David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Sobre trabalhar de graça

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Toda semana, recebo propostas para produzir conteúdo. O problema é que muitas dessas propostas são de produção gratuita de conteúdo. Ou seja, querem que eu produza conteúdo de graça. Sei que algumas dessas pessoas não têm condições de pagar por tal serviço, embora outras realmente não se importam em lucrar em cima do trabalho dos outros sem pagar por isso.

Sim, se eu pudesse eu trabalharia de graça o tempo todo, mas a verdade é que eu já realizo bastante trabalho independente e voluntário. Quem me conhece, sabe muito bem disso. Não passo um dia sem realizar alguma atividade profissional que não me traga retorno financeiro. Um exemplo é o meu trabalho produzindo conteúdo sobre veganismo e direitos animais, além das minhas receitas. Fora os trabalhos sociais que realizo quase sempre sem apoio. Sendo assim, quando uma pessoa pede que eu escreva de graça, ela está dizendo: “O seu trabalho é bom, mas não vou pagar por ele.”

Bom, não sou estagiário do curso de jornalismo. Trabalho profissionalmente como jornalista há 12 anos. Sendo assim, posso dizer que tenho alguma experiência e já passei da fase de buscar aprovação para ser pago pelo que faço. Claro, já produzi bastante conteúdo gratuito para os outros. Se for algo realmente necessário, ainda faço isso dependendo do caso.

Sim, há pessoas que produzem conteúdo de graça para os outros. Mas muitos não são profissionais da escrita. São pessoas que escrevem eventualmente ou que têm a escrita como algo secundário, logo a fonte de renda delas não é escrever. Jornalistas escrevem diariamente e ganham para escrever porque foram qualificados para isso.

Quando se trata de freelance, ganhamos por laudas, quantidade de caracteres, despesas envolvidas no processo de produção; há uma série de fatores que devem ser levados em conta quando se quer que um jornalista produza algum tipo de conteúdo. Então quando as pessoas insistem em dizer que não custa nada escrever um texto de graça, ainda mais sem ponderar sobre a realidade desse profissional, elas o estão desrespeitando; e muitas vezes nem se dão conta disso. Tanto que há aqueles que torcem o nariz diante da recusa e talvez até falem mal de você.





 

Written by David Arioch

January 22nd, 2018 at 1:41 pm

“Ela se interessou por você. Ela tem fetiche por jornalista”

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Dias atrás, um amigo veio me falar que uma amiga dele quer muito me conhecer. Então questionei o motivo:

– Ah, cara! Ela se interessou por você. Ela tem fetiche por jornalista.
– Como assim?
– Como assim o quê?
– O que seria fetiche por jornalista?
– Sei lá, cara! Tá perguntando demais!
– Cara, pra ela ter fetiche por jornalista, ela precisa primeiro ter fetiche pela pobreza, porque uma coisa está associada à outra.

Written by David Arioch

January 9th, 2017 at 12:11 am

“Ué, mas nem parece!”

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Saindo da academia, notei que o pneu dianteiro esquerdo do carro começou a fazer um barulho estranho. Desci, olhei e não percebi nada. Então decidi passar em um posto para calibrar os quatro. Enquanto calibrava, vi que havia um parafuso gigante cravado no pneu, embora não houvesse nenhum vazamento.

Então dirigi até uma borracharia na Avenida Tancredo Neves. Chegando lá, enquanto o borracheiro separava a roda do pneu, ele perguntou: “Você é fisiculturista?” “Você é lutador?” Você é professor de educação física?” Respondi não para as três inferências.

Cheio de tentar adivinhar, o borracheiro continuou: “O que tu faz afinal? Parcimonioso, contei que sou jornalista. Ele prontamente emendou: “Ué, mas nem parece!” Pois é…

Um bate-papo com Chicão Soares

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Chicão Soares trabalha como jornalista desde 1955 (Foto: David Arioch)

Chicão Soares trabalha como jornalista desde 1955 (Foto: David Arioch)

Passei a primeira hora da minha manhã de trabalho batendo um papo sobre jornalismo histórico com o jornalista Chicão Soares. Uma figura ímpar que já entrou para a história do jornalismo paranaense – são 61 anos dedicados à profissão. “Já pensei em parar de escrever, mas não consigo. Além disso, na minha família a tradição é não morrer antes dos 100. Então tenho muito o que fazer”, enfatizou sorrindo.

