David Arioch – Jornalismo Cultural

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Tom Worby, morto aos 15 anos em uma ação contra caçadas

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Tom morreu nos braços da namorada e ninguém foi responsabilizado pelo que aconteceu (Arte: Labour Animal Rights Group)

Hoje completa 25 anos que Tom Worby, de Milton Keynes, foi morto aos 15 anos, quando se juntou a um grupo de 40 sabotadores de caçadas em Low Farm, perto de Gravesley, no Condado de Cambridge, na Inglaterra. Aquela foi a primeira e a última vez de Tom em um ato contra caçadas. O que começou como uma ação aparentemente normal terminou em uma tragédia.

No dia 3 de abril de 1993, Tom e a namorada se juntaram a um grupo de pessoas que não concordavam com a crueldade da caça à raposa. Por isso, foram até a Low Farm, onde um grupo se preparava para a matança de raposas. No local, quando os caçadores viram os sabotadores, gritaram algumas palavras ameaçadoras e desapareceram floresta adentro.

Depois os caçadores retornaram em maior número e começaram a discutir com os sabotadores. Logo um policial chegou, conversou com os caçadores e caminhou até os sabotadores. Disse que eles eram invasores e que deveriam partir. Então eles justificaram que não havia nenhuma invasão, já que eles estavam apenas sentados diante do sol e da estrada, sem infringir nenhuma lei.

O policial reconheceu que não havia nada a ser feito, e explicou aos caçadores que não estava disposto a colocar mais recursos na operação. Os caçadores novamente se afastaram dos sabotadores. Ninguém sabia o que eles estavam planejando. Mais tarde, um dos líderes justificaria que eles decidiram interromper a caçada e pediu que um dos caçadores, Anthony Ball, guardasse suas coisas.

Segundo informações do artigo “How Tom Worby, a hunt sab, was killed” publicado pela Netcu Watch em 2008, o senhor Ball era conhecido como um homem bastante imprevisível, e que ficava agressivo com muita facilidade. Semanas antes, com o apoio de outros caçadores, ele desceu de um cavalo e atacou a pé um grupo de sabotadores.

Um dos jovens envolvidos na ação foi deixado inconsciente após ser atingido na cabeça por uma caçadora que era a proprietária da Low Farm. O senhor Ball também foi apontado como o autor de uma série de tentativas de atropelamentos contra sabotadores de caçadas. “Contamos 27 incidentes para os quais temos vídeos e provas fotográficas do senhor Ball usando violência contra sabotadores”, garantiu um dos sabotadores no artigo da Netcu.

No dia 3 de abril de 1993, enquanto o senhor Ball colocava os cães na van e os cavalos no trailer de reboque, os outros caçadores bebiam e conversavam. Então Ball entrou na van com o filho Christopher Ball, o principal terrierman da caçada, e seguiram em direção à estrada.

Os sabotadores ficarem atentos diante da cena. A menos de 500 metros da van, aventaram duas possibilidades – os caçadores estavam realmente desistindo ou apenas mudando de lugar para recomeçar a caçada. No caminho de volta à estrada, os sabotadores se dividiram. Havia uma massa principal de sabotadores mais atrás, um grupo menor e outros dois sabotadores em pontos estratégicos.

Quando a van alcançou o primeiro grupo principal de sabotadores, eles continuaram na estrada porque acharam uma boa ideia atrasar os caçadores, caso a intenção deles fosse retomar a caçada. Inclusive alguns sabotadores sentaram-se na estrada, na tentativa de bloquear a passagem do veículo.

No entanto, a van do senhor Ball fez o seu próprio caminho entre os sabotadores – em um ritmo lento e constante. As pessoas sentadas levantaram-se no último segundo, porque Anthony Ball não deu qualquer indicativo de que pararia. Não houve nenhum tipo de violência ou ameaça por parte dos sabotadores. O objetivo era um só – atrasar a van.

Depois de algum tempo, a van passou pelo grupo de sabotadores e acelerou bem rápido, aproximando-se de outro grupo de sabotadores. A estrada estreitava-se naquele ponto, com uma vala íngreme à direita, uma pequena cerca de 30 centímetros de altura e uma densa sebe à esquerda. No volante, o senhor Ball acelerou mais e mais, e seguiu diretamente para o segundo grupo de sabotadores que nem sequer tentou atrasá-los, segundo informações da Netcu.

