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Política e desconforto
Um grande problema que percebo hoje em dia é a dificuldade de muitas pessoas em aceitar que alguém não se sinta confortável em apoiar a qualquer custo nenhuma ideologia política, ainda mais levando em conta o nosso mais do que híbrido cenário atual.
A partir do momento que você defende cegamente qualquer lado, seja de situação ou oposição, você está deixando claro que não reprova nem mesmo falhas excruciantes. E isto é um grande problema de algumas formas de militância da atualidade, a incapacidade em reconhecer erros.
E vejo muito desse “maniqueísmo ideológico e político” na internet. Existe uma unilateralidade visceral de raciocínio. Tenho opinião formada sobre algumas coisas, mas elas podem e em certas circunstâncias até devem ser mutáveis.
A política no Brasil é tratada como uma prostituta

Mesmo com a saída de Dilma, Ricardo Barros foi convidado a assumir o Ministério da Saúde (Foto: Reprodução)
A política no Brasil é tratada como uma prostituta. E uso um exemplo simples para ilustrar isso. O atual ministro da saúde, Ricardo Barros, foi da base governista da Dilma até pouco tempo atrás, quando era deputado federal. Já sua esposa, Cida Borghetti, se lançou como vice-governadora do Paraná ao lado de Beto Richa, do PSDB, em 2014. Ou seja, supostamente lados opostos. Curioso, não? Ainda mais levando em conta que os dois sempre tiveram inclinações políticas convergentes. Esse é o clássico exemplo de win-win situation.
No dia 7 de abril de 2016, há pouco mais de um mês, a Gazeta do Povo publicou uma reportagem destacando que Barros era o mais cotado para assumir o Ministério da Saúde, caso Dilma conseguisse se manter no cargo. Mas o mais intrigante é que foi justamente com a queda dela que Ricardo Barros assumiu a pasta. Na minha opinião isso deixa bem claro que a maior parte dos políticos não têm ideologia alguma, caso tivessem, provavelmente a conduta seria bem diferente.
Enquanto muitas brigas são travadas entre quem é de situação e quem é de oposição, os políticos simplesmente fazem seus acordos e seguem suas vidas como se nada mais importasse ou tivesse valor. Partidos e suas políticas hoje em dia pouco significam em meio a tantas negociatas. A verdade é que leva a melhor quem tem mais a oferecer.
Quando recebi materiais sobre guerrilha
De uns dias para cá e sem que eu peça, alguns camaradas têm me enviado materiais sobre guerrilha e cheguei inclusive a ver pessoas falando em cursos sobre o assunto. Sinceramente, fique à vontade para fazer o que bem entender, mas esteja ciente dos desdobramentos de suas ações. Reflita também o quanto elas pesam sobre suas inclinações ideológicas, principalmente para não cair em contradição.
Não sou a favor de revoluções baseadas na violência e hoje mais do que nunca acho que isso é algo que não deveria ser nem mesmo aventado. Estamos em 2016 e não é difícil perceber que a maior guerra da atualidade é a da informação. Quem pensa o contrário talvez não tenha se dado conta das transformações que o mundo viveu nas últimas décadas.
Outro ponto a se considerar é que enquanto alguns pegam em armas, outros simplesmente as manipulam, e sem precisar empunhá-las. Sim, sou contra a exaltação da violência tanto quanto sou avesso à subtração e desvirtuação das liberdades. E jamais tive como herói pessoas que a exerceram para impor uma ideologia que pode parecer utopia para uns e distopia para outros.
Um mundo justo hoje seria um mundo de pessoas ponderadas, capazes de falar, mas também de ouvir e refletir sobre o que ouviram. Muitas tragédias e ações equivocadas surgem com a intemperança, desconhecimento, desinformação e desinteresse pela comunicação. E nessas circunstâncias abre-se espaço para o discurso impositivo, o mais nocivo de todos porque através dele o ouvinte absorve apenas a forma, não o conteúdo.
Como somos seres pensantes é difícil entender como o embrutecimento pode se sobrepor a tudo isso. Em menor ou maior proporção, penso que muitas das mazelas do mundo atual têm a ver com o infindável e megalomaníaco anseio de querer ser mais dono dos outros do que de si próprio. A ilusão da posse é danosa e inconsequente, mas, embora sejamos paradoxais por natureza, acredito que o ser humano sempre tem condições de aprender a viver dentro de si mesmo para então aprender a viver fora.
