David Arioch – Jornalismo Cultural

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O que você faria se alguém disponibilizasse um livro seu para ser baixado gratuitamente?

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Foto: Reprodução

Vi que você fez divulgação de um site que compartilha livros gratuitamente. Agora me tire uma dúvida. O que você faria se alguém disponibilizasse um livro seu para ser baixado gratuitamente?

Eu não faria nada. A ideia de comercializar um livro meu não tem relação com uma imposição ou com uma prerrogativa de limitação ou balizamento de conteúdo. Não existe esse atrelamento entre acesso e pagamento. Se comercializo um livro, é partindo da ideia de uma atribuição voluntária de valor.

Por exemplo, muito do que faço está na internet, disponível para quem quiser, sejam meus textos ou minhas receitas. Tenho uma consciência que não tem nada a ver com essa consciência tradicional de mercado. Dissemino primeiro o conteúdo e depois transformo isso em algo, possibilitando que as pessoas possam comprar o que produzo.

Claro, se elas julgarem que vale a pena. Sendo assim, elas pagam se considerarem válido. E não pagam também se não considerarem. Até quem não quer pagar pode ter acesso ao que produzo, já que continuo gerando conteúdo regularmente e disponibilizando em meio virtual.

Inclusive acho legal a ideia da publicação do livro físico, mas não me importo tanto com ela. Claro que é interessante ter um livro em mãos, há algo de palpável nisso que é significativo aos nossos sentidos, ao mesmo tempo que nos envaidece. Porém, isso não é uma prioridade, não é algo que faça tanta diferença para mim. Além do custo, às vezes penso também na possibilidade do impacto ambiental desse trabalho. A verdade é que basicamente estou aqui para compartilhar informações e isso independe de meio.

Se vou ganhar alguma coisa ou nada produzindo determinado conteúdo, isso depende de uma série de fatores, mas quero continuar compartilhando, se possível. Para se ter uma ideia, muitas das minhas receitas estão registradas, e sei que há pessoas que usam algumas para ganharem dinheiro, de acordo com relatos de conhecidos e amigos.

E o que acho disso? Desde que ninguém seja prejudicado, acho muito bom! Se eu não achasse, isso significaria que a minha preocupação estaria mais voltada para o meu ego do que para a minha intenção que é dividir o que sei com os outros. Por isso, digo que me vejo mais como um compartilhador.





 

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January 21st, 2018 at 10:43 pm

Quando alguém parecer agressivo com você na internet…

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Arte: Liza23q

Quando alguém parecer agressivo com você na internet, talvez um exercício interessante seja fazer uma ou duas perguntas neutras e analisar as respostas. Se o discurso ainda parecer agressivo, provavelmente a pessoa está exaltada. “Por que eu faria isso?” Bom, porque muitas vezes as pessoas podem transmitir uma mensagem de forma equivocada, ou seja, transparecendo algo que não é o objetivo do emissor.





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October 17th, 2017 at 11:40 am

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Quando alguém parecer agressivo com você na internet

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Trainspotting, de Joanne Casey

Quando alguém parecer agressivo com você na internet, talvez um exercício interessante seja fazer uma ou duas perguntas neutras e analisar as respostas. Se o discurso ainda parecer agressivo, provavelmente a pessoa está exaltada. “Por que eu faria isso?” Bom, porque muitas vezes as pessoas podem transmitir uma mensagem de forma equivocada, ou seja, transparecendo algo que não é o objetivo do emissor.





