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Visitando Billy
Hoje, no final da tarde, fui até a casa do artista plástico Luiz Carlos Prates de Lima, na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, visitar o Billy, cachorro do ex-morador de rua Jessé Piedade que está fazendo tratamento contra o alcoolismo na Casa da Misericórdia, de Apucarana, no Norte do Paraná. Quando cheguei lá, Billy fez a maior bagunça – começou a rodopiar e a saltar. Assim que se acalmou, aproveitei para registrar o momento. Billy, que hoje está sob a guarda do Tio Lú, tem uma história de vida muito bonita.
Quando filhote, foi abandonado na sarjeta do Terminal Rodoviário de Paranavaí num dia de chuva. E para piorar, um dos guardas do local o deixou cego de um olho ao usar uma arma de eletrochoque para expulsá-lo de lá. Jessé, revoltado, partiu pra cima do guarda e o impediu de machucá-lo mais ainda. Desde então, se passou dois anos, e hoje Billy é esse animal alegre e saudável que vocês podem ver na foto.
Sobre braços e laranjas
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o ex-morador de rua Jessé Piedade frequentemente ia com um companheiro até uma fazenda colher laranjas que mais tarde eram revendidas na área urbana.
Para se ter uma ideia de como os agrotóxicos usados nos laranjais são nocivos à saúde, decidi publicar uma foto dos braços de Jessé um dia depois da colheita.
No dia anterior, seus braços estavam extremamente vermelhos e a sua pele bem descascada. O questionei sobre o motivo dele não trabalhar com luvas e camiseta de manga longa “Tem mais gente que trabalha assim. É normal”, comentou sem velar a ingenuidade.
A primeira etapa da recuperação de Jessé Piedade
Ex-morador de rua começa sua trajetória para se livrar do alcoolismo
Demoramos um pouco para achar hoje de manhã a Casa da Misericórdia, em Apucarana, no Norte do Paraná, onde o ex-morador de rua Jessé Piedade começou uma nova trajetória para se livrar do alcoolismo. Inclusive penso até em escrever uma crônica sobre a aventura até encontrarmos o lugar certo. No mais, a viagem foi tranquila. Chegando lá, nos surpreendemos. A Casa da Misericórdia me parece um santuário, inclusive em muitos momentos me recordei do livro homônimo de William Faulkner sobre a face bucólica do cenário rural do Sul dos Estados Unidos.
Ao lado da rodovia, à esquerda, na saída de Apucarana para Curitiba, atravessamos um elevado trilho de trem, onde um sinal verde permitia a nossa passagem, mas não uma visão clara do que estava por vir. Ainda assim continuamos descendo, sem qualquer certeza de que finalmente encontraríamos por aquelas bandas a Casa da Misericórdia. Depois de percorrer quilômetros de um cascalho misturado a pedregulhos, observamos em meio a um cenário campestre, muito bem arborizado, por onde despontavam araucárias de proporções colossais, algumas edificações brancas como neve.
Subimos por uma estradinha ladeada por uma lagoa, passamos por uma ponte de madeira, um pomar e uma horta. Logo vimos muitos homens nos observando nos mais diversos pontos da casa de recuperação. Havia desde jovens a idosos – papeando, lendo, literalmente pastoreando ovelhas e curiosos para saber quem chegava.
Descemos do carro, cumprimentei os que nos observavam, e alguns metros acima fiquei admirado com a maneira como a vegetação nativa envolve a Casa da Misericórdia, reafirmando sua condição de santuário. Lá, onde parece impenetrável o sol escaldante, a realidade urbana chega a ser desinteressante, ofuscada por um frescor amarante. Mais ao alto, notei uma igrejinha de moldes clássicos, onde um senhor barbudo de mais de 60 anos se inclinava sobre um violão e dedilhava as cordas, atraindo um pouco de atenção e sorrisos.
Me aproximei do lugar mais movimentado da casa e perguntei se alguém poderia me dizer onde encontro Henrique, diretor da Casa da Misericórdia. “Ah, o Henrique saiu, mas ele me avisou que você viria. Já está tudo certo”, disse Canarinho sorrindo, um ex-alcoólatra que abandonou o vício há anos e hoje ajuda na coordenação da casa. Apresentei Jessé Piedade e falei um pouco de sua história. Canarinho o motivou, mas deixou claro que a recuperação vai depender da própria força de vontade de Jessé.
