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Seis meses vendendo crack e morando na zona
“Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele”
Dantão conheceu a zona por causa de uma mulher. Ela chegou um dia na sua casa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, e o encontrou dormindo depois de cheirar meio litro de cola de sapateiro. Sem ocupação, sem dinheiro e vivendo na miséria, não pensou duas vezes antes de reunir os “trapos” dentro de uma sacola e partir para uma casa de prostituição que funcionava em uma chácara no Jardim São Jorge.Ainda “noiado”, não tinha certeza de onde estava ou o que faria. Apelidado de Monstrão, foi colocado para trabalhar na portaria do bordel. Ganhava R$ 25 por noite e se tornou o xodó da mulherada com seu jeito remansoso e paradoxalmente enérgico de impedir conflitos entre desordeiros. “Eu não era casado, nem nada. Me sentia em casa morando na zona com aquela mulherada avulsa. Se tivesse striptease, eu chegava junto pra não deixar os folgados tocarem nas moças”, conta.
A dona da casa gostou tanto de Dantão que permitiu que ele trouxesse o que quisesse da velha moradia. Depois da meia-noite “trombava” com advogados, juízes, promotores, políticos, médicos e empresários. “Era tudo da alta sociedade. Até dono de usina, agroindustrial. Eu começava às 19h e ia até 7h, 8h da manhã”, afirma. Em dia de grande movimentação, a casa disponibilizava de 25 a 30 moças com faixa etária de 18 a 30 anos. “A maioria dizia que vivia naquela vida porque não conhecia outra coisa. Uma me falou que não via a hora de arrumar um homem sério pra cuidar dela e dos filhos”, relata.
Algumas moças sofriam de depressão e choravam alegando que não aguentavam mais viver se prostituindo. “Dava dó. E eu entendia isso porque sei o que é não ter oportunidade. Quem vem de baixo normalmente passa a vida vendo os outros virando as costas pra você”, declara. Quando havia discussão por causa de mulher, o rapaz entrava no meio e discursava: “Quem tem mais dinheiro fica com a moça. O nome daqui é zona, então leva quem tem mais.”
Após dois meses no prostíbulo, Dantão foi abordado por um traficante. A princípio não quis se envolver, até que o homem o convidou para fumar crack e sugeriu que ele vendesse algumas pedras só para “sentir o gosto da coisa”. Depois de uma nova conversa foi convencido a entrar no negócio.
“A cada cinco pedras vendidas [ao custo de R$ 5 por unidade], o lucro de três pode ficar pra você”, prometeu. Empolgado, Dantão pegava 200 e até 300 pedras nos dias de grande demanda. “Eu só vivia lá dentro. Nunca saía pra nada. Rapidinho fiquei famoso entre os frequentadores da zona que buscavam mais do que sexo. Era tudo nego do dinheiro. Numa noite um dono de usina chegou com R$ 5 mil e foi embora liso”, narra.
No entanto, conforme as vendas aumentavam, a parcela de lucro de Dantão seguia na contramão, caindo. “Arrastava até três mil reais numa noite e o patrão ficava com quase tudo. Pra mim sobrava uns R$ 500, R$ 600. Mas é sempre assim. Patrão não se mata, quem se mata são os laranjas e os mulas. Ele só administra e manda. Quem se fode e corre risco é você”, desabafa.
Para piorar, Dantão conheceu uma loira e ex-detenta que veio de outra cidade para trabalhar na zona. Os dois se envolveram e o rapaz acabou viciado em crack. “Comecei a fumar pedra direto com ela, toda noite. Ela sempre queria fumar com os clientes, até que um dia foi embora e nunca mais a vi”, enfatiza.
Ao longo de oito meses morando na zona e seis meses comercializando crack, Dantão perdeu as contas de quantos homens chegaram pedindo 50 a 60 pedras de crack para fumarem nos quartos. “Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele, até porque a pedra corta o tesão do homem. Lembro de um magnata aí pra quem servi 100 pedras numa noite. Ele fumou tudo com algumas moças. E elas não podiam recusar porque mulher na zona acaba tendo que se submeter a tudo”, revela o rapaz que se afastou das drogas e hoje trabalha como servente de pedreiro.
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Cajazeira, uma estranha quase nativa
Plantada antes do surgimento de Paranavaí, a árvore é um contraste no cenário tipicamente paranaense
É muito comum as pessoas morarem anos ou até a vida toda em uma cidade e não perceberem que à sua volta ou a alguns poucos quilômetros existem grandes riquezas naturais. Esse foi o primeiro pensamento que tive quando vi uma árvore de proporções colossais que cobre a casa do artesão conhecido como Tavão. Situada na Rua Formosa, número 277, no Jardim São Jorge, em Paranavaí, a cajazeira com aspecto de umbuzeiro parece uma estranha em um cenário dominado por sibipirunas, ipês, pinheirais e outras espécies que há muito tempo caracterizam a paisagem urbana típica do Noroeste Paranaense.
Com pelo menos 25 metros de altura e uma copa de mais de cem metros de diâmetro que mais parece um véu protetor, a mais antiga moradora do Jardim São Jorge tem garantido o direito de se estender pelas propriedades vizinhas sem ser incomodada. “Ela chegou aqui antes de todos que hoje moram no bairro. É uma pioneira”, defende o artista plástico Antonio de Menezes Barbosa, um amante da natureza que foi quem me apresentou à cajazeira.
Imponente, a árvore extremamente saudável parece mais jovem do que muitas com a metade da sua idade. Do robusto e curto tronco de 4,40m de diâmetro, ela se abre como uma mão dotada de dedos irregulares ou um “polvo da terra” com tentáculos longos e curvilíneos. Não há como dizer quantas vezes foi vitimada por tempestades, vendavais e raios ao longo dos anos. Mas a cajazeira sempre sobreviveu graças à própria força, sustentada por raízes densas, extensas e profundas que atravessam a propriedade, ratificando a forte relação com esta terra para onde foi enviada em forma de semente antes do surgimento de Paranavaí.
Após cada chuva, ela logo se cobre de verde, quando uma bela e vívida vegetação rasteira brota da base e se estende até os últimos galhos. Espaçosa, é melhor observada à distância. Então percorro quase 100 metros até chegar à esquina. De lá, vejo integralmente a sua copa harmoniosa, de ramificações intactas. “É uma árvore muito forte, tanto que quando chegamos aqui já era desse tamanho”, garante Tavão que trabalha ao ar livre, a poucos metros, construindo móveis coloniais a partir de madeiras descartadas.
Quanto mais observo a cajazeira que um dia abrigou uma casa, mais me sinto pequeno. Tento visualizar a sua extensão total, mas é impossível. Quando encosto do outro lado do muro, me distanciando ao máximo, sinto algo bem rígido sob a terra, então percebo que até ali chegam suas raízes que conheceram o solo ainda virgem.
Parece estar além de tudo e de todos, testemunhando as transformações da cidade e da população ao longo dos anos. Antes de Paranavaí se popularizar como Fazenda Brasileira, ela já estava lá, velada num universo verde de onde não é originária, contrastando com outras espécies e servindo de abrigo e esconderijo para animais selvagens.
Nos tempos da colonização, provavelmente testemunhou confrontos entre homens e onças, crimes envolvendo grilagem de terras e a chegada e partida de migrantes e imigrantes. Bom, pelo menos é o que se pode inferir a partir da longevidade do cajá e do seu tronco marcado por inúmeras cicatrizes. A mais perceptível é uma maior que minha mão, resultado de uma saraivada de tiros que remete aos tempos da Fazenda Brasileira.
