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Boardwalk Empire e a Crise de 1929
Embora tenha chegado ao fim em 26 de outubro de 2014, Boardwalk Empire é uma das melhores séries de TV dos últimos anos. Recomendo para quem gosta de programas que casam entretenimento com história. A série é ambientada no período da Grande Depressão, quando os Estados Unidos passaram por uma de suas maiores crises econômicas.
Um dos pontos mais interessantes de Boardwalk Empire é que a série mostra como os mafiosos italianos e irlandeses atuavam para explorar ao máximo as privações da Crise de 1929. Inclusive fica bem claro que esse período foi tão benéfico para criminosos quanto para políticos.
Há elementos históricos bem contundentes misturados com boa ficção. Outro atrativo são os muitos personagens enigmáticos, inspirados em figuras reais que comandaram o crime organizado nos EUA, principalmente nas décadas de 1920 e 1930.
Jornais chegavam depois de dois meses
Atraso na entrega dos jornais deixava população alheia aos fatos mais importantes da época
Entre os anos 1940 e 1950, um problema comum vivido pela população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era a chegada de jornais dois meses depois da data de publicação. O difícil acesso a Paranavaí se encarregava de impor obstáculos à vida urbana.
Quem era acostumado a ler jornais recém-publicados teve dificuldade de se habituar a receber velhas notícias em Paranavaí. O acesso aos jornais mais importantes da época dependia de quanto tempo os distribuidores levavam para fazer a entrega. O frei alemão Henrique Wunderlich, em carta à revista alemã Karmelstimmen em 1953, frisou que em Paranavaí não havia leitos de estradas, mas trilhos escavados com tratores. Então a entrega dos jornais dependia das habilidades de motoristas que se sujeitavam a trafegar entre a mata virgem e os espaços destruídos pelas queimadas.
Quando chovia e as estradas ficavam intransitáveis, os distribuidores de jornais e revistas recorriam aos aviões. “Tive de ir muitas vezes ao antigo aeroporto para recolher as encomendas”, relatou em 2007 o falecido pioneiro catarinense Wiegando Reinke, proprietário da primeira banca de jornais e revistas de Paranavaí. Antes de 1954, a situação era mais difícil ainda, segundo Henrique Wunderlich. Os jornais eram entregues com pelo menos dois meses de atraso. “Era impossível saber o que acontecia na Alemanha. Informações sobre as eleições e a situação na Alemanha Oriental, onde havia greves, demoravam a chegar. Para piorar, nem tínhamos rádio instalado”, declarou.
Naquele tempo, quem dependia do envio de cartas para comunicar algum fato a um parente distante corria o risco da correspondência não chegar ao destino. “Às vezes, as pessoas enviavam cartas para a terra natal explicando a situação de um parente enfermo. Em alguns casos, a pessoa morria antes da carta chegar, então era algo muito complicado. A notícia era muito tardia”, explicou o pioneiro João Mariano.
Mesmo assim, as correspondências eram o principal meio de comunicação de uma população de não mais que vinte mil pessoas, marcada pela diversidade cultural e étnica. Entre os anos de 1940 e 1950, viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, neerlandeses, poloneses, russos, húngaros, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses. “Paranavaí representava bem quase todas as nações”, comentou frei Henrique. À época, o Governo Federal não permitia que os estrangeiros exaltassem a própria pátria em território nacional. “Era obrigado a desprezar tudo que não era brasileiro, inclusive um papel de carta”, disse o alemão.
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No tempo das quermesses
Grandes festas para angariar fundos tiveram início em Paranavaí em 1951
Em 1951, pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, começaram a realizar as primeiras quermesses para ajudar a comunidade, principalmente a Paróquia São Sebastião que construiu a primeira igreja local. Naquele tempo, era o único espaço de oração para uma legião de migrantes e imigrantes que viviam na colônia.
Normalmente, quem organizava a quermesse criava uma lista com todos os itens necessários para a realização da festa. Depois reunia um grupo de voluntários que percorria a cidade a pé pedindo prendas ou dinheiro. Cada um ajudava como podia, cientes de que tudo que era arrecadado seria leiloado na quermesse, sempre iniciada após a missa e a bênção do padre.