“Aqui a gente não segura ninguém. A pessoa tem que gostar de estar aqui. Eu, por exemplo, moro aqui há mais de três anos. Não quis mais partir. Agora quando a pessoa desiste do tratamento, o que fazemos é avisar quem o trouxe aqui”, garante num tom de voz cordial e sincero.
Jessé deixou claro que entendeu o recado e comentou que se identificou muito com o lugar, praticamente um pedaço de paraíso onde a fragilidade pode ser substituída por força e segurança. Lá, também encontramos Everton Luiz Rodrigues, um rapaz que já conhecíamos. Artista de rua e sem residência fixa, ele está passando uma temporada na Casa da Misericórdia enquanto aguarda um novo chamado da direção do Hospital Regional João de Freitas, de Arapongas, onde faz tratamento cardíaco.
Pouco tempo depois, Henrique chegou, me apresentei e repeti a história de vida de Jessé Piedade. Quando falei da cobra chamada Sogra, com quem Jessé circulava pelas ruas de Paranavaí, o diretor da Casa da Misericórdia achou graça. Em seguida, declarou que ficou feliz em recebê-lo e deixou claro que agora os bons resultados vão depender do recém-chegado.
Ao sairmos do local, percebemos um certo pesar de Jessé, já preocupado com a chegada de visitas. Entretanto, ele admitiu que vai lutar para provar que a vontade de renascer é maior do que o destemor de morrer. Confortante também foi ver de longe, quando descíamos pela mesma estradinha que nos trouxe, Jessé rindo, conversando com Everton Luiz. Agora o ex-morador de rua tem mais um amigo e um motivo a mais para se sentir feliz na nova casa.
Saiba Mais
Jessé Piedade é bem conhecido em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde há alguns anos se tornou morador de rua em decorrência do alcoolismo.
A mudança de Jessé Piedade
Saí hoje à tarde pelas ruas de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com o famoso Jessé Piedade para procurar um lugar para o seu cachorro Billy morar temporariamente. No caminho, como se estivesse pressentindo a separação, Billy enfiou o focinho entre os braços de Jessé e ficou lá, com olhos velados, por mais de dois minutos. Logo que o cachorro virou o focinho em minha direção, seus olho estavam úmidos, brilhando. E Jessé então disse emocionado: “Olha, o Billy tava chorando. Molhou a minha camiseta. Como pode isso, rapaz? Vai ser difícil me separar dele agora. Poxa vida!”
Quando chegamos ao local onde Billy ficaria por algumas semanas, surgiu um contratempo e decidimos procurar outro lugar. Passando pela Avenida Heitor de Alencar Furtado, me lembrei da Vila Alta e da Oficina do Tio Lú. Assim que chegamos lá e expliquei a situação, Seu Luiz ficou feliz de conhecer o tão falado Jessé Piedade e também de receber o Billy. Entrou dentro de casa, voltou com uma coleira e a entregou para que Jessé a colocasse no pescoço do Billy. Depois de poucos minutos na casa do Tio Lú, o cachorro já se sentiu à vontade, inclusive o rodeando enquanto ele ajeitava um lugar para o cão repousar ao lado da oficina – ladeado por uma bacia de água e um pratinho com ração.
Antes de ir embora, Jessé chorou ao se separar do Billy. Também recebeu alguns conselhos do Seu Luiz quando expliquei o motivo da guarda temporária do Billy. “Olhe, rapaz, tenho certeza que você é uma boa pessoa. Não perca essa oportunidade, hein? Acredite que isso vai mudar sua vida”, declarou Seu Luiz segurando a mão de Jessé. Deixamos o Billy com o Tio Lú porque amanhã às 6h Jessé Piedade vai se despedir da cidade onde viveu nos últimos anos.
Aproveitando que amanhã é feriado em Paranavaí, eu, minha mãe e meu irmão Guimarães Jvnior vamos levá-lo até uma clínica de reabilitação para alcoólatras em Apucarana, conhecida pelo alto índice de tratamentos bem sucedidos. Jessé concordou com o internamento e, assim como nós, tem fé que vai se livrar definitivamente do vício até o final do ano, nunca mais se entregando à vida de andarilho ou morador de rua.
