mas essas mudanças têm pequenos efeitos quando são implementadas.

Organizações de bem-estar animal fazem campanha contra o “abuso” de animais. Mas mesmo que todos esses abusos cessassem e todos os animais fossem tratados em perfeita conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, a situação ainda seria terrível. Os animais ainda seriam mortos desnecessariamente, e mesmo que transformássemos a agricultura animal em agricultura familiar ainda haveria uma enorme quantidade de sofrimento e morte moralmente injustificados.

De fato, os padrões de bem-estar animal não são de forma alguma sobre os animais; eles são sobre nós. Esses padrões fazem nos sentirmos melhor sobre continuarmos explorando animais. Eles foram formulados numa época em que a maioria das pessoas achava que matar e comer animais era necessário para a saúde humana. Ninguém pode razoavelmente acreditar mais nisso.

Portanto, é hora de examinar a justificativa moral do uso de animais. Como alguém que mantém uma posição em favor dos direitos animais em vez de uma posição bem-estarista, minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim, incluindo pesquisas biomédicas destinadas a encontrar curas para doenças humanas graves, assim como não podemos justificar o uso para o mesmo propósito de humanos que acreditamos que são cognitivamente “inferiores”.

Mas mesmo que você não aceite a posição de direitos [dos animais], a posição que você provavelmente aceita – que é errado infligir sofrimento a morte desnecessários aos animais – torna impossível evitar a conclusão de que o uso de animais para qualquer propósito que seja não envolve verdadeira obrigação ou necessidade, incluindo o uso de animais como alimentos, roupas e entretenimento, e deve ser descartado. Qualquer outra posição relega os animais à categoria de coisas que não têm valor moral. Vemos isso onde a caça à raposa e outros esportes sangrentos estão envolvidos; é hora de vermos isso em outros contextos também.

Referência

Francione, Gary. It’s time to reconsider meaning of “animal welfare”. Transformation. Open Democracy (7 de janeiro de 2018).





Gary Francione rebate críticas bem-estaristas e explica por que o veganismo é uma questão de justiça

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Se você não é vegano, por favor, seja vegano. É uma questão de um imperativo moral. É uma questão de justiça” (Foto: Divulgação)

Esta semana, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “Veganism as a Matter of Justice: A Short Reply to the Welfarists” nos sites Ecorazzi e Abolitionist Approach. No texto, Francione rebate as afirmações dos bem-estaristas de que o veganismo não é possível no mundo em que vivemos enquanto um imperativo moral, e que é preciso se adaptar à realidade da exploração animal – considerando apenas que devemos minimizar a violência e a crueldade contra as criaturas não humanas, mas sem abrir mão do consumo de alimentos e produtos de origem animal.

Para apoiar essa posição, os bem-estaristas alegam que se compramos alimentos veganos em lojas que vendem produtos de origem animal, não estamos sendo justos, logo não podemos assumir que sob essa perspectiva de permissividade o veganismo está em total acordo com o princípio da justiça que defendemos. Porém, o professor Gary Francione aponta que esse discurso é fragilizado porque, embora tenha como eixo norteador uma suposta baliza moral, é usado de forma capciosa em um contexto bastante específico, sem ponderar abrangência, possibilidade e até mesmo comparação com outras formas de preconceito e condicionamento que vão na contramão da justiça social, embora permitam uma avaliação de cenários congêneres.

Francione diz que quando ele promove o veganismo como um imperativo moral, pelo simples fato de que o veganismo é algo que nós somos moralmente obrigados a adotar, já que não temos o direito de criar e matar animais para nos beneficiar, algum bem-estarista costuma dizer que ao comprar comida vegana no supermercado e dar dinheiro para um explorador de animais, ele não é diferente daqueles que consomem “compassivamente” ovos de galinhas livres de gaiolas, carne de porco criado foras de grades, ou até mesmo daqueles que fazem a “segunda-feira sem carne; ou que trapaceiam e consomem alimentos de origem animal de vez em quando; ou que comem alimentos baseados em animais o tempo todo, mas apenas em pequenas quantidades:

