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Jesuítas salvaram mais de 12 mil índios caiuás
Antonio Montoya comandou fuga que garantiu a sobrevivência dos índios do noroeste paranaense
Das 13 missões espanholas fundadas pelos jesuítas na Província de Guaíra, somente as de Nossa Senhora de Loreto e de Santo Inácio Mini, nas regiões Noroeste e Oeste do Paraná, resistiram por muito tempo às investidas dos bandeirantes. Em episódio heroico, Antonio Montoya e outros missionários prepararam a fuga de mais de 12 mil índios caiuás.
Em 1628, os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto já tinham capturado milhares de índios nas imediações do Rio Tibagi, na bacia do Rio Paraná, no atual Norte do estado. No entanto, o que eles realmente queriam era um pretexto para invadir as reduções jesuíticas espanholas.
Naquele mesmo ano, um dos prisioneiros, o cacique caiuá Tataurana, capturado pelos bandeirantes Frederico de Melo, João Pedroso de Barros, Antônio Bicudo e Simão Álvares, conseguiu fugir para a Missão de Santo Antônio. Quando soube do acontecido, Raposo Tavares foi até a redução e exigiu que os missionários entregassem o índio.
Os jesuítas se recusaram, e assim os bandeirantes portugueses e paulistas decidiram invadir e destruir a redução, de acordo com o historiador Romário Martins. À época, Raposo Tavares e Manuel Preto contavam com uma guarnição de mais de três mil homens fortemente armados, o suficiente para promover a morte de mais de 15 mil índios caiuás no atual Noroeste do Paraná, antigo território espanhol.
Os indígenas capturados eram transformados em escravos. Muitos foram enviados a mando de Manuel Preto para o Sudeste e Nordeste do Brasil. A situação se tornou tão preocupante que em 1629 os missionários receberam ordens de Assunção, no Paraguai, e Madri, na Espanha, para abandonarem as reduções na Republica del Guayrá.
Os jesuítas italianos José Cataldino, Simón Mascetta e o peruano Antonio Ruiz de Montoya, que eram os responsáveis pela Missão de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini (atual Noroeste e Oeste do Paraná), acharam melhor acatar a ordem, já que dos mais de cem mil índios catequizados pouco mais de 12 mil escaparam do genocídio bandeirante.
Fuga contou com mais de 700 embarcações
À época, 11 das 13 missões jesuíticas fundadas pelos três padres foram destruídas pelos bandeirantes que invadiram a Província de Guaíra. Em suas cartas, Antonio Montoya escreveu que além de evangelizarem os índios, os padres explicavam sobre a importância da vida política, roupas, monogamia e tecnologia. Segundo Montoya, da Missão de Loreto prepararam uma fuga que contou com o empenho de sete padres, entre os quais Mascetta e Dias Tanhos.
Os índios de Loreto e Santo Inácio construíram mais de 700 embarcações, principalmente jangadas, que foram dispostas às margens do Rio Paranapanema em área que inclui os municípios de Jardim Olinda e Terra Rica. De lá, partiram antes da chegada dos bandeirantes.
Desceram do Paranapanema até o Rio Paraná, passando inclusive pelas Sete Quedas, onde perderam a maior parte das jangadas. Mesmo vítimas de inanição e de inúmeras doenças, os caiuás e os padres resistiram e chegaram a redução de Natividad del Acaray y Santa María del Iguazú, na Província de Alto Paraná, no Paraguai, onde hoje se situa Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, e Ciudad Del Este, capital do Departamento de Alto Paraná.
Em março de 1632, chegaram às margens do Rio Yabebyry, atual território argentino, onde recriaram as missões de Loreto e Santo Inácio. O padre Montoya foi além e criou novas reduções desde o Rio Paraná até o Rio Uruguai, onde se situa atualmente o Rio Grande do Sul. Pouco tempo depois, o padre recebeu um convite para viajar a Madri, na Espanha, e testemunhar a favor dos índios caiuás em um tribunal que contou com a presença do Rei da Espanha, Filipe IV.
As historiadoras paraguaias María Angélica Amable e Karina Dohmann relatam que por meio de decreto, o rei condenou os ataques dos bandeirantes e ordenou a libertação de todos os cativos. “Antes de morrer em 11 de abril de 1652, Montoya estava na Espanha e disse que não queria que seus ossos fossem enterrados entre os espanhóis, mas sim junto de seus filhos, os índios caiuás”, revelam María Angélica e Karina. O desejo de Montoya foi atendido e seus restos mortais depositados em um túmulo na segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina.