Written by David Arioch

August 2nd, 2016 at 2:28 pm

Dias Fernandes: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter”

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O poeta e jornalista paraibano que lutou pelo vegetarianismo nas primeiras décadas do século 20

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Dias Fernandes: “Vegetarianismo quer dizer vida de acordo com a natureza”

Teria uns 45 anos. Frugal e vegetariano, nem fumava, nem bebia. Apresentava um aspecto juvenil de atleta, mantendo a forma através da ginástica sueca. Era alvo e corado, o cabelo esvoaçante, castanho claro. Algumas vezes ostentava petulante monóculo nos olhos azuis. Foi quem inaugurou andar sem gravata e sem chapéu. Com essas palavras, o intelectual Osias Gomes narra a chegada do jornalista, escritor e ativista vegetariano Carlos Dias Fernandes à redação do jornal A União, de Parahyba do Norte, atual João Pessoa, em 1919. Gomes dizia que Fernandes era o maior poeta da Paraíba, inclusive considerava seu trabalho superior ao de Augusto dos Anjos.

E para além das preferências pessoais, de acordo com o jornalista paraibano Gonzaga Rodrigues, Fernandes fez do Jornal A União uma escola de jornalismo por onde passou quase toda a juventude intelectual das primeiras décadas do século 20. Era muito admirado e respeitado, e justamente porque destoava da maioria. Não se importava com casamento formal, tinha uma dieta avessa à das pessoas com quem convivia, gostava de atividades físicas, se vestia sem atender as normas sociais e possuía imensa bagagem cultural.

“Aos 15 anos, segundo testemunho de Castro Pinto, amigo de infância, Carlos Dias Fernandes confundia os professores na análise gramatical dos mais difíceis trechos de Os Lusíadas. Foi influenciado por Cruz e Sousa [de quem era muito amigo] e esteve ao lado de outras diversas personalidades jornalísticas e poéticas do cenário brasileiro. Atuou na imprensa de Pernambuco, do Rio de Janeiro, do Pará e da Paraíba. Sua obra é extensa e variada, abarcando romances, discursos, poesias, monografia e livro didático”, informa a pesquisadora Fabiana Sena.

Embora hoje não seja muito conhecido fora do meio literário paraibano, o satírico e prosaico Fernandes lançou importantes obras, como Solaus, de 1901; Palma de Acantos, de 1907; A Renegada, de 1908; O Cangaceiro, também de 1908; Mirian, de 1920 e A Vindicta, de 1931. No entanto, se suas qualidades literárias não fizeram dele um autor famoso, as suas perspectivas sobre o ideal civilizatório fizeram menos ainda.

Um homem à frente do seu tempo, ao longo de anos realizou conferências e palestras sobre vegetarianismo, defendendo que a abstenção do consumo de alimentos de origem animal era o único meio de assegurar o respeito aos animais em um contexto moral e ético. E para reafirmar sua posição, o autor apresentou argumentos envolvendo saúde e higiene, considerando-os imprescindíveis como ferramentas de convencimento.

Sem título

Fernandes foi diretor do Jornal A União, de João Pessoa (Acervo: A União)

Controverso, Carlos Dias Fernandes chamou muita atenção quando publicou na edição de 5 de junho de 1918 do Jornal A União uma matéria em que defendeu fervorosamente a prática da medicina natural, confrontando laboratórios farmacêuticos. Também realizou uma grande conferência sobre feminismo em 1924, justificando que os direitos e deveres das mulheres precisavam estar de acordo com suas aspirações. Muito antes de livros como The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory, de Carol J. Adams, lançado em 1990, o escritor já argumentava que as mulheres, de forma semelhante aos animais, eram subjugadas, privadas de liberdade.

