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Paranavaí, uma colonização centenária
A Braviaco começou a desbravar a atual área do Noroeste do Paraná em 1910
A história de Paranavaí teve início em 1910, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), de propriedade do jornalista e empresário baiano Geraldo Rocha e do agrônomo baiano Landulpho Alves de Almeida, começou a desbravar o Noroeste do Paraná, mais tarde nominando Paranavaí e região como Gleba Pirapó.
Em 1926, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim da Rocha Medeiros, funcionário da Braviaco, coordenou a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. À época, tiveram de criar uma estrada com 110 quilômetros de extensão ligando a Fazenda Ivaí, da qual a Vila Montoya faria parte, ao Porto São José, com a finalidade de promover transações comerciais com Guaíra e Porto Mendes, no Oeste do Paraná, e Argentina, para onde o café produzido seria transportado. Pelo mesmo caminho foi enviado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, onde mais tarde surgiria Paranavaí.
Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, em 1927, onde buscou 300 famílias de migrantes para trabalharem no plantio de café. Os levou até Presidente Prudente em um trem especial. Suportaram chuvas torrenciais que perduraram por 40 dias. Para piorar, a estrada estava intransitável. A única ponte que existia, do Rio Santo Anastácio, tinha caído, então tiveram de reconstruí-la assim que parou de chover. O engenheiro e os migrantes chegaram à Fazenda Ivaí uma semana depois. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, registrou Medeiros em um diário pessoal.
A década de 1920 é apontada como a mais difícil para os moradores da colônia pelo fato de terem vivido isolados no meio da mata, correndo o risco de serem atacados por animais selvagens. Além disso, o difícil acesso a outras localidades complicava mais ainda a situação. Era preciso percorrer mais de cem quilômetros para encontrar algum povoado. Até mesmo a carne consumida na Fazenda Ivaí vinha de muito longe, era comprada no Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), para onde um encarregado e alguns peões viajavam enfrentando uma série de desventuras para trazer a boiada em um barco a vapor. A viagem durava até semanas. Às vezes, era preciso percorrer mais de 500 quilômetros.
Quem cuidava dos negócios da Braviaco na colônia e em toda a região de Paranavaí era o diretor e engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, que se tornaria senador e interventor federal da Bahia. Irmão de Landulpho, Humberto Alves de Almeida era o responsável por coordenar o transporte de café e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí, homem que evitava falar abertamente sobre o início da colônia.
Em 1928, a Vila Montoya, baseada na monocultura cafeeira, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao distrito era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul. Todos que iam para Montoya usavam a mesma via, que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva, e publicado pela Prefeitura de Paranavaí.
No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei. Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com o Estado de São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem a Vila Montoya pertencia. Por muitas vezes, o pioneiro Frutuoso Sales fez esse trajeto. Percorria parte do caminho a pé e depois a cavalo até chegar à Sorocabana. Para Sales, que quando se mudou para a região atravessou o Rio Paranapanema a nado, por maiores que fossem as dificuldades da época, nada superava o empenho e a vontade dos migrantes, principalmente nordestinos, de se restabelecerem sob o signo do ouro verde, que já despontava no Noroeste e amealhava os sonhos de muita gente.
Em 1930, foram trazidas a Montoya cerca de 1,2 mil famílias de migrantes para trabalharem nas lavouras de café sob regime de colonato. O trabalho foi interrompido inesperadamente um ano depois. Após a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado, o que comprometeu o desenvolvimento da Vila. De acordo com Joaquim da Rocha Medeiros, essa foi a punição do Governo Federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha e Landulpho Alves, que apoiou a candidatura de Júlio Prestes, eleito, mas deposto pelos aliados de Getúlio Vargas.
“Colonos e funcionários da empresa, inclusive eu, tiveram que abandonar Montoya, obrigados a deixar tudo para trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou o engenheiro agrônomo em registro pessoal. Em vez de assegurar o emprego dos milhares de trabalhadores que viviam na Vila Montoya, assumindo a colonização da região ou repassando a concessão a uma nova colonizadora, supostamente o Governo Federal preferiu, por questões ideológicas políticas, ignorar toda a problemática socioeconômica que surgiu na colônia.
