David Arioch – Jornalismo Cultural

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Howard Lyman, a transformação de um pecuarista multimilionário em um ativista vegano

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“Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que os come?”

Lyman: “Nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer” (Foto: Reprodução)

Howard Lyman talvez tenha uma das histórias mais famosas de transformação de um pecuarista multimilionário em um ativista vegano. Desde o início da década de 1990, ele tem promovido o veganismo nos Estados Unidos e publicado obras que revelam as mazelas da indústria agropecuária, e sob a perspectiva de quem fez parte desse meio por mais de 20 anos.

Da quarta geração de uma família de pecuaristas, Lyman frequentou a Universidade Estadual de Montana, onde se graduou em agricultura geral em 1961. Depois passou dois anos no Exército dos Estados Unidos antes de comprar a sua própria fazenda: “Eu acordava cedo, fazia a roçada, ouvia os pássaros cantando e me sentia como o guardião do Éden. Meu sonho era ser um fazendeiro. Então fui para a universidade. Comprei uma fazenda orgânica e com o passar dos anos, já possuía mais de 7 mil cabeças de gado e mais de 12 mil hectares.”

De 1963 a 1983, Lyman dedicou a maior parte do seu tempo à criação de animais e grãos, convertendo a sua fazenda orgânica em uma megaoperação de confinamento de animais visando a extração de leite e o abate. “Lembro como se fosse hoje quando trouxemos os animais e demos a eles entre 7 e 21 vacinas. Cortamos os chifres, castramos eles, injetamos hormônios e os alimentamos com resíduos e antibióticos. Na fazenda, eu via tantas moscas juntas que você podia pegá-las aos montes apenas abrindo e fechando as mãos”, narra.

Além de nove mil bovinos, incluindo bezerros enviados ao matadouro para atender ao mercado de carne de vitela, ele criava porcos e aves. Também produzia grãos, silagem e feno: “Levantávamos cedo, quando não havia nevoeiro, e pulverizávamos inseticidas por toda a propriedade. Havia sempre uma grande nuvem flutuando sobre o gado, sobre a água e sobre a comida, e o inseticida atingia tudo. Duas horas mais tarde, o gado se alimentava e bebia aquela água contaminada. Essas são as coisas que aprendi na Universidade Estadual de Montana.”

O ex-pecuarista admite que era preciso dissimular a realidade para seguir em frente. Sempre que via os pássaros mortos, as árvores morrendo, e o solo de sua fazenda mudando, ele se esforçava para não pensar em como estava gastando centenas de milhares de dólares em produtos químicos. “Eu era o responsável por tudo isso. Meu irmão faleceu aos 29 anos, e ainda hoje acho que ele morreu por causa desses produtos químicos que usamos na fazenda”, declara.

Em 1979, quando ainda criava animais para consumo, Lyman foi diagnosticado com um tumor na espinha. Diante da possibilidade de ficar paralítico, ele prometeu que se sobrevivesse ao câncer se afastaria dos meios de produção baseados em produtos químicos.

“Eu estava no auge da minha carreira quando fiquei paralisado da cintura para baixo. É preciso muita concentração para direcionar a sua atenção para outra coisa que não seja a sua situação. No hospital, os médicos disseram que eu tinha uma chance em um milhão de voltar a andar por causa de um tumor dentro da minha coluna vertebral. Fui levado para a sala de cirurgia e operado durante 12 horas. Eles removeram um tumor do tamanho do meu polegar. Saí do hospital depois de uma operação com uma chance de sucesso em um milhão. Me lembro de estar na fazenda após a operação.”

Em casa, o pecuarista viu o próprio reflexo no espelho e teve um momento de conflito existencial que, segundo ele, foi uma das primeiras situações em que foi honesto consigo mesmo. Lyman, que costumava dizer a si mesmo que amava os animais, se perguntou:

“Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que os come?” Foi tão traumático para mim que eu quase arranquei a pia da parede. Essa foi uma porta da minha alma que eu nunca tinha aberto antes. E uma vez que a abri, nunca mais consegui fechá-la porque eu sabia como esses animais pareciam quando eles caíam mortos no chão. Eu sabia o que havia em seus olhos, e eu era a pessoa que os colocava lá. Era como se tudo o que você acreditasse que é justo e sagrado de repente estivesse em risco.”