Written by David Arioch

October 14th, 2017 at 3:36 am

Você anda falando com a minha mulher no Facebook

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Arte: Alex de Pase

— Você anda falando com a minha mulher no Facebook.
— Depende, falando o que?
— Conversando, ora.
— Imagino que se for verdade, seja uma conversa normal.
— Não é pra ter conversa normal com ela.
— Não?
— Não.
— E?
— E aí que não é pra falar com ela. Conversa de nenhum tipo.
— Senhor, converso com inúmeras pessoas diariamente. Até porque o meu trabalho é escrever. Se escrevo e publico, isso atrai pessoas, e pessoas conversam.
— Mas não com minha mulher. Não é pra falar com ela.
— Onde o senhor conseguiu o meu número?
— Isso não vem ao caso.
— Não fale com minha mulher.
— Ok.
— Tá avisado.
— Sem problema. Obrigado pela gentileza de me ligar e tenha uma boa noite.
— Não fale com minha mulher, viu?
— Uhum.

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September 11th, 2017 at 1:20 am

“Vou compartilhar as fotos íntimas dela na internet”

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Arte: Kate Kretz

Há duas semanas, um amigo de longa data veio conversar comigo na hora do almoço. Me disse que foi traído pela namorada e que estava pensando em publicar fotos íntimas dela na internet, além de compartilhá-las pelo Whatsapp.

— Sério mesmo ou você está brincando?
— É sério sim.
— Então ela te traiu mesmo?
— Sim. Ninguém me disse. Eu vi tudo.
— Isso realmente não é legal. Mas compartilhar essas fotos vai reparar o erro dela?
— Não, mas pelo menos posso retribuir de alguma forma o que ela me fez.
— E como seria essa retribuição no seu entendimento?
— Ué, simples. Vou expor a intimidade dela e isso vai machucá-la de alguma forma, assim como ela me machucou.
— Tem certeza que existe alguma proporcionalidade nisso?
— Como assim?
—Ela o traiu, e por pior que você se sinta hoje isso ainda vai passar. Mas fotos íntimas, uma vez lançadas na internet, não desaparecem assim. Quero dizer, é natural que você tenha algum sentimento negativo em relação a ela. Mas agora você está exaltado, sente raiva, e sem dúvida não quer ser o único a se sentir mal diante de tudo, então sua primeira reação é a vingança. Você acha que ferir o outro pode te trazer alguma sensação de bem-estar. Só que infelizmente isso não vai acontecer. Se defender atacando nunca é uma coisa boa, e revela mais sobre suas fraquezas do que sobre as fraquezas dela. Deixe ela viver a vida dela e vá viver a sua. Você não precisa disso, menos ainda se você sempre foi um sujeito honesto e fiel a si mesmo. Por que macular isso com um comportamento nocivo?
— Sempre fui fiel a mim e a ela. Nunca fiz nada para que ela me sacaneasse e estou puto da vida.
— É compreensível. Mas reflita sobre um ponto. A sua raiva vai passar, e talvez daqui uma semana, um mês ou um ano você se arrependa de ter divulgado as fotos dela. O que você poderá fazer sobre isso? Nada, porque você não vai ter como impedir que as fotos dela continuem circulando. Você também não será visto como é hoje, e se você for realmente um bom sujeito, como sei que é, terá vergonha de si mesmo. Vale a pena? Você definitivamente não precisa disso. Nem deve fazer isso.
— E como eu fico nessa situação? Devo deixar quieto? Cara, eu vomitei quando vi os dois se pegando.
— Você fica como sempre ficou, sendo fiel ao que existe de mais verdadeiro dentro de você, e não se entregando a uma emoção arrebatadora, destrutiva e transitória.
— Não sei não, cara. Estou muito mal e preciso fazer alguma coisa a respeito.
— Então faça o seguinte. Me prometa que vai esperar uma semana, só uma semana antes de fazer qualquer besteira. Se você ainda estiver se sentindo da mesma forma então conversaremos sobre isso. Mas não faça nada antes, nada mesmo.
— Tudo bem. Vou tentar.

Na semana passada, ele me avisou que apagou todas as fotos íntimas da ex-namorada do celular, do PC e do notebook.

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Written by David Arioch

June 20th, 2017 at 1:02 am

Odioso na internet, manso fora dela

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“Será que o que falo aqui eu seria capaz de falar cara a cara com alguém?”