Olha o abacaxi…
Encontrei há pouco o meu camarada Jessé Piedade vendendo abacaxi e laranja na Avenida Parigot de Souza (perto do Paulinho Gás), em Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Legal ver como o cara leva jeito para o comércio informal.
Jessé é alcoólatra e está tentando se reerguer, se dedicando ao trabalho para se livrar do vício e ter um futuro mais digno. Quem quiser ajudá-lo, passe lá e compre quatro ou cinco abacaxis por R$ 10 ou um saco de laranja pelo mesmo preço.
“Não me importo de trabalhar até a noite se isso me garantir a venda do último abacaxi e do último saco de laranja”, diz sorrindo.
Para conhecer a história de Jessé Piedade, leia:
https://davidarioch.com/2015/11/23/jesse-um-homem-motivado-pela-simplicidade
Jessé Piedade recupera seu cão Billy
Muito legal saber que meu trabalho ajudou alguém. Hoje fui encontrar o andarilho Jessé Piedade na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Chegando lá, vejo um cachorro deitado na maior folga no tapete de entrada. Aí fico sabendo que é o Billy, cão que foi roubado de Jessé há algum tempo. “Cara, leram sua reportagem sobre a minha vida e devolveram o Billy, o meu melhor amigo. Tô muito feliz!”, disse Jessé sorrindo.
Leiam a história de Jessé no link abaixo: https://davidarioch.com/2015/11/23/jesse-um-homem-motivado-pela-simplicidade
Jessé, um homem motivado pela simplicidade
Perambulando pelas ruas de Paranavaí, o andarilho já evitou furtos e roubos
Dias atrás, passando pela Rua Pernambuco no início da noite, vi um rapaz com uma réplica de uma cobra de mais de dois metros enrolada no pescoço. Sorridente, se apresentou como Jessé Piedade, de 39 anos, e explicou que a confeccionou usando apenas um pedaço de pano, espuma, agulha e linha. Intrigado, sugeri marcarmos um dia para que me contasse sua história.
Numa quinta-feira, por volta das 16h, a secretária da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, Elza Pavão, me liga avisando que Jessé está me esperando. Assim que chego lá, o encontro apreensivo e sentado diante de um pé de jaca. Quando tiro o gravador do bolso, ele pergunta: “Ué, mas você vai gravar mesmo? Vai sair uma reportagem comigo?”, questiona com olhos intumescidos.
Após a confirmação, o rapaz dá uma risada expansiva ao mesmo tempo em que as folhas longas e verdes da jaqueira se movem com a chegada de uma brisa pós-chuva. “Sou de São Paulo, capital. Comecei a trabalhar como motorista com 18 anos. Fiquei nesse serviço por 17 anos atendendo a um advogado. Fazia tudo que precisava, até que chegou um momento em que ele não teve mais condições de continuar me pagando. Apesar disso, sempre foi um excelente amigo. Era como um pai pra mim”, conta.
Perdido e desinteressado em continuar em São Paulo, Jessé se mudou para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, há três anos, onde esteve várias vezes desde a década de 1990 com o ex-patrão. “Vim pra cá porque gostei daqui. Não tenho do que reclamar da cidade. O povo é muito humano. O que mais tenho aqui são amigos, inimigos não”, garante o paulistano com sotaque curitibano.
Com a carteira nacional de habilitação (CNH) vencida há mais de cinco anos, o rapaz não esconde o saudosismo da época em que dirigia até caminhão. O último emprego antes de vir ao Paraná foi no Hospital Regional de Itapetininga, no interior paulista, onde atuou como motorista, fiscal e vigia por dois anos e oito meses. Mas a vida de Jessé mudou anos antes. “Minha mulher tinha um boteco e virei um ‘chapéu velho’. Comecei a beber dentro do relacionamento e me entreguei ao alcoolismo após a separação em 2005. Ela não bebia. Só eu mesmo que fiquei assim”, confidencia.