Em 1932, o tenente-coronel Palmiro, da Polícia Militar do Paraná, e o diretor da Companhia Brasileira de Viação e Comércio, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, retornaram a Montoya. De acordo com informações do livro “Pequena História de Paranavaí”, de autoria do juiz de direito Sinval Reis, e publicado em 1962, Palmiro e Almeida se surpreenderam ao ver a colônia desabitada. Se depararam com muitas casas destruídas, completamente queimadas. Restaram poucos moradores, dispersos por vários pontos. “Estavam aqui Frutuoso Joaquim de Sales, José Firmino da Silva, João Clariano, Velho Caboclo, Marins, Velho Roque e mais alguns”, citou o juiz.
Os remanescentes continuaram na fazenda porque não achavam que valeria a pena migrar novamente, reviver as mesmas dificuldades que tiveram quando chegaram ao distrito. Além disso, ainda havia cafeeiros para serem explorados. Os poucos colonos deram continuidade à produção, levando o café para ser comercializado em Presidente Prudente, no Oeste Paulista, conforme fazia a Braviaco antes de ter a concessão de terras da colônia revogada. Quem também veio à região em 1932 foi o arrendatário Mario Pereira que construiu em Montoya a residência mais luxuosa do Noroeste do Paraná, criada sob o padrão estético europeu. A mansão também foi consumida pelas chamas. Sobre tais fatos, ao longo de décadas, os pioneiros de Paranavaí levantaram três possíveis suspeitas.
Especula-se que o Governo Vargas, em represália à Braviaco, tenha enviado uma tropa do Exército Brasileiro ao distrito para promover a destruição das residências, além da queima de milhares de pés de café. A segunda hipótese levantada por pioneiros é a de que a própria companhia poderia ter feito isso para se vingar do Governo Federal e também evitar que outros usufruíssem de suas benfeitorias. Já a terceira suspeita diz respeito aos grupos de criminosos que viajavam pelo Oeste Paulista e Norte do Paraná no princípio dos anos 1930, realizando atos de vandalismo, assaltos e saques em colônias pouco povoadas.
Em novembro de 1930, quando Vargas se tornou presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O Governo Federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya. A área então, antes colonizada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio, foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor, um dos participantes da Revolução de 1930, que se tornou o responsável legal pela região de Paranavaí por alguns meses, até que decidiu se afastar do Governo Vargas, tornando-se oposicionista.
Em 8 de abril de 1931, ano em que a extinta Vila Montoya foi nominada como Fazenda Brasileira, o interventor federal do Paraná, o general Mário Tourinho, assinou um decreto retomando as terras da localidade e autorizando o início dos loteamentos. A morosidade para se conseguir um lote fez muitos moradores irem embora para outros povoados, locais onde o acesso era mais fácil e menos burocrático. O ponto positivo é que o decreto afastou muitos colonizadores que exploravam os colonos nordestinos e nortistas, vistos como mão de obra barata. A informação de que o governo acompanharia de perto tudo que acontecia intimidou muita gente, principalmente os exploradores.
Em 1933, o interventor Manoel Ribas visitou a Fazenda Brasileira para acompanhar de perto a situação da colônia. O acesso ao povoado era muito difícil e se restringia a mesma estrada que findava no Rio Paranapanema. Para facilitar o contato com outras colônias e cidades do Paraná, além de diminuir a influência paulista na localidade, Ribas pediu que o engenheiro civil Francisco Natel de Camargo iniciasse a abertura de outra estrada que começava em Arapongas, no Norte Central, se estendendo até a antiga Estrada Boiadeira. Entretanto, é válido ressaltar que a colonização da Brasileira só voltou a ser intensificada em 1935, fato que gerou especulações sobre o destino da colônia, pois surgiram incertezas sobre quais procedimentos seriam adotados pelo governo para o repovoamento.
A década de 1930 entrou para a história de Paranavaí como um período bastante obscuro, marcado por muitos crimes e injustiças. Quem fixava residência na brasileira para trabalhar nas lavouras de café, e mais tarde tomava a decisão de ir embora, era punido brutalmente. Ingênuo, não raramente o migrante insatisfeito ia até o encarregado para quem informava o desejo de partir, então acertava os vencimentos e recolhia os pertences. Enquanto aguardava às margens do Rio Paranapanema a chegada de uma balsa com destino ao Porto Ceará, no Estado de São Paulo, o colono e toda a sua família eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores.
Alguns eram mortos às margens do rio. Outros eram abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. Os relatos sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. As histórias que disseminavam terror e medo se espalhavam pelo Paraná, São Paulo e Mato Grosso.
