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Diante do luar
Deito fora os desconfortos da minha alma diante do luar. Não em definitivo. Existe um aroma imperceptível trazido pela noite que invade essências filtrando suas inconsistências e pacificando seus conflitos. Mas é preciso serenar por tempo que pode variar.
Cada um sabe qual é o seu momento. Os olhos voltados tanto para lá quanto para cá – o diante e o eu mesmo – que miro sem precisar intervalar. Parece impossível, mas não. Apenas exercício.
Uns aprendem, outros desistem. Outros nem tentam. Sente-se alguma coisa ou coisa nenhuma. Verdade, placebo (como se pudesse ser ingerido na sua imensidão) ou superstição.
Não há relevância nessa consideração. É apenas acreditar ou não acreditar. Na pior das conclusões, não há tempo perdido, quando há um céu lá fora a se observar. E alguém diz imerso num sonho: “Como se sempre a nos esperar.”
Por que não ser apenas empático?
Há pouco, eu estava correndo e pensando: Se não matar outro ser humano fosse um imperativo moral desconectado de suas implicações legais (que nesse caso seriam inexistentes), será que quantas pessoas matariam outras? Qual seria a proporção da mortandade?
Claro que existe a questão da impunidade, mas qual seria o percentual de aumento de assassinatos? Eu não sei dizer até que ponto e em que proporção a humanidade em geral reconheceria o assassinato como errado porque se trata da obliteração de vidas, da imposição de sofrimento (para quem morre e/ou para quem fica), e não porque, dependendo de quem comete o ato, e que tipo de ato, a pena pode significar anos na cadeia (claro, a não ser que você seja um dos premiados pelo fator impunidade).
Mas realmente me intriga que em muitos casos de homicídios não há tanta discussão moral sobre o ato em si, não o seu processo legal. “Fulano de tal fez besteira e pode pegar não sei quantos anos de cadeia…” Essa é uma consideração comum, não o contempto moral que desencadeou tal possibilidade.
Então quer dizer que só não devemos cometer homicídio porque a Justiça pode punir? Não devemos roubar porque podemos ser presos em flagrante? Não devemos agredir pessoas para não parar na cadeia ou ter de pagar fiança? Por que não simplesmente não fazer nada disso porque é errado? Por que não ser apenas empático? Talvez também seja um sintoma da ausência de filosofia moral em nossas vidas, quando necessária.
O preconceito e o preconceituoso
Descartes dizia que um dos maiores desafios do ser humano é se livrar dos preconceitos com o qual cresce e é educado, até porque o preconceito, como um juízo mecânico aprendido, só deixa de ser desconhecido a partir do momento que alguém reconhece a sua existência. Muitas pessoas que são preconceituosas, mesmo crentes de que não são, recobrem o preconceito com uma couraça de tradição, normalização e demérita transigência – pretextos de todos os tipos para justificar suas ignorâncias, vaidades, veleidades e iniquidades.
Um sujeito preconceituoso jamais dirá que é preconceituoso se a ele o preconceito não é preconceito. Ele nega não apenas que seja preconceituoso, mas a própria essência e existência do preconceito. Assim como rejeita a plena moralidade para reduzi-la à meia moralidade, ou chamada moralidade de conveniência, ou mesmo imoralidade. Nisso subsiste algo morbígero, que é naturalização do que não deveria ser naturalizado.
E assim, incorre-se em prejuízos de montas gerais, consequências mais destrutivas na coletividade do que na individualidade, porque o preconceito é tão deletério que sobrevive à morte e se multiplica na celeridade do desconhecimento, na extensão de seus tentáculos, na ignorância e na ausência de valores humanos, assim ganhando vozes tão altas que muitas vezes nem toda a boa e justa informação possível é capaz de corrigir isso. Provavelmente porque até mesmo a assimilação do conhecimento em direção oposta ao preconceito exige uma sensível predisposição. E a verdade é que quando interesses mesquinhos são supervalorizados, às vezes resta-nos, não por opção, mas sim por imposição, as trevas.
Opiniões como verdades inquestionáveis
Acho sempre problemático tomar as próprias opiniões como verdades inquestionáveis. Sempre preferi ver opiniões como referências. A partir do momento que você acredita que a sua opinião é uma verdade irrefutável, isso significa que você já não está aberto ao diálogo. Opiniões só evoluem quando se transmutam.
Sobre respeito, tolerância e diálogo
Há pessoas que estão sempre buscando salvadores, heróis, gurus ou pessoas que, numa idealização romanesca, concordem com elas em tudo, ou as representem em tudo. Mas ao sinal do primeiro defeito apresentado pelo objeto de reverência, surge uma exasperação por vezes incontrolável fundamentada em um excesso de expectativas que desconsidera a complexidade humana, a sujeição às contrariedades e as falhas naturalmente possíveis. Isso na minha opinião pode ser também um sintoma de uma carência superlativa.