Naquele dia, Lyman se perguntou como falaria para a própria esposa que a sua operação multimilionária era um erro, e que ele percebeu que a sua fonte de renda foi construída “sobre a areia”; já que tudo em que Howard Lyman acreditava estava em risco porque, pela primeira vez se deu conta de que o seu lucro era baseado no assassinato de animais. “Como eu poderia dizer que talvez o que devêssemos fazer era sair desse negócio?”, lembra.

Lyman reconheceu que não poderia falar de seus conflitos com seus amigos, porque todos eles trabalhavam no mesmo ramo. Não teve nenhum apoio. Pensou também em falar com um padre, mas concluiu que provavelmente o próprio padre comia tanta carne quanto ele. “Foi o momento mais solitário e mais difícil da minha vida”, garante.

No entanto, a grande transformação de Howard Lyman só aconteceria alguns anos depois. Em 1990, quando atuava como lobista em Washington, ele estava muito acima do peso e enfrentando problemas de saúde como pressão alta e altos níveis de colesterol. Então decidiu definitivamente se tornar vegetariano. No ano seguinte, mais decidido e com uma opinião mais forte sobre os direitos animais, fez a transição para o veganismo e transformou a sua fazenda em um santuário para animais. Também começou a promover o veganismo em diversas regiões dos Estados Unidos, defendendo também a produção orgânica de vegetais:

“Nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer. Estive em centenas de matadouros, vi milhares de animais morrerem, e sempre que eu os observava, eu notava que eles sabiam o que aconteceria com eles. Havia o cheiro de morte. Eu me questionava: ‘Existe alguma necessidade disso?’”

Em abril de 1996, o ex-pecuarista participou do programa The Oprah Winfrey Show, onde denunciou as mazelas da indústria de proteína animal. Suas revelações tiveram repercussão nacional e fizeram com que Oprah abdicasse do consumo de hambúrgueres. Lyman e a apresentadora tiveram de responder a dezenas de processos da Associação dos Produtores de Carne Bovina dos Estados Unidos, mas foram inocentados em 1998. “Tenho certeza de que se eu fosse novamente ao programa, hoje eu seria condenado, mesmo falando a verdade”, lamenta.

Também em 1998, Howard Lyman, que se tornou uma referência em veganismo para a atriz vegana Linda Blair, publicou o livro “Mad Cowboy: Plain Truth from the Cattle Rancher Who Won’t Eat Meat”, em que narra a sua trajetória pessoal e profissional de pecuarista à ativista vegano. Também traz importantes informações sobre as mazelas da indústria agropecuária, o que inclui investigações do uso de nocivos produtos químicos nesse meio. Em 2005, ele lançou o livro “No More Bull! The Mad Cowboy Targets America’s Worst Enemy: Our Diet”, que é uma continuação da obra de 1998. A sua história é narrada no documentário “Mad Cowboy” e em “Peaceable Kingdom” – este segundo com boa repercussão internacional.

Lyman também aparece no famoso documentário “Cowspiracy”, de Kip Andersen e Keegan Kuhn, em que afirma que não faz sentido um ambientalista consumir produtos de origem animal. “Engane-se se quiser. Aliás, se quiser alimentar o seu vício, faça-o, mas não chame a si mesmo de ambientalista ou protetor dos animais”, critica.

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Entre os anos de 1996 e 1999, Howard Lyman foi presidente da União Vegetariana Internacional.

 Referências

Lyman, Howard. Mad Cowboy: Plain Truth from the Cattle Rancher Who Won’t Eat Meat (1998).

Capps, Ashley. Former meat and dairy farmers who became vegan activists. Free From Harm (4 de novembro de 2014).

Stein, Jenny. Peaceable Kingdom (2004).

Andersen, Kip; Kuhn, Keegan. Cowspiracy (2014).





 

Linda Blair sobre ser vegana: “Você se torna muito mais consciente sobre os alimentos que consome e sobre as atrocidades contra os animais”

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“A forma como a criação de animais afeta o meio ambiente, afeta o oceano, o ar, e é isso que muitas pessoas não percebem”

Linda Blair criou uma fundação em 2003 para ajudar animais abandonados (Foto: LBWF)

Em 1988, a atriz estadunidense Linda Blair, mais conhecida pela interpretação de Regan MacNeil, a garota possuída do filme “O Exorcista”, de 1973, estava lendo um artigo sobre pesticidas, chuva ácida e animais criados em fazenda quando tomou a decisão de se tornar vegetariana e mais tarde vegana. “Certamente mudou a minha vida. Você se torna muito mais consciente sobre os alimentos que consome e sobre as atrocidades contra os animais. A forma como a criação de animais afeta o meio ambiente, afeta o oceano, o ar, e é isso que muitas pessoas não percebem”, relatou em publicação do God’s Direct Contact.