Foi castigada tanto quanto foi abençoada. Afinal, dezenas de árvores caíram diariamente à sua volta no auge do desmatamento para servirem de matéria-prima na construção de casas ou simplesmente abrirem espaço para a urbanização e agricultura. Próxima da saída para Nova Aliança do Ivaí, a cajazeira resistente já esteve na rota de João Pires, um dos quebra milho mais violentos de Paranavaí, responsável por dezenas de mortes.
“Imagine o que ela não viu todos esses anos? Superou um período em que o homem não se preocupava com o meio ambiente”, comenta Antonio de Menezes enquanto massageia o tronco da árvore e sorri diante de um dos mais desconhecidos patrimônios naturais da cidade. É possível que a cajazeira que habita a área que um dia fez parte da fazenda do capitão Telmo Ribeiro, homem que chegou a Paranavaí para impor ordem acompanhado de um grupo de mercenários paraguaios, tenha vivenciado alguns dos maiores atos de bondade e de maldade da população local.
“Como a árvore é originária do Norte e Nordeste do Brasil, quem a trouxe também deve ter vindo de lá. A intenção acho que era se sentir um pouquinho mais perto de casa”, avalia o artista plástico. O que surpreende também é o fato de que a cajazeira costuma resistir apenas em locais quentes e úmidos, com temperatura média de 25 graus. E por muitos anos, principalmente até a metade da década de 1990, Paranavaí passou por muitos invernos rigorosos, com temperaturas baixas que duravam até mais de quatro meses. Além disso, nos últimos anos a cidade enfrentou incomuns períodos de estiagem. “Pra mim, ela é a maior árvore de Paranavaí. Tem uma fibra inigualável, não é rachadeira. Só que possui uma madeira diferente, que não é voltada para a construção”, destaca Antonio de Menezes.
Embaixo da cajazeira que continua perseverando diante de todas as adversidades o clima é diferente. Com a porta e as janelas da casa aberta, Tavão aproveita o frescor diário e gratuito proporcionado pela árvore, dispensando ventilador e ar-condicionado. Na sala, sinto um agradável aroma arbóreo que se avulta por todos os cômodos. Em síntese, um pedacinho de mata num espaço há muito tempo urbano. “Aqui é tudo natural”, garante o artesão enquanto faz o acabamento de um armário para cozinha.
Tavão cuida da cajazeira como se fosse um membro da família, até mesmo uma matriarca. Em vez de se adaptar à árvore, é ele quem se adapta à ela. Tanto que tudo no entorno é planejado ou feito cuidadosamente para não interferir no bem-estar da cajazeira que a poucos metros de distância divide o espaço com uma jaqueira, também típica do Norte, e outras espécies mais comuns na região, como o ipê-amarelo. Aproximadamente 1h30 depois, quando observo no tronco os sinais que imitam a vascularização humana, penso apenas que a cajazeira merece o direito de continuar sua jornada silenciosa como maior testemunha da história de Paranavaí.
Curiosidade
Quebra milho era como chamavam os jagunços da região nas décadas de 1940 e 1950.
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Latinha, infância fragmentada pelo crack?
O texto abaixo é o primeiro de uma série de publicações com o tema Personagens do Submundo de Paranavaí em que relato com ênfase na subjetividade humana as experiências de pessoas que mesmo solitárias e marginalizadas conseguiram reencontrar a sua humanidade.
Um garoto que superou abandono, violência, miséria, escravidão, vício e solidão
Latinha, 13, é um garoto de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que se tornou dependente químico aos seis, época em que foi coagido pela primeira vez a fumar crack em uma lata de refrigerante. Ao longo de cinco anos, viveu sem qualquer perspectiva de futuro, vagando pelas ruas, onde um universo aterrador criado a partir de um caos alucinógeno o afastou da realidade, espoliando sua humanidade.
“Chega uma hora que você vira bicho, rasteja pela sujeira e acha que está no paraíso”
A violência
“Lembro que cheguei em casa e vi meu padrasto batendo outra vez na minha mãe com um porrete que guardava embaixo da cama. Ela sangrava e eu comecei a chorar e pedi pra ele parar”, narra Latinha. Encolerizado, o homem o perseguiu. Não o alcançou, então arremessou o bastão e atingiu a criança pelas costas.
O golpe violento jogou Latinha contra a parede. Sentiu tanta dor que se limitou a chorar, sem conseguir se mexer. “Minha mãe me mandou correr. Nem sei de onde tirei força pra levantar, mas fiz o que mandou. Voltei pra casa no dia seguinte. Não encontrei nada nem ninguém, só umas manchas de sangue no chão e perto da janela”, relata o garoto que era filho único e continuou morando na casa, sem saber o paradeiro da mãe.
A inocência
Latinha tinha cinco anos e estava sozinho no mundo, sem ter o que comer, sem outra roupa para vestir e sentindo muito medo de existir. Então começou a se alimentar dos restos de comida que encontrava em sacos de lixo. Em uma das andanças, conheceu o órfão Naldinho Caneta, 8. Os dois tornaram-se amigos e decidiram morar juntos na residência da mãe de Latinha, um casebre de três cômodos e sem mobília, com as paredes cheias de fissuras.
A dupla dormia sobre um chão forrado de papelão e jornal velho e não se importava em dividir o espaço com invasores como ratos e baratas. Também pegavam animais de rua e levavam para casa. Com a ajuda de Naldinho, latinha abrigou até 27 cães e 15 gatos durante algumas semanas em 2003. Ameaçados pelos vizinhos, os garotos tiveram de encontrar novos tutores para os animais.
O trabalho
Mesmo sem uma fonte de renda fixa, e vivendo às raias da miséria, não tinham o hábito de pedir esmolas. Para sobreviver, investiam na coleta de materiais recicláveis. O lucro era pouco, mas a dupla até que se divertia. “Só era ruim mesmo quando alguém roubava as nossas coisas. Não podia dar bobeira e deixar o carrinho sozinho”, lembra Latinha que em parceria com Caneta trafegava pela Avenida Heitor Alencar Furtado todos os dias.
Até escaparam da morte numa manhã de domingo, quando um motorista embriagado invadiu uma ciclovia próxima a entrada da Vila Operária e jogou o carro sobre a dupla. “Só puxo mesmo pela memória os raspões nas pernas e nos braços. O Naldinho foi jogado sobre uma calçada, mas conseguiu levantar, sem nenhum machucado, apesar de assustado e um pouco tonto. O motorista deu ré e se mandou”, afirma.
O castigo
Após o acidente, Latinha e Naldinho tiveram de mostrar ao proprietário o estado do carrinho usado no transporte de recicláveis. O homem conhecido como Lanterna alugava o veículo por uma diária de R$ 5. Os chamou para conversar no fundo do quintal. Lá, passou a mão em um reio, antes mergulhado num latão que tinha um líquido estranho, ardido e fedido. Ficaram com medo e tentaram correr. Não deu tempo.
Cada um recebeu cerca de 25 chicotadas e nos últimos golpes os garotos desmaiaram sobre o solo arenoso. Latinha acordou com as unhas cheias de sangue porque segurou com muita força no chão. “Sentimos tanta dor que fizemos até xixi e cocô”, revela e em seguida ergue a camiseta para exibir algumas marcas deixadas por Lanterna nas costas e no abdome.