Para Fernandes, a melhor forma de ampliar a aceitação do vegetarianismo seria incentivando o desenvolvimento intelectual das mulheres e preparando-as para ocuparem grande espaço na vida pública. Ele tinha fé que elas poderiam ser o novo norte de uma educação que mostrava às crianças, logo nos primeiros anos, a importância de uma alimentação isenta de ingredientes de origem animal.

Suas inclinações ideológicas tiveram pouca repercussão no Brasil, mas foram bem recebidas na Europa, tanto que Fernandes aparece com destaque na edição Nº 11 da revista portuguesa O Vegetariano, de 1917. Prolífico, o escritor publicou 38 livros, abordando inclusive temas como feminismo e direitos dos animais. Oscilando principalmente entre o naturalismo e o simbolismo, Dias Fernandes obteve prestígio quando lançou em 1936 o seu romance autobiográfico Fretana, inspirado pelo simbolismo francês.

Sua defesa do vegetarianismo era frequentemente publicada no jornal A União, onde ele tinha total liberdade sobre o que escrever. Exemplos são três matérias veiculadas em agosto de 1916 sob o título O Regime Vegetariano, um desdobramento do que Fernandes já defendia no livro Proteção aos Animais, de 1914. Na obra, Fernandes, que não era religioso, cita religiões e crenças que endossam o papel do ser humano como protetor dos animais e da natureza. Polêmico, chegou a discutir com profissionais de saúde da época que defendiam o consumo de carne. Talvez o maior exemplo tenha sido a sua rixa com o então conceituado médico José Maciel.

A seu favor, o poeta e jornalista tinha o médico higienista Flavio Maroja que publicou no jornal A União de 30 de agosto de 1916 um artigo intitulado Hygiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo, confronto de opiniões, como penso a respeito, que fala dos benefícios do vegetarianismo. Em 26 de janeiro de 1917, Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegetariana Brasileira, sediada no Rio de Janeiro, e publicou matéria sobre o assunto. “Vai ganhando surto em todo mundo civilizado o regime vegetariano como solução prática do problema moral, economico e therapeutico dos povos. (…) Vegetarianismo quer dizer vida de accôrdo com a natureza”, registrou.

Segundo a pesquisadora Amanda Sousa Galvíncio, Fernandes reforçava seus argumentos sobre o assunto através de referências internacionais. Algumas delas foram os médicos Dujardin-Beaumetz, do Hôpital Cochin, na França; João Bentes Castel-Branco, autor do livro A Cultura da Vida, e Amilcar de Souza – diretor da revista O Vegetariano, além do biólogo Ernest Haeckel e do químico Eduard Buchner.

Porém, foi a própria literatura que conduziu Carlos Dias Fernandes ao vegetarianismo. Ele deixou de consumir alimentos de origem animal depois de ler Liev Tolstói, Lord Byron e Jean-Jacques Rousseau. Conforme Amanda Galvíncio, Fernandes citava com frequência pensadores como Sócrates, Hipócrates e Plutarco, além do Buda e Jesus Cristo, principalmente em suas palestras.

O que também reafirma a influência do vegetarianismo na vida e na obra do poeta são seus personagens que não raramente eram animais. No geral, a natureza sempre foi um tema recorrente em seus poemas e contos. Nascido em Mamanguape, na região da Mata Paraibana, em 20 de setembro de 1874, Carlos Dias Fernandes faleceu no Hospital da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro em 9 de setembro de 1942.

Infelizmente, poucas pessoas compareceram ao seu enterro, um intrigante paradoxo na vida do homem que vivia rodeado de pessoas. Em seus últimos versos, jamais publicados, os animais ainda ocupavam posição de destaque. E apesar de esquecido pela literatura que tanto amou, uma de suas frases mais famosas, sobrevive ao tempo: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter.”

Briário e Centímano (um dos poemas mais conhecidos de Fernandes)

Solitário coqueiro miserando,

Que as tormentas não deixam sossegar!

E, de contínuo, as palmas agitando

Pareces um vesânico a imprecar.