Linda, que nunca mais teve problemas com peso depois que se tornou vegetariana, vê o vegetarianismo como uma solução para pessoas com problemas de obesidade e diabetes, principalmente crianças. Mas, para além da saúde, o que a levou para esse caminho foi a sua afinidade e amor pelos animais desde a infância.

De acordo com informações do site da Linda Blair WorldHeart Foundation, a mãe de Linda, quando era muito jovem, a ensinou sobre a importância de ser compassiva com os animais, tanto que quando criança ela sonhava em ser médica veterinária. “Embora este sonho não se concretizou, ela continuou a honrar seu amor pelos animais sendo anfitriã em eventos realizados por santuários, defendendo golfinhos, baleias, a conservação do oceano e alertando sobre a crise da crueldade animal nos Estados Unidos”, destacou a LBWF.

Em 2003, ela fundou a Linda Blair WorldHeart Foundation, que resgata, adota e reabilita animais abandonados, inclusive aqueles prestes a serem sacrificados. Linda também já participou de muitas iniciativas da Feed the Children, Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais (Peta), The Humane Society e Last Chance for Animals. O seu prestígio como atriz e ativista já ajudou a alavancar muitas campanhas em benefício dos animais nos Estados Unidos. A fundação de Linda Blair também educa pessoas para lidarem corretamente com animais.

Linda sempre gostou de conviver com animais (Acervo: LBWF)

“Enfatizamos a nutrição adequada, fornecemos cuidados veterinários, instalações confortáveis, treinamento, socialização e, claro, amor em abundância. Usando a mídia como uma saída para a educação, esperamos elevar o nível de consciência sobre questões importantes como superpopulação de animais e lutas de cães”, informou o site da fundação.

Questionada por Tamar Alexia Fleishman, do Bankrate, em agosto de 2001, se ela tem o hábito de colocar roupas extravagantes em animais de companhia, Linda deixou claro que não e afirmou que isso não é bom para os animais. “No movimento dos direitos animais, não decoramos nossos cães. Isso diminui sua autoestima. Tenho um whippet que possui um pequeno casaco, isto porque ele estava em Connecticut no inverno e ficou frio”, justificou.

A atriz contou que os cães sob sua tutela são alimentados somente com refeições vegetarianas, e que até mesmo alguns brinquedos que dá a eles, como ossos grandes, são feitos com materiais livre da exploração animal. “Não visto couro, caxemira, seda…”, acrescentou em entrevista a Tamar.

Também em 2001, Linda Blair, em parceria com Sunny J. Harris, escreveu e publicou o livro “Going Vegan”. A obra destaca a importância de se refletir sobre o que as pessoas estão fazendo com os seus próprios corpos, com os animais e com o planeta. Quem também se tornou uma referência para a atriz e ativista, e positivamente a influenciou muito, foi o ativista dos direitos animais e ex-pecuarista Howard Lyman, autor do livro “Mad Cowboy”, que viaja pelos Estados Unidos dando palestras sobre veganismo. Linda o considera o seu “segundo pai”.

“Ele foi um fazendeiro de gado da quarta geração e teve câncer. Ele falou sobre todos os seus amigos morrendo por causa de problemas no coração. Podemos eliminar doenças cardíacas, câncer, diabetes e obesidade. Volte para os alimentos básicos, torne-se vegetariano e depois vegano. E você vai entender sobre o que estamos falando. Ele sobreviveu ao câncer em sua coluna vertebral. Acho que podemos fazer a diferença lá fora. Na minha opinião, muitas das doenças vêm da comida e da água”, destacou Linda Blair.

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Linda Blair nasceu em Saint Louis, no Missouri, em 22 de janeiro de 1959.

Recebeu uma indicação ao Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante por sua interpretação em “O Exorcista”, de William Friedkin.