As controvérsias do comunismo e do socialismo

Houve sim uma grande apropriação de ideias que serviram tão somente como mecanismo de propaganda (Arte: Reprodução)
Várias vezes já me perguntaram o que eu acho dos governos considerados “comunistas” ou “socialistas” no decorrer da história moderna. Bom, não acho fácil responder uma questão como essa porque acredito que seja importante fundamentar bem qualquer resposta. De qualquer modo, meu raciocínio costuma seguir por essa linha:
Basicamente eu acredito que nunca existiu de verdade um governo comunista ou socialista. Na minha opinião o que foi ou o que deveria ser o comunismo e o socialismo nunca saiu da teoria. O que a história mostra é que a partir dessas ideologias houve sim uma grande apropriação de ideias que serviram como mecanismo de propaganda, um recurso para camuflar alguns regimes totalitaristas que em um primeiro momento precisavam conquistar a simpatia das classes mais baixas, principalmente do proletariado.
Gosto de citar um exemplo também para ilustrar essa ideia: “O que houve com o comunismo e o socialismo foi o que aconteceu com a suástica, uma apropriação de algo que em essência significava uma coisa, mas que por uma obliteração simbólica e semântica perdeu quase que completamente o sentido original e diverso.”
Aí alguém pode me perguntar se acho que o comunismo ou o socialismo em essência funcionariam. Sinceramente, não sei. O que posso dizer é que sou avesso a qualquer forma de governo que interfira nas liberdades individuais. Além disso, políticas precisam ser pensadas dentro de um contexto atual. E se a política vai mal é exatamente porque ela não atende essas necessidades. Em breve pretendo publicar um texto em que abordo com alguma profundidade esse assunto mais do que controverso.
A importância da tolerância em tempos sombrios
A maneira como nos expressamos diz muito mais do que imaginamos

“São exatamente os predicados negativos que afetam não apenas nós mesmos, mas todos à nossa volta” (Acervo: Geledés)
Nos últimos dias, algumas pessoas me perguntaram o que eu acho do momento político que vivemos no Brasil. O que eu acho? Acho que existe passionalidade demais de todos os lados, o que na realidade não me surpreende, já que essa é uma característica comum do brasileiro – a de se deixar levar pela emoção, de se exaltar. Há predicados bons e ruins. Mas são exatamente os negativos que afetam não apenas nós mesmos, mas todos à nossa volta.
Quando digo que muitos são dominados pela passionalidade, me refiro em específico ao fato de xingarem e repercutirem a esmo publicações que pouco contribuem para um debate. Exemplo são os textos que partem diretamente da conclusão, que não permitem abertura para o leitor trilhar seu próprio caminho. Esse tipo de material costuma ser deletério porque na realidade ele não te instiga a pensar, mas sim a compartilhar e defender uma opinião já definida.
Sim, somos arrogantes e pernósticos todas as vezes em que dividimos uma opinião impositiva, logo autoritária, que não permite qualquer tipo de diálogo ou discussão saudável. A realidade é que vivemos tempos sombrios, em que alguém é capaz de desqualificar o outro, seja nas suas particularidades profissionais ou sociais, por causa de uma opinião ou posição política. Quando alguém age assim, uma questão sempre ecoa pela minha mente: “Será que esse sujeito já pensou que, em menor ou maior proporção, ele absorve cultura de alguém que pensa completamente diferente dele?” Seja por meio de filmes, livros, músicas, etc.
De um lado, vejo pessoas que compartilham frases de Gabriel García Márquez e Julio Cortázar xingando quem se identifica com políticas de esquerda. Do outro, pessoas parafraseando Jorge Luis Borges e Mario Vargas Llosa e ofendendo quem se alinha com políticas conservadoras. O ser humano pouco percebe o quanto recai em contradição quando condena alguém por suas disparidades.
Se você é estoico a ponto de desprezar ou odiar alguém por sua posição política, acredite, você vive uma ilusão, já que é impossível, ainda mais com o advento da globalização, se privar de reconhecer valor em algo gestado por alguém que vá na contramão de sua inclinação política. Você pode não saber, mas você é sim influenciado por pessoas muito diferentes de você em inúmeros aspectos, inclusive políticos. E compreender a complexidade disso é o primeiro passo para entender a importância da diversidade.
Não é novidade que nas mídias sociais pululam muitas ofensas gratuitas, xingamentos ostensivos, desnecessários e generalizados por causa de política. Porém, quem deve ser julgado são os políticos, mas dentro da legalidade, não pessoas que apenas fazem valer o seu direito de pensar diferente de mim ou de você, independente do nível de influência que elas tenham.
Considero a situação preocupante porque me surpreendo cada vez mais com a baixeza das publicações na internet. Pessoas disseminando ódio, trocando ameaças, entrando em conflito com amigos de longa data, tudo isso por indisposições que muitas vezes não chegam nem a ser ideológicas.
Acho justo e imprescindível não rotular pessoas por suas opiniões políticas. A defesa de algo em um momento específico pode e também deve ser encarada como resultado de uma avaliação contextual, ainda mais quando os envolvidos são apartidários. Se você não é capaz de aceitar isso, talvez você não esteja preparado para viver em sociedade.