Para a Paróquia São Sebastião, independente de valor, qualquer doação era bem vinda e demonstrava o interesse da população em contribuir. Nos leilões públicos, o padre alemão Ulrico Goevert sempre se surpreendeu. “Era incrível como uma coisa totalmente sem valor recebia um alto lance”, comentou o frei no pequeno livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
As brincadeiras eram o grande atrativo da festa que reunia quase toda a população local, além de pessoas de outras cidades e povoados. Exemplo disso foi o leilão de uma mamadeira que um amigo ofereceu a outro para mamar em troca de 20 cruzeiros. “Ele se recusou e ofereceu 50 cruzeiros para o rapaz que fez a primeira oferta dar uma mamada”, relatou o padre. Um jogo simples como o da mamadeira durava horas e até alguém dar o último lance dezenas de pessoas já estavam envolvidas na brincadeira.
As ofertas cresciam tanto que uma mamadeira era leiloada por mais de mil cruzeiros. Ao final do jogo, o participante que não tivesse dinheiro para cobrir a última oferta tinha de subir na mesa, colocar a mamadeira na boca e chorar como um bebê. Enquanto isso, o público não continha as gargalhadas.
Outro jogo que prendia a atenção do público era o “cavalinho de lata” que ficava sobre um rolamento e permitia ao vencedor faturar até cinco vezes mais o dinheiro investido. Havia também uma barraca em que as pessoas apostavam em qual das 25 casinhas um coelhinho entraria. Enquanto o bichinho corria o público gritava sem parar. Tinha ainda um jogo dos fumantes em que o participante arremessava argolas sobre maços de cigarro. Quem acertasse, ganhava o produto.
Na quermesse, eram leiloados porcos, bezerros e carneiros. Porém, nenhum animal podia ser comercializado abaixo do preço de mercado. Quem cuidava do leilão de animais era o frei Alberto Foerst. ”Se fosse pra vender barato, preferíamos guardar os animais em nossa propriedade”, disse frei Ulrico. Sorteios de rifas eram outro atrativo da quermesse e para participar bastava pagar vinte cruzeiros. “O prêmio era algo como um canivete de cem cruzeiros”, enfatizou o alemão.
Famílias patrocinavam as festas
Com relação à gastronomia, as festas também levavam à tona as particularidades de vários povos. À época, o churrasco não era tradição nas festas da região, então o que mais agradava a população eram os leitões assados e temperados com bastante sal e pimenta. O que era muito bom para os idealizadores da quermesse, pois o prato aumentava muito a venda de bebidas.
Quando a festa tinha duração de dois dias, a organização do evento conseguia um patrocinador para cada dia. Eram as famílias de melhor poder aquisitivo que custeavam as despesas mais importantes. Segundo frei Ulrico, os resultados das arrecadações com as festas eram publicados em um edital para que toda a comunidade acompanhasse. “Sempre surgia uma rivalidade, nenhuma família queria arrecadar menos que a outra, o que beneficiava a igreja e a escola”, avaliou o padre alemão.
Como Paranavaí era muito jovem nos anos 1950, os patrocinadores das quermesses adotavam como bandeira o estado ou país de origem. “Havia disputa de poloneses contra alemães, italianos e japoneses, baianos e paulistas, cearenses e pernambucanos e muitos outros”, destacou frei Ulrico, acrescentando que o dinheiro arrecadado era usado para saldar dívidas com construções e reformas de igreja, escola e hospital.
De vez em quando, algum pioneiro doava terrenos para serem rifados e a renda destinada a novos investimentos para a comunidade. “Dava para ganhar o equivalente a quatro vezes o valor do lote”, assegurou o padre. É importante lembrar que contribuições financeiras também partiam da Alemanha, organizadas pelos freis alemães Adalbert Deckert e Burcardo Lippert, de Bamberg, no Estado da Baviera.
O sofrimento dos Casarin
Família de imigrantes italianos foi expulsa das próprias terras nos anos 1950
No Noroeste do Paraná dos anos 1950, jagunços expulsaram a família Casarin das próprias terras. À época, toda a família que trabalhava no plantio de café ficou sem moradia e o patriarca ainda foi preso.
O imigrante italiano Zaqueo Casarin veio para o Paraná em 1940. Fixou residência em Bela Vista do Paraíso, no Norte Central Paranaense, onde trabalhou como colono na produção de café. Em 1950, de tanto ouvir falar da Colônia Paranavaí, Casarin decidiu se mudar.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o italiano conheceu o corretor de imóveis rurais Antonio Borba, funcionário da Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que lhe ofereceu uma propriedade na Gleba 21, próxima ao Porto São José, em área que hoje pertence a São Pedro do Paraná. Casarin achou viável o preço das terras na região e comprou dez alqueires com todo o dinheiro guardado ao longo de anos.
