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Usando fezes de grilo para envelhecer uma escritura
Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, como a garantia de autenticidade de uma escritura levava em conta o envelhecimento do papel, uma tática muito comum de quem vinha para o Noroeste do Paraná invadir terras consistia em passar fezes de grilo sobre o documento forjado. Assim o papel rapidamente amarelecia e logo era considerado como verdadeiro, já que não havia recursos nem tempo para se avaliar com mais esmero a sua veracidade. Alguns velhacos também depositavam o documento dentro de uma gaveta ou caixa com grilos – o que não apenas amarelecia o papel como ajudava a dar um aspecto de deterioração natural. A prática justifica a origem dos termos “grileiro” e “grilagem de terras”.
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As lembranças de José Francisco de Oliveira
“Tinha uma pensão onde as discussões sempre acabavam em morte”
O paulista José Francisco de Oliveira se mudou para Paranavaí em 1944, nos tempos da Fazenda Brasileira. À época, deixou Avaré, no interior de São Paulo, para trabalhar na abertura de estradas, embora tenha ouvido falar do Distrito de Montoya em 1932, quando Getúlio Vargas já havia desapropriado a região. “Eu era ‘molecão de tudo’ e contaram pra gente muito do que aconteceu aqui. Pra você ver como a história ia longe”, diz Oliveira que apesar de sofrer com a deficiência auditiva ainda se recorda com precisão de muitos fatos dos anos 1940.
“Seu Zé”, de 95 anos, como é mais conhecido, é um desses pioneiros que não fizeram fortuna e com o passar das décadas foram relegados ao anonimato, mesmo tendo contribuído para o desenvolvimento da região. O aposentado fala do passado sem ocultar um misto sentimento de alegria, tristeza e saudade. Hoje em dia, com o corpo e a voz cansada, sai pouco de casa, combalido por problemas de saúde.
Ainda assim, não se abstém de sorrir e gargalhar quando se recorda da mocidade e da família grande que hoje se resume a três pessoas. Por força do hábito, e da empolgação pela visita, não consegue se comunicar sem gesticular e faz o possível para detalhar com preciosismo cada um dos momentos que considera os mais históricos dos 68 anos vividos em Paranavaí.
Em 1944, ao chegar à Fazenda Brasileira, José Francisco de Oliveira desembarcou na pensão de Durvalino Moreira. Logo o pioneiro se tornou um dos responsáveis pela abertura da estrada que ligaria Paranavaí a Nova Esperança. ”Aqui era só capoeira e quiçaça. Quando chegamos à Capelinha [Nova Esperança], não tinha água e tivemos de abrir um poço com 90 metros de profundidade. Daí não quiseram fazer a cidade num ponto mais arriba e seguiram pra baixo”, conta. Além de ser encarregado de alguns peões, Seu Zé desmatava e carpia. Tinha de percorrer muitos quilômetros para fazer bueiros e pontes com lascas de coqueiro.
Por volta de 1945, Oliveira ajudou a ampliar uma estrada até Peabiru, na região de Campo Mourão. No mesmo ano, o chefe dos peões, José Augusto Machado, o encarregou de criar novas vias na Barra do Surucuá. “Abri até a fazenda do falecido Estevão. Em 1946, fui até Assaí [no Norte Pioneiro Paranaense] buscar minha mãe e meus irmãos”, relata. Na mesma década, viajou a Salamanca, a 32 quilômetros de Guaíra, no Oeste Paranaense, para trabalhar em novas áreas de desmatamento e construção de residências.
O pioneiro que nunca ficou mais de seis meses longe de Paranavaí também atuou na criação da estrada até Mirador. Seu Zé trabalhou muito, mas nem sempre recebeu pelo serviço. “Certa vez, o responsável pelas obras morreu numa terça-feira, daí falaram pra gente que o irmão dele poderia acertar a situação. Por azar, o outro morreu na sexta-feira e não recebemos de ninguém. Mas acontecia de não pagarem a gente por má vontade mesmo”, conta, acrescentando que o chefe dos peões na região de Paranavaí era amigo do interventor federal Manoel Ribas.
Nos anos 1940, era comum o assassinato de ladrões de madeira. Muitos eram mortos às margens do Rio Paraná. “A situação era feia até em Piracema. No distrito, tinha uma pensão onde as discussões sempre acabavam em morte. A vítima era enterrada logo atrás do estabelecimento”, lembra Oliveira. Outro fato que é mencionado com clareza pelo Seu Zé diz respeito a um pioneiro que se envolveu com uma mulher casada e foi assassinado pelo marido traído. No dia do julgamento do homem, um grupo de policiais fazia a escolta em frente ao fórum quando apareceu um rapaz atirando contra o suspeito. “Naquele tempo, você matava na frente da polícia e de testemunhas e ainda escapava da condenação”, comenta.