“Os bem-estaristas afirmam que não tenho razão em dizer que o veganismo é uma questão de justiça ou um imperativo moral porque estou sendo injusto e não estou reconhecendo o veganismo como uma obrigação. Mas esse argumento não funciona. Não possui princípio limitativo e leva a uma conclusão aberta. Todo dinheiro é sujo. Então, mesmo que eu compre a minha comida em uma loja vegana, e não em um supermercado convencional, se essa loja emprega pessoas que não são veganas, ou se a loja vegana recebe produtos de pessoas que entregam produtos de origem animal para outras lojas; ou se os alimentos veganos vendidos na loja vegana são criados ou produzidos por fazendeiros ou produtores não veganos, ou se os fazendeiros veganos e os produtores veganos empregam trabalhadores não veganos, eu estou, seguindo o raciocínio dos bem-estaristas, apoiando a exploração. Portanto, os bem-estaristas estão comprometidos com a posição de que até que tenhamos um mundo vegano, não podemos ter a obrigação de nos tornarmos veganos, porque enquanto não tivermos um mundo vegano, não importa o que fizermos, estaremos dando dinheiro para exploradores de animais. Mas isso é claramente absurdo.”

Gary Francione afirma que a posição bem-estarista em relação ao veganismo não é diferente de dizer que não podemos promover a ideia de que o sexismo ou o racismo são injustos se patrocinarmos um negócio que é de propriedade de pessoas que são sexistas ou racistas, considerando que muitas empresas são de propriedade de corporações, e corporações são de propriedade de acionistas. Dado o nível de sexismo e racismo na população, isso significa, na sua concepção, que 99,9% do tempo, quando fazemos compras, estamos patrocinando um negócio que é de propriedade de racistas ou sexistas. Mesmo que esse negócio não seja de propriedade de racistas ou sexistas, existem racistas e sexistas que têm alguma conexão com o negócio para cujos bolsos nosso dinheiro está indo. Portanto, na perspectiva de Francione, o discurso dos bem-estaristas dá a entender que não podemos dizer que o sexismo ou racismo é injusto porque estamos sempre colocando dinheiro nos bolsos de racistas ou sexistas em algum ponto do caminho:

“Mas ninguém diria que não devemos falar sobre igualdade com um imperativo moral, porque ainda não alcançamos a igualdade. A maioria das pessoas veria o completo absurdo dessa posição. Mas ‘pessoas animais’ promovem essa posição absurda quando se trata de animais [não humanos]. E isso é muito especista.”

O professor Gary Francione também declara que os bem-estaristas não raramente afirmam que não podemos ser ‘100% veganos’ porque há produtos de origem animal em plásticos, superfícies de estradas, pneus e muitas outras coisas com as quais não podemos evitar contato. Portanto, segundo eles, não podemos insistir no veganismo como um imperativo moral e como um princípio de justiça porque não há diferença entre uma pessoa que tem um celular feito de plástico e contém algum subproduto de origem animal, e uma pessoa que come um pouco de queijo, ou ovos de galinhas “criadas soltas”, ou caldo de galinha em uma sopa de legumes, etc.:

“Mais uma vez, esta posição é absurda. Primeiro de tudo, ser vegano significa não comer, vestir ou usar produtos de origem animal na medida do praticável – onde se tem uma escolha significativa. Podemos decidir o que comer e usar ou quais produtos usar. A justiça exige que não escolhamos coisas que contenham partes do corpo de pessoas exploradas – humanas e não humanas – sempre que tivermos uma escolha. Nós não temos escolha sobre o que foi colocado na superfície das estradas ou em plásticos, que são usados para quase tudo que existe. Em segundo lugar, a razão pela qual há subprodutos de origem animal em tudo é porque matamos mais de um trilhão de animais em todo o mundo anualmente. Os subprodutos de matadouros são baratos e prontamente disponíveis. E isso continuará enquanto continuarmos a consumir produtos de origem animal.”

Para Francione, é importante compreender que nunca aceitaríamos tal argumento se isso se aplicasse ao contexto humano. Essa transigência só existe porque falamos de seres de outras espécies, que são vulneráveis, e culturalmente e historicamente estão sob o jugo humano há muito tempo:

“Considere o seguinte: em uma sociedade racista e sexista, pessoas brancas e homens se beneficiam porque o racismo e o sexismo efetivamente transferem riquezas (dinheiro, oportunidades de trabalho, etc.) para longe de pessoas que são discriminadas e para aqueles que estão em classes ou grupos privilegiados. Se aplicássemos o argumento bem-estarista a esse contexto, teríamos que concluir que os brancos não podem argumentar que o racismo é injusto porque os brancos privilegiados não têm escolha a não ser se beneficiar do racismo (assim como os veganos não têm escolha senão usar os caminhos oferecidos). Teríamos que concluir que os homens se beneficiam do sexismo e da misoginia apenas em virtude de serem homens (assim como os veganos entram em contato com os plásticos que estão em tudo). Mas ninguém tomaria essa posição no contexto humano.”