Nem mesmo os balseiros do Porto Ceará ousavam se aproximar do povoado, inclusive alertavam todos os passageiros sobre os perigos da Brasileira. Tal experiência foi vivenciada pelo pioneiro paulista Natal Francisco e seu irmão que seguiram a recomendação de um balseiro e deixaram um veículo Ford movido a gasogênio no porto. “Ele disse que perderíamos o veículo se o guiássemos até a Brasileira”, justificou Natal Francisco em entrevista registrada no livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. Após a visita que teve duração de oito dias, Francisco e o irmão estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou.
“Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustado, Natal e o irmão ligaram a lanterna para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado. O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Paranapanema, improvisaram uma jangada para a navegação. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz. A ambição e a ganância custaram muitas vidas, e não apenas de colonos, mas também de quem era capaz de enfrentar qualquer conflito por questões de posse.
Mesmo com o esvaziamento populacional, a briga por terras acirrou-se. Posseiros trocavam ameaças sem se importar com os transeuntes, o que já dava a ideia de que algo muito ruim viria depois. Quando o Governo do Paraná decidiu intervir, dando prazo de 90 dias para os grileiros desocuparem as áreas invadidas, a situação já estava fora de controle. Chegou um momento em que ninguém mais trocava ameaças, simplesmente matava o seu desafeto. À luz do dia, não era raro ouvir tiros vindo de várias direções. Cadáveres eram vistos no centro da Brasileira, caídos sobre o solo arenoso. Dependendo da intensidade da corrente de ar a terra cobria superficialmente o morto. Aqueles que não tinham familiares eram deixados onde estavam, abandonados sobre o chão, até começarem a se decompor. Apenas quando o odor da volatização de cadaverina e putrescina começava a tomar conta do ambiente que alguém dava um jeito de se livrar do corpo.
Estima-se que dezenas de pessoas foram assassinadas nesse período, embora seja impossível precisar o total de vítimas. Muitos crimes eram ocultados pelos jagunços que se livravam dos cadáveres nas imediações do Porto São José, na Lagoa do Jacaré, confluente do Rio Paraná. Lá, os corpos eram despejados porque os jacarés eliminavam as provas do crime. Em 1936, quando a Fazenda Brasileira já era famosa pela onda de crimes, o Governo Federal exigiu uma medida radical do interventor federal Manoel Ribas. A decisão foi enviar o tenente gaúcho Telmo Ribeiro, famoso por métodos menos ortodoxos de impor ordem. Com o tenente, conhecido como rápido no gatilho, veio um grupo de mercenários paraguaios de Pedro Juan Caballero. Não levaram mais do que alguns meses para dar fim ao clima de faroeste que imperava na Brasileira. Segundo pioneiros, melhoraram a situação, mas também mataram muita gente.
Em 1942, Ulisses Faria Bandeira, funcionário da Inspetoria de Terras do Estado, dirigida por Francisco de Almeida Faria, foi transferido de Londrina à Fazenda Brasileira para demarcar a primeira via da colônia, a Avenida Paraná. O trabalho de Bandeira tinha relação direta com a chegada de migrantes e imigrantes à Brasileira. Aparentemente a demarcação simbolizava o interesse do Governo do Paraná em investir no desenvolvimento do povoado, o que atrairia a atenção de todos que por aqui passassem. A estratégia deu certo, e em setembro de 1943 um grande número de pessoas chegou à Fazenda Brasileira, onde compraram muitos lotes de terras.
Naquele tempo, atrair quem buscava melhores condições de vida era uma tarefa complicada, pois o acesso a Paranavaí era tão precário que nenhum caminhoneiro de Londrina, no Norte Central Paranaense, cidade por onde passavam os muitos migrantes que vieram para cá, aceitava realizar um frete até a Brasileira por menos de 1,5 mil cruzeiros, preço muito elevado se comparado a outros destinos. Ainda assim, muitos insistiam na viagem, pagavam o que fosse necessário para chegar ao povoado do qual ouviam falar muito bem. Mas como a propaganda sempre supera a realidade, a verdade é que a colônia era bem desorganizada, se resumia a um amontoado de pessoas de diferentes etnias dispersas por todos os lados. “Quando cheguei aqui só a Gleba 1-A tinha sido demarcada, um trabalho do engenheiro Alberto Gineste”, lembrou o pioneiro Ulisses Faria Bandeira.