Curiosidades
A segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina, foi pioneira na arte de produzir e preparar a erva-mate.
Suspeita-se que lá tenha sido criada a primeira prensa literária da América Latina, de onde foram impressos um sem número de livros.
A segunda Redução de Loreto recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial em 1984.
Frase do historiador Romário Martins
“Antonio Montoya, Simón Mascetta e Dias Tanhos eram figuras formidáveis que a história do cristianismo projetou, como um clarão, nos sertões meridionais do Novo Mundo, que o destino escolhera para salvar 12 mil criaturas perseguidas por toda a espécie de perigos, através da imensidão das distâncias, da inclemência dos inimigos, das precárias condições de êxodo.”
Noroeste do Paraná é habitado por europeus desde o século XVII
Área foi campo de batalha envolvendo portugueses, espanhóis, bandeirantes e índios
O Noroeste do Paraná começou a ser habitado por europeus no século XVII, época em que portugueses e espanhóis deram início a um desbravamento que consistiu na tortuosa abertura de picadões. Os primeiros desentendimentos entre os ibéricos aconteceram anos depois porque nenhum dos envolvidos tinha interesse em dividir as terras.
Na época do maior conflito entre espanhóis e portugueses, o Paraná pertencia ao Paraguai, a Republica del Guayrá (La Piñeria). Em 1592, o governante paraguaio Hernando Arias de Saavedra, mais conhecido como Hernandarias, o primeiro latino-americano a governar nas Américas, colocou em prática um plano para conquistar a área que se tornaria o Sul do Brasil. Entretanto, Saavedra, que em 1596 assumiu como governante do Rio de La Plata, que ia do Rio Paraná ao Rio Uruguai, encontrou forte resistência na Província de Guaíra.
Foi aí que o persuasivo Hernandarias decidiu mudar de estratégia. Fez um acordo com o Rei da Espanha, Filipe III, para a evangelização dos nativos indígenas em vez de suplantar o inimigo pela força. Então a apropriação das terras começou a ser feita de forma pacífica, a partir das missões jesuíticas espanholas.
Em 1610, os missionários italianos José Cataldino e Simón Mascetta iniciaram a catequização nas proximidades do Rio Pirapó. À época, foram criadas 13 missões. A de maior destaque foi a redução Nossa Senhora de Loreto por ser a mais bem estruturada e também reunir maior número de nativos. Inclusive na época ficou conhecida como a capital das 13 reduções. Inconformados com o êxito dos espanhóis e paraguaios, os portugueses contrataram muitos bandeirantes paulistas que se encarregaram de retomar as terras.
Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto foram os responsáveis pela conquista definitiva da área que se tornaria a atual região Noroeste do Paraná. No entanto, é importante frisar que as conquistas dos bandeirantes paulistas eram sempre carregadas de violência e crueldade, até mesmo práticas de roubo e estupros. Provas disso são as cartas que o jesuíta peruano Antonio Ruiz de Montoya, que viveu onde é hoje o Extremo Noroeste do Paraná, escreveu em 1638.
Fragmentos da redução de Nossa Senhora de Loreto ainda são encontrados na propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, às margens do Rio Paranapanema, em Itaguajé. Lá, no sítio de 40 alqueires, há toneladas de materiais do período colonial. A maior parte só pode ser recuperada por meio de escavações.
“É uma pena que o local ainda não tenha sido transformado em patrimônio histórico. Em função disso, muita gente já passou por ali, pegaram quilos e mais quilos de peças que estavam na superfície e não fizeram nada, a não ser comprometer a nossa própria história”, desabafa um historiador que prefere não se identificar. A área pertencia a redução Nossa Senhora de Loreto, onde viviam centenas de milhares de indígenas Caiuás. Historiadores estimam que até 100 mil índios foram capturados na região, sob comando de Raposo Tavares e Manuel Preto.
Patrimônio Histórico
Segundo moradores de Itaguajé e Jardim Olinda, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, do Paraná, já esteve nas ruínas da redução de Nossa Senhora de Loreto, no entanto não fez nada, além de extrair peças de cerâmica do local.
Pequena, mas próspera
A tranquilidade e as belezas naturais de Jardim Olinda chamam a atenção do Noroeste do Paraná
Apesar de ter uma população de apenas 1,4 mil habitantes, Jardim Olinda tem se destacado no Noroeste do Paraná. O pequeno município conta com um bom número de empreendimentos, justificados pelo privilégio de ser uma cidade tranquila situada às margens de dois dos rios mais importantes do Paraná.