Tão logo os sabotadores perceberam que o homem não reduziria a velocidade, eles pularam para o lado esquerdo na vala à direita. Apenas Tom Worby não conseguiu fazer isso, por causa da distância. Ele só teve tempo de dar um passo para o lado, em direção única, onde poderia pisar entre a sebe e a van. Porém, basicamente não restou nenhum espaço porque a van era muito larga.

Tom Worby foi pego pelo retrovisor esquerdo e arrastado com o veículo por uns 50 metros. Ele gritava muito e batia contra a porta da van, até que perdeu o controle e escorregou. Tom recuou, mas caiu para a frente sob a roda traseira esquerda. Era possível ver o veículo levantar um pouco quando passou por cima de sua cabeça.

A van de caça dirigida por Anthony Ball não parou. Ganhou ainda mais velocidade e passou por dois sabotadores na estrada, que ficaram tão chocados com o que aconteceu que não conseguiram se mover. A van voltou diretamente para os canis, onde muitos policiais chegaram rapidamente para proteger o senhor Ball.

Os sabotadores correram até Tom Worby e tentaram socorrê-lo. Suas orelhas e nariz sangravam, mas o garoto ainda estava consciente. Eles gritaram desesperadamente por ajuda. Alguns caçadores riram e celebraram como se aquilo fosse uma vitória para eles. Inclusive ameaçaram os sabotadores que expressaram a urgência de se conseguir uma ambulância. Eventualmente um policial foi avisado e solicitou ajuda. Tom morreu nos braços da namorada e ninguém foi responsabilizado pelo que aconteceu.

Saiba Mais

Grupos anti-caçadas normalmente são grupos pacíficos que usam de táticas como buzinas, apitos e dispositivos eletrônicos para confundir cães de caça. Também criam falsas trilhas e usam de recursos que chamam a atenção dos animais que serão caçados, para que eles possam se antecipar diante da ação dos caçadores.

Referência

Netcu Watch. How Tom Worby, a hunt sab, was killed (2008).





Considerações sobre o discurso “bandido bom é bandido morto”

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Crítica em forma de imagem que tem circulado sobre o assunto na internet 

Um problema que surge quando você se manifesta contra o discurso “bandido bom é bandido morto” é que há pessoas que “entendem” que você passa a mão na cabeça de assassinos, pedófilos, estupradores e outros sujeitos que cometem os piores crimes. Quando alguém diz que é contra o “discurso bandido bom é bandido morto”, normalmente o que a pessoa quer dizer é que não se deve nivelar todos os crimes e que todos eles devem ser punidos de acordo com a prática.

Conversando tranquilamente com um sujeito que defende o discurso “bandido bom é bandido morto”, ele me disse que independente de crime todos os criminosos merecem a “vala”. Achei tal comentário visceral, ainda mais levando em conta as minhas experiências de anos em contato com pessoas que cometeram os mais diversos delitos, além de laranjas, usuários de drogas, alcoólatras e andarilhos. Inclusive conheço e escrevi histórias de jovens que abandonaram o mundo do crime.

Expliquei que sou da opinião de que a justiça não deve ser feita por ele nem por mim, mas por quem tem competência e autoridade para tal, e obviamente que respeitando a legislação vigente. Penso que se as leis são falhas, também temos culpa, porque chegamos a esse ponto por uma questão de permissividade de nossa parte.

Irritado com minha observação, o sujeito retrucou que gostaria de ver minha reação quando um bandido matasse algum de meus familiares ou invadisse minha casa. Realmente sou privilegiado por nunca ter sido vítima de assalto, mas não consigo entender como uma pessoa pode torcer pelo mal do outro simplesmente por não partilhar da mesma opinião.

Devo ser vítima de algum ato bárbaro, cruel, para ter a mesma opinião que a sua? Devemos desejar que todos aqueles que não compartilham desse discurso sejam mortos, tenham familiares violentados e assaltados, só para que, num cenário hipotético, sejam forçados a mudarem de opinião e o outro se sinta satisfeito em sua razão?

Precisamos buscar a reafirmação de nossas crenças na hostilização do outro? Como isso pode não ser propagar mais violência? Se você sente raiva de mim por não concordar com o discurso generalizado “bandido bom é bandido morto”, e me deseja algum mal, o que te incomoda não é apenas a criminalidade, mas também a contrariedade, que surge inclusive na figura de muitas pessoas honestas, que nunca cometeram nenhum crime e desejam o melhor para os outros.