Referências

http://www.lindablairworldheart.org/about-us/

http://www.godsdirectcontact.org.tw/eng/news/160/vg2.htm

http://www.bankrate.com/nsccan/news/investing/20010816a.asp

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Como a pecuária contribui com o aquecimento global

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Documentário apresenta a verdade inconveniente negligenciada por Al Gore em 2006

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Cowspiracy aponta a pecuária como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia (Foto: Divulgação)

Lançado em 2014, Cowspiracy – The Sustainability Secret é um documentário de Kip Andersen e Keegan Kuhn que mostra de que forma a pecuária tem contribuído com o aquecimento global, inclusive sendo apontada como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia.

E para endossar a denúncia, os realizadores usam como referência o relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) que cita a pecuária como uma das grandes culpadas pela degradação do solo, mudanças climáticas, poluição, esgotamento de água e perda da biodiversidade.

Quando o assunto veio à tona em 2006, a ONU iniciou um trabalho de defesa da reeducação alimentar baseada em dietas vegetarianas, ou pelo menos a redução do consumo de carne e laticínios, uma transformação que pode desacelerar a produção e ajudar a combater o aquecimento global.

Com o relatório em mãos, o documentarista Kip Andersen questiona os porta-vozes de grandes organizações de proteção ao meio ambiente, como Green Peace, Sierra Club, Rain Forest Action Network, 350.org, Amazon Watch e Oceana, sobre o motivo de jamais terem falado sobre o papel da agroindústria no aquecimento global.

Insistente, Andersen faz com que a diretora da Amazon Watch, Leila Salazar Lopez, abra o jogo em um segundo encontro, quando ele a questiona sobre o silêncio dessas entidades. Antes ele ressalta a gravidade da situação ao informar que a Amazônia Brasileira, o lugar com a maior biodiversidade do planeta e que já perdeu 80% de sua área original, pode desaparecer nos próximos dez anos por causa da desenfreada produção de gado e soja.

“Podemos ver o que aconteceu no Brasil depois da aprovação do Código Florestal. Quem falava contra os lobistas e os interesses das agroindústrias era assassinado. Um exemplo é o caso do José Cláudio Ribeiro da Silva [falecido em 2011], um dos ativistas que dizia que a agropecuária estava destruindo a Amazônia. Veja o exemplo de Dorothy Stang, a freira que morava no Pará e foi assassinada. Muita gente fala, mas muitos ficam calados porque não querem acabar com uma bala na cabeça”, argumenta Leila.

A freira Dorothy Stang se opôs ao desmatamento praticado pela agropecuária durante anos. Certa noite, ao entrar em casa foi brutalmente baleada à queima-roupa por um matador de aluguel. Além dela, mais de 1100 ativistas foram mortos no Brasil nos últimos 20 anos, de acordo com o filme.

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Keegan Kuhn e Kip Andersen, responsáveis pela produção de um dos documentários mais controversos dos últimos anos (Foto: Divulgação)

“Quem se beneficia e faz lobby para este sistema agrícola são os maiores produtores alimentares, os maiores produtores de carne. Quando eles crescem e enriquecem, eles usam o poder político que possuem para ditar as políticas federais quanto à produção de alimentos”, destaca Wenonah Hauter, diretora executiva da ONG Food & Water Watch.

A partir daí tudo fica claro para os documentaristas. Kip Andersen, que se inspirava em Al Gore para se tornar ambientalista, se decepcionou quando soube que esse foi o motivo pelo qual o ex-vice-presidente não citou a pecuária no documentário An Inconvenient Truth, sobre as causas do aquecimento global.

De acordo com o ambientalista e escritor Will Tuttle, diariamente a população humana, que chegou a sete bilhões em 2011, consome 20 bilhões de litros de água e 9,5 bilhões de quilos de comida. Enquanto isso, 1,5 bilhão de bovinos, de um total de 70 bilhões de animais criados no mundo todo, consomem 170 bilhões de litros de água e 61 bilhões de quilos de comida. “Quase um bilhão de pessoas passam fome todos os dias”, acrescenta Tuttle, realçando o absurdo da situação.

Além disso, 50% da produção de legumes e vegetais é destinada aos animais. Só nos Estados Unidos, 90% da soja é para o consumo das criações. “Comparando com a carne, podemos produzir, em média, 15 vezes mais proteínas a partir de fontes vegetais, e usando o mesmo tipo de terra, seja fértil ou não. Hoje, 82% das crianças que passam fome vivem em países onde a comida é dada aos animais. O mais incrível é que temos condições de alimentar todos os seres humanos”, revela o pesquisador Richard Oppenlander, autor do livro Food Choice and Sustainability.