O pioneiro que encomendou a morte do homem traído era irmão do amante. Conhecido em toda a região como um violento grileiro de terras, o contratante ordenou o assassinato de outras dezenas de pessoas, entre fazendeiros e colonos. Ao longo dos anos, o homem que mais tarde recebeu até homenagens em Paranavaí fez tantas inimizades que certo dia pagaram para que o piloto responsável por levá-lo de avião até Londrina, no Norte Central Paranaense, saltasse de paraquedas, deixando o grileiro diante da morte. “Só sei que o sujeito morreu”, ressalta Seu Zé.
José Francisco de Oliveira presenciou a chegada de 300 bois trazidos a Paranavaí através do Porto São José, onde a travessia já era feita de balsa. À época, grande parte da carne bovina da localidade vinha do Mato Grosso ou São Paulo. O episódio se tornou inesquecível porque o fazendeiro que encomendou a boiada fez um acordo de pagar pelos animais ao final do percurso. Porém, em vez de entregar o dinheiro, o comprador disparou vários tiros contra o vendedor e em seguida desovou o cadáver nas águas do Rio Paraná. “Era uma família rica. A viúva pagou investigadores para procurar pelo marido, mas nunca mais viu nem o corpo do homem”, revela.
87 anos de amor aos animais
O pioneiro José Francisco de Oliveira, o Seu Zé, sobrevive com um salário mínimo por mês e, mesmo sem condições de ter uma vida mais digna, se preocupa em cuidar dos animais que circulam pela sua pequena residência. Gasta cerca de sete pacotes de quirela por mês alimentando centenas de pássaros. “Tem dia aqui que chego a contar 200 rolinhas de uma vez. Fica tudo preto. Eu não mato um passarinho de jeito nenhum, nem que eu morra de fome. Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar. Teria vergonha de matar um animal pra comer”, conta.
O pioneiro começou valorizar a liberdade dos animais em 1925, aos oito anos, quando morava em uma roça nas imediações do Rio Capivari, no interior de São Paulo. “Eu estava andando por aquelas bandas carregando quatro gaiolas cheias de passarinhos, daí, do nada, os bichinhos começaram a fazer ‘tiu, tiu, tiu’, ‘prim, prim, prim’, ‘tiziu, tiziu, tiziu’ e eu parei, fiquei olhando e escutando. Carreguei eles mais um pouco e quando cheguei em casa, abri cada uma das gaiolas e soltei todos. Nunca mais prendi nenhum passarinho. Se eu tivesse dinheiro, comprava tudo pra soltar”, garante Seu Zé.
Impressões sobre o entrevistado
Seu Zé se emociona o tempo todo no decorrer da entrevista. Demonstra gratidão por ser lembrado pelos muitos anos dedicados à abertura de centenas de quilômetros de estradas. Faz brincadeiras durante a conversa, age com uma inquietude jovial e lamenta pela deficiência auditiva, não por tê-la, mas, segundo o pioneiro, pelo fato dos outros terem que lhe repetir a mesma pergunta tantas vezes.
José Francisco de Oliveira tem um estilo de vida simples, sem apego material, passa horas do dia em introspecção, envolvido em uma forma bastante pessoal de espiritualidade. Admite que diariamente divaga até um passado que lhe conforta a existência. Seu Zé confidencia sentir muita falta da mulher e da filha que faleceram, mas não tem arrependimentos nem medo de morrer.
Frases de Seu Zé
“Nessa claridade, já tô olhando os 96 anos.”
“Sei que ninguém é melhor que ninguém porque no fundo somos todos uma mesma pessoa.”
Curiosidade
José Francisco de Oliveira nasceu em 7 de agosto de 1917.
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O impasse de terras durante a colonização
Uma propriedade era vendida diversas vezes a várias pessoas em Paranavaí
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1930 a 1950, os conflitos por posses de terras não envolviam apenas grilagem, mas também negociações em que uma mesma propriedade era vendida ou doada diversas vezes a várias pessoas e em tempos distantes.
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, o conflito normalmente surgia quando o proprietário encontrava a propriedade já habitada, o que significava que o imóvel foi vendido a outra pessoa. “O mais curioso é que os dois donos apresentavam documentos que comprovavam direitos sobre a mesma terra”, afirmou o padre alemão Ulrico Goevert em carta à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950. Em alguns casos, o problema era resolvido amigavelmente. Em outros, só com o derramamento de sangue.
Não foram poucos os familiares de soldados reformados, combatentes da Guerra do Paraguai, ocorrida entre dezembro de 1864 e março de 1870, que apareceram em Paranavaí nas décadas de 1930 e 1950 para reclamar direitos sobre terras. Algumas escrituras eram tão antigas que foram assinadas pelo imperador Dom Pedro II entre os anos de 1871 e 1889. “Como o caixa imperial estava vazio, as tropas vencedoras foram pagas com terras legalmente documentadas”, frisou Goevert em publicação da Karmelstimmen em 1958.
