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O dia em que Pedro Tenório assassinou Alma de Gato e Bartolo no Líder Bar
Crime aconteceu no centro de Paranavaí no dia 8 de agosto de 1964
No dia 8 de agosto de 1964, um homem bebendo no Líder Bar, na Avenida Paraná, perto do cruzamento com a Rua Getúlio Vargas, no centro de Paranavaí, explicou a um conhecido que estava negociando a venda de uma fazenda que pertencia a uma família de gaúchos em Querência do Norte. “Vou fechar esse negócio, daí pago a minha dívida, né?”, enfatizou o homem, de acordo com Honório Bonfadini, um dos proprietários do Líder Bar na época, que acompanhou a conversa diante do balcão.
Quando chegou a hora de formalizar a venda, o negociante chamado Pedro Tenório se sentiu lesado porque a transação não foi concluída e ele perdeu a chance de ganhar uma boa comissão. Dois dias depois, retornou ao bar por volta do meio-dia. O local estava lotado, tanto que não havia mais cadeiras e mesas disponíveis. Então Tenório se aproximou do balcão e caminhou até dois homens que conversavam. Sem dizer palavra, sacou um revólver de calibre 44, puxou Onofre de Oliveira, mais conhecido como Alma de Gato, pelo braço e deu-lhe um tiro à queima-roupa no peito.
Bartolo Sanches Perez, que estava ao lado do amigo ferido, ficou inerte, com os olhos estalados. Antes que reagisse, também foi alvejado no peito. Os dois caíram lado a lado enquanto o sangue se misturava no chão do bar. Durante a ação, alguns fregueses tremiam assustados e encolhidos embaixo das mesas. Outros ficaram tão desesperados que correram em direção à Avenida Paraná. “Todo mundo saiu de perto quando ouviu o primeiro tiro. O atirador não chegou a quebrar nada. Só furou a parede e o forro”, relata Bonfadini.
Com calma, Tenório abaixou o revólver e saiu do bar da mesma forma que entrou, ou seja, calado. “Havia muito sangue no chão e muito medo nos olhos de quem presenciou esse crime”, relata o pioneiro João Mariano. O atirador caminhou com tranquilidade até a Rua Getúlio Vargas, onde foi abordado pelo tenente Walter Porto, da Polícia Militar. Não resistiu à prisão e ainda confidenciou que sua intenção era ir até outro bar assassinar mais duas pessoas que segundo ele faziam parte do grupo que interferiu em seus negócios. Feridos gravemente, Alma de Gato e Bartolo acabaram falecendo no hospital.
O pioneiro e ex-prefeito Deusdete Ferreira de Cerqueira se recorda que foi procurado por João Tenório para testemunhar a favor de Pedro Tenório. “Ele era de família abastada. Eu me dava bem com esse parente dele. Mas um dia ele passou na minha casa e disse: ‘É sobre o Pedro, sei que você faz parte do júri popular e quero pedir que salve ele’. Aí expliquei: ‘Ô Seu João, pra mim é difícil. A única coisa que você pode fazer é pedir pra me tirar do júri porque se eu for lá eu condeno ele. Tenho minha consciência e meu senso de justiça’”, lembra.
Após a condenação, Tenório foi transferido para Curitiba. O que o motivou a matar Alma de Gato e Bartolo foi o desejo de vingança e a sensação de impunidade. “Ele tinha amizade com um juiz e um escrivão que se dispuseram a ajudar ele. Ou seja, tudo gente boa”, ironiza Honório Bonfadini, lembrando que era muito comum as pessoas andarem munidas de revólveres de calibre 22 e 38 em 1964.
O duplo homicídio repercutiu tanto que se tornou o assunto mais falado na região por semanas. Inclusive a polícia exigiu que os Bonfadini fechassem o Líder Bar por alguns dias, reabrindo numa segunda-feira. “E tudo isso por causa da corretagem de uma fazenda. Naquele tempo as pessoas matavam facilmente por causa de comissão de terras. Ainda bem que os outros não quiseram se vingar porque senão ia acabar não sobrando ninguém”, pondera Deusdete.
Vizinho de Bartolo Sanches Perez, o pioneiro João Mariano conta que ele era tranquilo e educado. “Uma vez ele passou por uma situação difícil quando o filho dele foi laçar um boi e o animal o arrastou. Levaram o rapaz ao médico e ele se recuperou, mas ficou sem a mão”, confidencia.
Mariano também defende que Alma de Gato, homem alto e magro que conheceu em 1955, não era má pessoa. “Eu era mais novo que o Alma de Gato e tive o primeiro contato com ele em 1953, um ano depois que cheguei em Paranavaí. A propriedade onde moro hoje [Estância Reno] era do pai dele. Tinham uma fazenda enorme, com muito café e mato. Quando comprei, já tinham loteado. O forte deles sempre foi a cafeicultura”, garante Cerqueira.
Curiosidades
Alma de Gato e Bartolo estão sepultados na primeira seção de gavetas do Cemitério Municipal de Paranavaí.