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Infográfico do documentário Cowspiracy (Tradução: Nó de Oito)

Em uma de suas pesquisas, Andersen descobriu que um hambúrguer de 110 gramas requer mais de 2,5 mil litros de água se for levado em conta todo o processo antes de chegar ao consumidor final. “Equivale a tomar banho por dois meses”, compara. E para a produção de quatro litros de leite são necessários 3,8 mil litros de água. E a demanda desproporcional à produção se acentua a cada dia. John Taylor, proprietário da Bivalve Organic Dairy, informa que não há terras o suficiente no mundo para que leiterias orgânicas como a sua ganhem espaço. Ele acredita que os laticínios não são sustentáveis.

“A não ser que comecemos a substituir as casas por pasto. E isso só pode acontecer se a população diminuir. E como sabemos que ela vai continuar a crescer, o jeito é buscar alternativas. Vemos por aí leite de soja, de amêndoas, e muitos outros produtos com misturas diferentes. Levam insumos e proteínas. Acredito que veremos mais disso no futuro”, avalia Taylor.

O ativista vegano Howard Lyman, autor do livro Mad Cowboy, passou 45 anos envolvido com a agropecuária. Há alguns anos, quando participou do programa Oprah Winfrey Show, ele denunciou as mazelas do setor e teve de responder a dezenas de processos. Em entrevista a Kip Andersen, confidenciou que levou cinco anos para se livrar das ações movidas pelas agroindústrias. “Tenho certeza de que se eu fosse novamente ao programa, hoje eu seria condenado, mesmo falando a verdade”, lamenta.

Lyman também deixa claro que Andersen e Keegan Kuhn corriam riscos ao abordarem um assunto tão controverso. Após quase 60 minutos de documentário, eles recebem uma ligação de uma patrocinadora avisando que não vai mais investir em Cowspiracy. “A maioria fica chocado ao saber que ativistas ambientais são considerados a pior ameaça terrorista de acordo com o FBI. Acredito que porque, mais do que qualquer outro movimento social, ameaçam diretamente os lucros empresariais”, enfatiza o jornalista Will Potter, autor do livro Green Is The New Red, e que há anos é monitorado pelo FBI.

A maior parte do documentário, os realizadores não acompanham de perto a realidade dos animais, principais vítimas da agroindústria. Quando decidem fazê-lo, ficam surpresos com o que veem e aprendem. “Não importa se as galinhas são de fazendas orgânicas ou não. A verdade é que a partir do momento que a produção diminui elas são mortas”, relata Marji Beach, diretora de educação do santuário Animal Place.

O autor do best-seller In Defense of Food, Michael Pollan, prevê que quando a população mundial chegar a nove bilhões de pessoas o consumo de carne vai diminuir. “Não teremos como produzir tantos cereais para alimentar os animais de corte”, argumenta, crente de que o futuro está na sustentável dieta vegetariana.

No encontro com Lyman, Andersen ouve o ativista afirmando que um ambientalista não pode consumir produtos de origem animal. “Engane-se se quiser. Aliás, se quiser alimentar o seu vício, faça-o, mas não chame a si mesmo de ambientalista ou protetor dos animais”, assinala.

O discurso tem tanto impacto que Kip Andersen decide se aprofundar no veganismo. Para isso, ele visita o médico Michael A. Kepler, vegano há 32 anos e que leva uma vida saudável. Kepler inclusive faz o acompanhamento de gestantes veganas. “Nascem 216 mil pessoas no mundo a cada dia, e assim precisamos de 14 mil hectares de terra cultivável todos os dias. O que é impossível de se conseguir”, reconhece o produtor de vegetais orgânicos John Jeavons, autor do livro How to Grow More Vegetables.

Enquanto um vegano requer 0,6 hectare de terra por ano para se alimentar, um ovolactovegetariano precisa do triplo e uma pessoa com dieta onívora necessita de uma área 18 vezes maior que essa. “Isto porque pode-se produzir 16 mil quilos de vegetais em 0,6 hectare e apenas 170 quilos de carne na mesma área. Uma dieta vegana também produz a metade de CO2 de uma dieta onívora. E ainda gasta só 9% de combustíveis fósseis, 8% de água e 5% do solo”, frisa Kip Andersen.