 

Desgraçada palmeira, como e quando

Irão teus pobres dias acabar;

E com eles ou teu destino infando

De cativo da Terra ao pé do Mar?

 

Hemos conformes nossos tristes fados.

Tu, germente Briaréu dos vendavais

Eu, Centímano de cem mil cuidados.

 

Um retorcido aos ventos outonais

Outro com os seus anelos sossobrados…

Nem sei qual de nós dois braceja mais

Saiba Mais

Carlos Dias Fernandes assumiu a direção do jornal A União em 1913. O convite foi feito em 1912 por Castro Pinto. Em 1928, o governador João Pessoa o demitiu do cargo. Desapontado, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde viveu até falecer.

Referências

Galvíncio, Amanda S. Atuação Educacional de Carlos Dias Fernandes na Parahyba do Norte (1913-1925): jornalismo, literatura e conferências (2013).

Sena, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leitura no Império e na Primeira República. João Pessoa, PB. Tese de doutorado. PPGL/UFPB (2008).

Sena, Fabiana. A imprensa e Carlos Dias Fernandes: o processo de legitimação como autor de livro didático. Educação Unisinos, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2011, pp. 70-78.

Coutinho, Afrânio; Sousa, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo. Editora Global (1995).

O Vegetariano: mensário naturista ilustrado, Volume VIII, Nº 11 (1917).

Rodrigues, Gonzaga. Surgimento de A União. Disponível em http://auniao.pb.gov.br/nossa-historia/a-uniao-uma-viagem-no-tempo/leitura-contextual-do-surgimento-de-a-uniao.

Vegetarianismo. Imprensa Oficial. Parahyba (1916).

Santos, Idelette Fonseca. Antologia Literária da Paraíba. João Pessoa. Grafset (1993).

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Casualidade e preconceito

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Uma vez conversando com um camarada jornalista, contei a ele que conheci de perto um interessante trabalho de uma pesquisadora com pós-doutorado que se aprofundou na história da formação do Noroeste do Paraná. Inclusive ela tem trabalhos publicados e reconhecidos fora do Brasil. Então esse camarada disse apenas o seguinte: “Não faço questão nenhuma de conhecer o trabalho dela porque ela foi criada em um acampamento sem-terra!” Sem polemizar, sorri, agradeci sua opinião e fui embora.

Written by David Arioch

May 9th, 2016 at 10:33 pm

“De gente importante, quem você entrevistou?”

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Meu gravador Zoom H1, companheiro de longa data (Foto: Reprodução)

Meu gravador Zoom H1, companheiro de longa data (Foto: Reprodução)

Nesses dez anos trabalhando como jornalista, fui convidado algumas vezes para conversar com estudantes em escolas. Um dia, há alguns anos, quando uma professora abriu espaço para os alunos fazerem perguntas, uma garotinha com idade entre 13 e 14 anos questionou o seguinte:

“Quais pessoas você gostou mais de entrevistar? De gente importante, quem você entrevistou?” Eu, como alguém que tenta sempre andar na contramão da obviedade, dei uma resposta pouco usual, mas que repito sempre que necessário: “Olha, você seria uma pessoa importante pra eu entrevistar. Todo mundo aqui tem potencial pra render boas matérias. Meus melhores personagens, os mais importantes, são aqueles que ninguém imagina que vale ou rende uma matéria. Na minha profissão, gratificante é transformar em personagem alguém que nunca se viu como um.”

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Written by David Arioch

January 17th, 2016 at 5:12 pm

Um dia de foca

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Visivelmente encolerizada, a mulher pensou que fomos lá para prejudicá-los, criar um factoide

Não havia muitas pessoas circulando pelas ruas pacatas da cidade (Foto: Reprodução)

Não havia muitas pessoas circulando pelas pacatas ruas de Querência do Norte (Foto: Reprodução)

Ser jornalista já me permitiu passar por muitas situações insólitas. Uma delas surgiu em Querência do Norte, no extremo Noroeste do Paraná, em 2006. Na manhã daquele dia, que pouco importa a data específica, o meu amigo e jornalista Cleber França saiu de Maringá, passou em Paranavaí e juntos fomos para Querência a bordo de um Renault Clio prata, acostumado a circular pelos terrenos mais inóspitos da região.