Uma afirmação que Gary Francione aponta como uma das mais equivocadas dos bem-estaristas é a de que como não podemos evitar subprodutos de origem animal em tudo que nos rodeia, não podemos afirmar que é injusto escolher consumir esses produtos de origem animal quando “há uma escolha”. Sendo assim, ele defende que a posição bem-estarista é exatamente o mesmo que dizer que, porque as pessoas brancas se beneficiam do racismo, não há diferença entre a pessoa branca que se opõe ao racismo e a pessoa branca que se engaja em uma conduta menos racista.

“A posição bem-estarista é exatamente como dizer que, porque os homens se beneficiam do sexismo mesmo quando se opõem a ele, não há diferença entre o homem que se opõe ao sexismo e o homem que realmente agride as mulheres de vez em quando. Mais uma vez, ninguém tomaria essas posições no contexto humano. Devemos rejeitar a posição flagrante e bem-estarista do especismo por uma questão muito clara. Se você não é vegano, por favor, seja vegano. É uma questão de um imperativo moral. É uma questão de justiça”, argumenta e sugere.

Referência

Francione, Gary. Veganism as a Matter of Justice: A Short Reply to the Welfarists. Ecorazzi (2 de abril de 2018).

 





Gary Francione: “Dizer que um ser senciente [um animal] não é prejudicado pela morte é definitivamente estranho”

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Francione explica por que é errado matar um animal independente do tratamento dado a ele

“Se pesarmos os interesses dos animais com seriedade, realmente não poderemos evitar de pensar sobre a moralidade do uso para além das considerações de tratamento” (Acervo: Abolitionist Approach)

Recentemente, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “A ‘humanely’ killed animal is still killed – and that’s wrong”, em que explica por que é errado matar um animal independente do tratamento dado a ele. Francione parte do princípio de que a sabedoria convencional ocidental sobre ética animal diz que matar um animal não é o problema, mas sim fazê-lo sofrer.

Ou seja, no mundo em que vivemos defende-se a crença de que se tratarmos “bem” um animal e depois o matarmos de forma “humana” está tudo bem, já que o nosso único suposto erro seria fazê-lo sofrer. Essa consideração é um equívoco em essência, já que além de ignorarmos em algum nível o sofrimento visível, também ignoramos a subjetividade do sofrer, já que aos olhos da sociedade ocidental o sofrimento animal só é reconhecido caso sua manifestação de dor seja excruciante, ou seja, bastante desconfortável aos olhos humanos.

“Se alguém causar sofrimento a um cão ou gato, será criticado. Mas cães e gatos indesejados são rotineiramente ‘colocados para dormir’, mortos em abrigos onde aplicam injeção intravenosa de pentobarbital de sódio, e a maioria das pessoas não se opõe enquanto o processo é administrado adequadamente por uma pessoa treinada”, critica Gary Francione. Ele relata que antes do século 19 os animais eram considerados coisas. Portanto, se prejudicássemos “uma vaca do vizinho”, por exemplo, a nossa obrigação não era com o animal, mas sim com o “dono”.

Ou seja, o prejuízo causado à vaca, o que aquilo representava a ela como ser senciente era completamente ignorado. “Não significa que negássemos que fossem sensíveis, ou subjetivamente conscientes, e tivessem interesse em não experimentar dor, sofrimento ou angústia. Mas acreditávamos que poderíamos ignorar esses interesses porque os animais eram nossos inferiores. Poderíamos raciocinar; eles não poderiam. Poderíamos usar a comunicação simbólica; eles não poderiam”, enfatiza no artigo “A ‘humanely’ killed animal is still killed – and that’s wrong”.

A mudança formal em relação a essa crença, como bem observada por Francione, surgiu no século 19 com a elaboração da teoria do bem-estar, que propôs uma mudança de paradigma. O advogado e filósofo Jeremy Bentham sugeriu uma formal rejeição à ideia de que os animais são coisas, defendendo a ideia de que os animais não humanos têm valores morais.

Em 1789, Bentham argumentou que embora um cavalo ou cachorro adulto seja mais racional e tenha mais aptidão para se comunicar do que uma criança humana, não é isso que devemos ponderar: “A questão não é: eles podem raciocinar? Ou então, eles podem falar? Mas, eles podem sofrer?”