Fala-se muito em tolerância, respeito ao outro, mas muitas vezes até mesmo quem prega esse discurso acaba por fomentar o sectarismo, externar intolerância, intransigência, incapacidade em lidar com opiniões que estão em conflito com a sua ou divergem da sua. Percebo muito isso no cotidiano, felizmente não muito fora da internet, mais frequentemente nas mídias sociais, e inclusive entre pessoas bem-intencionadas.
Há muitos casos em que não se trata apenas de não respeitar a opinião do outro, mas até mesmo odiar ou desprezar uma pessoa que jamais conheceu de fato. Chamar de defeito o fato de alguém não concordar com você não é exatamente defeito, porque a qualificação disso como defeito é uma constatação sua, pessoal, individual, não do outro. Afinal, qual é a baliza que define algo como defeito? Neste caso, a sua concepção de algo, o seu termômetro, e mesmo um ideal fementido e particular de perfeição, mestria, impecabilidade. E se sua defesa de algo é fundamentalmente tão justa, há justiça em atacar o outro?
Por isso parece um desafio na atualidade se abrir para o diálogo sem atacar ou ofender, sem se armar sob as intercessões passionais dos pré-conceitos e preconceitos. As pessoas vivem armadas e pouco racionalizam isso. Se calar para ouvir pode ser um desafio quando as palavras não nos agradam, mas é recompensador porque é a maior prova de que a cachimônia humana não abandonou o ser. Quem busca semelhanças o tempo todo, independente do quão boa seja a intenção, corre o risco de se inclinar sobre si mesmo e não perceber que o outro na realidade é apenas o seu próprio reflexo imutável e pulverizado, como um ouroboros distorcido. Logo sou da opinião de que o amadurecimento demanda diferenças.
Isso também é viver
Estou aqui neste momento e é isso que existe. Há uma posse relativa do meu estado de ser, da minha consciência, das minhas emoções em um nível consoante. Claro que não completamente, já que não acredito em estado pleno de controle. Qualifico isso como natural, já que seres humanos não são máquinas e dependem de várias formas de nutrição que não dizem respeito à comida.
Realmente creio que isso torna a existência intrigante. Estou aqui hoje, posso não estar amanhã, e isso é parte inerente da vida. O momento, a iminência da parte, do todo ou do nada. Acredito que viver nada mais é do que construir instantes que podem sobreviver ou desfalecer – do cotidiano, da memória ou dos dois. O eterno efêmero, pode-se dizer. Dão lugar a outros instantes, ou não.
Você fala com alguém agora e pode ser que não se falem mais a partir de um período indeterminado. E se isso transcorre com naturalidade, como os enlaces e os desenlaces das relações ao longo da vida, está tudo bem. Isso não implica necessariamente em prejuízo, desrespeito ou desconsideração, até porque essa perspectiva seria apenas polarização.
Não nego que construímos, desconstruímos e destruímos coisas o tempo todo. Isso pode ser positivo, pode não ser. Para o bem ou para o mal, isso também é viver.
Yerpakut!
Um jovem chegou a Gjirodrecsande. Ao primeiro homem que o recebeu, ele apenas disse: Yerpakut! O homem deu-lhe um soco, ele se levantou e continuou andando. Ao segundo, repetiu a mesma coisa, mas em tom mais enérgico – recebeu dois socos. O terceiro não demorou. Ouviu somente “Yerpa…” e acertou-lhe uma cotovelada no peito, um soco direto no estômago e uma joelhada nas costas.
Caiu agonizando. Observou a barriga arroxeada. Sem vacilar, levantou-se. Tentando não mancar, percorreu cerca de 200 metros e acenou para uma mulher. Ela retribuiu o aceno cordial e ele balbuciou com a boca sangrando: Yerpakut…” A mulher gritou, uma multidão rodeou o rapaz e o espancou. Ele já não tinha forças para ficar em pé.
Rastejou por alguns metros, e um velho rodeado de gatos se aproximou e o abraçou. O rapaz sorriu e, dolorido, dormiu. Pela manhã, mal conseguia falar. O provecto deu-lhe uma caneta e ele escreveu:
Samo ti? [Só você?]
Da, nažalost, moj sin [Sim, infelizmente, meu filho] – respondeu o velho – meneando a cabeça constrangido.
A segurança da ignorância rejeitava e quebrantava tudo que aveludava.
Yerpakut?
Sigurno, Yerpakut! [Certamente, abrace o novo!] – disse o provecto.
Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo
Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo, e às vezes algumas se incomodam quando pergunto respeitosamente se elas estão fazendo algo para contribuir com alguma mudança, se elas não concordam com o status quo. Normalmente há uma corrente transferência de culpa a terceiros, como se isso garantisse uma isenção de manifestação prática. Ou pior do que isso, há a defesa consciente ou inconsciente do fatalismo. E isso me leva à conclusão de que a crítica muitas vezes existe somente pela crítica, arredada de seu sentido utilitário, porque a vontade é menor do que o conformismo.