Sem dúvida, era um carro que surpreendia pelo viço, chegando a voar por metros em áreas de estradas ruins, onde muita gente só trafegaria de caminhão ou caminhonete. A verdade é que ele parecia acostumado a nos transportar pelos mais diferentes destinos da região, em busca de curiosidades, personagens e histórias pitorescas.

No caminho para Querência do Norte encontramos animais silvestres mortos na estrada, o que me parecia sempre trágico, principalmente quando os filhotes cercavam o pai ou a mãe que nunca mais veriam, emitindo gemidos vigorosos ou fragilizados. O som não transformava nada ao seu redor. Sequer parecia mover a tiririca que brotava no canto do asfalto tórrido. Ainda assim a iteração da cena não a tornava menos adventícia. Talvez fosse reles para tantos outros, não para mim que via cada morte animal como um exemplo da nossa displicência e efemeridade existencial.

Bom, continuando. Chegamos em Querência por volta das 9h30. Era um dia quente, dando a impressão de um Sol maior e mais baixo, e não havia muitas pessoas circulando pelas pacatas ruas da cidade, onde os cantos dos pássaros se misturavam aos sons de rodas, latidos e miados. No centro, fomos até uma lanchonete e pedi informações sobre onde poderíamos encontrar um líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da cidade, considerado um dos mais antigos do Paraná.

Então um senhor simpático, usando sandálias, bermuda e camisa, parou de polir as garrafas de cachaça e sugeriu que deixássemos o assunto de lado, alegando que desconhecidos, principalmente jornalistas, poderiam ser hostilizados. “Procure outra história porque essa daí acho que não vai prestar. Vai por mim”, disse o homem sem piscar, mantendo um sorriso enviesado e um olhar fixo em nossa direção. Agradecemos e saímos da lanchonete.

A verdade é que nosso objetivo principal era coletar informações sobre a realidade dos produtores de arroz irrigado. No entanto, como éramos movido pela abelhudice dos focas, jornalistas recém-formados, queríamos fazer muito mais. Em poucas horas, fomos aos portos Natal, Felício e 18. Entrevistamos proprietários e funcionários de balsas, além de ribeirinhos e pescadores. À tarde, voltamos para a área urbana de Querência do Norte e conversamos com alguns produtores de arroz. Todos foram bem receptivos.

Antes de nossa partida, conhecemos um personagem aparentemente bonachão, um agricultor de meia-idade que no passado ocupou posição de destaque no MST da cidade. Ele nos convidou para ir até uma cooperativa fotografá-lo com um saco de arroz. Chegando lá, entramos em um enorme barracão de estocagem, onde havia centenas de sacos bem posicionados. Para ser fotografado, sugerimos que o homem sorrisse, mostrando o conteúdo do saco e também deixando o cereal escorrer entre seus dedos.

Depois de fotografá-lo várias vezes, quando estávamos saindo do barracão fomos interrompidos pela diretora da cooperativa. “O que vocês pensam que estão fazendo?”, questionou. Respondemos que fomos convidados por um senhor bigodudo que se apresentou como sócio da cooperativa. Assim que olhamos para o lado, o homem entrou em seu carro e partiu sem dar explicações.

Visivelmente encolerizada, a mulher pensou que fomos lá para prejudicá-los, criar um factoide. Chamou a atenção de seis ou sete homens que estavam mais próximos e, esbravejando, ordenou: “Tranquem todas as saídas! Eles não vão sair daqui tão cedo!” Na sequência, ouvi o som retumbante do denso portão de ferro se fechando, com a trava já acionada. Dei um sorriso amarelecido e, mesmo tentando velar a tensão, estremeci, sentindo uma perna mais leve que a outra.