“O registro de venda foi feito no Tabelionato Rocha, de Londrina, mas o documento só saiu em Mandaguari [pois Paranavaí ainda era distrito]”, relatou o imigrante italiano em entrevista ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Naquele tempo, Casarin, que não recebeu o título de propriedade pelo fato de uma empresa privada não poder emitir títulos, nem imaginava que o sonho de sua vida, ter o próprio pedaço de chão, se tornaria um pesadelo.
Em maio de 1952, a família Casarin recebeu a visita de 14 jagunços. Um deles, de forma intimista, se aproximou de Zaqueo e falou: “Você é grileiro aqui.” O imigrante italiano ficou sem reação, pois além de não entender o que estava acontecendo, segundo ele, nunca tinha dado nem mesmo um tapa em alguém. Com medo do pior, a família Casarin deixou a propriedade sem resistir. Antes, assustado, Casarin perguntou quem os mandou até ele.
“Afirmaram que estavam a serviço do ex-desembargador João Alves da Rocha Loures”, revelou. Documentos do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) mostram que Rocha Loures havia requerido três mil alqueires junto ao Governo do Paraná em 1951, nas imediações do Porto São José, alegando compensação por terras transferidas a terceiros.
O que chama atenção é que a expulsão dos moradores da Gleba 21 aconteceu antes do ex-desembargador obter o título de terras daquela região, durante o segundo governo de Moisés Lupion (1956-1961). No conflito com jagunços em 1952, além da família Casarin ficar sem moradia, Zaqueo ainda foi preso por um homem conhecido como tenente Antunes que, de acordo com pioneiros, participou de inúmeras injustiças envolvendo pequenos proprietários rurais de Paranavaí. A sorte de Casarin foi que um influente policial, jamais identificado, foi até a delegacia e exigiu que o soltassem.
Jagunços perturbavam moradores da Gleba 21
Alguns dos filhos de Zaqueo Casarin ainda eram crianças quando a família, que estava preparando o solo para o plantio de café, foi expulsa das próprias terras. Mesmo assim, Paulo Casarin, que na época tinha 13 anos, nunca esqueceu a injustiça e a humilhação que viveram. “Os pequenos sofrem no desbravamento, depois vêm os grandes querendo tomar tudo”, afirmou Paulo em tom de mágoa.
O pioneiro paranaense Jaime Mendonça Alves vivia na colônia quando a família Casarin foi expulsa da Gleba 21. Em entrevista ao escritor Paulo Marcelo, Alves declarou que assistiu tantas injustiças de perto que decidiu ir embora.“Não gostei de Paranavaí por causa do Telmo [Capitão Telmo Ribeiro] e dos jagunços do Rocha Loures [ex-desembargador João Alves da Rocha Loures]. Só tinha picareta”, reclamou.
No mesmo dia em que os Casarin foram expulsos, outras famílias passaram pela mesma situação, inclusive algumas tiveram as residências incendiadas, conforme relatos de pioneiros. A situação estava tão crítica que o governo teve de enviar o tenente Achilles Pimpão, chefe de polícia de Londrina, para impor ordem na gleba.
Na década de 1970, outros jagunços perturbaram a família Casarin e muitos outros moradores do Bairro Leoni (antiga Gleba 21). “Depois ficamos livres, mas isso não apagou as lembranças das vezes em que fomos atacados”, desabafou o agricultor João Demeu. Na década de 1980, o Governo do Paraná reconheceu o direito dos moradores do Bairro Leoni (Ex-Gleba 21) e lhes concedeu licenças expedidas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), conforme palavras do produtor rural Waldomiro Suntach, de São Pedro do Paraná.
Governo Lupion é culpado pelo impasse de terras
Nos anos 1950, as dificuldades, principalmente burocráticas, para se comprar propriedades rurais do Governo do Paraná fez muita gente recorrer a iniciativa privada. Na Colônia Paranavaí, quem se destacou foi a Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que vendeu 25 mil alqueires de terras. Segundo Volpato, os direitos foram comprados de uma família de Irati, no Sudeste Paranaense.