Mais tarde, Jessé Piedade recebeu um convite para trabalhar com montagens de palco e de cenário de shows, chegando a coordenar equipes para atender a banda Capital Inicial e sertanejos como Daniel e Rio Negro e Solimões. “Todo mundo muito legal. Eu aparecia no local cinco dias antes do show e contratava pelo menos 15 peões pra realizar o serviço. A gente também fazia compras, decorava o camarim. Trabalhei com muitos artistas. Era freelance, né?”, declara.
Jessé atuou em Avaré, Itapetininga e Lençóis Paulistas, a serviço de grandes produtores de espetáculos como Marcos Mioto e Marcos Savian. “Sempre me pagaram certinho”, assegura o rapaz que não se esquece de quando achou no camarim uma bolsa preta com R$ 72 mil após um show em Avaré. “Estava chovendo muito naquela madrugada. Entrei lá pra fazer a limpeza e recolher as sobras de comida. Vi aquele monte de dinheiro e me deu até tremedeira. Em seguida, avisei a dupla Rio Negro e Solimões e eles passaram lá pra buscar. Meus companheiros queriam me matar. Me deram um valor lá e alguns agasalhos. Até se me dessem R$ 1 eu ficaria feliz. Não sou ganancioso”, revela com tranquilidade.
Lucrando R$ 4 mil por mês, Jessé gastava mais de um terço do que ganhava com bebidas. Sozinho, consumia uma garrafa de whisky por noite. Já sofrendo em decorrência de cólicas renais, quase morreu após uma convulsão. “No show do Fernando e Sorocaba tomei uns goles e dormi no ônibus. Como o palco era uma concha, deu um vento forte que quase derrubou tudo. O povo saiu me procurando. No outro dia cedo, achei whisky e continuei bebendo”, relata.
Como os problemas foram se agravando, os produtores avisaram que o rapaz não poderia continuar sendo negligente no trabalho. Então Jessé abandonou a função, já que era impossível se manter sóbrio com tantas bebidas ao alcance das mãos. “Dava pra ganhar bem, o problema era que eu não tinha controle sobre mim e estava perdendo minha filha por causa disso”, justifica.
Depois de dois anos em Paranavaí, onde também trabalhou para um advogado que o ajudou bastante, Jessé começou a ir para o campo colher laranjas e ensacá-las para revender atrás do Posto Panorama, na Rua Maria Anchieta de Morais. “Até hoje faço isso quando surge alguma oportunidade. Tenho um parceiro que me chama, daí dividimos as despesas. Mas, cara, vou te falar uma coisa. No meio dos laranjais é comum encontrar cobra, só que eu não tenho medo. Na verdade, elas que têm que ter medo de mim”, brinca rindo.
Atualmente, Jessé se alimenta apenas uma vez por dia – no horário de almoço. Quando chove acaba passando fome por não ter coragem de pedir esmola. Além de catador e vendedor de laranjas, entrega panfletos e faz capina de terrenos. “Tenho enxada e rastelo. Sou pau pra toda obra. Queria ter um carrinho pra vender frutas como laranja, abacaxi, mexerica e limão. São mais fáceis de se comercializar”, comenta.
Em Paranavaí, Jessé conheceu o casal Dirce e Ailton que o ajudou conseguindo uma vaga em uma clínica para alcoólatras em Nova Aliança do Ivaí, administrada pelo frei Ivani Ribeiro Pinheiro. Após quase um mês de internamento, um dia o rapaz foi enviado a Paranavaí para passar por uma reavaliação médica ao lado da delegacia. “A perua me levou lá, daí o médico disse que eu estava com sérios problemas no fígado e na próstata. Fiquei nervoso e fugi. Saíram atrás de mim e me acharam na rua. Eu disse que não iria voltar porque não consigo ficar confinado. Apesar disso, sou muito grato a dona Dirce, uma pessoa muito boa que me ajudou demais”, admite.
Depois de algum tempo, Jessé tira do bolso várias cartelas de diazepam. Segundo o rapaz, é impossível dormir sem consumir o sedativo. Junto, tomava clonazepam (rivotril), mas interrompeu o uso porque o calmante tarja preta agravou os problemas no seu fígado. “Já perdi 18 quilos. Falam que tenho um tumor que dificulta a digestão, por isso vomito todo dia. Cara, hoje estou numa situação muito difícil”, reconhece levando as mãos à barriga saliente que contrasta com a magreza e o aspecto anêmico.