No ano seguinte, o marceneiro curitibano Hugo Doubek estava participando de uma exposição de artes em Curitiba quando conheceu o diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) do Governo do Paraná, Antonio Batista Ribas. O diretor convidou Doubek para ser o administrador geral da Fazenda Brasileira; o marceneiro aceitou. Hugo Doubek já conhecia a Brasileira, onde trabalhou desmanchando casas em algumas áreas para reconstruí-las em outros pontos. Em 1942, não havia mais residências disponíveis na Brasileira, pois as que restaram da época de Montoya foram desmanchadas e realocadas em outras áreas. Por muitas vezes, os colonos pensaram em ir para o mato derrubar árvores para aproveitar a madeira. Porém, ninguém na colônia tinha equipamento necessário para o serviço e o transporte. A madeira ainda era trazida de Marialva, até que decidiram construir uma serraria.
O inspetor Ulisses Faria e o administrador da colônia, Hugo Doubek, fizeram o trabalho de demarcação territorial da colônia a pé, tendo como referência a localização de todos os moradores do povoado. “Recebi a ordem para achar toda aquela gente, obedecendo certa metragem que margeava córregos e rios. Foi tudo feito sem condução, e só achei os primeiros colonos a vinte quilômetros da Inspetoria de Terras”, destacou Doubek.
Em 1944, a Gleba 1-A, ocupada principalmente por paulistas, mineiros, cearenses e pernambucanos, já somava 30 quilômetros de estrada que a ligava à Fazenda Brasileira. Em entrevista ao jornalista Saul Bogoni, Bandeira revelou que havia inúmeras colônias em Paranavaí porque muitos pioneiros chegaram antes de 1940, o que foi percebido somente durante o trabalho de campo. A Gleba 2 foi a única área da Brasileira não demarcada por Doubek e Bandeira. Quem se encarregou do trabalho em janeiro de 1944 foram os engenheiros Artur Oliva e Lota Chimoca, que percorreram uma área superior a 15 mil alqueires, onde ainda havia muita vegetação primitiva. “A Gleba 2 tinha como ponto de partida a estrada que vai para o Porto São José”, garantiu Ulisses Faria que naquele ano tomou a iniciativa de investir no abastecimento de água. Bandeira conseguiu uma bomba com motor a gás para fazer a captação. A ideia beneficiou mais de cem famílias.
Pelo fato da colônia ter surgido sob a égide da cafeicultura, as principais ruas e avenidas foram traçadas visando o escoamento das produções, não o desenvolvimento da cidade. Prova de tal fato é que mesmo com o passar dos anos as vias foram asfaltadas, mas não redimensionadas para atender a demanda advinda com o progresso. Exemplos são as ruas e avenidas estreitas do centro da cidade. As vias dos bairros mais tradicionais de Paranavaí, como o Jardim Ibirapuera, Jardim Iguaçu, Jardim Ouro Branco e região do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), também foram abertas para facilitar o transporte de café, arroz e outras culturas. Paranavaí se ligava ao Porto São José, para onde toda a produção era escoada até outros estados, como Mato Grosso e São Paulo.
Embora a colonização de Paranavaí tenha sido uma consequência da formação da Gleba Pirapó em 1910, o nome Paranavaí surgiu apenas em 1944, por sugestão do engenheiro Francisco de Almeida Faria que destacou a necessidade de batizar a cidade com nome único. Pouco tempo depois, a partir do neologismo que é uma junção dos Rios Paraná e Ivaí, surgiu a Colônia Paranavaí. Naquele ano o povoado tinha cerca de 500 habitantes, distribuídos por 80 casas feitas de tabuinhas velhas. Os pontos de referência da colônia eram o Hotel da Imigração, que ficava ao lado do Fórum Dr. Sinval Reis, a Inspetoria de Terras, o primeiro Grupo Escolar e o Hospital Professor João Cândido Ferreira, conhecido como Hospital do Estado, onde se situa a Praça da Xícara e o Colégio Nobel. Muitos investidores se interessaram pela região considerada ideal para a cafeicultura em função das grandes áreas de solo virgem. Um dos colonizadores que apostou no progresso do Noroeste do Paraná foi o engenheiro civil Francisco Beltrão, da Sociedade Técnica Engenheiro Beltrão, que começou a comercializar lotes da Colônia Paranavaí em 1946.
