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Mojica Marins e o Fim do Homem

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Filme aborda a carência e a fragilidade humana (Foto: Reprodução)

Lançado em 1971, Finis Hominis (Fim do Homem), do cineasta brasileiro José Mojica Marins, mais conhecido como Zé do Caixão, é um controverso filme de influência niilista e iconoclasta que aborda a carência e a fragilidade humana a partir da idolatria de um homem incomum.

Na primeira cena de Finis Hominis, um sentimento de angústia é proeminente. Ao redor do protagonista – o próprio Mojica Marins, que parece confuso ao surgir por meio de um artifício surreal, desponta uma paisagem em que o uso de filtro ressalta uma penumbra; possível referência à escuridão que permeia a natureza humana.

Pouco tempo depois o estranho recebe o nome de Finis Hominis. O personagem representa o antiparadigma do homem considerado normal. Mesmo pouco comunicativo e de aparência extravagante, desperta atenção por onde passa, conquistando uma infinidade de seguidores que veem no anormal um alicerce de segurança e possibilidade de redenção.

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José Mojica interpreta um personagem reverenciado por onde passa (Foto: Reprodução)

Em Finis Hominis, Mojica Marins adianta o que aconteceria muitos anos depois; um grande aumento do número de igrejas. Também enfatiza, por meio da dialógica, que o homem é um ser extremamente vulnerável e refém do status quo. O cineasta questiona até que ponto o ser humano é capaz de ser fiel as suas ideologias e crenças, não se deixando levar pelas tentações do acaso.

Em uma das cenas, Finis Hominis arremessa um monte de moedas em meio a um grupo de hippies que como seres irracionais começam a brigar pela posse do dinheiro, ignorando os próprios valores. O personagem não se surpreende, simplesmente vira as costas e vai embora, como uma figura provocadora e ao mesmo tempo alheia.

 Curiosidade

Finis Hominis é o único filme de José Mojica Marins lançado durante a Ditadura Militar que não foi censurado.

Written by David Arioch

January 23rd, 2013 at 6:14 pm

A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950

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“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)

A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.

Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.

À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.

A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.

Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.

Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.

Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei

Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.

No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”

Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.

Saiba Mais

Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.

O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.

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