Alguns caras à nossa volta nos observavam com desprezo e chalaça, inclusive pressionando as próprias mãos, num gesto de intimidação. Quando tentei explicar quem éramos e o que fazíamos ali, ela disse que não interessava. “Sei muito bem que trabalho vocês fazem. Já recebemos gente como vocês há poucos dias. Única coisa que quero é essa câmera fotográfica”, exigiu olhando diretamente para o Cleber que a segurava com as duas mãos, como se embalasse o próprio filho.

Ele se negou a entregar a câmera e a mulher caminhou em nossa direção. Balançou os braços no ar e ordenou que as fotos fossem apagadas. Com receio de perder todo o nosso trabalho, não deixamos ela tocar no equipamento. Contudo, concordamos em deletar as fotos da cooperativa diante dela. Embora ainda irritadiça, algum tempo depois ela concordou em abrir o portão.

“Olhe a placa do carro e o adesivo no vidro traseiro. Nunca estivemos aqui. A senhora nos confundiu com alguém,” justifiquei, tentando amenizar a situação pela última vez. Sem interesse em dialogar, a mulher apenas recomendou: “Só digo mais uma coisa. Se sair uma foto daqui em algum jornal, pode ter certeza que vou atrás de vocês. Ah, se vou!”, prometeu.

Diante de tanta intransigência, apenas nos calamos e deixamos aquele lugar. Lá fora, rimos pateticamente, como se o medo jamais tivesse nos alcançado. E não evitei de me recordar da profética recomendação do dono da lanchonete ao saber que a diretora da cooperativa também fazia parte do MST. Nem esqueci da expressão do agricultor falsamente bonachão que talvez estivesse rindo de nós e não para nós nas fotos, antevendo a confusão.





Como o heavy metal me levou para o jornalismo

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O que me levou para o jornalismo foi o heavy metal, sim, a vertente mais pesada do rock

Eu à esquerda - "Fiz parte de uma geração de jovens que seguia de fato o ideal do 'faça você mesmo'" (Foto: Arquivo Pessoal)

Eu à esquerda – “Fiz parte de uma geração de jovens que seguia de fato o ideal do “faça você mesmo” (Foto: Edson Batista Filho)

Às vezes, alguém me pergunta como me interessei por jornalismo e de que forma me tornei jornalista. Me recordo que com 15 anos eu já tinha esse interesse bem definido. Não escolhi essa profissão por acaso ou por falta de opções. Na realidade, acho até curioso quando alguém me questiona sobre isso porque minha história é pouco ou nada usual.

O que me levou para o jornalismo foi o heavy metal, sim, a vertente mais pesada do rock, e um estilo ainda hoje amado por muitos e odiado por tantos outros. Na minha adolescência, eu escrevia para zines, revistas feitas por fãs que entrevistavam bandas, escreviam artigos, resenhas e matérias curtas sobre o gênero. Já tínhamos publicações online, além de impressas.

No final da década de 1990 e início de 2000 era uma alternativa empolgante, uma oportunidade para produzirmos conteúdo sobre bandas que nunca ou raramente veríamos nas revistas brasileiras mais tradicionais de rock. E foi nessa época que fundamos e lançamos através de redes nacionais e internacionais de IRC um zine chamado Marcha Fúnebre, inspirado no conceito da composição de Frédéric Chopin.

Tínhamos uma equipe bem consistente e unida, formada por pessoas de Norte a Sul do Brasil. Embora o projeto tenha alcançado alguns milhares de pessoas, a nossa projeção era maior. No entanto, por causa de outros compromissos, só conseguimos manter o zine ativo por dois anos. Ainda assim foi um período de grande aprendizado porque tínhamos a responsabilidade de produzir material toda semana. A melhor parte de tudo era o intercâmbio cultural.

E foi assim que tive o privilégio de entrevistar, mesmo que de forma amadora, jornalisticamente falando, bandas de mais de 15 países da América do Sul, América do Norte, Oceania e Europa – dos mais distintos subgêneros do heavy metal. Alguns grupos estavam na estrada desde o final dos anos 1980. O respeito que recebi durante aqueles anos fez crescer muito mais a minha admiração por fãs e músicos do gênero.

