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Morrer como se jamais tivesse existido
O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que, quando chegasse a sua hora, gostaria de morrer como se jamais tivesse existido, existe poesia nisso; claro, talvez não para todo mundo ou especialmente para aqueles que ignoram a finitude. Quando Borges falou isso, pensei na questão do desapego, da construção de legados, dos tributos e de tudo aquilo que fazemos para nós, não para os que se foram.
Muitos se incomodam com a ideia de pessoas que não vivem para construir nada pomposo ou tangível, a não ser elas mesmas e algo em torno daqueles com quem se comunicam no decorrer da vida. Ainda somos ignorantes a ponto de acharmos que todos querem viver como nós, que todos querem criar laços ou viver e morrer como se fossem muito maiores do que realmente eram.
Há quem se assuste com a ideia de pessoas que ao longo da vida se comunicam de forma profunda, mas fortuita e transitória com os outros, sem criar vínculos concretos, complexos ou objetivos. Apenas existem sem se preocupar em definir coisa alguma. O que não deveria ser visto como aberrante, já que não fomos feitos em série.
Nem todos querem deixar algum legado, assim como nem todos buscam fazer algo pelo que ser lembrado. Há aqueles que querem apenas viver para algo que parece mínimo a tanta gente, mas que dê algum sentido ao existir. Nem todo mundo quer fazer planos de curto, médio ou longo prazo. Tem gente que prefere cultivar apenas a própria consciência, uma consciência que também pode reverberar a possibilidade de que o fim pode ser hoje ou amanhã.
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Jorge Luis Borges: “Comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar”
Em 1985, durante o programa Conexão Internacional, da TV Manchete, Roberto D’Ávila questionou o escritor argentino Jorge Luis Borges sobre a sua experiência com a cegueira. Então ele respondeu o seguinte:
“Uma das primeiras cores que se perde é o negro. Perde-se a escuridão e o vermelho também. Vivo no centro de uma indefinida neblina luminosa. Mas não estou nunca na escuridão. Neste momento esta neblina não sei se é azulada, acinzentada ou rosada, mas luminosa.
Tive que me acostumar com isto. Fecho os olhos e estou rodeado de luz, mas sem formas. Vejo luzes. Por exemplo, naquela direção, onde está a janela, há uma luz, vejo minha mão. Vejo movimento, mas não coisas. Não vejo rostos e letras. É incômodo mas, sendo gradual, não é trágico. A cegueira brusca deve ser terrível. Mas se pouco a pouco as coisas se distanciam, esmaecem.
No meu caso, comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar. Tem sido um processo de toda minha vida. Mas a partir dos 55 anos, não pude mais ler. Passei a ditar. Se tivesse dinheiro, teria uma secretária, mas é muito caro. Não posso pagar.”
Jorge Luis Borges e o gato Beppo
Há alguns anos, quando li o livro “O Ouro dos Tigres”, que integra a coleção “Obras Completas – Volume II – 1952-1972”, do escritor argentino Jorge Luis Borges, um de seus poemas, intitulado “A um gato”, me chamou a atenção. Pesquisando, descobri que Borges, combalido pela cegueira, o ditou e o publicou em 1972 em homenagem ao seu gato mansarrão Beppo, companheiro de todas as horas – tanto nos momentos de produção quanto de reflexão. Leiam o poema na íntegra:
A um gato
Os espelhos não são mais silenciosos
Nem mais furtiva a alba aventureira;
Tu és, sob o luar, essa pantera
que só vemos de longe, receosos.
Por obra indecifrável de um decreto
De Deus, te procuramos futilmente;
Mais remoto que o Ganges e o poente,
É teu o isolamento mais secreto.
O teu dorso condescende com a morosa
Carícia desta mão. Admitiste,
Desde essa eternidade que é o triste
Esquecimento, o amor da mão medrosa.
Existes noutro tempo. E és o dono
De um domínio fechado como um sono.
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