Durante a entrevista, sinto cheiro intenso de álcool e não resisto em perguntar se Jessé continua bebendo. O rapaz diz que consome apenas um copo cheio de vinho barato após o almoço. Levando em conta que começamos a conversar depois das 16h é difícil acreditar na resposta. “Tá certo! Vou falar a verdade. Quando fico nervoso tomo até um litro brincando. Só que juro que comecei a beber menos tem dois anos”, alega.
Jessé Piedade define a própria vida como complicada. Andando sempre sozinho, muitas vezes sai às ruas sem objetivo ou destino. Quando não consegue nenhum “bico” ou se cansa de perambular, fica na rodoviária sentado em um banco assistindo TV ou conversando com os amigos taxistas. “Sempre vivi sozinho. Eu, Deus e mais ninguém. Só que rodo essa cidade toda numa boa, conheço tudo. Tem dia que vou daqui até o Sumaré pra ver se tem carga pra carregar em algum posto. Agora estou morando na rua, cada dia durmo num lugar diferente”, enfatiza. Com a experiência de quem viveu na chácara de uma tia em São Paulo, o rapaz faz planos: “Ainda quero ter um sítio pra plantar hortaliças e vendê-las na cidade. Também sonho em estudar direito.”
Enquanto os desejos não se realizam, Jessé se orgulha de ações em benefício dos vizinhos, quando vivia em um barraco improvisado em um terreno baldio na Rua Miljutin Cogej, perto do Clube dos Bancários. “Teve um rapaz que invadiu a casa de uma vizinha e levou a bicicleta. Corri atrás dele e o derrubei. Ele fugiu sem a ‘magrela’. Também impedi o furto de materiais de construção na casa de outro vizinho que estava fazendo uma reforma”, narra e sorri quando as histórias são confirmadas pelo guarda do clube.
Quem vê Jessé na rua, sempre comunicativo e brincalhão, dificilmente percebe que ele sofre de depressão. Lidando com a doença há mais de cinco anos, o rapaz confessa que às vezes sente muita raiva. “Lembro de bastante gente que se aproximou de mim quando eu estava bem. Aí desapareceram quando fiquei mal. Tem dia que só penso em dar um tiro na minha própria cabeça”, desabafa.
Casal ajudou Jessé a enfrentar o alcoolismo
Dirce e o marido Ailton conheceram Jessé Piedade na Rodoviária de Paranavaí, na Avenida Heitor de Alencar Furtado, enquanto aguardavam o ônibus. À época, o rapaz explicou seu desejo de se livrar do alcoolismo.
“Ele estava em um estado de desamparo total. Então nos responsabilizamos em ajudar, inclusive conseguimos um lar temporário para o Billy, seu cachorro. Internamos o Jessé em Nova Aliança do Ivaí. Quando saiu, vimos que ele precisava de um lugar decente pra ficar e o colocamos em uma pensão. Só não ajudamos mais porque não tínhamos condições”, relata Dirce que qualifica Jessé como uma pessoa inteligente, educada e tranquila.
O rapaz só não ficou mais tempo internado porque a necessidade de liberdade “falou mais alto” do que a vontade de se tratar. “Até hoje acompanhamos a realidade do Jessé. Torcemos muito por ele”, garante Dirce que não vela as esperanças de vê-lo saudável.
Um artesão por acaso
Um dia, Jessé Piedade teve um sonho com uma cobra e quando acordou decidiu comprar linha de crochê, agulha e tecido pra criar uma, mesmo sem jamais ter costurado coisa alguma. “Encanei, mas a Sogra [nome da cobra] não ficou muito boa. Agora vou dar uma caprichada e fazer uma Anaconda”, relata rindo, acrescentando que a cabeça do animal foi pintada para proporcionar mais realismo. A princípio, a intenção era fazer uma cobra de 12 metros.
