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Um autor é responsável somente pelo que produz

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“Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, foi injustamente acusado de ter levado jovens a cometer suicídio na Alemanha (Foto: Reprodução)

Na minha opinião, um autor sempre vai ser responsável pelo que ele produz, não pelo que os outros entendem, por mais subjetiva que seja sua obra. Acho importante ter isso sempre em mente.

Quando escrevo um texto e alguém tenta dar um sentido a ele com o qual eu não concordo, por exemplo, a responsabilidade não é minha. Não tenho controle sobre a concepção de ninguém. Realmente, depois de pronta uma obra ganha vida, mas isso não significa que o autor seja responsável pelas releituras ou ingerências dos outros.

Claro que pode ocorrer um mea culpa, mas muitas vezes ocorre porque provavelmente o autor está fora dos limites do zeitgeist, não quer conflitos ou fez algo de forma não intencional ou possivelmente até subconsciente.

Quando Goethe publicou “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, houve uma onda de suicídios na Alemanha. Ele nunca desejou que ninguém se suicidasse. E dizer que ele era responsável porque sua obra levou o romantismo alemão às raias do extremismo é de um sensacionalismo mais do que obtuso.

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Written by David Arioch

January 21st, 2017 at 1:20 am

William Blake, entre a pobreza e o anonimato

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Assumiu um semblante justo, seus olhos brilharam e ele cantou sobre as coisas que viu no céu

by Thomas Phillips, oil on canvas, 1807

Reconhecimento de William Blake só veio após a sua morte (Arte: Thomas Phillips)

No dia 12 de agosto de 1827, o poeta inglês William Blake faleceu aos 69 anos na pobreza e no anonimato. Seu velório em Bunhill Fields, na região norte de Londres, passou despercebido e só pôde ser realizado através de um empréstimo de 19 xelins. Sepultado em um túmulo sem qualquer inscrição, o corpo de Blake foi colocado sobre outros três e seguido por mais quatro falecidos.

Sua esposa, Catherine, revelou a uma amiga que durante o casamento ela não teve tanto a companhia do marido quanto gostaria. “Ele estava sempre em seu próprio paraíso”, declarou. Apesar da saúde fragilizada, Blake parecia não se preocupar tanto com a morte. “É a imaginação que deve viver para sempre”, comentou quando já estava próximo do falecimento.

Nos últimos dias de vida, o poeta gastou os seus últimos xelins comprando um lápis que usou para homenagear a esposa. “Fique, Kate! Mantenha-se exatamente como você é. Por você ter sido um anjo para mim, vou desenhar o seu retrato”, declarou. Pouco antes de morrer, William Blake assumiu um semblante justo, seus olhos brilharam e ele cantou sobre as coisas que viu no céu”, escreveu um amigo.

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Obra criada pelo inglês sob inspiração da poesia pastoral do romano Virgílio (Arte: Reprodução)

O inglês que amargou décadas de pobreza se via mais como escultor e pintor do que poeta. Ele esperava que em uma exposição realizada em 1808 o seu trabalho pudesse trazer-lhe tanto retorno financeiro quanto reconhecimento por seu estilo original, baseado em temas a frente do seu tempo.

Na exposição que recebeu o nome de “Afrescos de Invenções Poéticas e Históricas”, Blake reuniu 16 de suas pinturas. “Aos que foram informados de que o meu trabalho se resume a obras não científicas, excêntricas ou nada mais que rabiscos de um louco, façam-me justiça e examinem tudo antes de tomar uma decisão”, pediu. Naquele dia poucas pessoas prestigiaram o evento.

Ainda assim ele não hesitou em dizer que não desistiria do seu sonho de ser reconhecido. “Ignorantes insultos não me farão desistir do meu dever para com a minha arte”, informou. Infelizmente ninguém comprou nenhuma de suas obras e a única resenha publicada sobre a exposição definiu William Blake como um lunático que só não corria risco de ser preso porque era inofensivo demais.

Retrato de Catherine que Blake desenhou antes de falecer (Arte: Reprodução)

Retrato de Catherine que Blake desenhou antes de falecer (Arte: Reprodução)

A recepção da poesia do inglês também seguiu na mesma esteira de suas pinturas e esculturas. Poucos viram ou leram pelo menos um de seus livros escritos e ilustrados à mão. Em 1811, dois anos antes de se consagrar como o poeta laureado, o britânico Robert Southey, leu “Jerusalem”, uma das obras mais famosas de William Blake. “É um poema perfeitamente louco”, sintetizou Southey.