O interesse de Beltrão pela região surgiu bem antes, no final da década de 1930, porém, só recebeu o aval do Ministério da Justiça em 14 de dezembro de 1943. Depois ainda teve de aguardar a expedição do título de propriedade liberado pelo Ministério da Agricultura em junho de 1946, segundo informações do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. Todos os documentos diziam respeito à compra de 17 mil hectares de terras que até então pertenciam ao Governo Federal em área próxima às propriedades da Companhia Norte do Paraná. Boa parte das posses do engenheiro na região de Paranavaí se situava em áreas que mais tarde se tornariam o município de Tamboara, Seara, Suruquá e Anhumaí. Na década de 1950 foi a vez de pioneiros como Carlos Antônio Franchello e Enio Pipino, da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), apostarem no progresso regional.
Em 14 de dezembro de 1951, com o empenho do primeiro vereador de Paranavaí em Mandaguari, Otacílio Egger, que teve ajuda do pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, a colônia conquistou a emancipação política por meio da lei estadual nº 790. No entanto, foi necessário esperar mais um ano para a elevação de Paranavaí a município, após a eleição que elegeu o médico José Vaz de Carvalho como prefeito de Paranavaí. Ele obteve 2702 votos contra 1607 do adversário Herculano Rubim Toledo. De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paranavaí contava com 22.260 habitantes em 1951. À época, Mandaguari tinha 15.434 e Maringá possuía 8.898 moradores. Em 14 de dezembro de 1952, quando Paranavaí se tornou município, a população local somava 25.520 habitantes, segundo o IBGE.
A colonização na região de Paranavaí, intensificada em 1946, ganhou tanta força que anos depois superou as regiões de Maringá e Umuarama. O que contribuiu para o desenvolvimento local foi o trabalho das colonizadoras de capital privado. Além disso, de acordo com dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a região de Paranavaí somou 90 milhões de pés de café antes do final da década de 1950, uma marca que deu visibilidade nacional ao Noroeste do Paraná. As campanhas publicitárias veiculadas por todo o Brasil, mas principalmente em cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surtiram tanto efeito que em Paranavaí foram vendidos milhares de imóveis, entre lotes urbanos, chácaras e sítios. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso justificou os 307 mil habitantes da região de Paranavaí em 1960.
Entre os anos de 1940 e 1950, já viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, húngaros, sírios e libaneses, além de povos de outras etnias. Muitos moradores diziam que Paranavaí tinha tudo para ser a “terceira capital do Paraná”, logo atrás de Curitiba e Londrina. Os habitantes se baseavam no fato de que a região de Maringá somava 237 mil habitantes e a de Umuarama cerca de 253 mil, conforme registros do IBGE. Em 1960, com exceção de Curitiba, se tratando de desenvolvimento, Paranavaí só perdeu para a região de Londrina que chegou aos 600 mil moradores. Paranavaí teve uma evolução exemplar. A cidade era vista como símbolo de progresso no Paraná, uma imagem que ganhou solidez em 1956, quando uma pesquisa da Associação Brasileira dos Municípios apontou Paranavaí como uma das cinco cidades com maior índice de desenvolvimento do país.
Saiba Mais
O ensaio “Paranavaí, uma colonização centenária” foi premiado em Curitiba em 2011, no Concurso Estadual de Ensaios, realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), com curadoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Referências
SILVA, Paulo Marcelo Soares – História de Paranavaí – 1988.
GOEVERT, Ulrico – História e Memórias de Paranavaí – 1992.
FOERST, Alberto; WUNDERLICH, Henrique; LIPPERT, Burcardo; Deckert, Adalberto – As Aventuras de Três Missionários Alemães em Paranavaí – 2011.
BECK, Jacobus – Minha Viagem à Região Missionária de Paranavaí – 1952.
REIS, Sinval – Pequena História de Paranavaí – ?
STECA, Lucinéia Cunha e FLORES, Mariléia Dias – História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Editora UEL. Londrina – 2002.
FILHO, José Vicente – As Nossas Histórias – 2005.
Revista Grande Noroeste – edição de dezembro de 1991.
Jornal Diário do Noroeste – edição de 14 de dezembro de 2002.
Pesquisa oral feita com pioneiros de Paranavaí.
Depoimentos do projeto Memória e História de Paranavaí.
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Montoya tinha a estrutura de uma cidade
População da colônia era de mais de seis mil habitantes
Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.
À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.
Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.
A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.
Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.
Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.
O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923
A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.
“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.
O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.
Curiosidades
Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.
A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.
Saiba Mais
Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).
Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.
Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.