Mas por que depois de décadas é que os primeiros proprietários apareceram para reclamar direitos de posse? A verdade é que muitos daqueles que foram beneficiados com propriedades em Paranavaí, inclusive soldados do Exército Brasileiro, não possuíam recursos financeiros para investir na colonização da área, além de outros que não tinham interesse em desmatar uma localidade que até então não era povoada.
“Antes da região ser aberta ninguém queria vir pra cá, mas depois apareceram proprietários com documentações do Século XIX. A situação se complicou porque o governo paranaense repassou as terras à colonizadoras que lotearam tudo e venderam pequenas parcelas aos colonos. Disso nasceu muita injustiça e revolta”, disse Goevert.
Em Paranavaí, também houve casos de pessoas que pagaram caro pelos imóveis e receberam documentos falsos. De acordo com o padre alemão, os problemas só começaram a ser resolvidos quando o Governo do Paraná enviou funcionários para lidarem com todas as situações envolvendo posse de terras. “Se alguém chegasse com documento antigo exigindo os seus direitos era estabelecido um acordo. Se a pessoa realmente quisesse aquela terra teria de pagar ao novo proprietário por todas as despesas com benfeitorias. Muitas vezes, a soma era tão alta que a pessoa desistia”, garantiu Ulrico Goevert.
Colonizadoras enganaram muita gente
Em publicação no periódico alemão em 1958, o padre também falou sobre as colonizadoras fraudulentas que ludibriaram muita gente. Algumas adquiriam glebas de pelo menos 20 mil alqueires e vendiam chácaras com 5 e 10 alqueires a preços abaixo do mercado. As negociações eram feitas em escritórios sediados em cidades bem distantes de Paranavaí, como São Paulo. “Muitos se interessavam apostando na especulação da terra. Então quando a propriedade já estava valorizada, o proprietário vinha conhecer o local e se deparava com pessoas já vivendo no seu imóvel”, destacou Goevert.
Quando o reclamante ia até a Inspetoria de Terras se informar sobre o problema, nada era feito. Sempre ouviam as seguintes palavras: “O senhor é só mais uma das vítimas desta colonizadora fraudulenta. Realmente teve azar.”
Entre os anos 1930 e 1950, nem todas as colonizadoras compraram terras, algumas as conseguiram após prestarem serviços ao Governo do Estado. Prática muito comum naquele tempo era a de aventureiros se embrenharem na mata virgem e percorrerem rios, realizando pesquisas topográficas sobre a região ao longo de meses. Encerrado o trabalho, o resultado era apresentado ao governador que em retribuição doava áreas de milhares de alqueires para o aventureiro colonizar.
Criminosos eram trazidos a Paranavaí
Os pioneiros perderam as contas de quantos refugiados e criminosos de outros Estados e países vieram a Paranavaí entre as décadas de 1920 e 1950. Não foram poucos os que mudaram de nome ao chegar à colônia, interessados em construir uma nova vida. “Também houve muitos que me confidenciaram terem praticado crimes hediondos. Mas eu não podia fazer nada, a não ser ajudá-los”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen em 1958.
O cearense João Mariano lembrou que até a década de 1940, a mata primitiva de Paranavaí era muito usada pelo Governo Paranaense para despejar criminosos de alta periculosidade. “Até os anos 1950, jogaram muitos bandidos lá na região que hoje pertence a Nova Aliança do Ivaí, assim como em Querência do Norte. O Estado não queria mais gastar dinheiro com essa gente. Como a pessoa não tinha pra onde ir, no caso de sobreviver, o jeito era virar peão e se adequar à nova vida. Alguns ainda conseguiam trabalho como jagunços, pois eram bons no gatilho”, enfatizou Mariano.
Aqueles que preferiam manter o estilo de vida criminoso viviam somente o presente, sem se preocupar com o futuro. Por isso, muitos gastavam tudo que ganhavam com bebidas e orgias. “Quem vivia nesse mundo, mais cedo ou mais tarde, seguia essa sequência: roubo, morte e homicídio”, assinalou Goevert.
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“O pessoal dizia é meu e era mesmo”
Pioneiros falam sobre a grilagem de terras nos anos 1940 e 1950
Em 1946, o mineiro Enéias Tirapeli passou por uma situação vivida por muitos outros pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1940 e 1950: teve as terras griladas durante uma viagem de visita aos familiares.
Tirapeli contou que quando chegou a Paranavaí a colônia era administrada pelo marceneiro curitibano Hugo Doubek, também responsável por emitir documentações de imóveis que asseguravam o direito de posse. “Naquele tempo, quando um lote não custava nada, levava de um a dois anos para cortarem o terreno”, garantiu o pioneiro mineiro.