Catherine continuou a imprimir e divulgar as obras do marido depois que ele morreu, o que deixou claro que a parceria dos dois envolvia tanto amor quanto trabalho. Com a ajuda de poucos amigos e fãs de William Blake, ela conseguiu sobreviver por mais quatro anos. Nesse período afirmou ter visto o marido muitas vezes, chegando a sentar-se junto dele por duas a três horas diárias.

No dia 31 de outubro de 1831, Catherine chamou por Blake como se ele estivesse no quarto ao lado. “Meu William…meu William…”, repetiu ela até o momento de sua morte. Com o falecimento de Catherine, os direitos sobre as obras de Blake foram transferidos para Frederick Tatham, um artista inglês de pequena expressão que fazia parte de um grupo de seguidores do poeta, conhecido como Shoreham Ancients.

Segundo o livro The Stranger From Paradise, publicado em 2001, e de autoria do biógrafo G.E. Bentley Jr, Tatham vendeu a própria herança ao longo de 30 anos e por bom preço. Depois que se tornou um religioso fanático, destruiu muitas gravuras e poemas de Blake. Chegou a declarar que se livrou delas porque acreditava que o artista tivesse sido inspirado pelo diabo quando as concebeu.

Saiba Mais

Entre as obras mais importantes do poeta inglês se destacam “The Marriage of Heaven and Hell”, “Jerusalem”, “And did those feet in ancient time”, “Songs of Innocence and of Experience”, “Milton” e “The Four Zoas”.

William Blake nasceu em 28 de novembro de 1757 e faleceu em 12 de agosto de 1827.

Catherine Blake nasceu em 25 de abril de 1762 e faleceu em 31 de outubro de 1831.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

G.E. Bentley (2001). The Stranger From Paradise: A Biography of William Blake. Yale University Press.

Blake, William and Tatham, Frederick. The Letters of William Blake: Together with a Life. 1906.

Gilchrist, A. The Life of William Blake, London, 1863, 405.

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Sobre a divulgação de fotos íntimas na internet

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Pra que se preocupar com o estado emocional de uma jovem fragilizada quando é mais importante pensar no que os amigos do boteco vão dizer quando ele chegar para tomar suas biritas?

Mais uma moça teve fotos íntimas divulgadas na internet por um suposto amigo. Quando a família ficou sabendo, o pai simplesmente a expulsou de casa, claro que do alto de uma perspectiva travestida de paternalista. Afinal, pra que se preocupar com o estado emocional de uma jovem fragilizada quando é mais importante pensar no que os amigos do boteco vão dizer quando ele chegar para tomar suas biritas? Outros familiares deram entrevista relatando que a jovem sempre foi muito problemática, deu muito trabalho aos pais. Sem dúvida, ela vai se sentir muito bem quando souber disso por meio dos jornais.

Amigos e parentes pedem o retorno da moça. Apesar das críticas, divulgam na internet que querem que ela volte. Só esqueceram de ponderar que depois disso tudo não há garantias que essa jovem veja a casa como um lar. E quem pode culpá-la? Lar é pra ser um local seguro, uma fortaleza, um ambiente onde se aprende a importância de uma boa comunicação, da cumplicidade existencial. Mas infelizmente há situações extremamente negativas e pesadas na vida que servem para descortinar fatos até então incredíveis sobre a realidade parental. Vejo que em certos aspectos o mundo tem evoluído rápido demais, mas nem todas as famílias acompanham essas transformações, talvez por ainda estarem confinadas a um panorama por vezes anacrônico da vida e do mundo.

Acredito que já temos o entendimento e as ferramentas necessárias para não incorrer no erro dessas famílias que expulsam os filhos de casa por causa de fotos íntimas compartilhadas. O orgulho ferido de um pai deveria ser mais importante? Falo com segurança e tranquilidade que se eu tivesse uma filha passando por esse tipo de situação nunca viraria as costas para ela ou a repreenderia. É preciso ter calma e tentar dialogar. O mundo sempre vai estar pronto para julgá-la, castigá-la, então por que fazê-la se distanciar do lugar e das pessoas que deveriam ser as suas principais referências de segurança?

Sempre que leio sobre fotos íntimas que foram parar na internet me surpreendo com tantos comentários hostis e truculentos. “Se fosse minha filha eu descia o cacete”, “Coitado desse pai!”, “Caramba, que vadia sem noção!”, “Vai, otário, não cuidou direito da filha” e “Vagabunda desde novinha” são alguns dos comentários que me recordo agora sobre o assunto. Pouco se fala sobre quem as divulgou. Você pensaria assim se fosse sua filha? Tem certeza? E mesmo que pensasse, ela tem a sua própria individualidade, é um ser humano como qualquer outro, com suas aspirações, inseguranças e desejos. Sim, claro que muitos jovens que passam por essa situação são dependentes financeiramente, mas nem por isso vão deixar de agir como pessoas que avaliam a vida à sua maneira, com uma autonomia peculiar, mesmo quando reféns da ingenuidade.