Fiz parte de uma geração de jovens que seguia de fato o ideal do “faça você mesmo”. Sabíamos que não era necessário ser famoso ou trabalhar em uma revista de grande circulação para estar em contato com bandas que marcaram nossas vidas. Também era divertido viajar para entrevistar os músicos antes ou depois dos shows, ou então filmar a apresentação para depois fazer uma permuta de materiais. Além disso, valorizávamos ao máximo as bandas brasileiras, de nossos estados e cidades.

Com a penetração ainda modesta da internet no Brasil, esse era o tipo de motivação que fazia a diferença em nossas vidas. Em alguns casos, quando a entrevista não podia ser feita pessoalmente, também recorríamos às correspondências, se necessário. Assim as fotos não raramente chegavam impressas dentro de um envelope.

Não havia retorno financeiro. Não ganhávamos dinheiro por esse trabalho, mas a sensação de satisfação, o reconhecimento e a alegria em contribuir de alguma forma fazia tudo valer a pena, até mesmo as nossas despesas que às vezes não eram poucas. Éramos motivados pela forma mais clássica de idealismo.

Me recordo que quando eu estava no segundo ano do curso de jornalismo muitos zines já tinham desaparecido pelos mais diferentes motivos, e o nosso Marcha Fúnebre também acabou sucumbindo diante das adversidades. Então continuei escrevendo como colaborador ocasional de publicações de camaradas que modestamente deram continuidade a esse trabalho no Brasil, Estados Unidos, Suécia e Alemanha.

Expressado o expresso, só me resta declarar que quem me conhece como jornalista não me conheceria se não fosse pelo heavy metal. Na realidade, digo ainda hoje que tudo que faço tem muito a ver com minhas escolhas nos tempos de adolescência – e o heavy metal foi uma das mais importantes delas.

Com ele, aprendi mais sobre solidariedade, abri os olhos para notar a importância dos marginalizados e reconhecer a existência de um submundo. Também sofríamos preconceito em figura explícita e velada, mas acredito que perseveramos diante de centenas de situações que nos empurravam para as mais variegadas formas de uniformização e conformismo.

De fato, abandonei o visual daqueles tempos há anos, o que considero uma mudança natural, já que a transformação é inerente ao ser humano. Contudo, os verdadeiros predicados que o heavy metal me proporcionou hei de carregar por toda a vida, num lugar onde a observação perfunctória nada vê.

Written by David Arioch

December 29th, 2015 at 12:13 pm

Escocês tentou impedir o crescimento de Paranavaí

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Arthur Thomas não queria que a colônia se ligasse ao restante do Paraná

Arthur Thomas se sentiu ameaçado pelo desenvolvimento de Paranavaí (Foto: Reprodução)

Em 1939, quando o interventor federal Manoel Ribas mandou o capitão Telmo Ribeiro abrir uma estrada ligando a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, ao restante do Paraná, o dirigente da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), o escocês Arthur Huge Miller Thomas, que estava colonizando as regiões de Maringá e Londrina, se sentiu ameaçado e tentou interferir.

A iniciativa do governo em abrir uma nova via que daria à Brasileira acesso a outras cidades do Paraná visava diminuir a influência paulista, pois até então a única estrada que chegava até a colônia começava em Presidente Prudente, no Oeste Paulista. Quando soube da ordem de Manoel Ribas, o colonizador Arthur Thomas viajou para Curitiba para tentar convencer o interventor a mudar de ideia.

Lá, o escocês defendeu que a Fazenda Brasileira prejudicaria os negócios da CTNP, alegando que como colonizador fez altos investimentos em infraestrutura na região de Londrina e Maringá.  Por isso, a companhia comercializava terras a preços elevados. Segundo Thomas, a ampliação de uma estrada até Paranavaí, onde o Governo do Paraná vendia terras a preços baixos, isso quando não doava, atrapalharia muito o desenvolvimento do Norte Pioneiro Paranaense e também de parte do Norte Novo.