Certa vez, Tirapeli viajou até São Paulo para visitar a sogra e quando retornou a Paranavaí tinham grilado seus oito imóveis. “Perdi até as mandiocas que tinha plantado. O pessoal dizia é meu e era mesmo. Ninguém contrariava. Já tinha polícia aqui, mas não adiantava porque o costume era o sujeito construir em cima e se declarar dono”, afirmou o mineiro.
De acordo com a pioneira paulista Isabel Andreo Machado, era muito comum nas décadas de 1940 e 1950, as pessoas assumirem propriedades de terras sem terem qualquer documentação. “Havia muita briga e morte. Eu cheguei a ver o assassinato do sogro do Mauro Valério em frente à Caixa Econômica Federal por causa disso”, revelou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.
Conforme palavras do pioneiro cearense João Mariano, o período mais intenso de crimes motivados pela posse de terras perdurou por mais de dez anos, de 1945 até 1956. “A partir de 1957 que a coisa começou a melhorar porque já havia uma boa força policial na cidade. Antes disso, Paranavaí era uma terra onde cada um fazia o que bem entendia. Quando o crime era causado por gente graúda a polícia não ousava interferir”, enfatizou Mariano que viu muita gente conhecida morrer em conflitos com grileiros por não querer abrir mão de um terreno.
O cearense ainda declarou que em Paranavaí há pessoas que fizeram fortuna sobre a infelicidade alheia. “Algumas riquezas nasceram do sangue derramado na época da colonização. Mas cada um tem a sua consciência e sabe o que fez para chegar onde chegou. É uma justiça que não cabe aos homens colocar em prática”, comentou, acrescentando que alguns grileiros tinham amizade até mesmo com governadores e outras autoridades.
João Mariano frisou que sobreviveu ao período da grilagem de terras porque nunca se envolveu em conflitos de posses. “A vida vale mais que um pedaço de chão, ainda mais quando você tem uma família pra sustentar”, salientou. Em 1950, querer fazer justiça com as próprias mãos, bancar o corajoso e enfrentar tudo de “peito aberto” era quase um chamado para a morte. “Muitos grileiros nem sujavam as mãos, andavam rodeados de capangas que faziam o serviço por eles. Alguns a gente nunca soube quem eram. Os jagunços de quem se ouve falar eram como os laranjas do tráfico de drogas, ou seja, mesmo que morressem, isso não mudaria a realidade porque pois tinha gente grande por trás” disse Mariano.
O cearense lembrou um episódio chocante vivido por uma família que morava na zona rural de Paranavaí em setembro de 1953. Para evitar problemas, preferiu não citar nomes. “Eram meus vizinhos, sete pessoas, dois adultos e cinco crianças que trabalhavam como colonos numa roça perto de Alto Paraná. O homem tinha conseguido juntar um dinheirinho ao longo de anos pra comprar uma chácara perto da cidade”, relatou. Uma semana depois da negociação, a família foi surpreendida por três capangas que tentaram expulsá-los de suas terras.
Como a visita inesperada aconteceu à tarde e havia vizinhos observando, inclusive o pioneiro João Mariano, os homens foram embora e retornaram de madrugada. Invadiram o casebre e assassinaram a tiros toda a família, deixando rastros de sangue pela casa. “Não pouparam nem as crianças que tinham entre cinco e doze anos. Me falaram que uma delas estava segurando uma bonequinha de espiga de milho toda ensanguentada. Teve gente que entrou lá pra ver, mas eu não tive coragem. A polícia só apareceu no local dois dias depois do crime”, reclamou João Mariano, confidenciando que jamais esqueceu o “cheiro” de tantas mortes.
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O sofrimento dos Casarin
Família de imigrantes italianos foi expulsa das próprias terras nos anos 1950
No Noroeste do Paraná dos anos 1950, jagunços expulsaram a família Casarin das próprias terras. À época, toda a família que trabalhava no plantio de café ficou sem moradia e o patriarca ainda foi preso.
O imigrante italiano Zaqueo Casarin veio para o Paraná em 1940. Fixou residência em Bela Vista do Paraíso, no Norte Central Paranaense, onde trabalhou como colono na produção de café. Em 1950, de tanto ouvir falar da Colônia Paranavaí, Casarin decidiu se mudar.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o italiano conheceu o corretor de imóveis rurais Antonio Borba, funcionário da Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que lhe ofereceu uma propriedade na Gleba 21, próxima ao Porto São José, em área que hoje pertence a São Pedro do Paraná. Casarin achou viável o preço das terras na região e comprou dez alqueires com todo o dinheiro guardado ao longo de anos.
“O registro de venda foi feito no Tabelionato Rocha, de Londrina, mas o documento só saiu em Mandaguari [pois Paranavaí ainda era distrito]”, relatou o imigrante italiano em entrevista ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Naquele tempo, Casarin, que não recebeu o título de propriedade pelo fato de uma empresa privada não poder emitir títulos, nem imaginava que o sonho de sua vida, ter o próprio pedaço de chão, se tornaria um pesadelo.