Written by David Arioch

June 18th, 2015 at 7:24 pm

Desinformação, incompreensão, desinteresse e paranoia

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Literatura, Marina Colasanti, Paulo Venturelli e cultura em geral

Marina Colasanti: "a literatura em si já vem embutida de formação."

Marina Colasanti: “A literatura em si já vem embutida de formação.” (Foto: Reprodução)

No sábado, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista interessante com a escritora Marina Colasanti defendendo que livros de histórias infantis não precisam ser educativos. Acho que quem conhece o trabalho dela entende que essa posição é defendida há muito tempo, não apenas agora. Ela inclusive viaja o Brasil discutindo sobre o assunto.

Como a própria autora diz, a literatura em si já vem embutida de formação. Hoje de manhã, quando abri o Facebook, a primeira matéria que apareceu no meu feed de notícias foi essa. Então decidi olhar brevemente os comentários. Talvez por ingenuidade, achei que encontraria apenas opiniões interessantes e construtivas.

Em meio a tantos bons comentários, alguns extremamente negativos, erráticos e vazios em sentido me chamaram a atenção. Uma professora de Apucarana, no Paraná, funcionária da rede estadual de ensino, comentou o seguinte sobre a declaração de Marina Colasanti: “Da onde vem esses completos idiotas, querendo ferrar com uma nação toda!”

Outro sujeito disse que o vermelho ao fundo da foto revela a origem ideológica de Marina Colasanti (acredite, não foi uma piada). Sem dúvida, faz muito sentido, ainda mais se levarmos em conta o fato de que a escritora declarou apoio ao Aécio Neves durante as eleições. Na mesma postagem, um rapaz “vociferou” que com tal comentário Marina Colasanti está defendendo a desconstrução do Brasil.

Esses exemplos me lembraram dois episódios. O primeiro foi há poucos meses, quando o escritor Paulo Venturelli, radicado em Curitiba, ministrou uma palestra e ao final o questionaram sobre o que os professores poderiam fazer para estimular nos mais jovens o interesse pela leitura. Muita gente não gostou da resposta do autor, mas provavelmente ele se valeu de sua experiência de décadas trabalhando com literatura. “Comece lendo. Leia de verdade. Um professor não pode cobrar leitura de um aluno se ele mesmo não lê”, respondeu Venturelli que também é professor.

Paulo Venturelli: “Um professor não pode cobrar leitura de um aluno se ele mesmo não lê."

Paulo Venturelli: “Um professor não pode cobrar leitura de um aluno se ele mesmo não lê.” (Foto: Reprodução)

Com esse comentário, o escritor deixou subentendido que quanto mais você lê, mais ideias você tem de como estimular a leitura. Do contrário, há de se sentir sempre anuviado. O segundo episódio não tem relação direta com literatura, mas sim com a cultura em geral.

Em 2008 ou 2009, não tenho mais certeza do ano, um grupo de professores da rede estadual de ensino entrou em contato comigo pedindo para eu apresentar voluntariamente uma sessão especial do projeto Mais Cinema na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Eles queriam que eu exibisse um filme sobre os mais diversos aspectos da exploração infantil. Gostei da ideia e me comprometi também em fazer a análise do filme e discutir o assunto com dezenas de alunos e alguns professores.

Pois bem, durante a exibição do excelente filme All The Invisible Children, de 2005, dividido em sete curtas realizados em várias partes do mundo, alunos e professores ficaram boa parte do tempo falando ao celular e enviando sms. Alguns saíam do ambiente para conversar e depois retornavam. Era como se estivessem em casa assistindo TV. Imitavam sons de animais, deitavam e pulavam sobre as poltronas com a conivência dos professores.

Naquele dia, curiosamente, havia sete ou oito professores na Casa da Cultura. Desse total, três ou quatro foram embora antes do filme terminar. Me recordo que uma professora que resistiu para ficar até o final manteve-se recostada contra a porta, ansiosa para ir embora. Quando acabou a sessão, acredito que não havia mais do que 40% do público inicial. No fim, não houve avaliação nem discussão alguma, claro, por desinteresse dos que ficaram.

Não estou dizendo que são casos que se aplicam a muitos professores, até porque não é minha intenção quantificar nada. Só acredito que se você não está disposto a desempenhar um bom trabalho, fazer alguma diferença, talvez seja mais viável trilhar outro caminho. Quem sabe, mudar de área. Há incongruências que atingem todas as profissões. Ainda assim, acredito que o relato vale a reflexão. Há uma relação curiosa entre as três situações e deixo a cada um a livre interpretação.