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Quando William Faulkner trabalhou em Hollywood

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O escritor só reapareceu depois de nove dias, confidenciando que vagou pelo Vale da Morte

Entre idas e vindas, o escritor trabalhou em Hollywood ao longo de 30 anos (Cortesia de Robert Hamblin, Center for Faulkner Studies, Southeast Missouri State University)

Entre idas e vindas, o escritor trabalhou em Hollywood ao longo de 20 anos (Cortesia de Robert Hamblin, Center for Faulkner Studies, Southeast Missouri State University)

Em 7 de maio de 1932, William Faulkner chegou a Hollywood para atuar como roteirista, um trabalho que entre idas e vindas durou 20 anos. Na época o escritor estadunidense estava com apenas 34 anos e já tinha publicado quatro de suas novelas baseadas no Condado de Yoknapatawpha, incluindo The Sound and the Fury (O Som e a Fúria) e As I Lay Dying (Enquanto Agonizo).

Embora ainda estivesse distante de se tornar popular, Faulkner foi considerado por seus pares como o mais talentoso dos jovens escritores dos Estados Unidos. Àquela altura, ele tinha vivido a maior parte de sua vida em Oxford, Mississippi, e recentemente havia se casado e comprado a velha mansão Rowan Oak, de inspiração neogrega e construída antes da Guerra de Secessão.

Faulkner não era um homem sociável, nem gostava de trabalhar em equipe. O que o fez aceitar o contrato de 500 dólares por semana oferecido pela MGM foi uma experiência que ele teve em uma loja de artigos esportivos, onde o balconista se recusou a receber um cheque dele no valor de três dólares.

Depois que o escritor alegou que sua assinatura ainda valeria mais do que isso, o dono da loja se aproximou e disse a toda a sua equipe para não permitir que o jovem Faulkner pagasse por nenhum artigo que o interessasse. De acordo com o biógrafo Joseph Blotner, os primeiros dias de Faulkner em Hollywood foram incríveis.

Faulkner: "“Você deveria se envergonhar por não ter um cão, assim como todos aqueles que não têm um" (Foto: Reprodução)

Faulkner: “Você deveria se envergonhar por não ter um cão, assim como todos aqueles que não têm um” (Foto: Reprodução)

Em um sábado, ele se aproximou do seu chefe, Sam Marx, e o homem logo percebeu que o escritor cheirava a álcool e tinha um corte na cabeça. Então Faulkner explicou que ele foi atingido por um táxi quando estava trocando de trem em Nova Orleans. Apesar de tudo, justificou que se sentia bem e queria começar o seu trabalho corretamente.

“Nós vamos colocá-lo em uma foto com o Wallace Beery”, disse Marx. Confuso, Faulkner perguntou quem era o sujeito. “Eu tenho uma ideia de quem seja o Mickey Mouse”, comentou o escritor, recebendo a explicação de que os filmes do Mickey Mouse são feitos nos estúdios da Disney.

Em seguida, Sam Marx pediu que o seu office boy levasse Faulkner até a sala de projeção para ver Beery atuando como um pugilista em The Champ, de King Vidor, e no recente Flesh, de John Ford, em que Wallace interpreta um lutador alemão. Faulkner se recusou a assisti-los e preferiu bater um papo com o office boy.

Quando o escritor perguntou se o garoto tinha um cachorro, ele respondeu que não. Faulkner estranhou e enfatizou que todo garoto deveria ter um cão. “Você deveria se envergonhar por não ter um cão, assim como todos aqueles que não têm um”, insistiu. Sem muita demora, Faulkner saiu da sala de projeção justificando que sabia o final da história.

Quando Marx foi informado que o escritor já tinha saído do estúdio, ele iniciou uma busca sem sucesso. William Faulkner só reapareceu depois de nove dias, confidenciando que vagou pelo Vale da Morte. “Mas agora já estou pronto para o trabalho”, garantiu.

A atuação de Faulkner como roteirista incluiu também adaptações de To Have and Have Not (Uma Aventura na Martinica), de Ernest Hemingway, e The Big Sleep (À Beira do Abismo), de Raymond Chandler. Muitos aspectos de sua vida em Hollywood foram incorporados ao filme Barton Fink, dos Irmãos Coen, lançado em 1991.