Em maio de 1952, a família Casarin recebeu a visita de 14 jagunços. Um deles, de forma intimista, se aproximou de Zaqueo e falou: “Você é grileiro aqui.” O imigrante italiano ficou sem reação, pois além de não entender o que estava acontecendo, segundo ele, nunca tinha dado nem mesmo um tapa em alguém. Com medo do pior, a família Casarin deixou a propriedade sem resistir. Antes, assustado, Casarin perguntou quem os mandou até ele.
“Afirmaram que estavam a serviço do ex-desembargador João Alves da Rocha Loures”, revelou. Documentos do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) mostram que Rocha Loures havia requerido três mil alqueires junto ao Governo do Paraná em 1951, nas imediações do Porto São José, alegando compensação por terras transferidas a terceiros.
O que chama atenção é que a expulsão dos moradores da Gleba 21 aconteceu antes do ex-desembargador obter o título de terras daquela região, durante o segundo governo de Moisés Lupion (1956-1961). No conflito com jagunços em 1952, além da família Casarin ficar sem moradia, Zaqueo ainda foi preso por um homem conhecido como tenente Antunes que, de acordo com pioneiros, participou de inúmeras injustiças envolvendo pequenos proprietários rurais de Paranavaí. A sorte de Casarin foi que um influente policial, jamais identificado, foi até a delegacia e exigiu que o soltassem.
Jagunços perturbavam moradores da Gleba 21
Alguns dos filhos de Zaqueo Casarin ainda eram crianças quando a família, que estava preparando o solo para o plantio de café, foi expulsa das próprias terras. Mesmo assim, Paulo Casarin, que na época tinha 13 anos, nunca esqueceu a injustiça e a humilhação que viveram. “Os pequenos sofrem no desbravamento, depois vêm os grandes querendo tomar tudo”, afirmou Paulo em tom de mágoa.
O pioneiro paranaense Jaime Mendonça Alves vivia na colônia quando a família Casarin foi expulsa da Gleba 21. Em entrevista ao escritor Paulo Marcelo, Alves declarou que assistiu tantas injustiças de perto que decidiu ir embora.“Não gostei de Paranavaí por causa do Telmo [Capitão Telmo Ribeiro] e dos jagunços do Rocha Loures [ex-desembargador João Alves da Rocha Loures]. Só tinha picareta”, reclamou.
No mesmo dia em que os Casarin foram expulsos, outras famílias passaram pela mesma situação, inclusive algumas tiveram as residências incendiadas, conforme relatos de pioneiros. A situação estava tão crítica que o governo teve de enviar o tenente Achilles Pimpão, chefe de polícia de Londrina, para impor ordem na gleba.
Na década de 1970, outros jagunços perturbaram a família Casarin e muitos outros moradores do Bairro Leoni (antiga Gleba 21). “Depois ficamos livres, mas isso não apagou as lembranças das vezes em que fomos atacados”, desabafou o agricultor João Demeu. Na década de 1980, o Governo do Paraná reconheceu o direito dos moradores do Bairro Leoni (Ex-Gleba 21) e lhes concedeu licenças expedidas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), conforme palavras do produtor rural Waldomiro Suntach, de São Pedro do Paraná.
Governo Lupion é culpado pelo impasse de terras
Nos anos 1950, as dificuldades, principalmente burocráticas, para se comprar propriedades rurais do Governo do Paraná fez muita gente recorrer a iniciativa privada. Na Colônia Paranavaí, quem se destacou foi a Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que vendeu 25 mil alqueires de terras. Segundo Volpato, os direitos foram comprados de uma família de Irati, no Sudeste Paranaense.
À época, o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures entrou na justiça contra o Governo Paranaense exigindo, como compensação por terras da Companhia Industrial Brasileira que foram repassadas a terceiros, empresa da qual se declarou herdeiro, uma área de três mil alqueires em Paranavaí, na Gleba 21, onde José Volpato já havia vendido todas as propriedades a colonos de Londrina e Bela Vista do Paraíso, no Norte Pioneiro Paranaense.
A partir disso, surgiu um conflito judiciário entre Rocha Loures e Volpato. Em 1951, o governo paranaense embargou as vendas da Colonizadora Paranapanema até resolver o impasse. O problema maior é que quando tudo isso aconteceu cerca de 600 famílias de ex-colonos viviam na Gleba 21, numa área que hoje pertence a São Pedro do Paraná, em propriedades que variavam de 2 a 25 alqueires. Lá, os produtores rurais já se dedicavam a cafeicultura e intercalavam os cafeeiros com arroz, milho, feijão mandioca e amendoim.
