David Arioch – Jornalismo Cultural

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Tom Regan: “Os direitos animais nos levam a fazer um inventário moral de nossa maneira de viver no mundo”

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“Coloco-me entre aqueles que acreditam apaixonadamente nos direitos animais. Mas minha crença apaixonada não flui da emoção cega”

Em “Animal Rights”, Human Wrongs”, Regan usa como referência a filosofia que rege os direitos humanos como ponto de partida para a discussão dos direitos animais (Foto: Reprodução)

Em 2003, um ano antes do filósofo moral Tom Regan, referência na discussão dos direitos animais, lançar o livro “Empty Cages: Facing the Challenge of Animal Rights”, ele publicou um livro intitulado “Animal Rights, Human Wrongs – An Introduction to Moral Philosophy”. Esta obra de introdução à filosofia moral foi apontada por Regan como a que abriu o caminho para o seu trabalho lançado no ano seguinte. Por isso, é justo dizer que “Empty Cages”, lançado no Brasil como “Jaulas Vazias” em 2006, é uma continuidade das discussões de “Animal Rights, Human Wongs”, mas com duas distinções substanciais. Enquanto o livro de 2003 fala quase que restritamente à razão, o segundo, que tem um escopo mais abrangente, clama também ao coração. Sendo assim, para quem já leu uma das obras, ler a outra permite uma compreensão complementar da perspectiva moral de Regan em relação aos animais que objetificamos, matamos e consumimos para atender supostas necessidades.

Em “Animal Rights”, Human Wrongs”, Regan usa como referência a filosofia que rege os direitos humanos como ponto de partida para a discussão dos direitos animais. O filósofo aborda questões bastante controversas envolvendo o contratualismo de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau; e o utilitarismo gestado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Pode-se dizer que “Animal Rights, Human Wrongs” é um livro com orientações, e características de guia, que perpassam pela realidade, história, equívocos morais e o ideal posicionamento moral em relação aos seres não humanos. Tom Regan oferece respostas e reflexões para questões complexas e até hoje altamente discutíveis em relação à intransigência humana no tratamento destinado a seres não humanos.

A obra, que de certa forma celebrou os mais de 30 anos do envolvimento de Regan com os direitos animais, também pode ser interpretada como um manual sobre como discutir sobre os direitos animais sem deixar-se vencer pelos arroubos da passionalidade – algo que pode impedir que defensores dos direitos animais consigam transmitir uma mensagem eficaz contrária à exploração animal na perspectiva do filósofo.

Logo no prefácio do livro, o autor diz que algumas pessoas, incluindo ele, são apaixonadas pela convicção de que muitos animais não humanos têm direitos; já outras não são menos apaixonadas pela convicção de que eles não os têm:

“A atmosfera emocionalmente carregada em torno dos partisans de ambos os lados é reminiscente de outras questões morais controversas – aborto e ação afirmativa, por exemplo. Para aquelas pessoas (a grande maioria, por acaso) que não têm fortes convicções em relação aos direitos animais, de uma forma ou de outra, é difícil saber o que pensar.”

Registrado isso, Regan busca orientar aqueles que têm muitas dúvidas sobre como lidar principalmente com opositores aos direitos animais, que frequentemente descrevem os defensores desses direitos como irracionais, emocionais, anticientíficos e misantrópicos. Segundo Regan, essas caracterizações ou estereótipos podem ser verdadeiras para alguns, mas elas não são verdadeiras para a grande maioria dos defensores dos direitos animais.

“A estratégia [do livro] é simples. Fazemos perguntas difíceis, exploramos as possibilidades relevantes e procuramos as melhores respostas. Então vemos onde essas respostas nos levam.[…]  Quando seguimos essa estratégia, acredito que a lógica nos leva a uma conclusão simples: muitos animais não humanos têm direitos. Alguns dos desafios que enfrentamos surgem na teoria moral.”