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A queda da ponte do Rio Santo Anastácio
Pioneiros de Paranavaí tiveram de reconstruí-la em 1927
Em 1927, o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros teve de viajar até Pirapora, Minas Gerais, para buscar 300 famílias de migrantes para levar à fazenda que se tornaria a cidade de Paranavaí. Entretanto, a viagem foi interrompida por causa da queda de uma ponte.
Paranavaí era apenas uma fazenda situada no Norte do Paraná nos anos 1920, e que fazia parte da Gleba Pirapó, administrada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), à época conhecida apenas como “Companhia Brasileira”. Inclusive por tal motivo, após 1930, a área foi chamada de Fazenda Brasileira, uma pequena colônia que começou a se desenvolver em 1924, sob coordenação de Joaquim da Rocha Medeiros que naquele tempo tinha apenas 28 anos. Foi o jovem engenheiro agrônomo quem teve de viajar até Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde 300 famílias o aguardavam para trabalhar como colonos na área rural da Vila Montoya.
Para trazer toda aquela gente a Paranavaí, Medeiros alugou um trem especial que levava passageiros até Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo. A viagem foi interrompida por causa de chuvas torrenciais que se prolongaram por mais de um mês, causando enormes estragos. “A nossa sorte é que ficamos sabendo que a nove quilômetros havia dois galpões para a criação de bicho da seda que estavam abandonados. Também havia outras coberturas desocupadas. Lá, conseguimos acomodar todo mundo”, relatou o engenheiro agrônomo em um registro pessoal sobre a colonização do Norte do Paraná.
Quando a chuva cessou, Joaquim Medeiros chamou a atenção de todos e explicou que logo chegariam a uma estrada de terra próxima do Rio Santo Anastácio. Por azar, um pouco mais adiante havia uma ponte de madeira que não resistiu às chuvas e cedeu, indo por água abaixo. De acordo com o engenheiro, logo voltou a chover e tiveram de voltar aos barracões. “À nossa esquerda, as terras se resumiam a um massapé preto numa densa mata”, comentou Medeiros.
No local onde a ponte caiu, o engenheiro selecionou o maior número possível de homens para ajudar a reconstruí-la, pois não havia nenhum outro meio de atravessar tanta gente pelo Rio Santo Anastácio. Além disso, não podiam abandonar os veículos usados no transporte dos colonos. “Fizemos nove quilômetros de estiva e depois iniciamos a transposição até a área do cerrado”, relatou Joaquim da Rocha, acrescentando que foi um trabalho surpreendente, que jamais seria completado com êxito se não fosse pelo tanto de pessoas dispostas a ajudar.
Mais tarde, os centenas de migrantes enfrentaram outro problema. Os caminhões atolavam com extrema facilidade no solo do arenito Caiuá, o que afetou tanto a viagem que entre atolar e desatolar os veículos passou-se uma semana. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, admitiu o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros. Na fazenda da Companhia Brasileira, futura Paranavaí, os migrantes trazidos de Pirapora foram responsáveis pelo plantio e alinhamento de 1,2 milhão de cafeeiros, tendo somente a ajuda de 20 caminhões Ford.
Saiba Mais
O pioneiro e engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros que conheceu a futura Paranavaí em 1924 nasceu em Alcobaça, no Sul da Bahia, em 16 de dezembro de 1895. O engenheiro faleceu em 15 de setembro de 1978, aos 82 anos, em São Carlos, na região central de São Paulo.
Medeiros foi Secretário da Agricultura da Bahia, no governo de Landulpho Alves de Almeida. Ficou conhecido por modernizar a agricultura baiana tendo como modelo a agricultura estadunidense.
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A proibição de bebidas alcoólicas em 1927
Quando o álcool foi banido de Paranavaí pela Braviaco
Em 1927, a entrada de bebidas alcoólicas foi proibida na Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, medida que foi mantida até 1930, ano em que a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), subsidiária da Brazil Railway Company, foi revogada pelo presidente Getúlio Vargas.
Quando a Braviaco começou a construção de 110 quilômetros de estrada em 1926, ligando as imediações dos rios Pirapó e Paranapanema à fazenda que receberia o nome de Vila Montoya, os diretores da Braviaco, Geraldo Rocha e Landulfo Alves, foram informados que muitos de seus trabalhadores tinham o costume de consumir bebidas alcoólicas todos os dias. Por isso, tomaram a decisão de impor uma lei baseada na palavra para impedir a entrada de álcool na região de Paranavaí. Quem fosse flagrado bebendo era despejado e mandado embora.