Segundo o professor Francione, Bentham sabia que os animais eram cognitivamente diferentes dos humanos, porém, isso não significava que o sofrimento deles não era moralmente importante. Para o advogado e filósofo do século 19, ignorar o sofrimento dos animais com base em suas espécies era tão injustificável quanto a escravidão baseada na cor da pele. Contudo, Bentham que, assim como John Stuart Mill, foi uma das primeiras e principais referências do utilitarismo, não defendia a libertação animal. Não se posicionava contra o uso de animais.

“Ele sustentou que era moralmente aceitável usar e matar animais para propósitos humanos desde que os tratássemos bem. De acordo com Bentham, os animais vivem no presente e não estão cientes do que perdem quando tiramos suas vidas”, relata Gary Francione, acrescentando que o filósofo utilitarista via o abate como um bem que os seres humanos faziam aos animais, desde que o processo fosse relativamente indolor.

Em sua defesa, Jeremy Bentham dizia que a morte dos animais por mão humanas era e sempre poderia ser mais rápida, logo menos dolorosa, do que aquela que os aguardava no curso inevitável da natureza. “Em outras palavras, [na ótica de Bentham], a vaca não se importa que nós a matemos e a comemos. Ela se preocupa apenas com a forma como a tratamos e matamos, e seu único interesse é não sofrer”, informa o professor Francione, citando o posicionamento de Jeremy Bentham.

Essa crença de Bentham é partilhada até hoje por muitas pessoas que não veem nada de errado na morte de um animal reduzido a alimento, desde que o seu fim seja supostamente indolor. Na década de 1970, a teoria utilitarista de Jeremy Bentham foi endossada pelo filósofo australiano Peter Singer, que inclusive reproduz no seu clássico “Animal Liberation”, de 1975, algumas crenças pré-formuladas por Bentham.

“Acreditamos que essa visão está errada. Dizer que um ser senciente não é prejudicado pela morte é definitivamente estranho. Senciência não é uma característica que evolui para servir como um fim em si. Em vez disso, é uma característica que permite aos seres que a possuem identificarem situações prejudiciais e que ameaçam a sobrevivência”, frisa Gary Francione.

Não é novidade para ninguém que animais preferem permanecer vivos, o que prova que o anseio pela continuidade da existência também é uma prerrogativa não humana. Sendo assim, não é coerente ou justo afirmarmos que um animal não é prejudicado quando sua morte é um meio para satisfazer o paladar ou para obtenção de lucro, por exemplo. O professor Francione acredita que dizer que os animais não têm interesse em viver seria o mesmo que dizer que uma pessoa com olhos não tem interesse em enxergar.

“Os animais em armadilhas mastigam suas patas ou membros, assim infligindo um grande sofrimento sobre si mesmos, e fazem isso para continuarem vivendo”, exemplifica. Sob a perspectiva utilitarista, e analisando situação análoga, Peter Singer diz que embora um animal possa lutar contra uma ameaça à sua vida, isso não significa que ele tenha a continuidade mental necessária para desenvolver um senso de si mesmo. Francione discorda:

“Mesmo que os animais vivam no ‘presente eterno’ que Bentham e Singer pensam que eles habitam, isso não significa que eles não são conscientes de si mesmos ou que não têm interesse em continuarem existindo. Os animais ainda estarão conscientes de si mesmos em cada instante de tempo e terão interesse em perpetuar essa consciência. Seres humanos que têm uma forma particular de amnésia podem ser incapazes de se recordarem de lembranças ou de articularem ideias sobre o futuro, mas isso não significa que eles não sejam autoconscientes, que não tenham senso de si mesmos em cada momento, ou que a cessação dessa consciência não seja prejudicial.”

De acordo com o professor Gary Francione é horar de repensarmos a nossa relação com os animais para além do tratamento “humanitário”. Se testemunharmos e analisarmos a morte de um ser não humano como uma questão moral, isso pode nos levar naturalmente à conclusão de que independente do propósito a morte de animais reduzidos a alimentos ou fontes de produtos não é moralmente justificável. “Levando em conta que os animais são considerados propriedades e geralmente protegemos os seus interesses na medida em que isso nos interessa economicamente, é uma ilusão pensar que o tratamento ‘humanitário’ é um padrão alcançável em todos os casos. Então, se pesarmos os interesses dos animais com seriedade, realmente não poderemos evitar de pensar sobre a moralidade do uso para além das considerações de tratamento.”