Odioso na internet, manso fora dela. Existe muita gente assim. O problema é que há pessoas que esquecem que palavras na internet também têm consequências. Por isso acredito que o melhor de tudo é ponderar: “Será que o que falo aqui eu seria capaz de falar cara a cara com alguém?”

Ou: “Será que isso é realmente o que penso ou estou apenas nervoso?” Um bom exercício também é ler o próprio discurso e tentar imaginar como você reagiria se fosse alguém falando da mesma forma com você.





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June 17th, 2017 at 7:32 pm

Posted in Reflexões

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Sobre o comportamento na internet

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Foto: PMCV

Tem muita gente com quem mantenho contato pela internet e que conheço pessoalmente. Não é raro eu ver pessoas classificando algumas delas como agressivas ou como diferentes do que realmente são.

Isso acontece porque às vezes, ou mais do que isso, as pessoas podem ser muito passionais e veem na internet uma forma de expor suas insatisfações. Portanto, podem transmitir alguma impressão negativa, o que não significa que sejam basicamente isso.

Tem muita gente na internet que se expressa de uma maneira vista como visceral, dando margem para interpretações não tão boas ou acalentadoras, mas isso não significa que não sejam pessoas boas ou que não tenham qualidades. A forma como escrevemos algo diz muito, mas não tudo, só que é algo que pode clarear ou escurecer posicionamentos.

Em síntese, conheço pessoas de longa data que são gentis pessoalmente, mas que parecem outra coisa para quem as conhece somente pela internet.

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Written by David Arioch

March 5th, 2017 at 7:54 pm

Gurus da internet

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Tenho receio desses gurus que povoam a internet hoje em dia, fazendo promessas de rápidas transformações estéticas e de saúde. Muitos deles buscam fama e retorno financeiro. Acredito que o ser humano precisa conhecer mais o próprio corpo, seu organismo….tentar entender melhor sua relação com si mesmo e as consequências de seus atos. Tenha disciplina. Não existe caminho fácil, mas seja paciente, persista. Além disso, não vejo como pode ser justo seguir alguém que precisa desprezar algo ou alguém para se promover.

Written by David Arioch

November 16th, 2016 at 10:22 am

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Do anonimato à superexposição na internet

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Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós

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Não tínhamos nome, sobrenome, origem, cidade, estado nem mesmo um país real quando usávamos proxy internacional (Foto: Reprodução)

Sou de uma geração de anônimos na internet. E o que quero dizer com isso? Bom, quando comecei a usar a internet por volta de 1996, eu, assim como a maioria dos usuários, era um anônimo. Não tínhamos nome, sobrenome, origem, cidade, estado nem mesmo um país real quando usávamos proxy internacional. O mais importante não era aparecer, mas sim conhecer e trocar informações, ideias e alguns poucos arquivos.

Cheguei a ter contato com pessoas por anos sem jamais saber quem eram de verdade; como eram fisicamente, quantos anos possuíam, o que faziam para sobreviver, entre outras coisas, até porque, dependendo, isso pouco importava. Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós. Fotos dos usuários eram raras. E isso não fazia muita diferença.

Em alguns aspectos, acho que existíamos mais para o conhecimento, o conteúdo, do que para as relações interpessoais. Palace, ICQ, mIRC, fóruns, usávamos o que existia na época. Acredito que éramos feitos de linhas, estilos, linguagens, narrativas e trocas de arquivos. Em salas, tópicos e janelas privadas, poderíamos conversar hoje e então nunca mais. O vínculo era possível, mas não essencial. Desrespeito, intolerância e balbúrdia eram coibidos com o mais icônico BAN.

Não havia tanta exposição. Ninguém precisava aparecer se não quisesse, nem por isso seria tachado de coisa alguma. Muito pelo contrário, era a mais comum das práticas daqueles tempos. Aos poucos esse mundo foi desaparecendo, pelo menos diante de um novo onde os usuários de internet se tornaram mais transparentes, mais vaidosos, alcançáveis e até mesmo presas de um universo ruidosamente curioso.

