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Bernard Shaw: “Animais são meus amigos…e eu não como meus amigos”

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Enquanto formos os túmulos vivos dos animais assassinados, como poderemos esperar uma condição ideal de vida nesta terra?

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Shaw: “A vida me foi oferecida na condição de comer bifes. Mas a morte é melhor que o canibalismo” (Foto: Reprodução)

Embora pouco conhecido no Brasil, o irlandês George Bernard Shaw foi um dos maiores nomes da literatura inglesa dos séculos 19 e 20. Com uma bibliografia idealista e humanitarista pautada na sátira heterodoxa e na singular beleza poética, o autor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1925 e um Oscar em 1938, pela adaptação de Pygmalion para o cinema. Um literato que vivia o que escrevia, Shaw também compartilhava suas inclinações e reflexões sobre o vegetarianismo.

 Pygmalion, Major Barbara, Arms and the Man, The Devil’s Disciple e Man and Superman são algumas das obras mais importantes do irlandês que em uma carta de 30 de dezembro de 1929 se mostrou enraivecido com a possibilidade de ser homenageado com um banquete. “Um jantar! Que horrível! Estão me usando como pretexto para matar todos aqueles pobres animais. Obrigado por nada. Agora se fosse um jejum solene de três dias, em que todos ficassem sem comer animais em minha honra, eu poderia pelo menos fingir que estou desinteressado. Mas não, sacrifícios de sangue não estão na minha lista”, reclamou.

O escritor se tornou vegetariano em 1881, e aparentemente por influência de uma palestra do ativista H.F. Lester e das obras do poeta britânico Percy Shelley que ele conheceu no Museu Britânico, em Londres. O que também teve peso sobre sua decisão foram os artigos do compositor alemão e ativista vegetariano Richard Wagner, de quem o irlandês era fã. “Minha situação é solene. A vida me foi oferecida na condição de comer bifes. Mas a morte é melhor que o canibalismo. Meu testamento contém instruções para o meu funeral, que não vai ser conduzido por um agente funerário, mas por bois, ovelhas e aves de capoeira, todos vestindo um lenço branco em homenagem ao homem que preferiu perecer do que comer seus semelhantes”, escreveu em seu diário.

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“Vivissecção é um mal social porque ela garante o avanço do conhecimento humano às custas do caráter humano” (Foto: Reprodução)

Quando viajava pela Inglaterra, Bernard Shaw sempre ficava satisfeito ao encontrar dúzias de restaurantes vegetarianos, como bem descritos em seus registros pessoais. No entanto, o mesmo não ocorria quando ele viajava para países como Alemanha e Itália. Com uma alimentação diversificada, o irlandês que adorava doces também consumia cerveja de gengibre, limonada, sopas, nozes, pães, mingaus, bolos, cogumelos, lentilhas, arroz, vegetais, frutas e feijões. Apesar da sua predileção pelo que não era muito saudável, Shaw viveu 94 anos. Do total, 66 foram dedicados ao vegetarianismo.

Ao longo da vida, o escritor lutou contra a vivissecção e a prática de “esportes” envolvendo animais. “Vivissecção é um mal social porque ela garante o avanço do conhecimento humano às custas do caráter humano. Atrocidades não deixam de ser atrocidades porque são realizadas em laboratórios e chamadas de pesquisas médicas. Animais são meus amigos…e eu não como meus amigos. Enquanto formos os túmulos vivos dos animais assassinados, como poderemos esperar uma condição ideal de vida nesta terra? Quando um homem mata um tigre, ele chama isso de esporte, mas quando um tigre mata uma pessoa dizem que isso é ferocidade”, registrou em seu diário.

E a consciência vegetariana do escritor irlandês sempre o acompanhou em tudo que ele fez. Um exemplo é um excerto de um diálogo da peça The Simpleton of the Unexpected Isles: A Vision of Judgement, lançada em 1934.

Uma jovem mulher: Você sabe, para mim esse é um tipo engraçado de almoço. Você começa com a sobremesa, nós começamos com as entradas. Eu suponho que esteja tudo certo, mas eu tenho comido tantas frutas, pães e outras coisas que não sinto falta de qualquer tipo de carne.