A iniciativa foi colocada em prática em 1927, quando cerca de seis mil pessoas, somando centenas de famílias, viviam na colônia, em áreas que hoje pertencem ao Jardim Ipê, Jardim Iguaçu e Jardim Ouro Branco. A medida que tinha um caráter de “diplomacia rural” não foi bem recebida por todos os migrantes, inclusive alguns optaram por deixar o povoado afirmando que não valia a pena trabalhar em um lugar sem poder pelo menos tomar uma dose de cachaça no fim do dia.
Como havia dezenas de capangas na fazenda, ninguém é capaz de afirmar se aqueles que abandonaram a Vila Montoya chegaram aos seus destinos. “A proibição da entrada de bebidas alcoólicas na região foi uma providência salutar”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Medeiros era funcionário da Braviavo e coordenava o trabalho da companhia na região.
“O veto não atrapalhou muito, mas teve gente que partiu para outras cidades do Paraná e do interior de São Paulo. Penso que a ideia de proibir o álcool era pra evitar todos os tipos de problemas. Depois de umas pingas, o peão ficava agitado, com o sangue quente e, como a vida já era difícil, qualquer coisinha era motivo pra coçar a mão e arrancar a faca da cintura”, avaliou o pioneiro cearense João Mariano.
A proibição de bebidas alcoólicas em Montoya durou cerca de três anos. Ainda assim, alguns tinham acesso ao álcool. “Como era um produto proibido, saía mais caro, mas a gente sabe que até os jagunços da fazenda davam um jeito de arrumar a bebida para a ‘peãozada’. Claro que não era todo mundo que bebia, mas alguns nem que fosse de vez em quando conseguiam uma pinguinha sim”, enfatizou.
“Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo”
Como não havia autoridades policiais o suficiente para cuidarem dos seis mil moradores do Distrito de Montoya, a Braviaco costumava intervir, pensando em ações que evitassem conflitos entre os colonos. Nem sempre dava certo, tanto que em 1927, o álcool já havia trazido como consequências muitos desentendimentos e brigas entre os trabalhadores.
“Tinha peão que ia trabalhar alcoolizado, assim arrumava confusão com extrema facilidade. São problemas que já existiam. Para a Braviaco, não era uma questão humana. A maior preocupação era que caso alguns se matassem, isso poderia afetar a produção de café, exigindo novos colonos para substituir os que morriam. É claro que eles não iriam se queixar disso, mas quem viveu aquela época sabia que o que importava pra eles era o lucro”, desabafou Mariano.
Havia três policiais para garantir a segurança dos moradores da Vila Montoya. Eram profissionais que nem sempre iam até as áreas de conflito, mesmo após alguns crimes. De acordo com João Mariano, não foram poucas as mortes em meio aos cafezais. “Tive um compadre que uma vez estava cruzando a roça e sentiu um mau cheiro perto de um pé de café. Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo embaixo de um monte de folhas e galhos pequenos”, revelou. O homem ficou com medo e não contou nada a ninguém. No dia seguinte, a “consciência pesou” e ele voltou ao mesmo lugar. Para a surpresa do colono, já tinham removido o corpo.
“Como havia uns rastros de sangue no chão, meu compadre foi pedir informação pra polícia, só que como quem não quer nada. Falaram que fazia tempo que não acontecia nenhum crime por essas bandas”, confidenciou o pioneiro João Mariano, denunciando que os policiais contribuíam na ocultação de crimes para não comprometer a imagem da companhia. É importante lembrar que as bebidas alcoólicas foram banidas até 1930, quando a Braviaco teve de se retirar do distrito, sob ordem do presidente Getúlio Vargas que revogou a concessão de terras em represália ao apoio prestado ao político Júlio Prestes.
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A Vila Montoya pertencia ao município de Tibagi, no Centro Oriental Paranaense.
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A grande injustiça de 1930
Apoio da Braviaco a Júlio Prestes culminou em desemprego para 300 famílias de migrantes
Em 1930, o apoio dos colonizadores da Gleba Pirapó ao político Júlio Prestes custou o desenvolvimento de Paranavaí. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o governo federal ordenou em 1931 a cassação de todos os bens da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). A consequência mais drástica foi o desemprego de centenas de migrantes que plantaram mais de um milhão de pés de café.
