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“Não teremos paz enquanto derramarmos sangue de animais”
No livro “Food for the Spirit: Vegetarianism and the World Religions”, de Steven Rosen, lançado em 1987, o escritor judeu e vegetariano Isaac Bashevis Singer afirmou que não teremos paz enquanto derramarmos sangue de animais.
“Foi necessário um pequeno passo baseado na matança de animais para que fossem construídas as câmaras de gás de Hitler e os campos de concentração [gulags] de Stalin. Todas essas ações foram praticadas em nome da [suposta] justiça social. Não haverá justiça enquanto o homem empunhar uma faca ou outra arma para destruir seres mais fracos que ele”, queixou-se.
Considerações sobre Hitler e sua ascensão
Em 1933, o Partido Nazista se tornou o maior partido do Reichstag, sendo liderado por Adolf Hitler que assumiu como chanceler da Alemanha em 30 de janeiro. Foi só quando Hitler, com o apoio do Parlamento, aprovou a Lei Habilitante que a Alemanha começou a sua transição para o nazismo. Sim, a população que o elegeu não sabia exatamente que Hitler submeteria a República de Weimar a um governo autoritário e autocrático.
Também não pensavam a respeito nem se preocupavam com a possibilidade porque a prioridade-mor era a recuperação econômica, independente de qual seria o custo. Sendo assim, se aparecesse um “salvador da pátria”, mesmo que com discurso populista, porém temerário, naturalmente ignorariam e considerariam os louros do possível progresso. E foi o que aconteceu.
Hitler, como líder do maior partido do Parlamento, conquistou bastante influência até 1932, mas não o suficiente para ganhar a simpatia do presidente Paul von Hildenburg, que comandou o Exército Imperial Alemão, e considerava Hitler um “militar medíocre e boêmio”. Hildenburg evitou o máximo que pôde a transmissão da chancelaria para Hitler, mas por pressões externas e políticas acabou cedendo e vindo a falecer pouco tempo depois, em 1934, no mesmo ano em que Hitler instaurou efetivamente o Terceiro Reich.
A principal arma de Hitler para ganhar a confiança da população foi a propaganda nazista que se apresentava como uma terceira via e fez uma grande parcela dos alemães considerarem os judeus como inimigos, mas não a princípio com a tentativa de relegá-los como inferiores (ou com qualquer relação com a questão ariana ou a eugenia), como faria mais tarde, mas sim como representantes de algo que, segundo Hitler, estava destruindo o país – os comunistas e os capitalistas. Isso mesmo, embora uma antítese, Hitler enxergava esses dois espectros econômicos diametrais como inimigos dos alemães, e vendia essa ideia. Essa crença também permitiu que sua popularidade aumentasse muito, já que Hitler era rejeitado pelos muitos simpatizantes de Hildenburg, que o viam como um ameaça ao Estado Alemão.
Mas com a criação de um inimigo visível, e próximo de todos os alemães, a população germânica, imersa no sonho da recuperação econômica, comprou massivamente a propaganda hitlerista como símbolo da idealização de um Estado rico que pudesse não apenas salvar os alemães, mas se sobressair a todos os outros, e a partir daí então se perpetuaria, de fato, a crença na eugenia, e em uma suprassoberania. Em síntese, o nazismo conquistou a simpatia da população não pelo autoritarismo embutido ideologicamente, mas pelos supostos benefícios econômicos que na mente de uma massa incauta faria qualquer mal valer a pena.
Como os matadouros influenciaram Hitler na idealização dos campos de concentração
Em 2002, o escritor Charles H. Patterson publicou o livro “Eternal Treblinka: Our Treatment of Animals and the Holocaust”, em que aborda como os matadouros serviram como referência para a construção dos campos de concentração durante o regime nazista. Tudo começou quando o empreendedor Henry Ford decidiu visitar um matadouro em Chicago. “Os animais abatidos, suspensos de cabeça para baixo em uma corrente móvel ou transportador, passam de trabalhador para trabalhador, e cada um deles executa algum passo particular no processo”, registrou Ford em sua autobiografia “My Life and Work”, de 1922.
Patterson afirmou que essa experiência de Ford, que serviria de exemplo para ele implementar nas suas linhas de montagem um sistema bastante avançado à época, influenciaria Adolf Hitler a seguir o mesmo caminho. A diferença é que em vez do ditador nazista aplicá-lo em fábricas e indústrias, ele faria isso em campos de concentração. “Hitler baseou todo o tratamento dado aos judeus nas linhas de produção dos matadouros dos Estados Unidos. Ele idolatrava Henry Ford, cuja inspiração para o sistema revolucionário da linha de montagem surgiu depois que ele visitou matadouros em Chicago na sua juventude. Essencialmente, Hitler construiu os seus próprios matadouros substituindo animais por seres humanos”, escreveu Charles Patterson na página 72 de “Eternal Treblinka”.
Para o autor isso significa que a objetificação animal durante e após a Revolução Industrial acabou facilitando também a objetificação humana, já que uma acabou por servir de exemplo a outra. Embora ainda hoje muita gente atribua a Ford o pioneirismo na criação das linhas de montagem que simbolizam a organização racionalizada do trabalho, a verdade é que todo o trabalho desenvolvido por ele teve como pioneiros os empresários Gustavus Swift e Philip Armour, da indústria da carne. “Henry Ford ficou tão impressionado com a maneira eficiente com que os operários abatiam e desmembravam animais em Chicago, que ele decidiu contribuir com o abate de pessoas na Europa, desenvolvendo um método que seria usado pelos alemães para matar judeus”, declarou Patterson.