Na documentação dos 25 mil alqueires comercializados pela Colonizadora Paranapanema havia algumas irregularidades, então o governador Moisés Lupion deu o título das terras a Rocha Loures. O documento foi assinado pelo governador interino Guataçara Borba Carneiro. “O Governo Lupion não respeitou os pequenos proprietários que haviam pagado por aquelas terras”, admitiu o consultor do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), do Governo do Paraná, David dos Santos Filho.
Ninguém conseguiu provar direitos sobre a gleba
Entretanto, em 30 de novembro de 1955, o governador interino Adolfo de Oliveira Franco pediu que o caso fosse revisto e exigiu que o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures apresentasse um novo documento que provasse que ele era o herdeiro da Companhia Industrial Brasileira. Rocha Loures entregou somente uma escritura da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o que não provou o direito de posse sobre os três mil alqueires da Gleba 21, de acordo com Santos Filho.
Em 1964, após tantas confusões, o Governo do Estado declarou a área como de utilidade pública para fins de desapropriação. Porém, já em 1976, Rocha Loures tentou receber 30 mil cruzeiros por cada alqueire perdido; um valor exorbitante, segundo o Tribunal de Justiça que avaliou cada alqueire em 100 cruzeiros. O perito do ex-desembargador, Luiz Gonçalves Campelo, justificou o valor dizendo que o Porto São José se tornaria um dos portos fluviais mais importantes do Brasil. Por isso, segundo Campelo, era justo valorizar as terras ao máximo. Para o consultor do ITC, tal projeção era totalmente sem sentido.
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O temido João Camochina
Camochina ganhou fama pelo hábito de espoliar propriedades vizinhas
Dentre os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, poucos sabem da história do migrante João Camochina. Polêmico, o homem temido ganhou fama durante a colonização pelo hábito de se apossar das propriedades vizinhas.
Camochina chegou a Paranavaí nos anos 1940 com o mesmo objetivo de muitos pioneiros: comprar as terras comercializadas pelo Governo do Paraná. A primeira propriedade adquirida pelo migrante foi um sítio de 59 alqueires em um lugar conhecido como Água da Cobra. Lá, estendeu os limites de sua propriedade até as áreas vizinhas. Um dos prejudicados pela atitude de João Camochina foi o pioneiro mineiro Arlindo Francisco Borges que morava em um sítio de 32 alqueires na Gleba 2.
Tudo começou em 1948, quando o grileiro se interessou pelas terras de Borges. Em vez de propor negócio, Camochina usou uma tática muito comum na época. Reuniu parte do gado que ficava em seu sítio e o levou até as terras de Arlindo Francisco. Depois o invasor foi até a inspetoria de terras, administrada pelo marceneiro Hugo Doubek, denunciar que Borges estava vivendo em “sua propriedade”. “Minha terra ficava num canto da dele. Quando isso aconteceu, fazia dois anos que eu tinha derrubado o mato e formado a roça”, relatou Arlindo Francisco em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás.
No mesmo período, João Camochina espoliou outras propriedades, como as dos pioneiros Guerino Pomin e Justiniano. Os dois migrantes foram até a delegacia e denunciaram o grileiro para o sargento Marcelino, a maior autoridade policial da colônia. “Ele foi preso, mas soltaram logo. Aí me aconselharam a esperá-lo atrás de um toco. Graças a Deus, eu não tinha essa natureza”, disse Borges. Naquele tempo, poucos sitiantes lesados tiveram coragem de denunciá-lo.
Após alguns dias, Arlindo Francisco foi convidado a ir até a inspetoria conversar sobre o acontecido. Hugo Doubek disse ao mineiro que o melhor seria entregar as terras. “Falou que o Camochina era ruim e poderia me causar algum mal. Eu já estava sendo oprimido e percebi que o Doubek ficaria do lado dele, então saí mesmo. Eu sabia que se eu resistisse teria de matar ou morrer”, enfatizou. Mais tarde, Camochina procurou Borges e prometeu dar a ele uma novilha mojando, dois mil e quinhentos réis e um capado de cinco arrobas. “Me deu isso em troca do estrago que o gado fez na minha roça. Aqui era assim, quem tinha dinheiro fazia o que queria e quem não tinha, perdia. Era melhor perder para não entrar em outros traços piores da vida”, justificou, acrescentando que nunca recebeu nada pelo sítio perdido.
O presente jamais recebido
Em 1953, Arlindo Borges foi chamado até a Coletoria Federal, onde informaram que ele devia cinco anos de impostos atrasados do sítio da Gleba 2. Ao deixar a coletoria, Borges foi atrás de João Camochina que estava em um açougue comendo churrasco. “Expliquei a situação a ele e marquei da gente se encontrar em frente ao prédio onde fica a Casas Pernambucanas [na Rua Getúlio Vargas] pra resolver isso”, declarou.