Além da punição, Latinha e Naldinho tiveram de trabalhar de graça por três meses em uma carvoaria clandestina nas imediações de Porto Rico. O serviço era de segunda a segunda, durava umas 18 horas por dia e dormiam lá mesmo, do lado de umas pilhas de lenha e em cima de umas estopas sujas e rasgadas. Só tinham direito a duas refeições, quase sempre virado de feijão, e tudo era controlado.
A cegueira
No último mês de trabalho na carvoaria, empreenderam fuga por uma erma estrada de chão. Só correram algumas centenas de metros até serem alcançados pelo filho de Lanterna. O rapaz os levou de volta até a carvoaria e não revelou o acontecido ao pai. No dia seguinte, se recusaram a trabalhar, então Lanterna decidiu puni-los. Os amarrou e esfregou em seus olhos um punhado de brasa enrolada num pano. Latinha ficou dois dias sem enxergar e chorou dia e noite. Quem sofreu mais foi Naldinho que por ser mais velho recebeu castigo dobrado. Só recuperou a visão depois de cinco dias. Nesse período, Latinha cogitou a possibilidade de serem mortos.
Quando perderam a visão, foram isolados em um chiqueiro. Eram alimentados às escondidas pelo filho de Lanterna que não concordava com a conduta do pai e os visitava com certa frequência. De vez em quando, escutavam o algoz reclamando e esbravejando algo como: “Seus lixos, não servem pra nada, nem o diabo vai querer duas pestes como vocês.”
“O presente”
Antes de completarem três meses de trabalho na carvoaria, Lanterna prometeu um presente, algo que chamava de “Disneylândia” e “Terra da Fantasia”. Entregou aos dois um saquinho com pedrinhas que pareciam pedacinhos de rapadura. Falou para fumarem, salientando que dava uma sensação muito boa e espantava tudo de ruim.
Latinha e Naldinho se recusaram a experimentar. Com facão em punho, Lanterna gritou que ninguém sairia da carvoaria sem fumar pelo menos uma pedra. O homem improvisou um cachimbo com uma lata de refrigerante e os forçou a tragar. Na primeira baforada, até acharam que poderia ser bom. “A gente não tinha certeza da aparência do crack, nunca tinha visto de perto”, diz Latinha, argumentando que evitavam qualquer contato com dependentes químicos pelas ruas de Paranavaí.
As primeiras sensações após o uso da droga foram de prazer, bem-estar e ligeira excitação. Logo que fumaram ficaram “ligados” e, com o coração célere, transpiraram e sentiram uma energia diferente. De repente, o mundo infantil se transformou. Naldinho ganhou pupilas dilatadas, mãos trêmulas e uma boca entreaberta. Na mesma noite, foram abandonados ao lado do chiqueiro, num chão ocupado por restolhos, cavacos queimados e fezes de animais. As costas estavam amortecidas por pneus velhos e sujos de graxa com as bordas embebidas em urina humana.
A degradação
Dias depois, retornaram à cidade. Não eram mais os mesmos. Estavam afundados em um universo de degradação. Na primeira semana alimentando o vício, Lanterna forneceu de graça as pedras de crack. Tudo mudou. Era preciso pagar R$ 5 por uma pedrinha minúscula. Então corriam atrás de bicos para continuarem comprando. Se passassem muito tempo sem a droga ficavam nervosos, em um estado que chamam de “noia”.
A princípio, a dupla aceitava qualquer tipo de serviço para ter acesso ao crack, menos participar de atividades criminosas. Mesmo assim, não demorou para trocarem a dignidade pelo vício. Latinha se recorda do episódio em que comeram um par de meias sujas e embebidas em urina e fezes em troca de R$ 10. Deixaram marcar as mãos com ferro em brasa por causa de um “bagulho”. Aceitaram que um rapaz passasse com a moto sobre seus pés em troca de R$ 5 para cada. Quanto mais tempo ficavam longe da droga, mais se tornavam capazes de atos inimagináveis.
Meses depois, a dupla de sete e nove anos foi introduzida como “laranja” no narcotráfico local, transportando pequenas quantidades de drogas entre os bairros. Rodavam toda a cidade, atendiam as bocas de fumo do Jardim São Jorge, Campo Belo, Canadá, Morumbi, Simone, Vila Operária e outras áreas. À época, perceberam que em Paranavaí havia pessoas de grande poder aquisitivo investindo no tráfico de drogas. “Vi gente importante que bota banca de certinho e roda de carrão importado pela cidade envolvida nisso”, comenta.
As alucinações
Latinha teve muitas alucinações quando fumava crack. Algumas remetiam ao passado enquanto outras eram indecifráveis e surreais. Assegura que teve visões com quem perdeu contato há muito tempo, até pessoas falecidas. O garoto gostava de ver um mundo mais colorido e mais vivo. O problema era quando o efeito passava. Ficava tudo preto, embaçado e sem vida, o que os motivava a fazer de tudo para continuarem usufruindo de um estado alucinógeno que chamavam de arco-íris. Divagavam com a ideia de um buraco se abrindo no chão e os puxando para dentro. “Tinha vez que o barato passava e eu me dava conta de que estava agarrado a um poste ou abraçado a uma placa, com o corpo tremendo”, confidencia.
Quando se drogavam, o mundo se fragmentava. Não sabiam se era dia ou noite, se estava frio ou calor. Acordavam em lugares desconhecidos ou dos quais não se recordavam mais. Por vezes, não reconheciam as pessoas e esqueciam até mesmo quem eram. “Chega uma hora que você nem parece gente, rasteja pela sujeira e acha que está no paraíso. Depois começa a viver com medo e sempre que percebe alguém te olhando acha que estão te perseguindo, até mesmo os animais. O cheiro e o sabor das coisas perdem o sentido, deixam de existir. Não sobra nada, só um vazio”, desabafa Latinha enquanto mira o horizonte e ajeita o boné sobre a cabeça.
Ato heroico I
Para Latinha, se não fosse por Naldinho Caneta dificilmente teria sobrevivido a tantas desventuras. A primeira foi em 2004, quando estava dormindo e deixou uma vela cair sobre o chão forrado com papelão. As chamas se alastraram pela casa. O pior foi evitado porque Naldinho tinha saído para procurar comida e retornou antes do esperado. Ao se deparar com o fogo, não pensou duas vezes antes de invadir o casebre. Com apenas oito anos, conseguiu abrir a porta, passou pelas chamas, pegou Latinha no colo e o levou para fora. Quando abandonaram a casa, os bombeiros ainda não tinham chegado. O mais surpreendente é que a dupla teve apenas queimaduras superficiais.
Ato Heroico II
Não foram poucas as vezes que Naldinho se envolveu em brigas para defender Latinha de outros menores de rua que o tentavam roubar e explorar. Aos 11 anos, Caneta colecionava cicatrizes pelo corpo. Eram marcas de pedradas, pauladas, garrafadas, chicotadas, até mesmo facadas. Apesar das dificuldades cotidianas, ainda despontava como um herói do submundo. O aposentado João Bosque da Silva, 78, se recorda de quando foi salvo por Naldinho.