Acredito que o ideal de muitas pessoas não é um mundo melhor para todos, mas um mundo melhor para elas e talvez para aqueles que elas julguem merecedores desse mundo ideal. Vivemos em um mundo onde desde muito cedo as pessoas são condicionadas a buscarem um futuro digno para elas. Mas muitas ignoram que um futuro digno para elas pode depender essencialmente da busca por um futuro melhor para os outros também.
A verticalização em detrimento da horizontalização é comumente ignorada por um viés se não individualista, talvez espuriamente coletivista. Isso é apenas uma simplista inferência sobre a desconsideração em relação à importância de um clamor mais do que pontual da alomorfia ou mudança estrutural em uma sociedade.
Acho que se reunir com amigos em algum lugar para fazer críticas às coisas pode ser interessante, mas se não passa disso, se não há ações nem mesmo partindo da nossa recusa em aceitar algo que consideramos, de fato, inadmissível, e sobre o qual temos poder de reação, esbarramos no clássico tartufismo, na demagogia.
Quando saio às ruas, sempre vejo homens reunidos em algum lugar fazendo críticas – em bares, cafés, sob alguma marquise. Passam horas, dias, meses, anos naqueles lugares. Creio que reclamam apenas para passar o tempo, para ser ouvido (mesmo que minutos depois ninguém se recorde do que ouviu), porque as críticas nunca mudam, e se não mudam é porque, esperando uma mudança que não parta deles, seguem imersos na inação.
Quando eu era criança…
Quando eu era criança, eu achava que os adultos tinham todas as respostas. Quanto mais velho, mais respostas. “Deve ser bom ser adulto, saber tantas coisas. Ter tanta confiança, segurança. Adultos são incríveis. Estão lá em cima e eu aqui embaixo, querendo crescer como feijão no algodão. Foram como nós, mas agora estão em um estágio bem avançado”, eu pensava.
Havia dois universos – o meu e o dos adultos. Como criança, eu só podia deambular por esse universo ocasionalmente, quando permitiam. Eu não queria exatamente ser adulto – tinha apenas curiosidade precoce sobre esse mundo ignoto. Puerilidade, penso hoje.
Não, você cresce e o que cresce com você são as dúvidas –
meu caso. Volatilidade, o conhecimento perpassa por isso comecei a crer. Quando conhecia algum ser alheio a esse universo eu dizia que ele, manietado às suas pequenas certezas, talvez fosse tão abençoado quanto amaldiçoado pela ignorância. Mas, em muitos casos, a maldição pode ser invisível. Que assim seja então.
Hoje, sem melindre, prefiro me definir apenas como um colecionador de dúvidas, pirronismo, ambiguidades, suspicácias. Uma vida ingerindo, digerindo e regurgitando palavras e ideias que podem renascer ou simplesmente desvanecer. Talvez seja isso que dê sentido à minha vida, porque sempre suspeito que imerso nas minhas asseverações e verdades ineludíveis talvez eu deixasse de deambular para escorar, e escorar me parece tão chato que sinto sono só de pensar – mas sem a possibilidade de sonhar.
Não reconheço necessidade de ser agressivo ou ofensivo
Francamente não reconheço necessidade de ser agressivo ou ofensivo com qualquer pessoa que tenha uma opinião ou posicionamento diferente do meu. Mesmo quando me provocam ou me desrespeitam, não vejo sentido em retribuir da mesma forma. Não sou um cara iluminado por causa disso. Encaro apenas como uma questão simplista de ponderação. O que eu ganharia devolvendo o que me oferecem de negativo? Nada. Nem eu nem o outro. Não existe vitória nesse tipo de situação, mesmo quando alguém comemora.
Às vezes, vejo pessoas se exaltando por pouco, mesmo quando tentam transmitir uma mensagem positiva. Quem sabe, nem se deem conta de que a mensagem pode ser aparentemente boa, mas se o veículo estiver comprometido, talvez ela não chegue de forma satisfatória ao seu destino – ou nem chegue. Sou da opinião de que se temos uma boa oportunidade, é importante nos abrirmos para uma discussão, não nos fecharmos. Não acredito que exista tal coisa como “o outro não estar à altura” para uma conversa. De alguma forma, todo mundo tem algo a dizer se o respeito prevalecer.
Admito que encaro com estranheza esse costume de tentar reduzir a importância “do outro” simplesmente porque não concordamos em uma discussão. O mundo não é uniforme, homogêneo, unímodo. Afinal, reflete a própria diversidade de seus habitantes. Acho triste o fato de que, muitas vezes, nesse exercício de não ouvir “o outro”, é como se estivéssemos diante de um espelho – em que queremos enxergar apenas nós mesmos.
Isso me traz lembranças da minha infância, quando brincávamos em uma gangorra no quintal de casa – e o nome dela era Discussão, porque um tinha o direito de falar enquanto estava no alto – e o outro de silenciar. E era justamente o silencioso que elevava o interlocutor da vez, para entender que discutir não significa diminuir.