Written by David Arioch

January 19th, 2017 at 1:18 am

Todo estuprador é um psicopata?

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Estupradores são naturalmente ególatras, pessoas que não sabem lidar com negativas

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“O Estupro de Tamar”, pintura em óleo feita em 1840 pelo francês Eustache Le Sueur

Li muitos comentários e alguns textos sobre o episódio da jovem de 16 anos que foi estuprada no Rio de Janeiro por mais de 30 homens. Acho impossível não sentir asco, mas também sei que crimes como esse acontecem com mais frequência do que imaginamos. Afinal, quem não se lembra do estupro coletivo em Castelo do Piauí que teve repercussão nacional no ano passado? Quando quatro adolescentes de 15 a 17 anos foram apedrejadas, estupradas, amarradas e jogadas de um penhasco de oito metros de altura.

Não conheço a história da jovem do Rio de Janeiro e acredito também que isso não tenha relevância alguma, já que nada justifica um estupro. Não importa como ela se veste, se tem filhos, se gosta de baladas, se bebe pouco ou muito. Nossas escolhas não existem para pautar a vida dos outros. Somos o que somos, nem por isso temos o direito de decidir como as pessoas devem ser ou agir. Ademais, o fato dela ser menor de idade torna tudo ainda mais aberrante porque ratifica um estado de maior vulnerabilidade.

Há pessoas que podem qualificar o caso de estupro coletivo como um fato isolado por causa da repercussão pontual da mídia. Porém é algo que está bem longe da realidade. No Brasil, pelo menos 15% dos casos de estupros são coletivos e mais de 70% das vítimas são menores de idade. E só para mostrar como a situação é alarmante, pelo menos seis estupros são registrados por hora no Brasil.

Só em 2015, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, podem ter ocorrido 136 mil estupros, numa projeção otimista inspirada na metodologia internacional National Crime Victimization Survey. Imagine então se somarmos esses dados aos casos de violência sexual em que as vítimas ficaram aterrorizadas ou foram coagidas a não denunciar? O total pode chegar a 476 mil.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não mais do que 10% dos casos de violência sexual são denunciados à polícia. Logo não tenho dúvida alguma de que ser mulher no Brasil é muito difícil, já que são obrigadas a viver em estado de alerta, ainda mais levando em conta a impunidade reconhecida pelos abusadores.

Eles zombam das nossas leis brandas que dão margem a muitos recursos por causa do viés da subjetividade. Maior exemplo do descrédito é o fato de que muitos estupradores tiram fotos ou filmam os atos de violência sexual como se fossem souvenirs ou troféus, algo de que se orgulham.

Em 2006 e 2007, fiz um trabalho junto ao Projeto Sentinela, que combate o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. E o que tirei de lição daquele tempo para a atualidade é que estupradores são naturalmente ególatras, pessoas que não sabem lidar com negativas, seja porque foram mimados demais ou porque não conseguem aceitar o fato de que as pessoas vão continuar existindo e seguindo suas vidas independente deles.

Muitos também tendem a tentar transferir para outra pessoa o desprezo que sentem por si mesmo. Se veem como insignificantes e acabam recorrendo à objetificação sexual de alguém. Querem ferir outra pessoa, marcá-la para sempre. Sentem um prazer mórbido e doentio nisso.

No caso dos mais de 30 rapazes que estupraram a adolescente, como algumas pessoas comentaram, é difícil crer que todos sejam doentes. Mas acredito sim que eles possuem traços de sociopatia e psicopatia. A verdade é que o mundo hipermoderno está imerso em desvios de conduta que ameaçam o bem-estar social.

Nos livros The Sociopath Nextdoor e Snakes in Suits: When Psychopaths Go To Work, os estudiosos do comportamento humano Martha Stout e Paul Babiak estimam que 10% da população mundial sofre de algum tipo de psicopatia, o que me faz crer que a raiz do problema com relação aos estupros já começa nos primeiros indicativos de sociopatia, na ausência de limites e na anuência da permissividade.

Até porque, antes de tudo, todo estuprador é um psicopata, embora nem todo psicopata seja um estuprador. Talvez tenhamos dificuldade em identificar isso porque temos uma tendência obtusa e até romanesca de associar a figura do psicopata com a dos serial killers que encontramos na literatura e no cinema.