“Recebi a aposentadoria e estava descendo pela Avenida Salvador, perto do Terminal Rodoviário Urbano, daí uma turma de moleques veio pra cima de mim mandando entregar todo o dinheiro. Me recusei e então o maior me mostrou uma faca”, relembra o aposentado. Naldinho Caneta que estava em um terreno baldio ao lado escorou sobre o muro e arremessou pedaços de tijolos contra os garotos.
Enraivecidos, os infratores saltaram para o interior da propriedade. Nem imaginavam que estava lá dentro com um cão rottweiler. João Bosque ouviu o garoto falando para o animal atacar os invasores. Sem demora, Naldinho saltou o muro e correu, sem dar tempo do aposentado agradecê-lo.
A superação
Um dia, a dupla estava vagando pelo Centro de Paranavaí quando Naldinho viu o próprio reflexo em frente a uma vitrine de uma loja de roupas. Tirou de dentro do bolso uma foto um pouco amassada, suja e falou: “Tá vendo, Latinha. A gente é isso aqui e não aquilo ali. Não me vejo naquele vidro. Você se vê? Por que me sinto como se tivesse vivo na foto e morto aqui fora, sendo que todo mundo sabe que não existe vida num pedaço de papel? Que loucura, né? A gente tem que mudar, Latinha, viver aqui fora e não na foto.”
Na imagem tirada antes da dependência química, Latinha, 6, e Naldinho, 8, aparecem descalços, mal vestidos e sujos. A maior diferença é que estão sorridentes e brincando em um lixão na Vila Alta, onde ao fundo se destaca um urubu sobre um sofá velho. Durante toda a entrevista, esse é o único momento em que Latinha treme e chora. Por instantes, se cala, segurando e observando a foto.
Após a autorreflexão em frente à loja, a dupla decidiu se afastar do crack. Nos quatro meses que se seguiram foi muito difícil, um teve de dar apoio ao outro, evitar recaídas. Latinha e Naldinho superaram o vício. Abandonaram tudo que faziam para reconstruir a casa queimada. Saíram pelas ruas da cidade procurando crianças e adolescentes sem-teto.
Reuniram nove menores, entre andarilhos e jovens que sobreviviam se prostituindo. Durante o dia, percorriam as construções, pedindo restos de materiais. Recolhiam as doações com uma carriola velha, descascada e barulhenta, que tinha o pneu careca, já exibindo o arame. Cinco meses depois, terminaram a reconstrução e a ampliação da casa que ganhou três novos cômodos.
Os conflitos
No quintal, fizeram uma horta grande que mais tarde se tornou um negócio rentável. Uma parte da produção era vendida em mercearias e a outra destinada ao comércio ambulante. Logo surgiram conflitos internos, pois nem todos contribuíam. Enquanto alguns se empenhavam em trabalhar e transformar a casa em um ambiente melhor, outros passavam o dia sob a sombra de uma enorme mangueira.
Latinha e Naldinho tentaram resolver a situação. Não houve acordo e pediram que os moradores insatisfeitos deixassem a casa. Neemias, 17, Pardal, 16, e Bota, 16, nem discutiram, apenas observaram Naldinho e Latinha por segundos antes de partirem sem rumo, rindo do acontecido. Na manhã seguinte, quando a dupla estava prestes a sair para fazer as compras da semana, perceberam que todo o dinheiro economizado e guardado nos furos de duas lajotas recostadas ao muro da casa foi levado.
Latinha e os demais quiseram recuperar o dinheiro, mas foram impedidos. Naldinho chamou-lhes a atenção e justificou. “Eles precisam mais do dinheiro. Vamos entender isso como um pagamento pelo que fizeram aqui. Aquela quantia não significa nada perto do que a gente conseguiu.” Todos refletiram a respeito, só que não o suficiente para amenizar a raiva. Só desistiram de ir atrás do trio por causa da interferência de Naldinho.
A covardia
Meses depois, em agosto de 2010, num final de tarde, Caneta empurrava pela Avenida Salvador, em direção ao Terminal Rodoviário Urbano, uma carriola onde levava um pouco de alface, almeirão e couve. Abordado por Neemias, Pardal e Bota, Naldinho encostou o carrinho de mão rente ao meio-fio. De acordo com o comerciante aposentado Geraldino Gonçalo, os três ordenaram que o garoto entregasse todo o dinheiro. Sem discutir, Caneta os observou atentamente e esvaziou os bolsos.
Insatisfeitos, Pardal e Bota tomaram-lhe a carriola, despejaram as hortaliças perto da guia e empurraram o garoto contra um muro branco, bem desgastado. Naldinho ergueu as mãos, sinalizando que não queria brigar, ainda assim Neemias sacou um revólver de calibre 32 que estava preso ao cinto. Disparou três tiros à queima-roupa contra o peito de Caneta que deslizou as costas pelo muro, caindo sentado, deixando um rastro vermelho.
O sangue de Naldinho, que contrastou com a pele bronzeada e a camiseta branca, cobriu de vermelho até o par de chinelinhos de dedo e se esvaiu pela calçada, se misturando à água e aos restos de alface, almeirão e couve que escorriam pela sarjeta. Gonçalo gritou por socorro e se aproximou logo que os garotos fugiram. “Ainda vi um fio de vida nos olhos daquele menino quando me aproximei. Cerrava os dentes cheios de sangue e olhava pro céu como se suplicasse pra não morrer. Lutou muito. Só que a ajuda demorou e ele não suportou. O pior é que eu e outras pessoas apenas assistimos ao acontecido, sem fazer nada. Tive vergonha de mim mesmo”, testemunha Geraldino Gonçalo.
O desespero
Quando soube do acontecido, Latinha entrou em desespero e correu até o local do crime, onde mandou todos se afastarem. Em meio aos curiosos, pediu que alguém o ajudasse a colocar Naldinho sobre a carriola abandonada na esquina. Na versão de Latinha, ninguém o ajudou, então tirou a camiseta, forrou o interior do veículo e sozinho deitou o corpo de Caneta, já sem vida. Empurrou o carrinho de mão até em casa, onde colocou Naldinho sobre a cama e passou a noite acordado, escorado sobre a janela, pensando, sem ter a mínima ideia do que fazer.
Antes do amanhecer, vestiu o amigo com a melhor roupa, enrolou o corpo em lençóis brancos e cuidadosamente o deitou em um buraco no quintal, ao lado de uma jabuticabeira, onde Naldinho e Latinha talharam os próprios nomes meses antes do assassinato. Enquanto suas lágrimas embaçavam a visão e umedeciam o solo, Latinha abriu uma caixa de madeira. Do interior, despejou centenas de canetas das mais variadas cores, tipos e tamanhos sobre o corpo do amigo.
O ritual
Eram itens de uma coleção iniciada anos antes. Naldinho as encontrou em buracos, lixões, tampas de galerias, calçadas, ruas, guias ou apenas descartadas por transeuntes nas lixeiras públicas. A preferida de Naldinho era uma caneta tinteiro Parker verde-nassau, de fabricação estadunidense, que já não funcionava mais, tirada da sarjeta em frente a um escritório de contabilidade. “Muitas vezes, antes de dormir, ele pegava essa caneta e ficava deitado de barriga pra cima dizendo que parecia uma joia de tão bonita. Sonhava em um dia conhecer a fábrica da Parker nos Estados Unidos. Toda caneta que encontrava, Naldinho trazia pra casa”, enfatiza Latinha que antes de enterrar o amigo colocou em sua mão a Parker verde-nassau.