Will Tuttle acredita que em grande escala a adoção do veganismo poderia contribuir muito para a recuperação do ar, das florestas, rios e oceanos, além do próprio restabelecimento da saúde humana. “Nenhuma outra escolha é tão abrangente e tem um impacto tão positivo sobre a vida na Terra do que deixar de consumir produtos de origem animal e adotar o estilo de vida vegano”, pontua o escritor.

Curiosidade

Ao final do documentário, Skip Andersen decide adotar o estilo de vida vegano.

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Howard Lyman, a redenção de um ex-pecuarista

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Eu vi o medo nos olhos desses animais, mas até então não me permitia pensar a respeito

Howard Lyman, o homem que abandonou tudo por amor aos animais (Foto: Reprodução)

Howard Lyman, o homem que abandonou tudo por amor aos animais (Foto: Reprodução)

Eu acordava cedo, fazia a roçada, ouvia os pássaros cantando e me sentia como o guardião do Éden. Meu sonho era ser um fazendeiro. Então fui para a Universidade Estadual de Montana [nos Estados Unidos] estudar agricultura. Comprei uma fazenda orgânica e com o passar dos anos eu já possuía mais de sete mil cabeças de gado e mais de 12 mil hectares. Lembro como se fosse hoje quando trouxemos os animais e demos a eles entre 7 e 21 vacinas.

Cortamos os chifres, castramos eles, injetamos hormônios e os alimentamos com resíduos e antibióticos. Na fazenda, eu via tantas moscas juntas que você podia pegá-las aos montes apenas abrindo e fechando as mãos. Por isso levantávamos cedo, quando não havia nevoeiro, e pulverizávamos inseticidas por toda a propriedade.

Havia sempre uma grande nuvem flutuando sobre o gado, sobre a água e sobre a comida, e o inseticida atingia tudo. Duas horas mais tarde, o gado se alimentava e bebia aquela água contaminada. Essas são as coisas que aprendi na Universidade Estadual de Montana.

E pensei que estava tudo bem. Mas em minha mente, quando eu observava os pássaros mortos, as árvores morrendo, o solo mudando, eu nem me atrevia a pensar em como eu estava gastando centenas de milhares de dólares em produtos químicos. Eu era o responsável por tudo isso.

Meu irmão faleceu aos 29 anos, e ainda hoje acho que ele morreu por causa desses produtos químicos que usamos na fazenda. Em 1979, quando eu estava no auge da minha carreira, fiquei paralisado da cintura para baixo. É preciso muita concentração para direcionar sua atenção para outra coisa que não seja a sua situação.

No hospital, os médicos disseram que eu tinha uma chance em um milhão de voltar a andar por causa de um tumor dentro da minha coluna [ele começa a chorar porque se sentiu da mesma forma que os bovinos antes de serem abatidos – também debilitados a ponto de não conseguirem se movimentar].

Fui levado para a sala de cirurgia e operado durante 12 horas. Eles removeram um tumor do tamanho do meu polegar. Saí do hospital depois de uma operação com uma chance de sucesso em um milhão. Me lembro de estar na fazenda após a operação.

Eu estava no banheiro e me olhei no espelho, e foi a primeira vez na minha vida que fui honesto comigo mesmo. Toda a minha vida eu disse que amava os animais. E então me perguntei: “Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que come eles?”

Eu nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer. Estive em centenas de matadouros, vi milhares de animais morrerem, e sempre que eu os observava, eu notava que eles sabiam o que aconteceria com eles. Havia o cheiro de morte. Eu me questionava: “Existe alguma necessidade disso?”

Eu vi o medo nos olhos desses animais, mas até então não me permitia pensar a respeito, até que saí do hospital. E quando me questionei, quase derrubei a pia do banheiro. Eu não poderia ir até a minha esposa e discutir isso com ela. Como dizer que temos milhões de dólares investidos em um negócio baseado em alimentar e matar animais? Como eu poderia dizer: “Talvez o que devêssemos fazer é sair desse negócio!”

Como eu desabafaria com meus amigos quando todos eles estavam trabalhando no mesmo ramo que eu? Não tive nenhum apoio. Mesmo que eu tentasse recorrer ao meu sacerdote, seria em vão, porque ele também comia carne tanto quanto eu. Foi o momento mais difícil e mais solitário da minha vida quando abandonei tudo.

Howard Lyman, ativista dos direitos dos animais que passa 11 meses do ano realizando palestras e promovendo a nutrição vegana e a expansão de fazendas orgânicas sem exploração animal. Peaceable Kingdom.

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