Alma-de-Gato é o nome de um pássaro originário da Amazônia que tem a cauda longa, o peito acinzentado e a plumagem cor de ferrugem.
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Irmãos Bonfadini, uma história de luta e união
Raridade entre as famílias de hoje em dia, os Bonfadini nunca se separaram
Assim como muitos migrantes, o que trouxe os sete irmãos Bonfadini a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi a vida difícil. Em Encantado, cidade situada em uma região de morros no Rio Grande do Sul, a economia da família era baseada na criação de suínos. Então sonhavam em migrar para uma área plana, onde pudessem investir em outras atividades. “A vida no Rio Grande era dura. A gente queria ir pra um lugar sem pedras. Trabalhamos, lutamos e fizemos economia, crentes de que um dia sairíamos de lá”, explica o pecuarista Honório Bonfadini.
O sonho se concretizou em 1960, quando se mudaram para Paranavaí logo depois de conhecer um corretor que falou das terras boas da região. “Viemos em sete irmãos. Eram quatro homens e três mulheres. Cheguei e me senti no paraíso. A diferença para o lugar onde morávamos no Rio Grande era imensa”, explica Honório entre sorrisos e um tom de voz remansoso.
O trajeto até Paranavaí levou dias e foi percorrido de ônibus. A vontade de mudar de vida era tão grande que trouxeram pequenas malas com poucas peças de roupa, deixando todos os móveis e utensílios domésticos. “Paranavaí sempre foi bonita, né? Só que asfalto não tinha. Na Avenida Paraná só existia um pedacinho de malha viária”, lembra Honório.
O maior objetivo dos Bonfadini era investir na área urbana. Quando ficaram sabendo que o Líder Bar estava fechado por ordem judicial, em decorrência de badernas, brigas e trocas de tiros, não pensaram duas vezes. “O preço era bom. Por isso compramos e reabrimos. Só deu um pouco de trabalho pra reformar. Como não tínhamos dinheiro pra gastar, contratamos um pedreiro e ajudamos a reconstruir”, relata rindo e meneando a cabeça.
Além de Honório, o Líder Bar, situado na Avenida Paraná, perto do cruzamento com a Rua Getúlio Vargas, contou com a dedicação de Ida, Eva, Gema, Ricieri, Adão e Orestes. Praticamente a família inteira trabalhou no local de 1960 a 1965. “Era bar e restaurante. Tinha o prato do dia, salgados, sanduíches, bolos, chocolates e sorvetes. Os doces eram mais das crianças, né? Ah, o pessoal gostava muito de bauru! Mas a maioria vinha pelo café”, explica. A comida era vendida “por cabeça”. Pagava-se um preço fixo e comia à vontade no almoço ou no jantar.
Embora o ambiente fosse familiar, o Líder Bar se popularizou como ponto de encontro de homens. “A mulherada naquele tempo tinha medo de homem”, justifica Honório às gargalhadas. Apesar das limitações da época, o estabelecimento surpreendia pelo horário de funcionamento. Começava a atender às 6h30 e parava de madrugada, por volta da 1h. No verão, logo cedo a casa enchia. No inverno, à tarde o movimento crescia.
Além de proporcionar horas de descontração, o bar servia como escritório, tanto para profissionais quanto picaretas. Muita gente passava no estabelecimento antes do início do expediente, assim como muitos saíam do trabalho e iam direto pra lá bater papo e tomar um aperitivo.
A fama do bar atraía pessoas de toda a região de Paranavaí. E mais, até estrangeiros. Honório Bonfadini perdeu as contas de quantas vezes recebeu italianos, alemães, espanhóis e portugueses que chegaram ao balcão segurando um pedaço de papel em que estava escrito o endereço do Líder Bar acompanhado de alguns elogios. “Só que era um tempo difícil. Não tinha conforto e o nosso abastecimento de energia dependia de um motor”, garante.
Apesar das dificuldades, admite que ser proprietário do bar mais movimentado de Paranavaí era um privilégio. Vendiam muito e ganhavam bastante dinheiro. Honório sempre viu o Líder Bar como um ambiente modesto, de proporções medianas – com um longo balcão, algumas porções de cadeiras e mesas, sala e área reservada para comemorações.
Muita gente frequentava o local por causa do frango frito e do frango em molho, duas das especialidades dos Bonfadini. “Não tinha frango de granja, era só caipira. A gente fazia o possível pra nunca faltar”, enfatiza. Outro ponto alto era a limpeza. Independente do horário em que o bar fechasse, a família fazia questão de deixá-lo limpinho para a manhã do dia seguinte. Também se uniam para uma faxina geral uma vez por semana.
Os jovens engraxates aproveitavam a movimentação para encostarem caixas e banquinhos em frente ao bar, aguardando a entrada e a saída da freguesia. Na entrada os clientes se livravam do barro batendo as botas na soleira. No interior ouviam-se muitas vozes acompanhadas de sons de pratos, copos, cadeiras e mesas sendo arrastadas. A música no bar era o “barulho do movimento”, segundo Honório Bonfadini.