À época, o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures entrou na justiça contra o Governo Paranaense exigindo, como compensação por terras da Companhia Industrial Brasileira que foram repassadas a terceiros, empresa da qual se declarou herdeiro, uma área de três mil alqueires em Paranavaí, na Gleba 21, onde José Volpato já havia vendido todas as propriedades a colonos de Londrina e Bela Vista do Paraíso, no Norte Pioneiro Paranaense.
A partir disso, surgiu um conflito judiciário entre Rocha Loures e Volpato. Em 1951, o governo paranaense embargou as vendas da Colonizadora Paranapanema até resolver o impasse. O problema maior é que quando tudo isso aconteceu cerca de 600 famílias de ex-colonos viviam na Gleba 21, numa área que hoje pertence a São Pedro do Paraná, em propriedades que variavam de 2 a 25 alqueires. Lá, os produtores rurais já se dedicavam a cafeicultura e intercalavam os cafeeiros com arroz, milho, feijão mandioca e amendoim.
Na documentação dos 25 mil alqueires comercializados pela Colonizadora Paranapanema havia algumas irregularidades, então o governador Moisés Lupion deu o título das terras a Rocha Loures. O documento foi assinado pelo governador interino Guataçara Borba Carneiro. “O Governo Lupion não respeitou os pequenos proprietários que haviam pagado por aquelas terras”, admitiu o consultor do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), do Governo do Paraná, David dos Santos Filho.
Ninguém conseguiu provar direitos sobre a gleba
Entretanto, em 30 de novembro de 1955, o governador interino Adolfo de Oliveira Franco pediu que o caso fosse revisto e exigiu que o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures apresentasse um novo documento que provasse que ele era o herdeiro da Companhia Industrial Brasileira. Rocha Loures entregou somente uma escritura da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o que não provou o direito de posse sobre os três mil alqueires da Gleba 21, de acordo com Santos Filho.
Em 1964, após tantas confusões, o Governo do Estado declarou a área como de utilidade pública para fins de desapropriação. Porém, já em 1976, Rocha Loures tentou receber 30 mil cruzeiros por cada alqueire perdido; um valor exorbitante, segundo o Tribunal de Justiça que avaliou cada alqueire em 100 cruzeiros. O perito do ex-desembargador, Luiz Gonçalves Campelo, justificou o valor dizendo que o Porto São José se tornaria um dos portos fluviais mais importantes do Brasil. Por isso, segundo Campelo, era justo valorizar as terras ao máximo. Para o consultor do ITC, tal projeção era totalmente sem sentido.
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Aeroclube unia a população de Paranavaí
Em 14 de dezembro de 1952, quando Paranavaí se tornou município, já havia uma sociedade bastante heterogênea. Imigrantes europeus, asiáticos e pessoas de Norte a Sul do país se mudavam para o Noroeste do Paraná em busca de estabilidade financeira.
À época, viviam aqui portugueses, italianos, alemães, japoneses, gaúchos, catarinenses, nordestinos, paulistas e mineiros. Segundo o empresário e pioneiro Ephraim Machado, no início da década de 1950, o maior problema era estabelecer relações sociais em meio a tanta diversidade.
“A situação era inédita porque os gaúchos, por exemplo, eram muito festivos enquanto que os nortistas não eram muito sociáveis. Esse era o tipo de sociedade que havia na época”, explica Machado, acrescentando que quando chegou a Paranavaí, no final da década de 1940, não havia mais do que 50 casas.
“Pra mim, essa variedade já representava uma evolução. Mas a maior dificuldade mesmo era a falta de entretenimento. Lembro que por causa disso não havia muita interação entre as pessoas, cada um ficava mais próximo dos seus”, relata o pioneiro que considera o Aeroclube de Paranavaí um marco na história das relações sociais da população local.
Com o surgimento do Aeroclube (atual Tênis Clube), o primeiro clube local, houve uma mudança radical. O espaço contribuiu para um melhor relacionamento da população, já que lá as pessoas podiam se conhecer melhor durante as festas, bailes e outros eventos. “Antes era diferente porque cada um comemorava suas festas dentro de casa, então era algo privado, não pra todos”, assinala Ephraim Machado, ex-presidente do extinto Aeroclube.
Na década de 1960, alguns pioneiros trilharam o mesmo caminho e fundaram outros clubes. “Depois melhorou muito mais, já tínhamos diversas opções. Não era mais necessário sair da cidade pra encontrar diversão”, pontua o pioneiro.
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