David Arioch – Jornalismo Cultural

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Ativistas dos direitos animais intensificam táticas de guerrilha na França

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A organização L214 tem se inspirado nas ações do ativista belga Henry Spira

Marcha pelo fim dos matadouros realizada pela L214 em 10 de junho de 2017 em Paris (Foto: Geoffroy Van Der Hasselt/AFP)

Durante anos, o movimento dos direitos animais, desprezado tanto por políticos quanto pelo público na terra do foie gras, lutou para ganhar força na França, maior produtor e consumidor de carne vermelha da Europa, onde um bilhão de animais são executados nos matadouros.

“O bem-estar animal nunca foi realmente uma causa bem vista pelos políticos franceses, embora o público concorde que os animais não devem ser maltratados”, diz Sébastien Arsac, cofundador de uma das organizações de direitos dos animais mais populares do país, a L214 Éthique & Animaux.

Então, quando Arsac e a cofundadora da organização, Brigitte Gothière, ouviram Emmanuel Macron, agora presidente, prometer salvaguardar direitos básicos para o bem-estar animal durante a campanha eleitoral de 2017, eles acharam que haviam encontrado um aliado. Macron prometeu exigir a instalação de circuito interno de televisão em matadouros e proibir a venda de ovos de galinhas criadas em gaiolas até 2022, que são duas prioridades da L214.

Mas enquanto os legisladores franceses estão debatendo uma lei sobre agricultura e nutrição esta semana, o governo de Macron recuou em relação às suas antigas promessas de campanha, frustrando as esperanças da L214 de fazer incursões com o apoio de líderes políticos.

Por isso, seus ativistas, se espelhando em outros países, incluindo os Estados Unidos, estão intensificando uma campanha de táticas de guerrilha na esperança de chocar o Parlamento e alterar a lei proposta pelo governo.

Recentemente, a L214 lançou uma série de vídeos gravados clandestinamente que mostravam a enorme falta de higiene nas granjas e as terríveis condições em que as galinhas são mantidas – onde há registros de aves arrancando as penas uma das outras e pisoteando cadáveres apodrecidos dentro de suas gaiolas.

A inspiração para essa tática veio de Henry Spira, o ativista belga que emigrou para os Estados Unidos e abraçou a causa dos direitos animais há quase 50 anos. Spira costumava procurar empresas e instituições para conversar sobre o tratamento dispensado aos animais, mas quando isso não funcionava, ele recorria às denúncias de maus-tratos baseadas em registros que ele mesmo fazia. Então as publicava em forma de anúncio nos jornais.

Gothière e Arsac disseram em entrevista ao New York Times que sua organização faz parte do legado do ativista Henry Spira, falecido em 1998. Eles fundaram a L214, a nomeando após a publicação do artigo do código rural francês que define os animais como seres sencientes que devem ter seus direitos respeitados.

Com 50 funcionários e dois mil voluntários por toda a França, a organização tenta dialogar com empresas e instituições, mas quando isso não funciona, eles recorrem à má publicidade baseadas em investigações e registros de denúncias, assim como Spira. Embora as conquistas ainda sejam modestas, a L214, com o apoio do clamor público, conseguiu fechar dois frigoríficos que abatiam vacas, ovelhas e cavalos semiconscientes.

Uma das campanhas mais conhecidas do grupo teve como alvo o “produtor premium” de foie gras, Ernest-Soulard, acusado de torturar gansos após o vazamento de um vídeo de 2013 que mostra aves feridas e angustiadas. No primeiro julgamento, Ernest-Soulard foi inocentado, mas aclamados chefes de cozinha como Joël Robuchon e Gordon Ramsay pararam de comprar seus produtos.

“Como Spira, nosso objetivo é dar um passo de cada vez”, comentou Gothière em entrevista ao New York Times, citando o julgamento de Ernest-Soulard e a proibição dos ovos de galinhas criadas em gaiolas em bateria como exemplos de avanços que não resolvem a situação, mas ajudam a reduzir o sofrimento dos animais.