Hoje em dia, mesmo com todas as facilidades advindas das novas formas de comunicação, muitas pessoas estão mais preocupadas em entrar em conflito por nada ou quase nada – simplesmente porque há uma crença de que algo dentro de você fará com que você se sinta inferiorizado se você não se manifestar, mesmo que de forma obtusa.
Muitos se mostram dispostos a exercer violência – até matar ou morrer por causa de política. Acredite, se você está preparado para chegar a esse ponto significa que você não defende de fato a democracia. Na era da guerra da informação, supor que a solução seja a irrupção de uma guerra nos moldes mais antigos é um retrocesso descomunal, desconsiderado até mesmo por militares que participaram da deposição de Jango em 1964.
Quando você tiver vontade de xingar ou ofender alguém por causa de política, não se esqueça que vivemos em um país democrático onde a maior parte da população quer o fim da corrupção e da impunidade. Não é motivo o suficiente para pelo menos perseverar o respeito? Políticos e seus asseclas são minoria em um país com mais de 200 milhões de pessoas; e muitos são capazes de qualquer coisa para segmentar a população, assim como aconteceu em muitos países.
Outro fator a se considerar é que não se estimula alguém a refletir com xingamentos. Quer que levem sua opinião a sério? Argumente. Do contrário, será apenas mais um desabafo fragilizado ou ofensa vazia. A maneira como nos expressamos diz muito mais do que imaginamos. A forma como você apresenta uma linha de raciocínio pode desqualificar todo o conteúdo se ele transparecer excessos como jactância, intransigência, destempero e excesso de vaidade. Seja tolerante. A tolerância é uma das qualidades mais importantes do ser humano porque ela assegura a manutenção da vida.
A ideologia, a mão e o muro

A ideologia na mão, no rosto e no muro. Uma face que representa um ideal coletivo simbolizado por três revólveres. Atrás, entre a arma e o muro, uma criança quase destoada, quase alheia (Foto: Autor desconhecido)
Uma Itália de gaviões e passarinhos
Uccellaci e Uccellini, uma parábola sobre o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo
Uccellaci e Uccellini, de Pier Paolo Pasolini, ícone do cinema neorrealista italiano, é um filme de 1966 que foi lançado no Brasil como Gaviões e Passarinhos. Na obra, dois pequenos burgueses viajam a pé em companhia de um corvo. Durante o percurso, um caminho circular, os personagens assistem e vivenciam o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo.
Totò (Totò) e Ninetto (Ninetto Davoli), pai e filho, são os protagonistas de uma história em que Pasolini apresenta uma metáfora de si mesmo, principalmente o desalento com a política esquerdista italiana. Os personagens viajam por uma estrada que possibilita o contato com importantes elementos de uma etapa da história da Itália.
Totò e Ninetto, homens de certa inabilidade intelectual, são símbolos da pequena burguesia. Já o corvo falastrão que encontram pelo caminho representa o marxismo, embora a ave, como um animal livre, demonstre uma peculiar autonomia de pensamentos. Enquanto a narrativa do corvo se constrói sob uma perspectiva ideológica romântica e poética, a fala e as atitudes dos protagonistas humanos são baseadas no pragmatismo e materialismo.
A hipocrisia neocapitalista se apresenta como um ciclo vicioso. Exemplo é a cena em que Totò e Ninetto vão até uma propriedade onde cobram o aluguel de um inquilino. Mesmo ciente da situação degradante da família, Totò, com a frieza digna de um materialista, exige que o homem o pague para evitar o despejo. Em seguida, pai e filho passam pela mesma situação. O predador se torna presa e surge uma inversão de valores.
Pasolini chama atenção pelo uso da metalinguagem. Dentro da principal história, há algumas bem curtas. Merece destaque uma fábula envolvendo São Francisco de Assis que parece emprestar a fala marxista do corvo, assim como a ave, em certos momentos, discursa como se fosse um frade. Outro episódio-chave, com caráter documental, é o enterro do político Palmiro Togliatti, nome mais importante do comunismo italiano.
Além da cena ser uma referência a queda da ideologia no país, simboliza o fim de um período cultural. O neorrealismo perdia em importância para o novo cinema que se pautava na fantasia e misticismo. A influência brechtiana é muito forte em Uccellacci e Uccellini, tanto que na maior parte das cenas os personagens interagem com o público. O cineasta também homenageia Roberto Rossellini e Federico Fellini.
No mais, o clássico não é linear – sem início, meio e fim. Se fosse feito de trás para frente ainda seria coerente. Quem assiste Uccellaci e Uccellini nunca mais esquece a canção que abre o filme, considerada até hoje uma das melhores opening credits da história do cinema. A composição é de Ennio Morricone e conta com a interpretação de Domenico Modugno, um dos maiores cantores da Itália do século 20.