Primeiro o livro apresenta um referencial de ideias fundamentadas em diferentes filosofias morais; e nas nossas relações com essas ideias. Então utiliza esses parâmetros como um arcabouço para as questões que são desenvolvidas e elencadas no decorrer do livro, mas principalmente nos últimos capítulos. Até porque Regan entende que não há como gerir boas respostas se não considerarmos a base e as motivações que dão origens às perguntas, mesmo que nos pareçam picarescas ou provocativas.

“Animal Rights, Human Wrongs” está dividido nos capítulos “Da indiferença à Defesa”, “Exploração Animal”, “A Natureza e a Importância dos Direitos”, “Visões Indiretas do Dever”, “Visões Diretas do Dever”, “Direitos Humanos”, “Direitos Animais”, “Objeções e Respostas” e “Filosofia Moral e Mudança”. Partindo de um princípio introdutório à filosofia moral, Tom Regan cita que naturalmente teóricos morais fazem com frequência dois tipos de perguntas: “O que torna certos atos certos?” e “O que faz com que os atos errados sejam errados?” Afinal, teorias diferentes oferecem respostas diferentes.

“Apesar dessas diferenças, toda teoria tem algo a dizer sobre quem tem posição moral (que conta moralmente). Por exemplo, algumas teorias morais dizem que todos e apenas os seres humanos têm uma posição moral. Se for verdade, a notícia não é boa para animais não humanos. Se for verdade, os animais não humanos não contam para nada moralmente”, cita Regan partindo de uma comum perspectiva antropocêntrica que ele teve de confrontar ao longo de sua carreira em oposição a filósofos que não reconheciam e não reconhecem os direitos dos animais.

Por outro lado, há teorias morais, incluindo a defendida por ele, que dizem que todos os seres sencientes (capazes de sentir prazer e dor) têm uma posição moral. Claro, sendo verdade, esses animais contam moralmente. “Não pode ser verdade que somente os seres humanos tenham uma posição moral”, enfatiza Regan que introduz o leitor ao entendimento do que são os direitos morais, e por que até hoje os seres humanos têm direitos morais embora não os outros animais.

Ele faz isso de forma a permitir que o leitor tire suas próprias conclusões. Ademais, levanta questões envolvendo certo e errado enquanto posição moral, e defende que quanto mais nos deparamos com dúvidas, críticas e argumentos contrários aos nossos mais fortalecemos a nossa filosofia moral em relação aos direitos animais e também a outras questões:

“Nossa exploração dos direitos dos animais, em particular, serve como uma introdução à filosofia moral em geral. A filosofia moral não é apenas teoria; é repleta de significado prático. Isso significa que, além de fazer perguntas teóricas, também precisamos fazer perguntas práticas, incluindo essa em particular: Que diferença faz se os animais têm ou não direitos morais? Como vemos, não há questão mais importante, julgada do ponto de vista dos animais. Se os animais não têm direitos, então nenhuma das maneiras pelas quais os seres humanos os exploram (como fonte de alimento ou roupas, por exemplo) é errada em princípio, e nenhuma necessidade errada deve ser criada se continuarmos a explorá-lo dessa maneira em um futuro indefinido. Por outro lado, se os animais têm direitos, então todas as formas de exploração deles são erradas, em princípio, e cada uma delas deve ser interrompida imediatamente.”

Para entender a importância dos direitos animais, Regan sugere que as pessoas julguem isso do ponto de vista dos animais, porque neste caso a preocupação é elevada à condição primária: “Também não devemos minimizar a importância dessa questão para nós. Se os direitos dos animais são violados quando eles são criados para a produção de alimentos, presos por causa de suas peles ou usados como instrumentos em pesquisas, então temos o dever de mudar a maneira como vivemos, os alimentos que comemos (ou não comemos) e as roupas que vestimos (ou não vestimos).”