A Elian Peltier, do NYT, o filósofo australiano Peter Singer, que era amigo de Spira, e está publicando uma biografia sobre a vida do ativista, falou que por muitos anos a França foi um pouco atrasada na sua forma de encarar os animais. Mas reconheceu que a L214 fez progresso com base nos métodos de Spira, que mostrou que o movimento em defesa dos animais tem condições de triunfar sobre grandes corporações e veneradas instituições.

Nos últimos dois anos, a L214 levou dezenas de cadeias de supermercados francesas a se comprometerem a pararem de vender ovos de galinhas em gaiolas em bateria até 2022 ou 2025. No mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, grandes empresas de alimentos se comprometeram a comercializar os chamados “ovos livres”.

No entanto, os métodos da L214 não conseguiram convencer os políticos franceses, e suas demandas enfureceram muitos que veem nos produtos de origem animal um elemento vital da cultura e da economia da França. Ao contrário de vários outros países europeus, como Portugal, Espanha e Holanda, a França não tem partidos políticos que fizeram do bem-estar animal uma prioridade.

Como um sinal de que a L214 está lutando uma batalha contra políticos, a maioria dos legisladores optou por ignorar a convocação da instalação de circuito fechado de televisão em matadouros. “Que tipo de espiral descendente enfrentaremos se começarmos a filmar os funcionários?”, defendeu Sandrine Le Feur, fazendeira e legisladora do partido de Macron, no canal de televisão LCP, que faz oposição a L214.

Até agora, a Grã-Bretanha é a única na Europa com planos de tornar as TVs de circuito fechado obrigatórias em todos os frigoríficos até 2018. O senhor Moreau, ex-gerente de um matadouro e pecuarista que divide seu tempo entre o Parlamento em Paris e sua fazenda na região de Creuse, no centro da França, onde mantém 100 vacas, disse que se recusou a negociar com a L214, que ele chamou de “organização extremista que prejudica os fazendeiros com métodos fascistas “.

Suas críticas à L214 ecoaram uma animosidade generalizada entre os profissionais da indústria da carne, que alegam que as práticas denunciadas pela organização representam a realidade de uma minoria de matadouros. “A causa da L214 não é o bem-estar animal, mas a abolição da criação de animais”, disse Marc Pagès, diretor da Interbev, uma organização nacional de profissionais de carne e gado.

Pagès e Moreau argumentaram que a prioridade é outra. “O fim da pecuária resultaria na extinção de qualquer vida no campo”, exagerou Moreau. De fato, os objetivos finais da L214 seriam revolucionários. A Sra. Gothière declarou a Elian Peltier que apenas uma sociedade vegana seria um sucesso, mas os pequenos passos já são um progresso.

“Quando vejo como nossas sociedades ainda estão lutando contra o racismo ou o sexismo, não estou muito otimista de que verei o fim do especismo em minha vida. Mas também não estou desesperada”, acrescentou.

Referência

Peltier, Elian. Scorned, Animal Rights Advocates in France Intensify Guerrilla Tactics. New York Times (25 de maio de 2018).





 

Henry Spira: “O sofrimento é invisível para pessoas que comem bifes porque elas não vão até o matadouro escolhê-los”

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“Para nós, o consumo de animais não é uma questão de sobrevivência. Podemos ser saudáveis sem comer outros animais”

Spira: “Elas [as pessoas] não vão às fazendas industriais onde o animal é impossibilitado de se mover desde que nasce até a sua morte.” (Acervo: Alchetron)

Considerado um dos ativistas mais engajados no movimento pelos direitos animais nos Estados Unidos no século 20, o belga Henry Spira ficou famoso principalmente por suas campanhas bem-sucedidas contra a realização de testes em animais. Mas a sua história com a defesa animal começou por acaso, quando ele leu um artigo escrito pelo filósofo australiano Peter Singer, publicado pelo New York Review of Books em 1973.