A cada pá de terra jogada sobre Naldinho, Latinha se sentia mais distante. Ao redor do amigo, os outros seis menores que viviam na casa se mantiveram cabisbaixos e calados. Não se pronunciaram nem quando Latinha esfregou contra o rosto e o peito uma ponta solta do lençol branco que cobria Naldinho. Antes de fechar o buraco, cavou com a mão um punhado de terra próximo da cabeça do amigo e o jogou contra o próprio corpo. Após o enterro, sem unção ou qualquer tipo de oração, Latinha se ajoelhou, manteve o rosto contra o solo, fez uma promessa e se levantou.
A decisão
Depois de refletir, previu que não tardaria até a Polícia Militar e o Conselho Tutelar aparecerem na residência. Sugeriu que os outros procurassem uma morada provisória. Sozinho, Latinha foi até a casa de um conhecido que vivia no Jardim São Jorge e lhe devia favores. Pegou emprestado um revólver de calibre 380 e outro de calibre 38. Guardou as armas dentro de uma mochila recheada de munição e saiu noite afora, a pé e solitário, guiado pela escuridão que o inebriava a ponto de não sentir as pedras que se fixavam na sola fina de um velho tênis All Star, presente de Naldinho.
Passou três dias sem dormir, como um errante, carregando nas costas o que chamou de senso de justiça. O “saco de chumbo” o impedia de ter sono. Era o peso da consciência por não ter previsto o que aconteceria com Naldinho. Latinha sentia a mochila leve somente quando imaginava a morte de Neemias, Pardal e Bota.
Se preparando para um banho de sangue, passava o dia todo pensando apenas em ver as vidas dos inimigos se esvaindo diante de seus olhos. “Tudo precisava ser feito bem devagar, na mesma intensidade da dor que causaram. Pra mim, não restava mais nada. Eu tinha todo o tempo do mundo pra dar cabo daqueles vermes”, rememora, reproduzindo o sentimento da época.
Os encontros
Quatro dias depois da morte de Naldinho Caneta, Latinha finalmente encontrou Neemias, Pardal e Bota. Os três estavam deitados em volta do tronco de uma mangueira no fundo de uma casa abandonada no Jardim Ipê. O garoto invadiu o local com cautela. Se aproximou um pouco, abriu a mochila, sacou o revólver de calibre 32 que já estava carregado e o engatilhou. “Meu dedo coçava de vontade de atirar. Ao mesmo tempo, eu tremia e meus olhos pareciam em chamas”, admite.
Prestes a dar o primeiro disparo, Latinha conta que em meio ao clima abafado surgiu uma brisa que o fez sentir calafrios por todas as extremidades do corpo. Repentinamente, abaixou a arma e caminhou em direção a Neemias. Nenhum dos três estava acordado e Latinha percebeu que naquele ambiente apenas os poucos movimentos dos galhos e das folhas da mangueira inspiravam vida. Parte do cal virgem fixado ao tronco da árvore se desprendeu e deslizou com sutileza em direção ao chão, onde repousavam os três garotos.
Quando o cal tocou os primeiros fios de cabelo de Neemias, Pardal e Bota, que pareciam alinhados na mesma posição, Latinha os arrastou um a um até a sombra de uma jabuticabeira livre da caiação, onde ramagens de alfazema perfaziam uma pequena trilha. Àquela altura, o cal já tinha coberto os cachimbos de crack improvisados com tubinhos de caneta que adornavam a mangueira. “Tinha uma poça d’água do lado da árvore com as mesmas cores que formam um arco-íris”, sublinha.
Minutos depois, colocou o revólver de volta na mochila e partiu sem acionar o gatilho nenhuma vez. Devolveu a munição e as armas emprestadas e fez o trajeto de volta para casa. No caminho, quando descia pela Rua Antônio Felipe, reconheceu a fisionomia de um idoso que empurrava um carrinho de frutas. Era o avô com quem perdeu contato aos quatro anos. Latinha ficou um pouco receoso, mas arriscou uma aproximação e se apresentou.
De olhos marejados, o idoso soltou o carrinho e, com mãos trêmulas, abraçou o neto, de quem não tinha notícias desde 2001, ano em que o padrasto de Latinha o ameaçou e exigiu que não os procurasse. “Ele usava a mesma boina cinza de quando o tinha visto pela última vez”, acrescenta o garoto que contou ao avô João Bosque da Silva tudo que passou desde o último contato. Naquele dia, unidos pelo acaso ou destino, os dois partiram juntos na alvorada, sob um auspício de esperança.
Curiosidades
O apelido Latinha surgiu por causa da habilidade como coletor de latinhas.
O sonho de Naldinho era um dia tornar-se escritor, o que justificava o seu carinho e esmero por canetas.
Por algum tempo, a casa de Latinha ainda serviu de abrigo para andarilhos e sem-tetos, até que novos conflitos fizeram com que tomassem a decisão de alugar o imóvel.
Latinha, que é apontado como um dos melhores alunos do colégio onde estuda, nunca mais soube da mãe e até hoje mora com o avô, o seu responsável legal.
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15 quilômetros eram percorridos em uma hora
“A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”
Na década de 1950, quem se aventurava pela região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, levava pelo menos uma hora para percorrer 15 quilômetros de carro, jipe ou caminhão. As dificuldades de tráfego faziam com que muita gente saísse da cidade somente em casos de extrema necessidade.
Encarar uma viagem pela região Noroeste do Paraná nem sempre foi sinônimo de lazer e prazer, é o que indica depoimentos de pioneiros que viviam em Paranavaí nos anos 1950. À época, deixar a cidade não tinha nada a ver com a satisfação de fugir da rotina cotidiana, mas sim de cumprir uma obrigação. Na maioria das vezes, os pioneiros pegavam a estrada a trabalho, para comprar produtos necessários à subsistência que estavam em falta em Paranavaí ou até mesmo levar um enfermo a algum hospital com melhor estrutura.
“Naquele tempo, quase ninguém gostava de viajar, a não ser os mais jovens e aventureiros. Quem tinha família, preferia ficar em casa, descansando. Era muito melhor do que seguir pelo picadão e ainda ter que entrar na mata quando viesse um carro na outra direção”, comentou o pioneiro cearense João Mariano. A justificativa é que durante a colonização local as vias urbanas e as estradas da região eram tão precárias que dificilmente alguém conseguia percorrer mais de 15 quilômetros em menos de uma hora.
“A maioria dos veículos não oferecia conforto e eram lentos. Alguns trajetos eram feitos até numa velocidade ainda inferior. A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”, comentou Mariano em tom bem humorado, acrescentando que de vez em quando os pioneiros atropelavam alguns animais selvagens pelo caminho.
O pioneiro paranaense Juscelino Camilo de Oliveira costumava viajar de caminhão, percorria toda a região de Paranavaí para abastecer dezenas de armazéns espalhados por cidades e povoados do Noroeste Paranaense. Oliveira disse que já estava acostumado a passar a maior parte do tempo longe da mulher e dos filhos.
“Nessas minhas empreitadas, vivi muitas situações inusitadas. Lembro de quando estava voltando do Porto São José e logo na entrada de Paranavaí ouvi uns grunhidos, gemidos, bem, barulhos que não consegui identificar. Encostei o caminhão rente a uma árvore. Quando desci e me aproximei, tinha um guaxinim e um filhote de jaguatirica pendurados na lona. Levei um baita susto e eles também, tanto que rapidinho correram pra mata nas imediações do Jardim São Jorge”, relatou.