Referência

Francione, Gary. A ‘humanely’ killed animal is still killed – and that’s wrong. Aeon (2017).





Gary Francione: “Nossa exploração de animais não humanos representa a violência em uma escala sem precedentes”

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“Precisamos parar de comer, vestir e usar animais e produtos de origem animal”

“Matamos o maior número de animais para a produção de alimentos – cerca de 60 bilhões de animais terrestres e pelo menos um trilhão de animais marinhos são mortos anualmente” (Acervo: Abolitionist Approach)

Em artigo publicado no site Abolitionist Approach, como parte da divulgação do seu último livro “Advocate for Animals! – An Abolitionist Vegan Handbook”, escrito em parceria com Anna Charlton, o professor Gary Francione, referência na luta pelo abolicionismo animal, assim como Anna, escreveu que desde o início dos tempos houve, no total, cerca de 110 bilhões de seres humanos que viveram e morreram:

“Nós matamos mais animais não humanos do que isso todos os anos. Pense nisso por um segundo. Nossa exploração de animais não humanos representa a violência em uma escala sem precedentes. Matamos o maior número de animais para a produção de alimentos – cerca de 60 bilhões de animais terrestres e pelo menos um trilhão de animais marinhos são mortos anualmente. E há muitos bilhões mortos todos os anos por outros motivos, como pesquisa biomédica, entretenimento e esporte.”

Francione declarou que uma coisa clara e incontestável é que a horrível e difusiva exploração animal não vai acabar logo. Segundo o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, o problema subsiste no fato de que nos últimos 200 anos a defesa animal se concentrou no tratamento “desumano” dispensado aos animais.

Ou seja, os defensores dos animais fizeram principalmente campanhas para obter padrões de tratamento supostamente mais “humanos”; ou então se concentraram em combater práticas pontuais como o uso de animais para a extração de peles. Tal abordagem, de viés evidentemente parcial e mesmo especista, é vista por Francione como um equívoco que arranhou a superfície do problema, não chegou à base. A consequência disso é que as pessoas continuaram sentindo-se mais à vontade para continuarem explorando os animais.

“O movimento abolicionista animal, que surgiu na década de 1990, considera que o problema não é o tratamento, mas o uso. Não se trata de tornar a exploração mais ‘humana’. Não se trata de dar enfoque às peles de animais, que não são diferentes da lã ou do couro. O que envolve esse movimento abolicionista?”, questionou.

Para Gary Francione o abolicionismo é sobre a adoção de uma posição que defende estritamente os reais direitos animais sem fazer concessões. Ou seja, sem ser permissivo ou condescendente em relação às políticas bem-estaristas. “Mantemos essa posição, assim como rejeitamos a escravidão dos seres humanos como nossa propriedade. Só então eles [os animais] podem ser reconhecidos como pessoas não humanas. Abolição [animal] envolve uma clara e explícita rejeição da posição de bem-estar animal – a ideia de que é moralmente aceitável usar animais desde que os tratemos de forma ‘humana’”, argumentou.

Na perspectiva do professor Francione, para abolir a exploração animal como uma questão social é preciso abolir a exploração animal de nossas vidas individuais. Isso significa que, se acreditamos que os animais são moralmente importantes, é essencial tornar-se vegano. “Precisamos parar de comer, vestir e usar animais e produtos de origem animal na medida do possível. E devemos advogar o veganismo de forma criativa e não violenta, a fim de incentivar os outros a tornarem-se veganos”, enfatizou.

É justamente isso que Gary Francione e Anna Charlton abordam no livro “Advocate for Animals! – An Abolitionist Vegan Handbook”, definido pelos autores como um guia prático de como abordar o veganismo da melhor forma possível – com clareza e bons argumentos. A obra está à venda no site Amazon.com.

Referência

Francione, Gary. New Book: Advocate for Animals! An Abolitionist Vegan Handbook. 14 de dezembro de 2017. 

 





Especismo, um mal que endossa o sofrimento animal

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Filósofos, pesquisadores, cientistas, professores e ativistas falam sobre as armadilhas do especismo

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Mark Devries, autor do documentário “Speciesism – The Movie” (Foto: Divulgação)

Embora especistas sejam popularmente conhecidos como pessoas que convivem com animais domésticos, mas se alimentam de outros animais, há um consenso mais criterioso entre pesquisadores, biólogos, filósofos, professores de direito, advogados e escritores que defendem os direitos dos animais.