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Ninguém precisava aparecer se não quisesse, nem por isso seria tachado de coisa alguma (Foto: Reprodução)

Houve uma metamorfose e hoje vivemos a contramão do anonimato. Há uma superexposição como jamais imaginada nas décadas anteriores. E isso é encarado como algo natural. Muita gente parece não se importar em ter o cotidiano integralmente registrado na internet. O que faz em horários bem específicos, onde come, o que compra, o que ama, o que odeia, quando sai, com quem sai, quais ambientes frequenta.

É possível criar uma agenda de rotinas a partir das informações que as pessoas disponibilizam nas mídias sociais. Acredito que aí subsiste o perigo da superexposição, já que não conhecemos todas as pessoas que recebem essas tantas informações compartilhadas. Sim, você está sendo apenas você, porém e se ser você implica de algum modo em uma consequência negativa para si mesmo e para outros? Ainda valeria a pena?

Em mídias sociais, todos os dias me deparo com conteúdo ofensivo ou formulado de forma bastante equivocada. Não consigo deixar de pensar em como isso pode ser perigoso. Nossa opinião pode reverberar coisas que nem imaginamos dependendo da forma como elaboramos um texto.

Acredite, muitas vezes a maneira como escrevemos pode gerar interpretações inimagináveis se não formos cuidadosos com as palavras. Não é à toa que pessoas são demitidas, amizades e casamentos são desfeitos, entre outras consequências. Afinal, somos responsáveis pelo que publicamos.

Há inclusive muitos casos de ameaças, brigas e assassinatos em decorrência de discursos, opiniões ou “críticas” e críticas publicadas na internet. Então por que não tentar ser mais comedido? Até porque quanto mais ódio disseminamos, mais ódio atraímos. Não é possível conquistar sorrisos sendo avesso à pluralidade.

Na minha opinião, a ponderação deve ser a base de toda produção textual divulgada em mídia social. E faço tal afirmação porque tenho certeza que a maioria não se sente bem gerando inimizades ou perdendo a admiração de pessoas que apenas têm alguns pontos divergentes dos seus.

Não se trata de ser imparcial, até porque a imparcialidade é um mito, mas sim de tentar ser justo e ter sempre em mente que o outro não merece ser ofendido por você apenas por pensar diferente. Há que se ter o entendimento também de que mesmo quando você publica um texto obtuso ou ofensivo e se arrepende e o deleta, isso não significa que ele deixou de existir.

Assim como sabemos que não existe fora no mundo, eu acredito que o mesmo acontece no ciberespaço. Na internet, deletar não significa fazer o conteúdo desaparecer completamente. E volto a endossar que a forma como escrevemos é a porta de entrada para o conteúdo que queremos transmitir. Ser arrogante, desrespeitoso, visceralmente satírico ou desdenhoso desqualifica até mesmo textos bem embasados, desestimulando a reflexão.

 

 

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O amor de Zoltán

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Preferia cultivar um amor platônico, talvez às avessas na sua peculiaridade heteróclita

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Naquele dia, saí de casa e ouvi através do som ruidoso e sorumbático dos trovões a voz de Zoltán (Arte: Imagine B3liebers)

Foi num dia das mães que perdi o meu melhor amigo, Zoltán, um poeta vegetariano que nunca se considerou poeta. Embora morássemos na mesma cidade, o conheci por meio da internet em 1999. Tínhamos a mesma idade e inúmeras afinidades. Era um jovem de aspecto tranquilo, mas existencialmente buliçoso. Vivia mais dentro da própria mente do que fora dela. Amava as pessoas, só não fazia muita questão de se aproximar delas. Preferia cultivar um amor platônico, talvez às avessas na sua peculiaridade heteróclita. Começou a escrever sobre os animais e os seres humanos na adolescência, e mesmo com o passar dos anos e centenas de obras arquivadas nunca considerou nada do que produziu como “bom o bastante”. Na realidade, não se via como escritor, mesmo escrevendo melhor do que muitos autores profissionais. Apesar da minha insistência, Zoltán nunca quis participar de concursos, festivais ou procurar editoras que pudessem se interessar pelo seu trabalho. Nutria justa mágoa pelo mercado editorial.