Naquela tarde chuvosa de sábado, Arlindo e Camochina foram até a Coletoria Federal. Para surpresa de Borges, o grileiro assumiu a responsabilidade dos impostos. Resolvida a situação, os dois foram embora juntos e se separaram na esquina da Avenida Distrito Federal com a Rua Antonio Felipe. “Me agradeceu muito, mas me senti humilhado quando disse que enquanto eu o considerava um homem, ele me via como um cachorro. Pediu que eu o perdoasse e emendou falando que me daria um presente”, revelou.
Na quarta-feira, Arlindo Borges, que estava vivendo em um sítio de três alqueires na Água do Quintino, ficou sabendo da morte de João Camochina. “Ele colocou um homem lá no sítio que era meu. O tal instalou uma cancha de bocha e depois o Camochina mandou ele sair. Indignado, o homem quis levar as tábuas e houve um desentendimento”, contou. Durante a discussão, o homem matou o grileiro. “Eu nunca soube qual era o presente que o Camochina ia me dar”, comentou Borges. Em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas, o pioneiro catarinense Carlos Faber deixou claro que esse tipo de morte era comum. “As brigas eram sempre por causa de terras”, sentenciou.
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Grileiros tomavam conta da Brasileira
Em 1935, o povoado era habitado apenas por pioneiros corajosos e posseiros
Na década de 1930, quando a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi abandonada por grande parte de seus habitantes, ficaram apenas os pioneiros mais corajosos e grileiros que logo começaram a tomar conta do povoado.
Em 1935, a Brasileira se dividia entre pioneiros que não queriam abrir mão do novo lar e grileiros que chegavam de todas as partes do país. Nenhum dos remanescentes se deixava intimidar, mesmo com a intervenção federal de Manoel Ribas. “Havia poucos colonos. Naquele tempo, tinha que ter muita coragem pra vir pra cá, então dá pra imaginar que quem se aventurava na Fazenda Brasileira estava sujeito a duas coisas: matar ou morrer”, relata o pioneiro cearense João Mariano.
Mesmo com poucos moradores no povoado, a briga por terras se acirrou. Posseiros trocavam ameaças sem se importar com os transeuntes, o que já dava a ideia de que algo muito ruim viria depois. Quando o Governo do Paraná decidiu intervir, dando prazo de 90 dias para os grileiros desocuparem as áreas invadidas, a situação já estava fora de controle. “Seria preciso muito mais que isso pra fazer esse pessoal desapropriar as terras”, destaca Mariano, acrescentando que chegou um momento em que ninguém mais trocava ameaças, simplesmente matava o seu desafeto.
À luz do dia, não era raro ouvir tiros vindo de várias direções. Cadáveres eram vistos em meio ao povoado, caídos sobre o solo arenoso. Dependendo da intensidade da corrente de ar, a terra cobria superficialmente o morto. Aqueles que não tinham familiares eram deixados onde estavam, abandonados sobre o chão, até começarem a se decompor. Apenas quando o odor da volatização de cadaverina e putrescina se tornava insuportável que alguém dava um jeito de se livrar do corpo.
“Mas a vida continuava. Afinal, quem tinha peito pra interferir?”, questiona o pioneiro, lembrando que quem quisesse viver na colônia tinha que lidar com a morte como se fosse algo natural e cotidiano. À época, acontecia do moribundo agonizar no chão enquanto suplicava por ajuda. Mesmo assim, as pessoas passavam ao lado ignorando sua presença.
A ambição e a ganância em conseguir por meio da força um pouco dos 317 mil alqueires de terras da Fazenda Brasileira custou a vida de muita gente. Estima-se que dezenas de pessoas foram assassinadas nesse período, embora seja impossível precisar o total de vítimas. Muitos crimes eram ocultados pelos jagunços que se livravam dos cadáveres nas imediações do Porto São José, na Lagoa do Jacaré, confluente do Rio Paraná. “Os corpos eram despejados lá porque os jacarés comiam a carne humana, eliminando as provas do crime”, garante o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo.
Em 1936, quando a Brasileira começou a ganhar fama em todo o Paraná pela onda de crimes, o governo federal pressionou o interventor Manoel Ribas que enviou para cá o tenente gaúcho Telmo Ribeiro, famoso por métodos menos ortodoxos de impor ordem. Com o tenente, conhecido como rápido no gatilho, veio um grupo de mercenários paraguaios de Pedro Juan Caballero. Não levaram mais do que alguns meses para dar fim ao clima de faroeste que imperava no povoado. Segundo pioneiros, melhoraram a situação ao preço de muitas mortes.
A grande injustiça de 1930
Apoio da Braviaco a Júlio Prestes culminou em desemprego para 300 famílias de migrantes
Em 1930, o apoio dos colonizadores da Gleba Pirapó ao político Júlio Prestes custou o desenvolvimento de Paranavaí. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o governo federal ordenou em 1931 a cassação de todos os bens da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). A consequência mais drástica foi o desemprego de centenas de migrantes que plantaram mais de um milhão de pés de café.