Eles apontam que especismo é toda e qualquer forma de exclusão baseada na espécie, quando outros seres são privados de fazerem parte de uma comunidade moral.“Quando você pega essa ideia de que eu posso fazer isso com você, então vou fazê-lo, o auge dessa forma de superioridade, ‘um tipo de racismo’, é o especismo”, afirma Bruce Friedrich, diretor de campanhas veganas da ONG Peta e autor do documentário Meet Your Meat, que já foi visto por milhões de pessoas desde 2002.

De acordo com o famoso biólogo evolutivo Richard Dawkins, professor da Universidade Oxford, a maneira como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo. “Muitas pessoas pensam que é assassinato abortar um feto humano, e esse pensamento dificilmente é partilhado quando falamos em matar vacas. E, claro, elas têm muito mais capacidade de sofrimento do que qualquer feto humano”, declara Dawkins.

HAY ON WYE, WALES, UNITED KINGDOM - MAY 27: Author and Scientist Richard Dawkins speaks at The Guardian Hay Festival 2007 held at Hay on Wye May 26, 2007 in Powys, Wales, United Kingdom. The festival runs until June 3. (Photo by David Levenson/Getty Images)

Dawkins: “A forma como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo” (Foto: David Levenson/Getty Images)

Ele também cita o descaso em relação aos chimpanzés, animais inteligentes que não recebem nenhum tratamento muito ético ou moralmente correto como o dispensado aos humanos. “Suponhamos que descobríssemos uma população nas florestas da África que do ponto de vista evolutivo está entre nós e os chimpanzés, o que faríamos? O que os especistas fariam? Devemos dar um jeito, fazer algo entre a nossa moral e a nossa ética”, alega.

O filósofo australiano Peter Singer, autor do icônico livro “Libertação Animal”, de 1975, sugere que os especistas se coloquem no lugar de um escravo do século 18. Uma pessoa naquela sociedade provavelmente diria que não havia bons argumentos para o fim da escravidão, ignorando o sofrimento dos negros.

“É o que acontece hoje com o especismo. De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas”, pondera. Um ativista, perseguido pelo FBI ao longo de sete anos por libertar milhares de martas que seriam usadas na confecção de casacos de pele, defende que qualquer justificativa contra infringir a lei para salvar animais é primordialmente um argumento especista. “Ninguém argumentaria que seria moralmente injustificado libertar escravos”, assinala.

James Serpell

Serpell: “Nós subestimamos o tempo todo a capacidade dos animais” (Foto: Reprodução)

Um dos maiores equívocos do especismo subsiste na subestimação. E o maior exemplo disso são os porcos, animais tão inteligentes quanto os cães, segundo James Serpell, PhD em ciência veterinária e professor da Universidade da Pensilvânia. “Suínos têm vida social complexa na vida selvagem. Eles formam grupos matriarcais permanentes. E esses mesmos animais ficam enclausurados o tempo todo.  São criados para serem abatidos, resumidos a carne, bacon”, pontua.

E quando grávidas, as porcas normalmente passam os quatro meses de gestação em pequenas gaiolas de 2m x 0,6m, onde conseguem apenas levantar e deitar, já que não há espaço para dar uma volta dentro da própria prisão. E com o tempo, os suínos se tornam cada vez menos sensíveis aos estímulos ambientais. É um comportamento catatônico análogo ao de pessoas com depressão severa.

“Com certeza é bem mais forte do que seria em um ser humano”, garante Serpell. Comum em qualquer lugar, a castração é outro exemplo doloroso de mutilação impingida aos porcos, realizada sem anestésico. A prática consiste em usar um bisturi para rasgar e abrir. Então os testículos são removidos e o porquinho grita em agonia, algo que jamais seria feito sem anestesia em um cão ou gato, por exemplo.

Peter Singer

Singer: “De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas” (Foto: Reprodução)

Para Rick Dove, da Neuse Riverkeeper Foundation, sediada na Carolina do Norte, é surpreendente a quantidade de pessoas que acordam pela manhã e comem seu bacon como se não houvesse problemas no campo, no mundo. “Há um grande problema. Eles são feitos em fazendas industriais, onde os porcos nunca veem a luz do dia, onde vão do tamanho de um punho a 115 quilos em cinco meses”, reclama.