Terras da CTNP eram mais caras que as do governo (Foto: Reprodução)

O que também justificava o receio de Arthur Miller Thomas é que enquanto a CTNP vendia terras somente para quem pagasse em dinheiro, o governo paranaense aceitava trocas e outras negociações na Brasileira. Tudo era permitido para atrair novos moradores. O grande medo do escocês era que as campanhas de vendas de terras em Paranavaí atraíssem também quem fixou residência nas regiões de Londrina e Maringá.

“Mister Thomas não queria a abertura da estrada por Maringá, mas o finado Manoel Ribas mandou abrir”, ratificou o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí, em antiga entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas. Apesar das investidas, a justificativa não foi aceita pelo interventor interessado em expandir as relações comerciais entre Paraná e Mato Grosso, principalmente por causa da pecuária.

Em 1939, o capitão Telmo Ribeiro, responsável por coordenar a abertura de picadões na região de Paranavaí, reuniu centenas de homens para abrir a Estrada Boiadeira, via que levaria milhares de migrantes e imigrantes à Brasileira. O pioneiro e ex-prefeito de Paranavaí, Ulisses Faria Bandeira, afirmou em antiga entrevista a Saul Bogoni que estava claro o interesse da Companhia de Terras Norte do Paraná em inviabilizar o crescimento de Paranavaí.

Quem foi Arthur Thomas

O financista escocês Simon Joseph Fraser, o 14º Lord Lovat, que lutou na Segunda Guerra dos Boers, na África do Sul (1899-1902), veio para o Brasil em 1924, na Missão Montagu, interessado em conhecer de perto a produção nacional de algodão e também negociar terras e estradas de ferro em Cambará, no Norte Pioneiro Paranaense. À época, o engenheiro Gastão de Mesquita Filho contou ao Lord Lovat sobre as extensas áreas de mata virgem que o governo disponibilizou para colonização naquela região.

O escocês Lord Lovat quem enviou Thomas ao Norte do Paraná (Foto: Reprodução)

O financista, que era diretor da Sudan Plantations Syndicate, empresa sediada no Sudão e que era a principal fornecedora de algodão para a indústria têxtil britânica, gostou da ideia e retornou a Londres um ano depois, onde abriu a empresa Parana Plantations Limited. Em seguida, enviou para o Brasil o seu maior colaborador, o londrino Arthur Huge Miller Thomas que fundaria em 1925 a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), sociedade anônima controlada pela Parana Plantations.

Em 1929, Thomas, em parceria com o contador paulista George Craig Smith, de origem inglesa, iniciou o povoamento do Norte do Paraná. Durante a colonização, os ingleses chamaram a atenção de migrantes e imigrantes, destacando a qualidade da terra paranaense. Arthur Thomas pediu que ressaltassem em todas as campanhas publicitárias que as terras eram roxas e sem formigas saúva.

Em 1943, o governo inglês exigiu que as empresas centralizassem os investimentos na Inglaterra. Thomas então vendeu a companhia para as famílias Vidigal e Mesquita. Da negociação, nasceu a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), ex-CTNP, que continuou sob comando de Arthur Miller até 1948, quando o escocês se aposentou. Thomas viveu em uma fazenda nas imediações de Londrina até 1960, quando faleceu em decorrência de um câncer.

Saiba Mais

Embora tenha tentado impedir o progresso de Paranavaí, a CTNP comprou muitas terras na região e ajudou a colonizar inúmeros municípios que hoje fazem parte da Associação dos Municípios do Noroeste Paranaense (Amunpar) que tem Paranavaí como polo.

Até a Segunda Guerra Mundial, Mandaguari tinha o nome de Lovat, em homenagem ao financista escocês Simon Joseph Fraser, o 14º Lord Lovat, que colonizou a região de Maringá. O nome teve de ser modificado porque muita gente pensou que Lovat fosse uma colônia germânica, levantando suspeitas sobre o lugar servir de abrigo para refugiados nazistas. O mesmo ocorreu com muitas outras cidades e colônias que receberam nomes estrangeiros.

Mito ou verdade?

Especula-se que a região de Paranavaí foi a primeira do Novo Norte do Paraná a ser colonizada, pois viajantes que partiam de São Paulo em 1904 encontraram fazendas com plantações de café na localidade.

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