No outono, o escritor retornou para sua casa em Oxford, Mississippi, onde corrigiu as provas tipográficas do seu novo romance gótico sulista – Light in August (Luz em Agosto) enquanto comia melancia e assistia a chuva caindo ao redor da varanda. Com o dinheiro que ganhou da MGM, fez importantes reparos na mansão Rowan Oak.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Blotner, Joseph. Faulkner: A Biography. New York: Random House, 1974.

Blotner, Joseph. Faulkner: A Biography. New York: Random House, 1984.

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Fargo, poesia audiovisual do absurdo

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Uma série de TV sangrenta com requinte satírico de tragédia grega

Billy Bob Thornton interpreta um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso (Foto: Divulgação)

Billy Bob Thornton interpreta um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso (Foto: Divulgação)

Para quem gosta de séries de anti-heróis, e que misturam drama, suspense e humor mórbido, vale a pena conhecer a série Fargo, da FX, que estreou em 2014. Melhor ainda para quem já assistiu ao filme homônimo dos Irmãos Coen, lançado nos Estados Unidos em 1996. Vale a pena investir algumas horas na série e no filme, já que como a storyline é diferente, assim como atores e personagens, um se soma ao outro nas suas mais diversas perspectivas.

Intrigante e envolvente, a primeira temporada da série tem como ponto alto um elenco composto por atores de séries como Sherlock, Breaking Bad e Dexter, além do tarimbado Billy Bob Thornton no papel de um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso. Quem assiste ao primeiro episódio já fica na ânsia de acompanhar os demais.

Na segunda temporada, de 2015, Fargo recomeçou com um novo elenco e sem qualquer associação com o desenvolvimento da primeira temporada. Após um acidente fatal provocado pela esposa Peggy Blumquist (Kirsten Dunst), o incauto assistente de açougueiro Ed Blumquist (Jesse Plemons), o Todd de Breaking Bad, se vê às voltas com a máfia. Sem se dar conta das próprias ações, causa uma guerra entre mafiosos. A situação só não se torna pior do que já é porque tem como atenuante o policial Lou Solverson (Patrick Wilson) e o xerife Hank Larsson (Ted Danson).

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Na segunda temporada, Fargo recomeçou com um novo elenco e sem qualquer associação com o desenvolvimento da primeira (Foto: Divulgação)

Embora as histórias das duas temporadas sejam completamente distintas, alguns padrões são mantidos. Por exemplo, sempre há a moral, o imoral e o amoral, além de personagens que banalizam a vida e se colocam acima da lei para alcançar qualquer objetivo. Outras similaridades entre os personagens incluem prevaricação, comportamento sociopata e negação dos fatos e da realidade, além de anseios eversivos e autodestrutivos.

E o mais curioso é que tudo isso se mistura também à ingenuidade, irreflexão e descomedimento. Excessos de confiança e de profissionalismo também são apresentados como nocivos. São características que cegam os personagens para as falhas e vulnerabilidades percebidas apenas por quem não compõe aquele cenário ou contexto belicoso.

Um exemplo é a cena em que Hanzee Dent (Zahn McClarnon) planeja executar o casal Blumquist, crente de que, por serem pessoas comuns, eles não mostrariam nenhum tipo de resistência. É cômico reconhecer que a experiência também pode levar à tolice e à subestimação, e o que deveria ser uma vantagem se torna uma desvantagem.

Por pior que seja, a ideia da morte em Fargo não chega ao espectador de forma pesarosa, a não ser a de Betsy Solverson (Cristin Miloti), a esposa do oficial Solverson que sofre de câncer. No mais, o passamento parece inevitável e até incentivado como um recurso maior. Ele reforça os desdobramentos meândricos e tresloucados de uma obra cruenta com requinte satírico de tragédia grega.

A desgraça é apresentada em Fargo como uma poesia do absurdo, do tout est possible, mergulhada numa estética carmesim. E nela quase tudo de significante ou insignificante soa mais valoroso que a própria vida – quase relegada a recurso de figuração em meio a um caos de degenerescências.