Sobre a situação das aves poedeiras e de corte, James Serpell relata que milhares de galinhas são mantidas em um mesmo galpão. Pelo fato de serem numerosas e densamente estocadas, elas ciscam umas sobre as outras e também se bicam. Selecionadas para comerem mais do que podem, engordando com celeridade, ficam muito pesadas antes que seus ossos endureçam. “São jovens e têm os ossos macios. E o que acontece então é que elas sofrem com graves fraturas, artrite e osteoartrite. Tornam-se mancas até que ocasionalmente param de andar, ficando apenas sentadas no chão”, revela o professor de ciência veterinária da Universidade da Pensilvânia.

Após realizar dezenas de investigações, o diretor executivo da ONG Mercy For Animals, Nathan Runkle, que costuma enviar espiões para acompanhar o funcionamento de fazendas e agroindústrias, descobriu que é muito comum encontrar animais vivendo em condições deploráveis, deixados para morrer sem cuidados veterinários.

“Sempre encontramos aves presas ou entaladas nos arames das gaiolas, e o ferro solto entra na pele delas e rasga. Elas morrem nessas condições. Seus corpos são deixados para apodrecer ao lado de aves que ainda produzem ovos para consumo humano. Nas fazendas de produção de leite, há tanto estrume que as vacas caem sobre as próprias fezes e se machucam. Além disso, encontramos porcas grávidas com ossos quebrados, feridas abertas. É algo que as indústrias querem que você acredite que se trata de fato isolado. Mas sabemos que isso é rotina, simplesmente faz parte dos negócios”, denuncia.

Francione: “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife" (Foto: Reprodução)

Francione: “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife” (Foto: Reprodução)

Quem também conhece muito bem o sofrimento dos animais é a ativista Terry Cummings, diretora do Santuário Animal Poplar Spring, situado em Poolesville, Maryland. Ao longo de anos cuidando de animais maltratados em fazendas e agroindústrias, ela aprendeu que, assim como os seres humanos, cada animal tem a sua própria personalidade.

“Alguns são tímidos, alguns gostam de ser paparicados e outros gostam de ser abraçados. Temos uma galinha enorme que passou a maior parte da vida em uma gaiola. Ela é muito doce, come na sua mão. Nós a agradamos com milho e uva. E temos outra [ela não anda mais por causa do comprometimento das articulações durante o processo de engorda] que tem uma melhor amiga chamada Sílvia. Ela choramingou um pouco porque a tirei do celeiro enquanto Sílvia ainda estava lá. Elas gostam de fazer tudo juntas”, narra sorrindo.

Pesando todos esses fatores, o professor de direito da Universidade Estadual de Nova Jersey, Gary Francione, acredita que o veganismo deve ser a linha mestra do movimento em defesa dos animais. “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife. Claro que todos são produtos de tortura, e quanto a isso não há distinção, mas os animais usados na indústria de laticínios são mantidos vivos por mais tempo, logo sofrem mais”, conclui.

Sheryl Cole, professora de direito da Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, diz que a dor mais terrível que uma mãe pode sentir é a da separação de um filho. “E isso é rotina nos laticínios. Se você tiver que ir por esse caminho para sobreviver, não consigo imaginar como consegue viver consigo mesmo”, lamenta.

Na mesma esteira segue a reflexão de James Serpell que qualifica as emoções dos animais como muito mais intensas do que a dos seres humanos, e simplesmente porque, ao contrário de nós, eles não são capazes de racionalizar o que sentem. “Eles não conseguem filtrá-las. Nós subestimamos o tempo todo a capacidade dos animais”, endossa.

Mesmo com tantas informações disponíveis, não é difícil encontrar especistas alegando que vegetarianos e veganos também estão se alimentando de outros seres vivos. Sobre isso, Jonathan Balcombe, PhD e coordenador do Departamento de Estudos Animais da Humane Society of the United States, sediada em Washington, deixa claro que não é preciso se preocupar com as plantas porque não são organismos sencientes. “A evolução não as equipou com a necessidade de sentir dor ou prazer. E nós entendemos a mecânica de fluidos pela qual a flor segue o sol pelo céu, por exemplo, assim como entendemos o motor do funcionamento de um carro”, esclarece.

Referência

O documentário Speciesism: The Movie (Especismo), lançado em 2013 por Mark Devries, é um filme que apresenta muitas variáveis e controvérsias envolvendo o tema.

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