David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘James Joyce’ tag

James Joyce e os direitos animais em “Retrato do Artista Quando Jovem”

without comments

james-joyce-book-of-the-w-007

Na obra, Joyce revela sua simpatia pelos animais (Foto: Reprodução)

No romance Retrato do Artista Quando Jovem (A Portrait of the Artist as a Young Man), o personagem Stephen Dedalus, alter ego do escritor irlandês James Joyce, revela a sua simpatia pelos animais quando reconhece similaridades entre o homem, os caninos e os bovinos.

Mais tarde, o jovem anti-herói em processo de amadurecimento desafia perspectivas metafísicas que envolvem a divisão de seres humanos e animais. O confinamento e o abuso dos bichos o incomodam porque o rapaz se vê em situação análoga.

E, curiosamente, a partir do momento em que ignora os limites estabelecidos entre homens e animais, ele começa a ver porcos, bois, vacas, pássaros e morcegos como seus parentes.

Sobre A Portrait of the Artist as a Young Man (Retrato do Artista Quando Jovem), de James Joyce, publicado em 1916.

Como Nora Barnacle inspirou James Joyce

without comments

Camareira de Galway influenciou o dublinense a escrever Ulysses

James Joyce (à esquerda) e Nora

James Joyce (à esquerda) e Nora (à direita), um relacionamento que impediu a decadência do escritor (Foto: Reprodução)

Foi a partir de um encontro com a camareira Nora Barnacle, de Galway, na Irlanda, que o escritor James Joyce teve a ideia de criar o seu icônico Ulysses, obra tão influente que os irlandeses decidiram instituir em 1954 o Bloomsday, um dia dedicado ao personagem Leopold Bloom, protagonista do romance.

Celebrado no dia 16 de junho, o evento ganhou popularidade mundial. Já foi comemorado nos Estados Unidos, Hungria, Itália, Austrália, Canadá, República Tcheca, Reino Unido e França. “Acredito que se o encontro entre James Joyce e Nora Barnacle não tivesse acontecido, provavelmente não teríamos o Bloomsday nem mesmo Ulysses. Ainda assim há pesquisadores que até hoje discutem até que ponto Nora é ou não é Molly Bloom”, diz o escritor canadense e professor de literatura Steve King.

Apesar das controvérsias levantadas em livros como Nora: The Real Molly Bloom, de Brenda Maddox, e também no filme Nora, de Pat Murphy, uma verdade irrefutável é a de que James Joyce teve com ela um relacionamento insubstituível. Ela era a única que podia chamá-lo de Jim.

Quando se conheceram nas ruas de Dublin, Joyce era um beberrão de 22 anos com um discurso cativante que o deixou conhecido em círculos de poetas e em inúmeros pubs. Nora, uma camareira de 20 anos que buscava um futuro melhor na “cidade grande”, não tinha a mínima ideia de quem ele era ou o que fazia.

“Naquele encontro em 16 de junho de 1904, durante uma caminhada ao longo do Rio Liffey [no Condado de Wicklow], quem causou a maior impressão foi ela. Nora disse algumas coisas que o sabe-tudo Joyce desconhecia. Após quatro meses, eles retornaram ao porto e viajaram juntos pela Europa”, relata King.

Ao saber que seu filho favorito fugiu com uma jovem de Galway, John Joyce comentou o seguinte: “Barnacle? Ela nunca vai deixá-lo!” Logo que James Joyce terminou de produzir Ulysses, Nora se recusou a ir além das primeiras páginas, o qualificando como um livro nonsense. “Ela não era uma companheira do tipo tranquila”, comenta o professor de literatura. Ainda assim, Nora Barnacle foi quem conseguiu preservar a lucidez de Joyce. Ela era um ponto de equilíbrio em sua vida.

Décadas de pobreza, rejeição literária, um filho alcoólatra e uma filha considerada louca, tudo isso Nora suportou ao lado do marido que também se sentia frustrado por considerar a si mesmo como um expatriado, alguém sem raízes. “Ela foi a âncora na vida de um errante”, define Steve King.