De tudo que li até agora sobre o estupro da jovem de 16 anos, só não concordo com as acusações de que todo homem é um estuprador em potencial. Não é verdade e também nem mesmo existe qualquer tipo de estudo que se aproxime de corroborar esse tipo de afirmação baseada na passionalidade.

O crime envolvendo a adolescente do Rio de Janeiro, me lembrou uma história que escrevi há alguns meses sobre uma jovem vítima de estupro

Talvez tivesse caído na rua quando caminhava do boteco para casa. Em seguida, percorreu seu corpo com a língua áspera e fedorenta que a fez sentir-se como se fosse lambida por uma dessas lagartas que invadem pedaços de pau podre em terrenos baldios. Com o rosto virado, Sandra chorava em silêncio, mordendo os lábios e mirando o telhado de fibrocimento (Eternit). Se esforçava para sair do próprio corpo. Não queria enxergar nem sentir nada. A poucos centímetros, observou Isabel à direita – a bonequinha de tecido tinha um vestido encardido, levemente avermelhado.

“Lembrei da virgindade que aquele velho pedófilo tirou de mim. Ele ainda comemorou quando viu o meu sangue escorrendo pelo lençol. Falou desse jeito: ‘É assim, filhinha, a primeira vez de vocês têm que ser com o papai’”, comentou. Turvo se levantou e desapareceu na escuridão, carregando uma garrafa de pinga e arrastando os pés no chão.

Nada a fazia esquecer o cheiro nauseante do pai. As palavras do homem continuaram ecoando pela mente de Sandra. Era como se por um artifício fantástico tivessem-lhe anexado ao ouvido um gravador que reproduzia copiosamente as frases do criminoso. Ela não conseguia expor ao mundo o sentimento inimaginável que a dominou desde a noite do estupro.

Em seu interior, o desespero incessante consumia a voz e a capacidade de se comunicar. “Os gritos e o choro não eram ouvidos e vistos por ninguém. Existiam apenas dentro de mim. E minha mãe [primeira esposa de Turvo] sabia de tudo e aceitava”, narra chorando. As lágrimas pareciam banhar o interior de cada um dos órgãos – do coração ao útero. A voz perdida, apenas ela ouvia. A vontade de viver se esvaía com o sangue maculado, arbitrariamente dilacerado do seu corpo em desenvolvimento.

Lá fora, no quintal sujo, Sandra tentava, sem sucesso, chorar, observando um pneu que balançava preso à corda amarrada em uma árvore. Para ela, tudo continuava desfocado e diluído. “Eu queria morrer e, em vários momentos da vida, sei que minhas irmãs também. Ele abusou da gente não só uma ou poucas vezes, mas muitas. Ele estuprou todas as filhas e mesmo depois de tantos anos algumas ainda recebem suas visitas noturnas”, garante Sandra que se arrepia, apontando com o dedo indicador os pelos eriçados do braço.

O dia em que Pedro Tenório assassinou Alma de Gato e Bartolo no Líder Bar

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Crime aconteceu no centro de Paranavaí no dia 8 de agosto de 1964

Líder Bar (ao fundo), cenário de um dos crimes mais macabros da região na década de 1960 (Acervo: João Carlos Antunes)

Líder Bar (ao fundo), cenário de um dos crimes mais macabros da região na década de 1960 (Acervo: João Carlos Antunes)

No dia 8 de agosto de 1964, um homem bebendo no Líder Bar, na Avenida Paraná, perto do cruzamento com a Rua Getúlio Vargas, no centro de Paranavaí, explicou a um conhecido que estava negociando a venda de uma fazenda que pertencia a uma família de gaúchos em Querência do Norte. “Vou fechar esse negócio, daí pago a minha dívida, né?”, enfatizou o homem, de acordo com Honório Bonfadini, um dos proprietários do Líder Bar na época, que acompanhou a conversa diante do balcão.

Quando chegou a hora de formalizar a venda, o negociante chamado Pedro Tenório se sentiu lesado porque a transação não foi concluída e ele perdeu a chance de ganhar uma boa comissão. Dois dias depois, retornou ao bar por volta do meio-dia. O local estava lotado, tanto que não havia mais cadeiras e mesas disponíveis. Então Tenório se aproximou do balcão e caminhou até dois homens que conversavam. Sem dizer palavra, sacou um revólver de calibre 44, puxou Onofre de Oliveira, mais conhecido como Alma de Gato, pelo braço e deu-lhe um tiro à queima-roupa no peito.