No livro “Harvest for Hope: A Guide to Mindful Eating”, publicado em 2006, a escritora, primatóloga, etóloga e antropóloga britânica Jane Goodall explicou que os animais suspensos, com as pernas agrilhoadas, suas cabeças para baixo, e se movimentando de um lado para o outro, era o modelo perfeito de uma linha de produção aos olhos de Henry Ford, que buscava uma solução para a criação da ideal linha de montagem automobilística. Mais do que eficiente, a linha de produção na indústria da carne ofereceu aos trabalhadores a oportunidade de serem vistos de outra forma:
“Os animais foram reduzidos a produtos industrializados e os operários tornados insensibilizados poderiam se ver como trabalhadores de linha de produção em vez de assassinos de animais. Mais tarde, os nazistas usaram o mesmo modelo de matadouro para o assassinato em massa em campos de concentração. A linha de montagem tornou-se um meio para que os soldados nazistas se desconectassem da matança – vendo as vítimas como ‘animais’, e eles próprios como trabalhadores”, enfatizou Goodall.
Segundo a antropóloga britânica, Henry Ford era um antissemita fervoroso que desenvolveu uma linha de montagem que serviria de base para os campos de extermínio. O empresário admirava abertamente a eficiência nazista. Hitler retribuiu a admiração. O líder alemão considerava ‘Heinrich Ford’, um irmão de armas e manteve um retrato em tamanho real do magnata da indústria automobilística em seu escritório na sede do Partido Nazista.
De acordo com Charles H. Patterson, Henry Ford lançou uma campanha antissemita que ajudou a tornar o Holocausto uma realidade. Para fundamentar essa afirmação, ele cita o jornal Dearborn Independent, lançado por Ford no início da década de 1920. No periódico, ele publicou uma série de artigos baseados nos textos dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, um tratado antissemita que começou a circular pela Europa após a Revolução Russa de 1917.
Mas uma das maiores contribuições de Henry Ford ao regime nazista foi a publicação dos artigos que dariam origem ao livro “The International Jew”, lançado em 1920, uma obra assumidamente antissemita que teve papel fundamental na formação da ideologia nazista. Patterson revelou que Theodor Fritsch, um dos primeiros apoiadores de Hitler, foi um dos principais divulgadores do livro de Ford:
“Graças a uma campanha publicitária bem financiada e ao prestígio do nome Ford, ‘The International Jew’, foi extremamente bem-sucedido. […] Encontrou sua audiência mais receptiva na Alemanha, onde ficou conhecido como ‘The Eternal Jew’. Ford era extremamente popular na Alemanha. Quando sua autobiografia foi comercializada lá, virou imediatamente o best-seller número um do país. No início da década de 1920, o livro se tornou a bíblia do antissemitismo alemão, com a editora de Fitsch editando seis edições entre os anos de 1920 e 1922.”
No livro “Biopolitical Media: Catastrophe, Immunity and Bare Life”, lançado em 2015, Allen Meek frisou que o processo industrializado de abate de animais criados para consumo se tornou um modelo para os nazistas como “solução final”. Ou seja, a forma mais eficaz de se livrar de judeus: “O encobrimento gradual do abate de animais a partir da visão pública; o processo industrializado de matar um número cada vez maior de criaturas (hoje chegando a bilhões) foi o que provocou inevitável comparação com o genocídio nazista. A brutalidade dos assassinatos exige que aqueles que trabalham na indústria da carne se dessensibilizem em relação ao sofrimento animal, enquanto o consumidor de carne é estimulado a jamais pensar sobre o processo de matança, que é mantido fora de vista.”
Meek aponta que a dissociação entre morte e vida incentivada pela indústria fez e faz com que muitas pessoas desconsiderem o sofrimento animal no contexto da cultura de consumo, até pelo fato de haver um proposital distanciamento. Esse mesmo distanciamento fez com que grande parte dos apoiadores do Holocausto não racionalizassem o seu apoio. Ou seja, o sofrimento e as mortes eram desconsideradas porque os apoiadores do genocídio não precisavam testemunhar as medidas de extermínio.
Referências
Patterson, Charles H. Eternal Treblinka: Our Treatment of Animals and the Holocaust. Lantern Books. First Edition (2002).
Ford, Henry. My Life and Work (1922). CruGuru (2008).
Goodall, Jane. Harvest for Hope: A Guide to Mindful Eating. Grand Central Publishing. Reprint Edition (2006).
Meek, Allen. Biopolitical Media: Catastrophe, Immunity and Bare Life. Routledge. First Edition (2015).
Hitler não era vegetariano nem amante dos animais
Rynn Berry é um dos maiores pesquisadores dos Estados Unidos quando se fala na história do vegetarianismo e em figuras históricas que eram vegetarianas. Levando em conta que existe um mau hábito na internet de disseminação de inverdades como forma de tentar invalidar o vegetarianismo e o veganismo como escolha natural por parte de pessoas que não concordam com a exploração animal, acho importante dizer que não, o ditador Adolf Hitler nunca foi realmente vegetariano nem amante dos animais. E as provas disso estão no livro “Hitler: Neither Vegetarian Nor Animal Lover”, de autoria de Rynn Berry, e publicado em 2004. Na obra, ele apresenta registros dos hábitos alimentares de Hitler ao longo de sua vida.