Juscelino Camilo ainda admitiu ter atropelado alguns animais à noite durante as viagens como caminhoneiro, contudo, ressaltou que eram sempre bichos de pequeno porte. “No escuro, com a mata quase colada na estrada, o bichinho passava na frente e não dava pra evitar o atropelamento. Tudo acontecia rápido demais, apesar do caminhão ser lento. Ás vezes, eu ficava na dúvida e me esgueirava pela janela pra ver, daí ficava aliviado quando enxergava o animal terminando a travessia”, destacou Oliveira.
“Qualquer deslize podia fazer invadir a mata e bater numa árvore”
O pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza contou que o pesadelo dos viajantes até a década de 1950 era “encarar a estrada” em dias de chuva. “Viajei poucas vezes com meu jipe em tempos chuvosos. Teve uma vez que a minha filha adoeceu e não melhorava de jeito nenhum, daí levei ela até Londrina, pois lá eu tinha um primo que era um ótimo médico. Só que a viagem foi terrível porque a lama estava bem funda e o carro atolou umas sete, oito vezes, mesmo amarrando correntes nas rodas. A gente saiu daqui num domingo e chegou lá só na terça-feira, pra você ter uma ideia de como a estrada ficava pior ainda com o tempo ruim”, revelou Souza.
Como os veículos eram lentos e as vias se resumiam a picadões, os acidentes não eram graves, embora aconteciam com certa frequência. O pioneiro catarinense José Matias Alencar explicou que em 1952 já era preciso ser um bom motorista para que a viagem fosse completada com sucesso. “Mesmo que a estrada fosse uma só, mudava muito de um trecho até o outro e isso era enganoso. Em um pedaço, você tinha uma pista mais transitável, e logo ali na frente o chão já era diferente, com sobras de vegetação pelo caminho. Se o peão não estivesse atento, qualquer deslize podia fazer ele invadir a mata e bater numa árvore. Eu, por exemplo, em 1950, não conhecia direito a região e bati meu carro perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Tive que voltar pra Paranavaí a pé”, enfatizou Alencar que chegou à cidade só no dia seguinte.
João Franco: “Ficamos no mato por mais de vinte anos”
Pioneiro chegou a Paranavaí quando a colônia era coberta por mata virgem
Em 1944, havia tanta vegetação nas imediações da Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que a mata virgem cobria toda a colônia. Tudo tinha de ser improvisado, até mesmo estradas e pontes. “Ficamos no mato por mais de vinte anos”, afirmou o pioneiro paulista João Silva Franco.
Franco conta que deixou a família no interior de São Paulo quando decidiu conhecer a Brasileira. Somente depois trouxe a mulher e a filha. Quando chegou a futura Paranavaí, antes de fixar residência, acampou onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Lá, naquele capoeirão que cobria os cafezais, ficamos 16 dias queimando lata. Foi assim até comprar uma terrinha pra fazer um ranchinho de colonião e sapé, tempo em que só havia movimento de carroças e cavaleiros”, declarou o pioneiro.
Em 1944, o ponto preferido dos peões e outros migrantes era uma praça localizada entre as Ruas Minas Gerais e Manoel Ribas. “Uma espécie de boca maldita”, sentenciou o pioneiro Oscar Geronimo Leite em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas. Até aquele ano, não havia mais que 30 casas em Paranavaí, todas feitas de tabuinhas, e muitas estavam desocupadas há mais de dez anos, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) foi expulsa do Distrito de Montoya, após a Revolução de 1930.
“Até mesmo uma grande serraria que ficava no fundo de um buracão no Jardim São Jorge foi abandonada”, lembrou João Franco, referindo-se ao empreendimento fundado em 1929 pela Braviaco. Ainda em 1944, o pioneiro comprou uma propriedade na “Água do 22”, no Distrito de Graciosa. Enfrentou todas as dificuldades que atingiram Paranavaí nos anos 1940 e 1950; desde problemas com golpes, tempestades, animais silvestres, falta de higiene, doenças e até escassez de alimentos.
“Tudo que aconteceu aqui nós vimos ao vivo. Os contratantes judiavam do povo. Queriam que trabalhasse sem direito a nada. Na hora de pagar, eles batiam demais e se teimasse era morto e jogado no rio”, desabafou. À época, para ampliar o tráfego de pessoas, animais e veículos, os pioneiros abriram picadões. O trabalho era bem simples. Um tratorista apenas empurrava o mato para o lado.
As pontes eram improvisadas com coqueiros derrubados, uma alternativa à morosidade do poder público em enviar profissionais qualificados para a construção de pontes e vias. “Trabalhei muito na abertura de estradas. Desmatei de Paranavaí até Capelinha [Nova Esperança]”, ressaltou Franco que sobreviveu na Brasileira porque tinha resistência para viver em lugares isolados, mesmo sob precárias condições. O pioneiro já tinha trabalhado como foiceiro, enxadeiro, serrador e lavrador.
Em 1940, de acordo com o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, muitos dos migrantes que chegavam à Brasileira eram peões. “Foi assim até 1945, quando o Governo do Paraná parou de dar terras”, enfatizou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho. Um ano depois, com o crescimento populacional, as terras da Colônia Paranavaí começaram a ser bem valorizadas.
Segundo o pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, só a partir de 1946 surgiu a preocupação em nominar as ruas e avenidas da cidade. “Em 1948, chegava gente aqui todos os dias. Era como a corrida do ouro”, avaliou o pioneiro paulista Salatiel Loureiro. Entretanto, a erosão hídrica já era um problema para o solo do arenito Caiuá nos anos 1940, o que foi se intensificando décadas depois. Migrantes que não tinham adquirido terras aproveitavam as áreas sem donos, como os buracões, para plantar feijões.
Em 1954, o desmatamento ganhou força em Paranavaí, conforme palavras do frei alemão Henrique Wunderlich em carta enviada à revista alemã Karmelstimmen. O padre alemão Alberto Foerst fez coro às palavras de Wunderlich. “O mato era derrubado e ficava no chão algumas semanas até ser queimado”, confidenciou no artigo “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na Karmelstimmen.
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A opressão na mata
Empreiteiro escravizava peões que trabalhavam na derrubada de mata
Nos anos 1940, muitos pioneiros de Paranavaí atuaram na abertura de estradas no Novo Norte do Paraná. Em algumas situações, as condições de trabalho eram tão precárias que os trabalhadores passavam fome e até morriam.
O que a população de Paranavaí desconhece até hoje é que muitas das vias que ligam a cidade a outros municípios, criadas há mais de 60 anos, tiveram um preço bem alto. Custaram dezenas de vidas de trabalhadores.
Na década de 1940, não havia nenhum tipo de fiscalização na abertura de estradas, assim permitindo que alguns empreiteiros do Governo do Paraná explorassem ao máximo os peões. Naquele tempo, a jornada de trabalho ultrapassava 16 horas diárias.
Quem viveu a dura realidade de trabalhar na mata, ajudando a abrir novas vias, foi o mineiro Arlindo Francisco Borges. O pioneiro passou por experiências surpreendentes em 1946, quando a Colônia Paranavaí se resumia a um “matagal mal fechado”, conforme palavras de Borges.