Alma de Gato foi sepultado na gaveta superior e Bartolo na gaveta inferior do Cemitério Municipal de Paranavaí (Foto: David Arioch)

Alma de Gato foi sepultado na gaveta superior e Bartolo na gaveta inferior do Cemitério Municipal de Paranavaí (Foto: David Arioch)

Bartolo Sanches Perez, que estava ao lado do amigo ferido, ficou inerte, com os olhos estalados. Antes que reagisse, também foi alvejado no peito. Os dois caíram lado a lado enquanto o sangue se misturava no chão do bar. Durante a ação, alguns fregueses tremiam assustados e encolhidos embaixo das mesas. Outros ficaram tão desesperados que correram em direção à Avenida Paraná. “Todo mundo saiu de perto quando ouviu o primeiro tiro. O atirador não chegou a quebrar nada. Só furou a parede e o forro”, relata Bonfadini.

Com calma, Tenório abaixou o revólver e saiu do bar da mesma forma que entrou, ou seja, calado. “Havia muito sangue no chão e muito medo nos olhos de quem presenciou esse crime”, relata o pioneiro João Mariano. O atirador caminhou com tranquilidade até a Rua Getúlio Vargas, onde foi abordado pelo tenente Walter Porto, da Polícia Militar. Não resistiu à prisão e ainda confidenciou que sua intenção era ir até outro bar assassinar mais duas pessoas que segundo ele faziam parte do grupo que interferiu em seus negócios. Feridos gravemente, Alma de Gato e Bartolo acabaram falecendo no hospital.

O pioneiro e ex-prefeito Deusdete Ferreira de Cerqueira se recorda que foi procurado por João Tenório para testemunhar a favor de Pedro Tenório. “Ele era de família abastada. Eu me dava bem com esse parente dele. Mas um dia ele passou na minha casa e disse: ‘É sobre o Pedro, sei que você faz parte do júri popular e quero pedir que salve ele’. Aí expliquei: ‘Ô Seu João, pra mim é difícil. A única coisa que você pode fazer é pedir pra me tirar do júri porque se eu for lá eu condeno ele. Tenho minha consciência e meu senso de justiça’”, lembra.

Deusdete Cerqueira, Honório Bonfadini e João Mariano conheciam Pedro Tenório e as vítimas (Foto: David Arioch)

Deusdete Cerqueira, Honório Bonfadini e João Mariano conheciam Pedro Tenório e as vítimas (Foto: David Arioch)

Após a condenação, Tenório foi transferido para Curitiba. O que o motivou a matar Alma de Gato e Bartolo foi o desejo de vingança e a sensação de impunidade. “Ele tinha amizade com um juiz e um escrivão que se dispuseram a ajudar ele. Ou seja, tudo gente boa”, ironiza Honório Bonfadini, lembrando que era muito comum as pessoas andarem munidas de revólveres de calibre 22 e 38 em 1964.

O duplo homicídio repercutiu tanto que se tornou o assunto mais falado na região por semanas. Inclusive a polícia exigiu que os Bonfadini fechassem o Líder Bar por alguns dias, reabrindo numa segunda-feira. “E tudo isso por causa da corretagem de uma fazenda. Naquele tempo as pessoas matavam facilmente por causa de comissão de terras. Ainda bem que os outros não quiseram se vingar porque senão ia acabar não sobrando ninguém”, pondera Deusdete.

Vizinho de Bartolo Sanches Perez, o pioneiro João Mariano conta que ele era tranquilo e educado. “Uma vez ele passou por uma situação difícil quando o filho dele foi laçar um boi e o animal o arrastou. Levaram o rapaz ao médico e ele se recuperou, mas ficou sem a mão”, confidencia.

Mariano também defende que Alma de Gato, homem alto e magro que conheceu em 1955, não era má pessoa. “Eu era mais novo que o Alma de Gato e tive o primeiro contato com ele em 1953, um ano depois que cheguei em Paranavaí. A propriedade onde moro hoje [Estância Reno] era do pai dele. Tinham uma fazenda enorme, com muito café e mato. Quando comprei, já tinham loteado. O forte deles sempre foi a cafeicultura”, garante Cerqueira.

Curiosidades

Alma de Gato e Bartolo estão sepultados na primeira seção de gavetas do Cemitério Municipal de Paranavaí.

Alma-de-Gato é o nome de um pássaro originário da Amazônia que tem a cauda longa, o peito acinzentado e a plumagem cor de ferrugem.

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