“Eles sempre vão privilegiar os escritores das metrópoles, sujeitos que possam trazer-lhes benefícios em curto prazo. Eles defendem que lá é o berço da universalização. Se debruçam sobre o próprio reflexo, ignorando tudo que é produzido fora dos grandes centros, independente de qualidade. E esse tipo de pensamento é partilhado por muitos escritores, logrados pelo próprio pedantismo. Eu particularmente pouco consigo distinguir entre os chamados grandes autores da atualidade. O que vejo com frequência é o enfadonho excesso de academicismo ou escritores que saíram das ‘páginas literárias’ dos grandes veículos de comunicação. Ou seja, gente do meio que nenhuma dificuldade teve em incluir-se mais ainda nele. E muitas vezes soam elitistas e distantes da população em geral com seu hiperbólico requinte. Não é de se admirar que os brasileiros leiam pouco, se quem produz literatura já cria esse distanciamento. Também temos aqueles que se colocam como baluartes da contracultura e publicam tudo que escrevem, sem o menor critério – coisas que não somos capazes de avaliar porque basicamente não possuem estrutura definida. Há quem qualifique isso como arte revolucionária. A história se repete à exaustão. Não existe espaço para quem segue na contramão disso, então não vejo motivo para que eu me meta em algo assim”, desabafou em uma conversa que tivemos em 2003 em uma rede de Internet Relay Chat (IRC).

Nas poucas vezes que saímos juntos pelas ruas de Paranavaí, alguns conhecidos perguntavam se éramos irmãos, tão insólita era a semelhança, já que além dos traços mediterrâneos e da mesma estatura, tínhamos também postura e comportamento bem parecidos. O cenho sisudo, o olhar insondável, entranhado, e um andar lesto e hermético, de quem percorre mais o próprio interior do que o mundo. Zoltán era tão ponderado que até seu sorriso era versado. Nada nele era exagerado, a não ser o amor que descobriu pela primeira vez em 2007 quando conheceu uma moça de São Paulo da mesma idade. Seu nome era Linda e ela se aproximou dele porque gostou de uma prosa poética que ele publicou em seu blog. No texto, Zoltán abordou o amor genuíno como uma livre forma de existir, isenta de posses, e a partir daí desenvolveu uma parábola sobre um peixe que vivia em um aquário e num dia de enchente saltou da janela, partindo com a correnteza.

“O amor para ser verdadeiro não pode ser afugentado. Ele tem vida própria e está acima dos nossos anseios, da nossa existência. Quer maior prova do que a sobrevivência do amor de um Montecchio e um Capuleto após centenas de anos? O amor é uma das poucas coisas da nossa natureza que resiste à morte porque ele não é palpável, é intangível, pode ser imortal, ao contrário de nós. O ódio nunca vai superar o amor porque ele não frutifica na mesma proporção. Além disso, o que o amor enaltece a cólera corrói; e tudo que é deletério mortifica o homem em vida enquanto o amor na sua pureza o sublima”, dizia meu amigo no paradoxal arrebatamento da serenidade.

Zoltán e Linda conversavam todos os dias pela internet e pelo telefone celular. Sua confiança em mim era tão grande que fazia questão de me relatar em detalhes o que sentia por aquela jovem que despertou nele sentimento inédito. Conforme eu o ouvia, seus olhos rutilavam como bolinhas de serendibite. Ele sorria e ruborizava como um bebê reconhecendo o poder da vida nos olhos da mãe. Em todos os sentidos, Linda fazia jus ao nome, e o que mais extasiava Zoltán era o fato de ter encontrado uma moça que mergulhava em sua essência como ninguém. Sobre ela, começou a escrever todos os dias. Criou obras dos mais diferentes formatos e gêneros. Mas nem tudo ele mostrava ou publicava. “Só envio à Linda o que me afaga o coração”, justificou um dia. A conexão entre os dois era tão profunda que um dia estávamos na rua e Zoltán teve um mau pressentimento, uma sensação ruim que o fez transpirar subitamente numa manhã fria.