Em 1965, a crise da monocultura cafeeira motivou a família a se mudar para Planaltina do Paraná, a pouco mais de 50 quilômetros de Paranavaí. O Líder Bar precisava de reforma e o investimento seria desproporcional aos lucros. A melhor opção era desistir da atividade. “As geadas acabaram com o café. Muita gente foi embora. Como nosso bar ficou parado, decidimos partir. Os que moravam aqui nesta propriedade rural em Planaltina, onde conversamos agora, queriam ir pra cidade. Fizemos a troca pelo bar e viemos para o mato. Já estamos aqui tem 50 anos”, revela.
Seis dos irmãos Bonfadini nunca se casaram
Dos sete irmãos Bonfadini que se mudaram para o Paraná, seis jamais se casaram. “Tivemos de fazer economia pra conseguir alguma coisa na vida quando ainda tinha idade pra casar. A luta foi feia. Namorei pouco. Não deu tempo”, justifica o pecuarista Honório Bonfadini em tom singelo.
Apesar disso, Honório não se esquece que em Paranavaí tinha muitas mulheres bonitas. “Era uma alegria para os olhos. Só que eu não ia em festas porque precisava trabalhar”, argumenta. À noite, quando saía de vez em quando para passear, era impossível ficar sozinho com alguma moça. Sempre havia guardas noturnos nas esquinas e eles repreendiam quem tentasse namorar em locais escuros. Mesmo com a rotina atribulada, o comerciante teve a oportunidade de conhecer figuras lendárias da música brasileira, como Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana e Roberto Carlos. “O comércio e as emissoras de rádio organizavam shows muito bons”, assinala.
Uma vez uma cantora espanhola se aproximou de Honório Bonfadini no balcão do Líder Bar e pediu uma dose de conhaque Dreher. Então os dois começaram a conversar. O comerciante entendia bem o espanhol, tanto que o papo se estendeu por horas. Antes de se despedir, a cantora o convidou para ir ao seu show que seria realizado em Paranavaí na mesma noite. Como o jovem Honório não poderia se ausentar do trabalho, ela se comprometeu em retornar ao final da apresentação.
Honório a esperou. Depois ficou sabendo que a moça encontrou um espanhol. Em vez de ir ao Líder Bar a cantora foi com o acompanhante para a Adega Espanhola na Rua Marechal Cândido Rondon. “Nunca mais a vi”, lamenta. Após se mudar para Planaltina do Paraná, não quis mais saber de se casar. “Aqui eu já estava fora de época. Não queria mais. Não tinha mais idade pra isso”, pontua.
Família sempre se manteve unida
Raridade entre as famílias de hoje em dia, os Bonfadini sempre se mantiveram unidos. De um total de 11 irmãos que viviam no Rio Grande do Sul, sete vieram ao Noroeste do Paraná e nunca perderam contato. Inclusive seis moraram juntos a vida toda.
“Só tivemos uma irmã que se casou e mudou para Presidente Epitácio, no interior de São Paulo. Nosso pai ensinou que devemos estar sempre perto uns dos outros, se respeitando e se ajudando. Se houver alguma falha, tudo bem, a gente tem que perdoar e seguir em frente”, ensina Honório Bonfadini que teve de lidar com a morte dos quatro irmãos mais velhos que viviam no Rio Grande do Sul. Em Planaltina do Paraná, perdeu também a irmã Ida em 2006 e os irmãos Ricieri e Orestes em 2004 e 2010.
Desde que se mudaram para Planaltina em 1965, não quiseram mais investir no comércio. Nos primeiros anos arriscaram plantar café. Depois priorizaram a pecuária. “Você levava uma manhã para chegar a Paranavaí quando chovia. E havia mato para todo lado. Era complicado chegar na cidade”, pondera e declara que Planaltina do Paraná tinha o mesmo tamanho de hoje.
Netos de imigrantes italianos, os irmãos Bonfadini tem raízes em Bento Gonçalves, onde os pais nasceram e viveram até migrarem para a região de Porto Alegre. “Temos sobrinhos lá no Rio Grande do Sul, mas não viajamos mais pra lá. Eles que costumam vir pra cá”, garante Honório.
Sentado em uma cadeira de varanda no sobrado que ajudou a construir em 1982, Honório diz com um sorriso impoluto e um olhar sereno que até hoje se sente bem vivendo no campo, onde a vegetação ajuda a reter umidade e preservar o frescor nos dias mais ensolarados. Mais à frente, aponta o dedo para uma área erma.
Lá, ele e os irmãos viveram anos em um casebre de madeira. Dos tempos de colonização resta ainda uma tulha acinzentada que pode ser vista logo na entrada da propriedade rural, às margens da PR-218, um marco das transformações culturais da região. O local que um dia armazenou grandes quantidades de café, há muito tempo serve de abrigo para o feno.
Curiosidades
Nos tempos da colonização, o revólver de calibre 44 era conhecido em Paranavaí como uma arma usada em execuções.
Honório Bonfadini nasceu em 8 de setembro de 1929.