Não foram poucas as vezes que Nora teve de buscar Joyce tarde da noite em um pub enquanto ele conversava, ouvia algum medley de baladas irlandesas e esperava outra garrafa de vinho branco. Quando não conseguia convencê-lo a partir, ela ameaçava abandoná-lo. Porém, assim como o pai John Joyce previu em 1904, Nora nunca o deixou.

A origem do Bloomsday

James Joyce sempre falava de seu desejo em ficar longe de Dublin. O fazia como um filho magoado com o pai que nunca deu-lhe o devido valor. Ao longo de décadas, a considerou a cidade das injustiças, do rancor e da infelicidade. E ela talvez o visse de forma similar, já que seu livro foi menosprezado por tanto tempo. Entretanto, tudo começou a mudar em 16 de junho de 1954, quando um grupo de escritores irlandeses se reuniu na torre de Sandycove, a nove quilômetros de Dublin.

Partiram de lá com o objetivo de refazer a trajetória de Leopold Bloom, ou pelo menos ficar bêbado tentando. A iniciativa voluntária deu origem ao Bloomsday, que hoje se tornou uma comemoração com duração de vários dias. É praticamente uma Bloomsweek, e o evento está entre as celebrações que mais levam turistas à Irlanda. Em meio ao mercantilismo, o mais importante é que a causa essencial ainda sobrevive. No Bloomsday, as pessoas continuam lendo Ulysses em voz alta, como Joyce sempre quis. É a maior prova de que o livro pertence às ruas, não ao meio acadêmico.

Saiba Mais

James Joyce e Nora Barnacle se casaram em 1931.

Em 1924, James Joyce narrou e gravou um trecho de quatro minutos de Ulysses em áudio.

James Joyce nasceu em Dublin em 2 de fevereiro de 1882 e faleceu em 13 de janeiro de 1941 em Zurique, na Suíça, após uma cirurgia para úlcera.

Nora Barnacle nasceu entre 21 e 24 de março de 1884 e faleceu em 10 de abril de 1951.

Ulisses, página 909

Em Ulisses, um mergulho no mundo íntimo de Molly Bloom nos revela as suas reações extremamente femininas, provocadas pelas últimas palavras de Bloom antes de adormecer. De fato, ele pede a Molly que lhe traga o café da manhã na cama, fato inusitado que não ocorria desde a morte do filho Rudy, havia onze anos. Durante todo aquele tempo, fora ele que se incumbira dessa tarefa. Revela ainda este episódio que, embora não seja o modelo de virtude conjugal do original grego, Molly não é aquela mulher devassa e desonesta, decantada por alguns. É, na verdade, acima de tudo, uma criatura espontânea, romântica, extrema e inconformadamente solitária, assim como sedenta de carinho, que não receia dizer sim à vida e ao amor.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Ellman, Richard. James Joyce (1959).

Maddox, Brenda. Nora: Biography of Nora Joyce. Hamish Hamilton (1988).

Joyce, James. Ulisses. Círculo de Leitores (2010).

Virginia Woolf e a improvável amizade com T.S. Eliot

without comments

À época, Virginia e o marido se recusaram a publicar Ulysses, de James Joyce

T.S. Eliot e Virginia Woolf se tornaram amigos através da Hogarth Press (Foto: Reprodução)

T.S. Eliot e Virginia se tornaram amigos através da Hogarth Press (Foto: Reprodução)

“Acabo de terminar de formatar o conjunto do poema do Sr. Eliots [sic] com minhas próprias mãos. Veja como elas tremem”, escreveu a escritora britânica Virginia Woolf em 8 de julho de 1923, em carta endereçada a uma amiga. Ela se referia à finalização da versão britânica do poema modernista The Waste Land, do estadunidense T.S. Eliot, considerado um dos melhores do século 20.