Spira, que teve uma longa história com o movimento pelos direitos humanos, e durante seis anos editou um pequeno jornal sindical da União Marítima dos Estados Unidos, percebeu que faltava algo na sua luta por justiça. “Eu estava no Mississippi, no Extremo Sul. Fui ativo na luta antiguerra. Quando li o artigo de Peter Singer, consegui ver o que era, de fato, o holocausto para os animais. Ocorreu-me que isso não estava certo, não era justo e algo precisava ser feito”, relatou na rara entrevista “Conversarion With Henry Spira: Draize Test Activist”, concedida a Lynne Harriton para a The Humane Society Institute for Science and Policy em 1981.

Em 1973, Spira participou de uma das aulas de Peter Singer, e em 1974 fundou o grupo Animal Rights International, que conquistou repercussão internacional com a realização de uma campanha contra o uso de gatos em pesquisas científicas no American Museum of Natural History. “O livro dele [Peter Singer], Animal Liberation, tirou os direitos dos animais do sentimentalismo – onde as prioridades se baseavam em quão fofo e popular é um animal, e o colocou em uma posição consistente onde o ponto mais importante não era o amor aos animais. O fato é que como esses animais têm sentimentos, eles devem ter direitos”, declarou.

Para Spira, o movimento pelos direitos animais começou a trilhar um novo caminho quando passou a enxergar a quantidade de animais explorados, assim como a dimensão de seus sofrimentos, independente de aparência e popularidade. Na segunda metade da década de 1970, começou a ficar mais evidente a preocupação com a exploração de animais em níveis industriais, para produção de alimentos e produtos, e também de animais em laboratórios. O ativista acreditava que esse deveria ter sido o foco prioritário do movimento muito tempo antes.

Segundo Henry Spira, as pessoas normalmente exploram animais e causam sofrimento a eles não porque sentem prazer nessa atividade, mas porque a sociedade diz que essa prática é aceitável, e claro, tem como reforço a legitimidade legal: “O sofrimento também é invisível para pessoas que comem bifes porque elas não vão até o matadouro escolhê-los. Elas não vão às fazendas industriais onde o animal é impossibilitado de se mover desde que nasce até a sua morte. Laboratórios [que usam animais] não abrem as suas portas para visitas diárias. Na verdade, acreditamos que se as pessoas realmente soubessem o que está acontecendo as coisas mudariam – haveria uma tremenda fúria e protesto.”

Ele sempre considerou os movimentos pelos direitos humanos e pelos direitos animais bem parecidos em diversos aspectos. “De um lado, você tem pessoas com poder e aparato, e do outro você tem pessoas só com a integridade e suas ideias, e o fato de que estão lutando por justiça – e que têm a possibilidade de atraírem grande simpatia para as suas causas”, disse em entrevista a Lynne Harriton.

O ativista belga que chegou aos Estados Unidos com a família em 1940 via como uma grande contradição o costume de explorarmos outros animais para supostamente garantirmos a nossa própria sobrevivência. Um exemplo comum citado por Henry Spira é a realização de testes em animais, que já deveria ter sido banida em todo o mundo: “Acredito que a nossa sobrevivência será garantida quando mostrarmos preocupação com os outros. […] Levando em conta os sentimentos e interesses dos outros, seguindo políticas baseadas no propósito de não prejudicar os outros, estaremos muito melhores do que agora.”

Spira, assim como outros importantes nomes do movimento mundial pelos direitos animais, sempre dividiram a mesma opinião em relação à abrangência da defesa animal. “A filosofia por trás do movimento dos direitos animais é muito mais ampla do que não prejudicar cães e gatos. […] Para nós, o consumo de animais não é uma questão de sobrevivência. Podemos ser saudáveis sem comer outros animais. Qual é o objetivo de todos esses séculos de civilização se acharmos que se uma barata faz algo, por que nós não podemos?”, questionou.

Saiba Mais

Henry Spira nasceu na Entuérpia, na Bélgica, em 19 de junho e 1927 e faleceu em Nova York em 12 de setembro de 1998.

Em 1980, ele realizou uma grande campanha contra os testes em animais realizados pela Revlon.

Referência

The Humane Society Institute for Science and Policy – Animal Studies Repository – 1-1981 – Conversation With Henry Spira: Draize Test Activist Lynne Harriton