Quando ligou para Linda, ele soube que ela estava internada em um hospital por causa de um problema gástrico. Algumas semanas depois, Linda sentiu um mal-estar na casa da tia e teve de se deitar. Mais tarde, ela soube que naquele horário Zoltán se envolveu em um acidente perto do Porto São José, quando seu carro quase foi engolido por uma cratera velada por um amontoado de terra. Apesar da distância, se respeitavam e se amavam, entregues a um relacionamento sem contato físico, alimentado por palavras rapidamente transformadas em emoções, sentimentos e sensações.

Eles faziam planos, mas temiam o que poderia acontecer. Talvez a iminente felicidade os amedrontasse. Linda trazia no coração cicatrizes de um velho relacionamento em que flagrou o ex-namorado a traindo com a melhor amiga. Zoltán, que nunca se interessava por ninguém, tinha uma trajetória de vida em que sempre se viu como o lobo da estepe. Com o passar dos anos, e sem jamais terem se encontrado, continuavam se resguardando. Em 2012, Linda adoeceu e nenhum médico descobriu qual era o seu problema de saúde. Temendo ser um fardo para Zoltán, ela o evitava, chegando a passar meses sem usar o celular. Preocupado, ele enviava mensagens e e-mails demonstrando interesse no bem-estar dela.

Continuou escrevendo sobre Linda, não com a mesma intensidade, porém o suficiente para provar que seu sentimento perseverava imaculado. Um dia testemunhei Zoltán com o rosto umedecido quando Linda publicou um novo comentário em seu blog. Alanceados e sensíveis demais, os dois se completavam como ouro e platina no subsolo dos Montes Urais. “Mesmo com as incertezas do futuro, prefiro ter no coração a plenitude de um sentimento lídimo, que faz de mim um ser humano melhor do que um oco pertinaz motivado a buscar nas noites sinuosas o prazer efêmero que nada toca além da carne”, escreveu.

Zoltán era um Werther maduro, com motivações muito mais genuínas do que o protagonista de Goethe, vencido por uma disforme e equivocada concepção do amor. A maior prova disso foi o que aconteceu no dia das mães de 2014. Vivendo em Curitiba, Zoltán foi encontrado morto em seu apartamento, vitimado por um ataque cardíaco. Só consegui localizar Linda um mês depois e entreguei a ela um e-mail que ele me enviou duas semanas antes de sua morte.

Zoltán tinha um problema cardíaco congênito. E ele sabia que não viveria muito. Porém, optou por não dizer nada a ninguém. Passou seus últimos dias de vida fazendo o que mais gostava – escrevendo. Linda caiu em prantos quando soube da tragédia. Sem saber o que dizer, contei a ela que o céu também desabou quando ele morreu. Naquele dia, saí de casa e ouvi através do som ruidoso e sorumbático dos trovões a voz de Zoltán. A chuva parecia especialmente salgada, como lágrima concentrada. “Meu melhor amigo, como protagonista de uma epopeia, não teve a chance de formar sua própria alcateia. Ainda assim, amando morreu como um tipo superior de Romeu”, concluí.

Hoje me surpreendi com o dia das mães porque com muita chuva e uma sequência de trovões não deixei de ver no céu o rosto de Zoltán carinhosamente descortinado por um véu. “O amor de verdade é uma concessão, sobrevive sem vida e até fora do coração. Ele é nosso enquanto vivemos e torna-se imortal quando morremos. Amar você foi o meu maior presente porque através dele mergulhei no mais sublime sonho fremente”, registrou em um pequeno trecho de um e-mail enviado à Linda.

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