Tudo começou no início do Século XX, quando todo o Vale do Ivaí ainda era território selvagem, de terras devolutas. Á época, o governo brasileiro teve a ideia de propor permuta às companhias estrangeiras. Oferecia terras em troca da colonização das áreas inabitadas. Quem gostou muito da proposta foi o empresário estadunidense Percival Farquhar, proprietário da Brazil Railway Company que até 1917 administrou 11 mil quilômetros de terras brasileiras.
Braviaco recebeu 317 mil alqueires no Paraná
Naquele tempo, Farquhar que recebeu títulos de posse de 317 mil alqueires no Noroeste do Paraná, conforme registros históricos do governo paranaense, transferiu a administração da área para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), do empresário baiano Geraldo Rocha, também superintendente da Brazil Railway Company e proprietário do jornal carioca “A Noite”.
No mesmo período, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros, funcionário da Companhia Alves de Almeida & Cia, foi incumbido de desbravar uma área que começava na região Oeste de São Paulo e ia até o território paranaense do Rio Paranapanema.
Lá, Medeiros recebeu uma proposta de trabalho do também engenheiro agrônomo e diretor geral da Braviaco, Landulpho Alves (que se tornaria governador da Bahia em 1938), para ajudar a administrar os mais de cem mil alqueires da Gleba Pirapó que somavam 108 quilômetros.
“A área começava no Rio Paranapanema e terminava a margem direita do Rio Ivaí. A mim cabia a supervisão de serviços de campo como derrubada, plantio e formação de cafezais”, escreveu Joaquim Medeiros em um relatório sobre a colonização do Norte do Paraná.
A mão de obra trazida de Minas Gerais
Com a criação do Distrito de Montoya em 1929, Medeiros assumiu o cargo de subdelegado, o que lhe deu autoridade para enfrentar muitos grileiros que acampavam às margens do Paranapanema. “Houve muita luta porque os invasores chegavam aqui em grupos e armados, preparados para tomar posse das terras. Muitas vezes tive de sair daqui para buscar apoio em Curitiba”, relatou.
O que naquele tempo trouxe progresso à região, mas ao mesmo tempo abriu espaço para oportunistas e criminosos, foi a construção de uma estrada com 110 quilômetros que ia do Rio Pirapó até o Rio Ivaí. Pelo mesmo caminho, foi transportado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, atual Paranavaí.
“Em 1926, coordenei a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. Tivemos de fazer uma nova estrada ligando a fazenda ao Porto São José. O objetivo era negociarmos com Guaíra, Porto Mendes e a Argentina, para onde o café seria transportado”, explicou.
Em 1927, Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, e buscou 300 famílias de vários estados para trabalharem no plantio de café. “Trouxe eles até Presidente Prudente em um trem especial. O problema foi que lá choveu durante 40 dias e 40 noites. A estrada estava intransitável e a única ponte que existia tinha caído. Só quando parou de chover que pudemos reconstruí-la”, assinalou. E como se não bastasse, o engenheiro e os migrantes levaram mais de uma semana para chegar a Fazenda Ivaí, pois também choveu na região, fazendo os veículos atolarem com facilidade.
A perda do café e o desemprego dos colonos
Na fazenda, não havia espaço para acomodar todas as famílias, então cada uma tratou de criar o próprio rancho. Construíram casas e realizaram sorteios para decidir qual família seria contemplada. Outra medida que evitava problemas era a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.
O plantio de 1,2 milhão de cafeeiros começou a ser feito em 1927. Trouxeram uma boiada do Mato Grosso para alimentar os colonos. A dedicação dos migrantes permitiu que após três anos o café estivesse pronto para a colheita. Infelizmente, com a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado.
De acordo com Joaquim Rocha Medeiros, esta foi a punição do governo federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha, que apoiou a candidatura do eleito Júlio Prestes, logo deposto pelos aliados de Getúlio Vargas. “Colonos e funcionários da empresa, incluindo eu e Landulpho Alves, tiveram que abandonar o Distrito de Montoya, obrigados a deixar tudo pra trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou.
O desabafo do engenheiro veio à tona 45 anos depois. “O governo Vargas não respeitou os interesses das pessoas humildes que mesmo ao custo de tanto suor perderam tudo. As portas da justiça foram trancadas, deixando na miséria uma multidão de humildes brasileiros.”
Curiosidades
Nos tempos de colonização, era muito comum chamar de nortista ou nordestino qualquer pessoa que viesse de alguma região que não fizesse parte do Sul do Brasil.
Em 1927, o Juizado de Paz realizou o casamento formal de todos os migrantes trazidos de Pirapora, Minas Gerais.