De acordo com Tom Regan, nada reflete melhor a maneira como absorvemos e entendemos a moral do que a prática de nossas vidas diárias. No chamamento à discussão moral em relação ao direito à vida não humana, ele discorre sobre questões como aborto e suicídio assistido por médicos como ações de grande significado prático:

“Em contraste, a questão dos direitos animais nos obriga a perguntar o que devemos fazer quando nos sentamos para a nossa próxima refeição ou quando vamos comprar um casaco novo. Os direitos animais são um tipo de investigação que nos leva a fazer um inventário moral de nossas escolhas mais comuns, nossa maneira de viver no mundo. Como eu disse no início, coloco-me entre aqueles que acreditam apaixonadamente nos direitos animais. Mas minha crença apaixonada não flui da emoção cega ou da falta de respeito pela razão, quanto mais pela misantropia. Acredito nos direitos dos animais porque acredito que a teoria moral na qual seus direitos são afirmados é racionalmente uma teoria mais satisfatória do que aquelas teorias em que seus direitos são negados.” Em “Animal Rights, Human Wrongs”, talvez a pergunta mais importante seja: “Como podemos viver uma vida que respeite os direitos dos outros animais?”

Referência

Regan, Tom. Animal Rights, Human Wrongs. Rowman & Littlefield Publishers. 144 páginas (2003).





Tom Regan: “Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado”

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“Embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas acreditam”

“Acredito que ambas as ideias [de Peter Singer] não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais” (Acervo: The Animals Voice)

Embora o filósofo australiano Peter Singer tenha feito uma grande diferença no movimento moderno em defesa dos direitos animais, em parte, pela publicação do livro “Animal Liberation” em 1975, que se tornou um clássico para o movimento dos direitos animais, com o tempo o seu discurso passou a ser criticado por outros importantes nomes da luta pelos direitos animais. Antes de falecer em 17 de fevereiro de 2017, o filósofo estadunidense Tom Regan, um dos teóricos mais proeminentes na defesa pelo abolicionismo animal, e que fazia oposição ao utilitarismo de Singer, concedeu uma entrevista a Claudette Vaughan, do Vegan Voice, explicando quais os seus principais pontos de discordância em relação à filosofia de Peter Singer.

Tom Regan, autor do clássico “Empty Cages”, de 2004, relatou que com o tempo Peter Singer passou a defender unicamente duas ideias principais: “[De acordo com Singer], Primeiro, devemos considerar os interesses de todos e ter igual igualdade de interesses. Segundo, depois de ter feito isso, devemos fazer o que traz o melhor equilíbrio geral dos interesses dos afetados. A primeira ideia diz respeito ao procedimento: o que temos que fazer antes de decidir o que é o certo a se fazer?  A segunda ideia diz respeito ao julgamento moral: o que é o certo a se fazer? Acredito que ambas as ideias não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais.”

Regan discordava de Singer quanto ao procedimento de consideração de interesses porque, de acordo com ele, isso significa colocar em uma balança, e em nível de igualdade, não apenas os interesses dos explorados, mas também dos exploradores em continuar fazendo o que fazem. Para Regan, a perspectiva ética de Singer em relação ao procedimento, ou seja, o que temos de fazer antes de decidir o que é certo, é perigosa, porque, com base nisso, alguém pode dizer também que é importante considerar os interesses de estupradores, proprietários de escravizados e pedófilos antes de julgar que o que eles fizeram e fazem é absolutamente reprovável e inaceitável.

“Similarmente, acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado. Minha posição não poderia ser mais oposta a essa ideia. Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado, isto porque estão violando os direitos de alguém”, justificou Tom Regan a Claudette Vaughan.

Tom Regan afirmou em entrevista ao Vegan Voice que muitas pessoas acreditam que o seu trabalho e o de Singer são muito similares. “‘Singer não diz o mesmo?’, ‘Singer não acredita nos direitos animais?’ Para essas perguntas, a resposta honesta é: ‘Não, ele não diz a mesma coisa. Não, ele não acredita nos direitos animais.’ E se alguém pergunta: ‘No que ele acredita então?’ A resposta é: ‘Ele acredita nas duas ideias que descrevi.’”

“Acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado” (Foto: American Anti-Vivisection Society)

Regan citou que Peter Singer não acredita que a vivissecção seja sempre errada, apontando que o filósofo australiano crê que há situações em que a vivissecção é justificável. “Se os resultados estão em melhor equilíbrio do que se fossem obtidos de outra maneira, então sua visão é a de que não há nada de errado em usar animais em pesquisa. Este é um motivo pelo qual penso que as ideias de Singer são prejudiciais aos animais. Minha posição não poderia ser mais oposta à sua”, explicou o filósofo a Claudette Vaughan.

Tom Regan enfatizou que as pessoas não deveriam ficar chocadas ao saberem disso, levando em conta que Peter Singer diz que não é moralmente errado ter relações sexuais com animais. “Desde que o sexo ocorra em local privado, e assumindo que os participantes estão gostando, ele não vê nada de errado nisso. Isso é perfeitamente condizente com as duas principais ideias de Singer. Na verdade, isso é exigido pelas suas duas principais ideias. Novamente, a minha posição não poderia ser mais oposta a dele. Na minha visão, bestialidade é sempre moralmente errada pelas mesmas razões que sexo com crianças é moralmente errado: os direitos daqueles que não podem dar o consentimento são violados”, criticou.

O filósofo estadunidense argumentou que a última coisa que os animais precisam é que os exploradores de animais insinuem que os ativistas da militância pelos direitos animais estão reivindicando direitos para que possamos ter sexo mutuamente satisfatório com seres não humanos: “Quero dizer, meu Deus! Se isso acontecesse, os ativistas seriam vistos como desonestos, na melhor das hipóteses, e depravados, na pior das hipóteses. Em ambos os casos, o que os ativistas dizem em nome dos animais seria totalmente desconsiderado. Seria muito difícil calcular o dano maciço que seria causado aos animais. Então, embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, além de eu gostar muito dele como pessoa, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas da militância pelos direitos animais acreditam. Espero que isso se torne mais claro à medida que avançamos. E precisa ser assim.”

Saiba Mais

Professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos, Tom Regan conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Outras de suas obras de referência são “All That Dwell Therein: Essays on Animal Rights and Environmental Ethics”, de 1982; e “The Case for Animal Rights”, de 1983.

Referência

Vaughan, Claudette. An American Philosopher: The Tom Regan Interview. Vegan Voice. Republicado pela Animal Liberation Front (ALF).





Tom Regan: “Aprendi como algumas pessoas na Índia consideram comer uma vaca algo terrivelmente repulsivo”

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Aprendi como algumas pessoas na Índia consideram comer uma vaca algo terrivelmente repulsivo. Eu descobri que sentia o mesmo em relação a gatos e cães: eu jamais poderia comê-los. Será que vacas são tão diferentes de gatos e cães que existem dois padrões morais, um que se aplica a vacas, e outro que se aplica a gatos e cães? E porcos, serão tão diferentes? Será que algum dos animais que eu comia era tão diferente? Estas eram as perguntas que nunca me deixavam. Antes que estivesse pronto para aceitá-las, eu já sabia minhas respostas.

Quanto mais eu pensava no assunto, mais convencido ficava de que precisava tornar urna decisão: ou eu tinha de mudar minhas crenças e sentimentos em relação a corno os animais de companhia deveriam ser tratados, ou eu tinha de mudar minhas crenças e sentimentos em relação ao tratamento dispensado aos animais criados nas fazendas para consumo.

Por fim, incapaz de achar um desvio honesto do dilema – e, dado o poder dos velhos hábitos e das tentações gustativas associadas a costeletas de carneiro, galinha frita e hambúrgueres grelhados na churrasqueira, tenho de confessar que tentei desesperadamente encontrar esse desvio – acabei escolhendo a segunda alternativa.

No meu caso, então, foi urna combinação da vida e do pensamento de Gandhi, de um lado, com a vida e a morte do meu amigo canino de outro – urna combinação clássica de razão e emoção que me motivou a iniciar minha jornada para urna consciência animal mais ampla.

Tom Regan em “Empty Cages”, lançado em 2004.