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Fundação Cultural homenageia Emir Mancia
Advogado foi um dos grandes entusiastas da arte paranavaiense
Em homenagem ao falecido advogado e artista Emir Mancia, a Fundação Cultural revitalizou uma antiga placa que carrega um fragmento do poema “Totó Guda”. A placa está exposta em frente a Casa de Cultura Carlos Drummond de Andrade e faz parte do projeto Paranavaí Cidade-Poesia que dá visibilidade ao trabalho de artistas locais.
Emir Mancia, natural de Curitiba, mas radicado em Paranavaí, foi um dos grandes colaboradores e incentivadores da arte e cultura local. Várias de suas músicas e poemas foram selecionados no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). “Ele também dirigia peças de teatro, inclusive foi o fundador do grupo Chaplin”, explica a atriz e professora de teatro, Rosi Sanga.
Embora tinha a advocacia como profissão, Emir Mancia passava muito tempo envolvido com cultura, principalmente música, literatura e teatro. Era um escritor prolífico, no entanto teve tempo de publicar apenas uma obra; “Rastros Recolhidos”, de poemas e crônicas, escrito em parceria com o escritor Roberto Kalil e publicado em 1987.
A classe artística local sempre vira Mancia como um artista polivalente. Tal dedicação fez surgir o convite para presidir a Fundação Cultural em 1988. Naquele mesmo ano, o artista abriu o Femup com uma frase histórica. “Repete-se a alegria de ver a cidade invadida por artistas desse imenso Brasil que, como aves de arribação em tempo certo, aparecem para compartilhar a imensa alegria do conto, da música e da poesia em momentos tão efêmeros, e por isso tão esperados e gratificantes”.
Além de entusiasta do Femup, Mancia foi professor de muita gente que na atualidade se destaca trabalhando com arte e instruindo outras pessoas. “Na minha primeira declamação eu ensaiei com ele”, lembra a professora de teatro. O artista movimentava a classe cultural com idéias inovadoras. Graças ao advogado surgiu em Paranavaí o Centro Cultural Chaplin. Mas, infelizmente, o artista faleceu antes de ver tudo pronto. “Então decidimos homenageá-lo dando ao teatro o nome Emir Mancia”, explica Rosi, acrescentando que Mancia ajudou a escolher o espaço e se responsabilizou pelo registro do centro cultural.
À época, o Teatro Emir Mancia, fundado em 1995, se situava ao final da Rua Rio Grande do Norte em um velho barracão de beneficiamento de café. O espaço atendeu a comunidade por um período de um ano e meio, servindo de reduto para grupos de estudo, oferecendo espetáculos e oficinas para estudantes. Toda semana era apresentada pelo menos uma peça no local. “Lembro que a Elmita Simonetti e o Adriano Morais ajudaram bastante. Realmente havia muita gente envolvida na iniciativa”, destaca Rosi Sanga.
O Centro Cultural era totalmente independente, mantido com recursos dos associados e renda dos espetáculos. Lá, foram apresentadas peças que ficaram em cartaz por um bom tempo como “Mão na Luva”, de Oduvaldo Viana Filho, dirigida por Emir Mancia; “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes; e “A Noite Escura e Mais Eu”, de Lygia Fagundes Telles. Muitas peças infantis também foram encenadas no Teatro Emir Mancia que teve de fechar as portas em função de dificuldades financeiras. “Havia muitas despesas e não conseguíamos mais pagá-las. O aluguel era bem caro”, reitera Rosi.
Segue abaixo o poema do qual foi extraído fragmento para a criação da placa em homenagem ao advogado e artista Emir Mancia
Totó Guda (Femup/1985)
Atrás do morro do Feiticeiro
na cabeceira do Coatinga
rodeoado de ipê, uvaia e cacheta
e guarimirim, no meio de sambaqui,
ergueu cabana, criou porco e galinha,
Heitor Bento e Luiza, naquele rincão guarani.
E matou-se veado, tateto, lontra e paca,
bananal crescendo, por bicho cobra vigiado,
caminho de tigre e onça,
daí tiraram o sustento, mais farinha de mandioca.
Tinhoso de rio, manhoso de mato,
filho de outro casamento, mas não enjeitado,
cresce com igual cuidado e de Deus a ajuda,
o índio caboclo, de apelido Totó Guda
Até os quinze, de corpo mirrado,
tanto remo, subida de morro, corte de gissara,
palmito às costas, aos dezesseis afamado
cerveja em casa de mulher dama
e muita lição a safado.
Em festa de Navegantes, de remo ou de vela,
pescador festejado no cerco à tainha,
matador de robalo, badejo e cardume de pescadinha.
Também na batalha diária da maré
era moço conhecido de Antonina a barra do Jacaré.
Anos que passam, águas que rolam,
rapaz feito e casador, levou mulher pro rancho,
erguido de pau-a-pique, rejuntado de sapé.
Comendo a caça abatida no armado mundéu,
mergulho na água fria, corpo pelado secando ao céu,
picura na banha fritando, no poço bonito, passou lua de mel
Mas os tempos mudaram, plantação definhou,
as crianças chegaram, bananal acabou.
Palmito não corta é lei do Governo,
a caça arribou e o peixe do rio, veneno matou.
Larga o rio vem prá cidade, com tralha e filharéu.
Trabalho é pouco na estiva da Marinha,
porisso as horas perdidas no Chiquito Bordel
Do jogo e da cachaça não larga
filhos crescem e ninguém ajuda,
biscate não tem, volta ao mar, Totó Gudá.
Na noite enluarada, bêbado e briguento,
apanha e surra João Peitudo e Nascimento.
Daí em diante, vingança jurada, à traição
Ou mão armada, só na morte a expiação, prometem os desafetos.
A Páscoa se aproxima, semana santa,
se avizinha, em noite de maré alta,
Totó Gudá as redes lança, em nome de Iemanjá
na procura de peixe bom,
prá comemorar a ressurreição do filho de Oxalá.
Na volta grande folia, na venda do pescado
em roda de amigos e até tantas a cantoria.
Perto de casa, não escapa do atentado,
da faca e da navalha, dos inimigos a autoria.
Parte pro mar, parte pro mar, Totó Guda.
Com teu peito agonizante, das ondas
verdes outro eterno viajante.