Padre – Nós não a serviremos com nenhuma carne. Nós não comemos carne.
 
Uma jovem mulher – Então como você mantém a sua força?
 
Padre – O que servimos já garante boa disposição.
Publicados entre 1878 e 1881, os primeiros quatro livros de Shaw – My Dear Dorothea, Immaturity, The Irrational Knot e Love Among the Artists, foram praticamente ignorados por editoras, críticos e leitores. Sua renda era tão insignificante que ele teve de contar com subsídios de sua mãe para continuar escrevendo. Ainda assim, manteve-se fiel ao que acreditava. No auge da carreira como dramaturgo, Shaw conheceu Mahatma Gandhi. Os dois, de origem completamente distintas, porém com o humanitarismo e o amor aos animais em comum, trocaram elogios e tornaram-se amigos, como num complemento entre o Ocidente e o Oriente.

Em 1924, durante entrevista ao biógrafo, professor e amigo Archibald Henderson, Shaw foi questionado sobre o motivo dele parecer tão jovem aos 68 anos. “Eu não! Acredito que pareço com alguém da minha idade. São as outras pessoas que parecem mais velhas do que realmente são. O que você pode esperar de quem come cadáveres e bebe espíritos?”, replicou o homem que se manteve vegetariano até o dia 2 de novembro de 1950, quando faleceu em decorrência de falhas renais após sofrer uma grave lesão ao cair da árvore que podava em seu jardim.

Saiba Mais

George Bernard Shaw nasceu em Dublin, na Irlanda, em 26 de julho de 1856 e faleceu no vilarejo de Ayot St Lawrence, na Inglaterra, em 2 de novembro de 1950.

Ele deixou a barba crescer na época em que se tornou vegetariano.

Referências

Henderson, Archibald. George Bernard Shaw: Man of the Century. N.Y. Appleton-Century-Crofts (1956).

Adams, Elsie Bonita. Bernard Shaw and the Aesthetes. Columbus: Ohio State University Press (1971).

Carr, Pat. Bernard Shaw. New York: Ungar (1976).

Martin, Stanley. George Bernard Shaw. The Order of Merit. London: Taurus (2007).

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Powerviolence, música de cunho social e politizado

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Show do Capitalist Casualties nos Estados Unidos (Foto: Divulgação)

Show do Capitalist Casualties nos Estados Unidos (Foto: Divulgação)

Importante subgênero da cultura punk, o powerviolence jamais se popularizou no Brasil, ao contrário de países como Estados Unidos, Canadá e Japão, além do continente europeu. Acredito que um dos grandes diferenciais do powerviolence é o fato de ser um dos estilos musicais com maior número de pessoas politizadas ou engajadas em causas sociais – claro que numa avaliação de proporcionalidade. Algumas bandeiras do subgênero nascido nos Estados Unidos são a defesa dos direitos dos animais, humanitarismo e denúncias de problemas urbanos.

Não é música por música ou simplesmente música pela arte. É música pela transformação, pela necessidade de fazer algo. Inclusive o som pancada, que tem um conceito tão literal quanto metafórico, ultrarrápido e conciso é justamente uma referência à necessidade de despertar, refletir por si mesmo – ter uma opinião fundamentada e agir. A ideia é instigar o ouvinte, como se estivesse ao seu lado gritando em seu ouvido.

Do subgênero, uma das bandas mais emblemáticas é o Capitalist Casualties, grupo de Santa Rosa, na Califórnia, que pratica um som cru, breve, alígero e dissonante desde 1986. Na década de 1990 e início dos anos 2000 o powerviolence conquistou boa visibilidade. O que contribuiu muito foi a expansão de fanzines, webzines, gravadoras e revistas independentes. A situação mudou mais tarde com a extinção de festivais e outras iniciativas que ajudavam na divulgação do estilo. Há quem diga que o powerviolence perdeu espaço porque hoje em dia ainda é muito difícil ser autossuficiente no cenário underground.