Tudo começou no início do Século XX, quando todo o Vale do Ivaí ainda era território selvagem, de terras devolutas. Á época, o governo brasileiro teve a ideia de propor permuta às companhias estrangeiras. Oferecia terras em troca da colonização das áreas inabitadas. Quem gostou muito da proposta foi o empresário estadunidense Percival Farquhar, proprietário da Brazil Railway Company que até 1917 administrou 11 mil quilômetros de terras brasileiras.
Braviaco recebeu 317 mil alqueires no Paraná
Naquele tempo, Farquhar que recebeu títulos de posse de 317 mil alqueires no Noroeste do Paraná, conforme registros históricos do governo paranaense, transferiu a administração da área para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), do empresário baiano Geraldo Rocha, também superintendente da Brazil Railway Company e proprietário do jornal carioca “A Noite”.
No mesmo período, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros, funcionário da Companhia Alves de Almeida & Cia, foi incumbido de desbravar uma área que começava na região Oeste de São Paulo e ia até o território paranaense do Rio Paranapanema.
Lá, Medeiros recebeu uma proposta de trabalho do também engenheiro agrônomo e diretor geral da Braviaco, Landulpho Alves (que se tornaria governador da Bahia em 1938), para ajudar a administrar os mais de cem mil alqueires da Gleba Pirapó que somavam 108 quilômetros.
“A área começava no Rio Paranapanema e terminava a margem direita do Rio Ivaí. A mim cabia a supervisão de serviços de campo como derrubada, plantio e formação de cafezais”, escreveu Joaquim Medeiros em um relatório sobre a colonização do Norte do Paraná.
A mão de obra trazida de Minas Gerais
Com a criação do Distrito de Montoya em 1929, Medeiros assumiu o cargo de subdelegado, o que lhe deu autoridade para enfrentar muitos grileiros que acampavam às margens do Paranapanema. “Houve muita luta porque os invasores chegavam aqui em grupos e armados, preparados para tomar posse das terras. Muitas vezes tive de sair daqui para buscar apoio em Curitiba”, relatou.
O que naquele tempo trouxe progresso à região, mas ao mesmo tempo abriu espaço para oportunistas e criminosos, foi a construção de uma estrada com 110 quilômetros que ia do Rio Pirapó até o Rio Ivaí. Pelo mesmo caminho, foi transportado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, atual Paranavaí.
“Em 1926, coordenei a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. Tivemos de fazer uma nova estrada ligando a fazenda ao Porto São José. O objetivo era negociarmos com Guaíra, Porto Mendes e a Argentina, para onde o café seria transportado”, explicou.
Em 1927, Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, e buscou 300 famílias de vários estados para trabalharem no plantio de café. “Trouxe eles até Presidente Prudente em um trem especial. O problema foi que lá choveu durante 40 dias e 40 noites. A estrada estava intransitável e a única ponte que existia tinha caído. Só quando parou de chover que pudemos reconstruí-la”, assinalou. E como se não bastasse, o engenheiro e os migrantes levaram mais de uma semana para chegar a Fazenda Ivaí, pois também choveu na região, fazendo os veículos atolarem com facilidade.
A perda do café e o desemprego dos colonos
Na fazenda, não havia espaço para acomodar todas as famílias, então cada uma tratou de criar o próprio rancho. Construíram casas e realizaram sorteios para decidir qual família seria contemplada. Outra medida que evitava problemas era a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.
O plantio de 1,2 milhão de cafeeiros começou a ser feito em 1927. Trouxeram uma boiada do Mato Grosso para alimentar os colonos. A dedicação dos migrantes permitiu que após três anos o café estivesse pronto para a colheita. Infelizmente, com a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado.
De acordo com Joaquim Rocha Medeiros, esta foi a punição do governo federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha, que apoiou a candidatura do eleito Júlio Prestes, logo deposto pelos aliados de Getúlio Vargas. “Colonos e funcionários da empresa, incluindo eu e Landulpho Alves, tiveram que abandonar o Distrito de Montoya, obrigados a deixar tudo pra trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou.
O desabafo do engenheiro veio à tona 45 anos depois. “O governo Vargas não respeitou os interesses das pessoas humildes que mesmo ao custo de tanto suor perderam tudo. As portas da justiça foram trancadas, deixando na miséria uma multidão de humildes brasileiros.”
Curiosidades
Nos tempos de colonização, era muito comum chamar de nortista ou nordestino qualquer pessoa que viesse de alguma região que não fizesse parte do Sul do Brasil.
Em 1927, o Juizado de Paz realizou o casamento formal de todos os migrantes trazidos de Pirapora, Minas Gerais.