Jardim Olinda ganhou vida sob a poesia da natureza, onde o Rio Pirapó namora o Rio Paranapanema. Juntos, formam um grandioso véu de água doce que parece proteger os cardumes que sob os auspícios do Sol cintilam como ouro. Não é à toa que os poucos pescadores da cidade afirmam que os dois rios e o que sai deles são as grandes riquezas de Jardim Olinda.
O patrimônio natural justifica porque mais de 370 lotes situados próximo ao Rio Paranapanema foram comprados por turistas, inclusive estão ocupados por casas de veraneio. O desenvolvimento é atribuído a centenas de pessoas, principalmente de Maringá que representa 60% do turismo local.
As belezas do Rio Paranapanema e a calmaria de uma cidade com índice praticamente nulo de violência e criminalidade são mais do que convidativos. Reflexo disso são alguns turistas que foram para Jardim Olinda passar o final de semana e decidiram fixar residência.
Quem não conhece a cidade se surpreende com alguns hábitos dos moradores, como deixar a porta do carro destrancada e dormir com a porta da casa aberta. “Aqui é assim mesmo, todo mundo se respeita”, assegura o pedreiro Elinês Ferreira de Oliveira, um dos beneficiados com a geração de trabalho na área da construção civil.
Oliveira já trabalhou em muitas obras de investidores de Maringá, Colorado e Astorga, e se orgulha de há muito tempo ter se livrado do desemprego. “O turismo é muito bom pra gente. Não sei o que é ficar sem serviço”, destaca Elinês Ferreira com expressão de cansaço, mas satisfeito por ter condições de sustentar a família. Questionado sobre a possibilidade de mais cedo ou mais tarde as construções pararem, o pedreiro é enfático. “Aqui sempre tem trabalho, a gente não para.”
A geração de empregos na construção civil também agrada quem atuava no campo. “Trabalhei dez anos em uma fazenda, sai de lá e vim direto pra cá. Até hoje não fiquei nem um mês parado”, conta o pedreiro Dirceu Cosmo da Silva enquanto enxuga o suor que escorre pela testa.
Em Jardim Olinda, algumas obras geram emprego para até 40 trabalhadores. O progresso também chegou ao setor comercial. Há alguns anos, os moradores tinham de se contentar com pequenos armazéns ou então fazer compras em outras cidades. Porém, hoje em dia contam com um atrativo supermercado que comercializa até materiais de construção.
O impasse das residências clandestinas
No início da década de 1980, alguns turistas, mesmo sem título de propriedade, construíram ilegalmente casas de veraneio próximas às margens do Rio Paranapanema, em uma área que pertence a Jardim Olinda. Alguns anos depois, as residências tiveram de ser derrubadas por determinação judicial.
O argumento foi que os proprietários não respeitaram a área de segurança para se evitar enchentes e também de preservação ambiental permanente, que estabelece o limite mínimo de distância da margem do rio entre 200 a 400 metros.
Já na década de 1990, Jardim Olinda perdeu mil hectares em função de uma rigorosa fiscalização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) que fez valer a lei que determina a obrigatoriedade da área de segurança. Contudo, todos os proprietários foram indenizados após desocuparem as áreas, inclusive os ribeirinhos que sobreviviam do cultivo de arroz irrigado.
Ruínas carregam mais de 400 anos de história
Viagem a um período de guerra entre espanhóis, índios e bandeirantes
Após 400 anos, redução jesuítica localizada no extremo Norte do Paraná, à beira do Rio Paranapanema, é preservada por uma família de agricultores. No local, é surpreendente a quantidade de elementos que remetem à catequização espanhola e ao confronto entre índios e bandeirantes.
No Noroeste do Paraná é raro encontrar alguém que tenha ouvido falar das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, fundada no século XVII pelos jesuítas espanhóis. O patrimônio situado em Itaguajé é desconhecido até mesmo pelos moradores.
As ruínas, que fazem parte da propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, eram o principal ponto de apoio dos espanhóis. Lá, o privilégio geográfico permitia que avistassem de longe a incursão dos bandeirantes paulistas, defensores da coroa portuguesa. Muitas das estratégias da Província de Guaíra eram articuladas do local onde atualmente está a residência de Lino Clemente.