Os tremores de Virginia, que à época tinha 41 anos, foram provocados pela exaustão causada pela dedicação em tempo integral a Hogarth Press, editora que ela fundou com o marido Leonard Woolf em Londres em 1917. O que é até curioso levando em conta que Virginia quis fundar uma editora como hobby, uma forma de ocupar o tempo no período da tarde e ajudá-la a lidar com a depressão. Também era um meio de dar uma oportunidade a novos escritores.

Mesmo que todos os livros da Hogarth não tenham passado pelas mãos dos Woolf, a verdade é que a popularidade de Virginia e sua editora cresceu tanto que logo sua casa ficou muito movimentada e seu tempo dedicado à escrita foi preenchido completamente.

A prensa era operada na despensa da residência enquanto os livros eram encadernados na sala de jantar. A sala de estar era usada na realização de entrevistas com escritores, encadernadores e operadores de prensa, de acordo com a autobiografia de Leonard Woolf publicada em 1967.

Em 1923, o trabalho da editora foi qualificado pelo marido de Virginia como uma tentativa de fazer o impossível. E assim eles assumiram o compromisso de não abandonar a Hogarth Press nem vendê-la. No entanto, Virginia foi se desinteressando pelo trabalho até que em 1938 ela vendeu sua parte na sociedade. Leonard ainda continuou trabalhando como gerente de negócios até 1946, ano em que a Hogarth Press se tornou associada da Chatto & Windus, uma das mais importantes editoras britânicas da era vitoriana.

Embora tenham recusado a publicação de Ulysses, de James Joyce em 1918, o casal Woolf publicou nomes como Vita Sacksville-West, John Maynard Keynes, Robert Graves, Katherine Mansfield, Clive Bell, C. Day Lewis, E.M. Forster e Christopher Isherwood. Todos os escritores tornavam-se amigos deles, inclusive o genioso T.S. Eliot, com quem Virginia, que também era uma autora de personalidade recheada de ambiguidades, teve momentos conflituosos.

A Hogarth Press publicou pela primeira vez um trabalho de Eliot em 1919, e o mais intrigante é que um diário de Virginia com data de agosto do mesmo ano trouxe interessantes informações registradas após um jantar. Nele, ela declara que ainda não via o poeta estadunidense como um amigo, mas se divertia ao notar como ele era perspicaz e fazia questão de demonstrar que não gostava dela.

A intimidade do casal com T.S. Eliot só evoluiu no início dos anos 1920, quando o poeta deixou de ser pomposo e pedante, segundo Leonard Woolf. Um dia, caminhando pelo jardim da casa dos Woolf, Leonard se afastou deles para ir ao banheiro. Quando retornou, encontrou Eliot constrangido e chocado. Acostumado às convenções e formalidades, o autor nunca se viu numa situação como aquela. “Tom disse que nunca seria capaz nem de se barbear na presença da própria esposa”, escreveu Leonard Woolf em sua autobiografia.

Por outro lado, Virginia registrou em seu diário que Eliot não mostrou a menor inibição quando pediram para que ele declamasse a segunda parte de The Waste Land ao final de um jantar. E assim ele o fez:

Que hei de fazer agora? Que hei de fazer?

Vou sair tal como estou, e andar pela rua

Com o cabelo solto, assim. Que havemos de fazer amanhã?

Que havemos de fazer alguma vez?

A água quente às dez.

E se chover, um carro coberto às quatro.

E jogaremos uma partida de xadrez,

A apertar olhos sem pálpebras e à espera que batam à porta.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Woolf, Leonard. Downhill all the way: an autobiography of the years 1919–1939 (1st American ed.). New York: Harcourt, Brace & World (1967).

Bell, QuentinVirginia Woolf: A Biography. Rev. ed. New York: Harcourt Brace Jovanovich (1996).

T.S. Eliot. The Waste Land (1922) (Norton Critical Editions) 1st Edition (2000).