No entanto, Jessé achou que seria impossível circular com uma réplica tão grande. “Muita gente ficou com medo quando viu de longe essa que fiz. Teve criança correndo, chorando e pedindo pra tirar foto. Quando saio sem a cobra, até os mais velhos perguntam o que fiz com ela”, conta. Depois da primeira criação, o rapaz já recebeu um pedido para confeccionar uma cascavel. “Ela vai ter um guizo de verdade, de sete anos. A senhora que encomendou quer que eu o coloque. Ela perguntou quanto cobro pelo serviço e eu disse que faço de graça”, confidencia.
“Hoje eu tô com saudade do Billy”
“Hoje eu tô com saudade do Billy. Não acho mais ele”, diz o andarilho Jessé com um olhar baixo e uma expressão de tristeza, se referindo ao seu melhor amigo, um cãozinho mestiço de dois anos que ele tirou da sarjeta da Rodoviária de Paranavaí quando o animalzinho tinha dois meses. “Um guarda lá deu dois choques na boca do bichinho com um arma. Ele quase morreu. Então cuidei dele e a gente se apegou um ao outro”, narra.
A convivência entre os dois era tão harmoniosa que Billy acordava Jessé todos os dias às 5h30 para trabalhar. “Ele tomava o café dele numa padaria do Jardim Simone e voltava pra ver se eu tinha me levantado. Se eu não estivesse em pé, ele latia até eu pular do colchão”, lembra. Bem querido pela população do bairro, Billy ganhava café da manhã todos os dias e atendimento quinzenal em um pet shop. “Um dia eu fui lá e falei: ‘Engraçado, né? Vocês dão tudo pro cachorro, mas ninguém faz nada pro pai dele aqui’”, revela Jessé às gargalhadas.
O andarilho e o cãozinho não se afastavam nem quando o andarilho precisava ir ao mercado. Billy sempre esperava Jessé do lado de fora, deitado em um tapete. “Um dia ele sumiu e fiquei tão nervoso que me deu um febrão. Algum tempo depois, fui ao Ginásio Lacerdinha ver um jogo e de longe vi o Billy. Daí gritei: ‘Billy, Billy! Filho da puta!’ E ele se esticou todo e veio correndo pra cima de mim, berrando e rolando no chão”, destaca.
O reencontro durou pouco tempo. Billy sumiu no mesmo dia e reapareceu num domingo na feira livre da Rua Pará. Enquanto caminhava próximo a uma banca de alface, Jessé foi surpreendido por um salto de Billy. “No dia seguinte, saí pra vender laranja e ele sumiu outra vez. Me contaram que um motorista de um Corsa sedan prata pegou ele. Mas tenho certeza que quando eu sair pra entregar panfleto ele vai voltar na hora quando sentir meu cheiro”, acredita.
“Fiquei 20 dias sozinho no mato quando meu pai morreu”
Ao falar do passado, as melhores lembranças de Jessé Piedade remetem à infância, principalmente o relacionamento com o pai e o avô. “Meu avô era uma pessoa fantástica. Fiz datilografia com 11 anos e ele me deu uma máquina. Era daquela Olivetti pequena. Depois me deu bicicleta, mobilete. O dia mais feliz da minha vida foi quando pedi pra ir ao Play Center. Eles disseram não e fiquei chateado, mas depois me levaram. Isso foi em 1987. Só que infelizmente meu avô morreu por causa de um [acidente vascular cerebral] AVC”, informa.
Hoje, de todos os familiares, Jessé tem contato esporádico apenas com a filha e a irmã. Seu pai, que era pastor, faleceu minutos após um culto, quando estava dirigindo um automóvel, aguardando o sinal verde do semáforo. “Teve um infarto fulminante. Foi tão impactante que não me deixaram ver. Cara, tenho uma saudade do meu pai que você nem imagina”, confessa com olhos marejados. Quando recebeu a notícia, o rapaz sumiu de casa e ficou 20 dias sozinho, dormindo em barraca numa área de mata fechada.
“Mais tarde, minha mãe casou com uma pessoa que não gostava de mim e não tenho notícias dela há mais de dez anos”, assinala e acrescenta que apesar da distância tem um bom relacionamento com a filha Raíne Vitória, que mora em São Paulo, e com a ex-mulher. “Nos damos muito bem, só que minha filha briga muito comigo. Quer que eu mude de vida o mais rápido possível. Ela fez 15 anos no último dia 15 de novembro”, pontua sorridente.