Quando a família do agricultor adquiriu a propriedade, não havia qualquer registro de que a área compreendia um dos mais ricos sítios arqueológicos do Paraná. “Em 1950, meu pai estava preparando o solo para o plantio e, de repente, viu algumas peças de cerâmica. Eram telhas e utensílios domésticos”, conta Silva.
Depois do primeiro contato com os objetos que pertenceram aos nativos da região, os pais do agricultor, estimulados pela curiosidade, decidiram vasculhar a área. Descobriram que em um perímetro de 60 metros quadrados do sítio de 40 alqueires, havia toneladas de materiais do período colonial. “Para ser sincero, a gente nem precisava procurar. Quando chovia, muitas coisas apareciam na superfície, por cima do solo mesmo”, afirma Lino Clemente.
Para provar o que diz, Silva caminha aproximadamente 30 metros da casa onde vive e esfrega a sola da botina contra o chão forrado por folhas. Em menos de trinta segundos, sorri e aponta uma cerâmica de tonalidade enegrecida. O objeto remete claramente ao pedaço de uma panela feita, de modo artesanal, pelos índios caiuás.
Entre as peças que o agricultor guarda no interior de casa como herança cultural, há muitas cerâmicas com inscrições randômicas e numéricas, representações pictóricas do cotidiano e também de animais, pequenas panelas (forjadas em fogo, tornando o barro resistente o suficiente para existir durante séculos), pratos e copos. De acordo com Lino Silva, são poucas as peças que ainda estão intactas. A justificativa é histórica. Após os padres catequizarem os caiuás, foi deflagrada uma guerra envolvendo posseiros espanhóis, indígenas e bandeirantes.
Os índios que insistiram em continuar no local foram mortos ou escravizados pelos paulistas; estes portavam armas de fogo. Contudo, dezenas de milhares de caiuás batizados foram salvos pelos jesuítas, convencidos a abandonar a missão e descer as corredeiras do Rio Paranapanema.
Resultados da devastação são percebidos também em uma região distante da residência de Lino Clemente Silva. “Encontrei cacos de tumba no eixo da barragem da Usina Taquaruçu. Também já achei algumas peças embaixo da ponte, na divisa com São Paulo”, completa.
Valor histórico das peças ainda é desconhecido
A primeira pesquisa de campo nas Ruínas Nossa Senhora do Loreto foi realizada por arqueólogos de Curitiba em 1978. À época, houve resistência por parte da família do agricultor Lino Clemente Silva. “Ficamos com medo que as pessoas roubassem essas peças. Mas se alguém quiser vir aqui para estudar, não tem problema algum. Ajudamos no que for possível”, assegura.
Até hoje, o valor histórico e material das peças encontradas no sítio arqueológico é desconhecido, mesmo com a passagem de muitos pesquisadores do Paraná e de São Paulo ao longo de 30 anos. Outro problema é o fato da propriedade ainda ser um sítio particular, já que não houve tombamento. Assim todas as visitas feitas às ruínas não são fiscalizadas ou registradas.
Segundo o Chefe de Gabinete da prefeitura de Jardim Olinda, Juraci Paes, é possível que visitantes e pesquisadores tenham levado uma grande quantidade de peças. “Outra curiosidade é que até hoje nenhum desses estudiosos escreveu qualquer coisa sobre as ruínas”, reclama.
Patrimônio continua na clandestinidade
Para Juraci Paes, algo tem de ser feito para assegurar a preservação das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, localizada em Itaguajé, município vizinho de Jardim Olinda. “Até hoje, nenhuma peça foi catalogada. Um descaso que já ultrapassa 50 anos”, lamenta. Segundo Paes, a prefeitura de Jardim Olinda em parceria com a prefeitura de Itaguajé reivindicou, junto ao governo do estado, a viabilização de um museu naquela área. “Fizemos um projeto e encaminhamos, mas até hoje não foi atendido”, frisa.
Preocupado com a importância cultural dos primeiros habitantes da região, Juraci Paes informa conhecer poucas pessoas que sabem da existência das ruínas. “Aqui em Jardim Olinda, você pode sair na rua e perguntar. A maioria vai responder que não sabe do que se trata. Quem conhece é porque se interessa e busca informação”, assinala. A coordenadoria do Patrimônio Cultural do Paraná já esteve na redução, mas, segundo o chefe de gabinete, apenas recolheram materiais do local e foram embora.
Saiba Mais
Teodoro Sampaio foi o primeiro historiador a fazer citações sobre os índios caiuás
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