Naquele ano, Arlindo Francisco, que sonhava com um futuro melhor, chegou a colônia em uma jardineira da Viação Garcia que fazia a linha Londrina-Paranavaí. Logo conseguiu um serviço como peão. O trabalho na derrubada de mata era pesado e rendia 500 réis por alqueire, valor que era pago pelo Governo do Paraná. A primeira via aberta pelo pioneiro foi a Rua Paraíba, começando pelo antigo Terminal Rodoviário e indo até o antigo Cemitério Municipal, na região central.
“Abri também a Rua Acre, entre a Rua Bahia, perto da Santa Casa de Paranavaí, e Rua Mato Grosso. Meu irmão, um sobrinho e um amigo trabalhavam comigo”, relatou Arlindo Borges em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. À época, um dos responsáveis por coordenar o trabalho de abertura de estradas era o Capitão Telmo Ribeiro.
“A área que ele cuidava ia desde o Surucuá até o Jardim São Jorge”, disse. Em Paranavaí, quem executava e acompanhava as obras era o empreiteiro Zeca Machado que trabalhava para o Governo do Paraná. Borges e Machado tiveram uma boa relação de trabalho.
Além de criar novas ruas e avenidas em Paranavaí, o mineiro trabalhou muito tempo fora do povoado. Primeiro, ajudou a abrir uma estrada que ligou Paranavaí a Capelinha, atual Nova Esperança. “Também atuei na abertura de uma via daqui até o Porto São José”, declarou.
Quando estava abrindo uma estrada que ligava Maringá a Campo Mourão, Arlindo Borges viveu o pior momento da vida como peão. O empreiteiro da obra, de quem não citou o nome, não prestou nenhum tipo de assistência aos trabalhadores, muito pelo contrário, os tratou com um desrespeito e despotismo que beirou às raias da escravidão.
“Ele se recusou a dar comida pra gente, nos deixou com fome durante o tempo em que trabalhamos lá. Um dia, não estávamos aguentando mais, daí eu e mais cinco decidimos voltar pra Paranavaí”, revelou Borges, acrescentando que na região havia mais empreiteiros com a mesma índole.
Cinco dias sem comer nada
O caminho longo e tortuoso foi percorrido a pé pelos peões que há cinco dias não comiam nada. “A gente não tinha mais forças. Tivemos que posar no mato duas noites durante a volta, até chegar a sede da colônia. No caminho, viemos comendo banana que a gente encontrava na mata. Foi assim que conseguimos chegar aqui”, assinalou e ressaltou que se dependessem do contratante teriam morrido.
O fato mais alarmante narrado pelo pioneiro é que durante o trajeto encontraram muitas pessoas em situação semelhante. Havia um grande número de peões trabalhando em áreas próximas e muitos já estavam exauridos e doentes. Arlindo Francisco lembrou que os maus-tratos eram freqüentes e se a pessoa adoecesse era deixada para trás.
Nos casos em que os trabalhadores morreram, o empreiteiro apenas interrompeu o serviço, reuniu alguns peões e os enterrou na mata mesmo. O episódio se repetiu dezenas de vezes. Segundo Borges, o encarregado das obras nunca se preocupou em avisar a família do falecido ou em levar o corpo para a colônia. “Ele oprimia demais a gente e isso acabou só quando ele morreu”, desabafou.
Saiba Mais
Muitos peões foram esmagados por toras de árvores durante a derrubada de mata nos anos 1930, 1940 e 1950.
Frases dos pioneiros
João da Silva Franco
“Aqui nós fizemos ruas e estradas a braço porque não havia máquinas. Abrimos daqui a Nova Aliança do Ivaí [antiga Derrubada Grande e depois Guaritá], do finado João Pires, e também Amaporã que naquele tempo era Jurema.”
“Quando os peões se juntavam, rodava a pinga.”
Raimundo Leite
“Gustavo Marques, Lázaro Vieira, Antonio Foicim, Pedro Barizon e o Diamante também faziam a abertura das matas.”
Frutuoso Joaquim de Salles
“Em 1929, a Brasileira já estava instalada e o pessoal vinha aqui derrubar mato.”
José Ferreira de Araújo (Palhacinho)
“Tinha os coitados que trabalhavam no mato, no meio da mosquitada. No dia que vinham para a cidade traziam um dinheirinho e enchiam a cara.”
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Capitão Telmo: herói ou vilão?
Telmo Ribeiro é um paradoxo na história de Paranavaí, o herói que se transformava em vilão
Capitão Telmo Ribeiro é um dos personagens mais controversos da história de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde viveu entre os anos de 1936 e 1964. Durante esse período, conquistou amigos, inimigos e apatia.
O tenente
Em 1932, o tenente gaúcho Telmo Ribeiro deixou o Rio Grande do Sul e foi para Porto Murtinho, no Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), lutar na Revolução Constitucionalista. Com o fim dos conflitos, Ribeiro comandou o regimento de cavalaria de uma brigada militar em Ponta Porã. A missão era defender a fronteira brasileira. “Eu era tenente no esquadrão do Telmo. Naquele tempo, quem comandava a brigada era o coronel Mário Garcia”, relatou o pioneiro mato-grossense Alcides Loureiro de Almeida em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Enquanto trabalhou em Ponta Porã, Telmo Ribeiro morou em Bela Vista, na Fazenda Casualidade, de João Loureiro de Almeida, pai de Alcides Loureiro. “Depois de um tempo, a brigada foi extinta e surgiu o convite para trabalhar na Fazenda Caaporã. Contratamos alguns homens e começamos o plantio e transporte de erva-mate para exportação”, lembrou Loureiro. Mais tarde, Telmo e Alcides retornaram a Ponta Porã. Loureiro continuou trabalhando na cidade e Ribeiro fechou um contrato com a Companhia Mate-Laranjeira para transportar erva-mate através do rio em um barco a vapor.
Em uma das viagens pelo estado, Telmo Ribeiro conheceu o engenheiro Francisco Natel de Camargo que atuava como boiadeiro, levando gado vacum do Mato Grosso para a Fazenda Brasileira, futura Paranavaí. A carne bovina alimentaria os migrantes que viviam no povoado. “O Natel levou o Telmo até Londrina para conversar com o representante do governo, o delegado Achilles Pimpão, intermediário do interventor Manoel Ribas”, revelou o pioneiro Alcides Loureiro.
Ao conquistar a simpatia do delegado e do interventor, Telmo Ribeiro foi contratado para abrir estradas ligando a Brasileira ao restante do Paraná. “Lembro quando ele foi encarregado por Natel de Camargo para abrir uma estrada para a movimentação de gado da Brasileira até a Gleba Roland [atual Rolândia]”, pontuou o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, ex-empregado e amigo do tenente Telmo.
Salles contou que Ribeiro fixou residência onde é atualmente o Jardim São Jorge. Lá, havia uma colônia abandonada, com casas boas e móveis coloniais de finíssima qualidade. “As árvores já tinham varado o teto das residências. Telmo aproveitou o que deu pra aproveitar”, assegurou o pernambucano.
O herói
Em 1936, nas palavras do pioneiro paulista Natal Francisco, o tenente e uma turma de paraguaios acabaram com a onda de assassinatos praticados por grileiros na Fazenda Brasileira. Nessa época, o tenente já se destacava entre a população humilde do povoado. Tinha boa postura e passo firme, mas o que mais chamava atenção era o carisma, o requinte e a elegância. Ribeiro usava paletó de alta qualidade combinando com botas feitas sob medida, além de um cinturão que tinha como fivela a letra T.