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Written by David Arioch

April 4th, 2016 at 11:59 pm

Hermann Hesse e a política

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“A política implica em tomar partido e ser partidário se opõe ao humanitarismo”

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Hesse deixou claro que sua identidade de escritor o impedia de se ver como alguém engajado politicamente (Foto: Hermann Hesse Stiftung)

Ao contrário de muitos escritores, o célebre autor alemão Hermann Hesse  jamais se envolveu com política partidária. Em 1917, quando tinha 40 anos, e influenciado pelo contexto da época, Hesse deixou claro que sua identidade de escritor o impedia de se ver como alguém engajado politicamente, na literalidade. “Minha tentativa de desenvolver um gosto por assuntos políticos fracassou”, escreveu em carta que integra o acervo da Hermann Hesse Stiftung.

Ainda assim, anos antes, em 1912, o escritor alemão já não estava satisfeito com os rumos do Império Alemão, sob comando do kaiser Guilherme II, e decidiu se tornar o primeiro emigrante voluntário do país, mudando-se para a Suíça – um desejo também reforçado por conflitos familiares abarcando religião.

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“Humanitarismo e política, é praticamente impossível servir as duas ao mesmo tempo” (Foto: Hermann Hesse Stiftung)

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, Hesse recebeu inúmeros convites para assumir cargos políticos na República Soviética da Baviera (Räterepublik) – todos foram declinados. Mais tarde, questionado sobre o motivo de jamais ter aceitado uma das ofertas, ele justificou: “Não me identifico com a política. Caso contrário, eu teria me tornado um revolucionário. Não tenho nenhum outro desejo em vida que não seja encontrar o meu próprio caminho, a minha espiritualidade.”

No entanto, segundo o escritor alemão Paul Noack, estudioso das obras de Hesse, isso não é motivo para criticá-lo, já que ele não era apolítico. A maior prova disso foi o seu comprometimento com a humanidade e o humanitarismo. “Humanitarismo e política são questões mutuamente exclusivas. Ambos são necessários, mas é praticamente impossível servir aos dois ao mesmo tempo. A política implica em tomar partido e ser partidário se opõe ao humanitarismo”, argumentou Hesse, um defensor da paz.

No início da Primeira Guerra Mundial, de acordo com informações da Hermann Hesse Stiftung, o escritor resistiu como um dos poucos intelectuais alemães que não se deixou levar pelo entusiasmo geral da guerra. Inclusive, entre 1914 e 1918, Hermann Hesse publicou dúzias de ensaios criticando as beligerâncias em jornais de língua alemã. Se engajou tanto em causas humanitárias que em 1915 ajudou a criar em Berna, na Suíça, um centro de bem-estar para prisioneiros de guerra.

Um dos primeiros críticos do nazismo, viu seus livros serem qualificados pelo Terceiro Reich como “indesejáveis”. Não chegaram a ser banidos da Alemanha, mas deixaram de ser publicados no país. Quem também se juntou a Hermann Hesse na época foi o ilustre Thomas Mann – autor de clássicos como “A Montanha Mágica”, “Os Buddenbrooks” e “Morte em Veneza”. Além disso, Hesse ajudou financeiramente muitos refugiados alemães.

No final da Segunda Guerra Mundial, tentando se valer do prestígio do escritor, a União Soviética, os Estados Unidos e a Inglaterra tentaram convencê-lo a se envolver na coordenação de uma ofensiva de paz. “Eu não sou amigo da guerra e não sou amigo dos Estados Unidos. Também não sou amigo da mentira e do uso de meios impróprios nas lutas políticas. Eu não lutaria nem por Truman nem por Stalin”, garantiu. E manteve a palavra até o dia 9 de agosto de 1962, quando faleceu aos 85 anos, em Montagnola, na Suíça.

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Hermann Hesse é conhecido por obras como “O Lobo da Estepe”, “Sidarta”, “Demian”, “Narciso e Goldmund”, “Peter Camenzind” e “O Jogo das Contas de Vidro”,

No dia 14 de novembro de 1946, o escritor foi contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura.

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