Fumava apenas charutos importados da Holanda e só usava perfume francês. “Ele tinha um anel madrepérola feito por um famoso joalheiro carioca. No pescoço, sempre trazia um lenço de cetim preso por um broche de ouro”, detalhou Alcides Loureiro, acrescentando que apesar da fama de violento, Telmo Ribeiro era um homem delicado.
O título de capitão, o tenente gaúcho recebeu por serviços prestados ao Estado do Paraná na Brasileira, segundo o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho. Contudo, o pioneiro curitibano Aldo Silva deu outra versão sobre o assunto: “Ele foi promovido a capitão pelo próprio povo da região, então ficou conhecido assim.” Telmo Ribeiro se tornou uma figura tão influente na cidade que a jardineira da Viação Garcia que fazia a linha Paranavaí-Londrina adotou como ponto de parada a casa do capitão.
Ao longo da vida, o pioneiro paulista Salatiel Loureiro nunca se esqueceu de um favor feito por Telmo na década de 1940. “Uma vez, ele foi até Curitiba requerer meu título de terras. Fez isso e não cobrou nada.” Carlos Faber, José Alves de Oliveira, José Ferreira de Araújo (Palhacinho), Severino Colombelli, José Francisco Siqueira (Zé Peão) e Izabel Andreo Machado são alguns pioneiros que sempre tiveram bom relacionamento com o capitão Telmo Ribeiro.
“O meu amigo sempre foi um líder, homem com fibra de pioneiro, com o qual partilhei bons e maus momentos”, destacou Alcides Loureiro. Outro pioneiro que defendia a idoneidade e o caráter de Ribeiro era o paulista João da Silva Franco. “Muita gente falava que ele era ruim e ganancioso. Mas eu acredito que ele nunca matou ninguém. O problema era a cabroeira dele, usavam o nome do Telmo pra fazer coisas erradas aqui”, salientou.
O vilão
Se por um lado, o capitão Telmo Ribeiro foi admirado e fez valiosas amizades nos 28 anos dedicados a Fazenda Brasileira, depois Paranavaí, por outro, também conviveu com pessoas que não aprovavam suas atitudes, não gostavam dele ou lhe eram indiferentes. “Lembro que ele andava com dois revólveres, uns dez capangas e insultava muita gente na rua. Telmo achava que só ele tinha razão”, desabafou o pioneiro cearense Raimundo Leite.
Leite costumava relembrar o episódio em que entrou em conflito com o capitão. “Certo dia, o Raimundo Arruda e o Zé Andrade insultaram ele no Bar do Zé e depois foram pra minha casa. O Telmo apareceu lá e o pau quebrou. Teve gente que apanhou e correu. Eu não tinha nada com o peixe, mas quase sobrou pra mim. A minha sorte foi que chegou um pessoal e pediu pra ele não fazer nada comigo”, enfatizou.
Com o tempo, Ribeiro conquistou muitas inimizades em Paranavaí. “Aqui tinha os capa-preta e me recordo que eles queriam matar o capitão Telmo Ribeiro”, revelou o pioneiro espanhol Thomaz Estrada. Para a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger, o capitão Telmo perseguiu muita gente e fez muitas coisas que não deveria ter feito.
De acordo com o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira, Telmo ajudou muito Paranavaí, mas nunca permitiu que alguém se lançasse contra ele na política. “No fundo, era boa pessoa, mas também sabia ser violento quando eram com ele”, avaliou. O pioneiro mineiro Enéias Tirapeli pertencia a um grupo que não simpatizava e nem desgostava de Telmo Ribeiro, apenas era indiferente ao capitão.
“Nunca me relacionei com ele, mas achei errado ele ter matado aquele rapaz na cadeia”, ressaltou, referindo-se ao assassinato do jovem Alcides de Sordi, de quem o capitão assumiu a autoria do crime. Fato sobre o qual houve divergências de opiniões. O pioneiro João Franco dizia que Telmo Ribeiro nunca atirou no rapaz. Para ele, o capitão tinha as “costas quentes” e chamou a responsabilidade para si na tentativa de livrar os amigos da prisão.
A decadência do capitão
Nas décadas de 1940 e 1950, Ribeiro conseguiu status e fortuna em Paranavaí. Entre as suas propriedades estava uma fazenda que compreende todo o Jardim São Jorge. Também tinha fama de perdulário. Ostentava um padrão de vida elevadíssimo, gastava muito dinheiro com a própria vaidade, amigos e mulheres em ambientes como a Boate da Cigana.
“Tal extravagância o levou a decadência. Depois de um tempo, começou a vender suas terras”, salientou Alcides Loureiro. Em 1964, às raias da falência, Telmo Ribeiro fixou residência em Maringá. Três anos mais tarde, viajou até Cornélio Procópio, no Norte Pioneiro, para cobrar um devedor e levou um tiro no peito.
O capitão influente e de muitos amigos, conhecido como rápido no gatilho, e que um dia participou da Guerra Paulista, enfrentou grileiros e jagunços, foi surpreendido e morreu no próprio local, longe de casa e sozinho, sem tempo de ao menos tirar a arma do coldre.
Curiosidade
Pioneiros contam que na época da colonização diziam que Telmo Ribeiro ameaçou roubar uma das filhas do pioneiro Arthur de Melo. Para evitar o pior foi enviado reforço policial de Arapongas.
Frases dos pioneiros sobre o capitão Telmo Ribeiro
Carlos Faber
“Nunca vi ele bravo, estava sempre alegre. Embora falassem certas coisas dele, nunca vi nada. O Telmo sempre me oferecia ajuda, mas nunca precisei.”
Raimundo Leite
“Ele me desacatou dentro da minha casa. E eu não morri porque não corri.”
Severino Colombelli
“O capitão Telmo era uma pessoa muito boa e de coração mole.”
Cincinato Cassiano Silva
“A parada era dura com o Capitão Telmo. Ele que expulsou os jagunços daqui. Para alguns ele era bom, mas pra outros não.”
Izabel Andreo Machado
“O capitão era pra nós uma pessoa muito boa.”
José Antonio Gonçalves
“Ele usava um chapéu grande e um lenço no pescoço. Era educadíssimo, mas a coisa com ele era meio brava.”
Valdomiro Carvalho
“Ele era realmente grande aqui. Eu ia com ele buscar boi no Mato Grosso, pra ganhar um dinheiro. Levava um mês. A gente ia pelo Porto São José, pegava um vaporzinho e atravessava a boiada de pouco em pouco.”
Paulo Tereziano de Barros
“O Capitão Telmo trouxe muita gente que ele achava que podia trabalhar no mato.”
José Francisco Siqueira (Zé Peão)
“Meu primeiro negócio com ele foi 30 sacas de arroz e 10 capados. Tudo fiado. Falavam que ele não pagava ninguém, tudo mentira. Depois de três dias, ele acertou comigo.”
Oscar Geronimo Leite
“Telmo Ribeiro era um dos mandões da época.”
José Ferreira de Araújo (Palhacinho)
“O telmo jogava snooker com a gente, andava com nós.”
José Alves de Oliveira
“Ele foi um dos grandes fregueses do meu bar. Nunca me deu um único prejuízo. Ia lá, comprava e pagava direitinho.”