David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘José de Arimatéia’ tag

Um amor em forma de prosa

with 4 comments

Paulo Campos rejuvenesce o passado de Paranavaí por meio da literatura

Paulo Campos com as duas produções literárias que lhe renderam prestígio (Foto: David Arioch)

Paulo Campos com as duas produções literárias que lhe renderam prestígio (Foto: David Arioch)

Há décadas, o advogado e escritor regionalista Paulo Campos registra o amor a Paranavaí por meio da prosa. Produziu centenas de contos, poemas e publicou dois livros: “O diabo e o Homem na Brasileira” e “Memórias de Luta e uma História de Amor”. Tanta dedicação rendeu prêmios em várias regiões do Brasil e fez de Campos um ícone local na arte de rejuvenescer o passado por meio da literatura.

Paulo Campos começou a se interessar pela produção textual aos 18 anos, influenciado por histórias contadas pelos pais. Não demorou e surgiu o convite para produzir o primeiro texto – adaptação de uma peça do dramaturgo Martins Pena. “O fundador do Teatro Universitário de Paranavaí (TUP), João Batista Tirapelle, me pediu para trazer o conteúdo da obra para a nossa realidade”, conta Campos. A adaptação despertou no jovem Paulo Campos o desejo de resgatar o início da colonização em Paranavaí.

Anos depois, em 1986, o escritor publicou a primeira obra, “Memórias de Luta e uma História de Amor”, que sintetiza a história de Paranavaí sob um prisma artístico com requinte ficcional. Também participou da antologia poética “Assim escrevem os Paranaenses”, iniciativa do renomado escritor paranaense Domingos Pellegrini. Para a obra literária, Campos transferiu, de forma peculiar, fatos da década de 1950, como os muitos assassinatos cometidos à luz do dia, alheios aos transeuntes.

“Meus familiares viam muitos corpos ensanguentados próximos das valetas. Minha mãe pedia a meus irmãos que não olhassem”, relata o escritor. Dentre os textos que homenageia personagens da cidade, o destaque é “Orquídea Negra”, um poema sobre o saudoso Negão do Surucuá. “Ele teve uma morte relativamente misteriosa. Mesmo assim, sempre será parte da nossa história”, avalia Campos.

No acervo, o escritor tem centenas de contos e poemas, mas prefere guardá-los para fazer leituras mais críticas. “Escrevi bastante, tenho até material para publicar livros de contos, mas não me animo com a ideia. Inclusive ‘O Diabo e o Homem na Brasileira’ só foi publicado por incentivo e coordenação do Téia”, explica Campos, referindo-se a José de Arimatéia Tavares, um ícone do movimento cultural de Paranavaí.

Com a Barriguda (troféu do Femup), o reconhecimento de um trabalho em prol da arte e história local (Foto: David Arioch)

Com a Barriguda (troféu do Femup), o reconhecimento de um trabalho em prol da arte e história local (Foto: David Arioch)

Apesar de ter publicado pouco do que produz, conquistou grande reconhecimento. O escritor tem contos lançados no Brasil e em Portugal. Entre as conquistas mais memoráveis, destaca o Prêmio Macunaíma, em São Paulo, e Concurso de Contos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de janeiro, além de vitórias no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), evento que o estimulou a escrever.

“Muita gente cria um laço com a literatura a partir do Femup. Ganhei meu primeiro prêmio em 1973. Depois comecei a escrever com mais intensidade”, diz Paulo Campos.  Atualmente o escritor pensa em publicar um romance. “Até sou cobrado por isso. Tenho uma ideia em mente há muito tempo, mas ainda não comecei. Posso adiantar que é relacionada com Paranavaí que tem uma história muito rica”, confidencia.

Peça polêmica e reconhecimento

Das peças produzidas pelo escritor e advogado Paulo Campos, duas tiveram grande repercussão. A primeira, “Vila Montoya”, foi encenada no Festival Internacional de Londrina (Filo). Como tinha um caráter crítico e foi concebida durante a Ditadura Militar, o Teatro Universitário de Paranavaí, dirigido por João Batista Tirapelle, teve de substituir alguns diálogos envolvendo o presidente Getúlio Vargas.

“O Tirapelle acatou a ordem da censura, porém tivemos um ator com dificuldades em memorizar os diálogos. O resultado foi que o rapaz soltou toda a fala que tinha decorado, sem cortes”, relembra. Ao final, a Polícia Federal subiu ao palco e encaminhou o grupo para a coxia (bastidores), onde foi dada a ‘voz de prisão’ para os artistas. “Enquanto o público aplaudia de pé, nós explicamos a situação e tudo acabou bem”, lembra o escritor.

Outra peça que ganhou repercussão foi “Chão Bruto” ou “Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo”, classificada em um concurso promovido pelo Centro Cultural Teatro Guaíra, de Curitiba. “O presidente do centro gostou muito da história e me ligou perguntando se eu autorizava uma nova encenação. Concordei e fiquei uma semana com eles para fazer as adaptações necessárias”, revela Paulo Campos.

“Chão Bruto” consiste em uma reza para fechar o corpo. O personagem de destaque é um rapaz inconformado com o coronelismo e as desigualdades sociais em Paranavaí. “No período de colonização, era muito comum uma pessoa vender determinada propriedade e cobrar o valor pago outra vez. No conto, o personagem não aceita isso e faz um levante armado para acabar com as injustiças”, frisa.

Um fato curioso é que na peça há um barracão onde as armas são guardadas. O local realmente existiu na Rua Pernambuco, uma das vias mais conhecidas da cidade. Porém, como a arte imita a vida, o levante nem chegou a acontecer porque o líder da mobilização foi convidado para ir até a delegacia, onde o assassinaram em um ato covarde e traiçoeiro.

Literatura X Advocacia

Há 19 anos, antes de optar pela advocacia, Paulo Campos atuava como professor. Influenciado pelos irmãos ligados ao magistério, cursou letras almejando trilhar o caminho da literatura. Foi professor por muitos anos, mas como não tinha tempo para se dedicar à arte literária, resolveu cursar direito. “Já sabia que teria uma condição financeira melhor. O profissional poderia alimentar o escritor”, conta.

Os planos não se concretizaram como Campos vislumbrou. “Comecei a fazer direito, e a partir do segundo ano me apaixonei pelo curso. Em resumo, até hoje atuo como advogado. As duas atividades me satisfazem plenamente”, destaca, acrescentando que no início da profissão podia se dedicar mais à literatura. Com o passar dos anos, a advocacia tomou-lhe a maior parte do tempo. Hoje, Paulo Campos escreve esporadicamente.

Inspiração na história regional

Assim como o emblemático Guimarães Rosa, o escritor e advogado Paulo Campos também privilegia a linguagem prosaica na produção textual, beirando ao dialeto regional, herança que assume com prazer e honra. “Admito a influência do escritor mineiro. Pra mim, ele é o maior escritor de todos os tempos. Tem um grande poder de sedução”, afirma Campos. O regionalismo é o ingrediente mais importante das histórias do escritor paranavaiense.

O conto “Um Grito no Escuro”, por exemplo, é baseado em um fato que o escritor vivenciou há muito tempo, quando foi a uma farmácia. “Um ventríloquo chamou o balconista, mas o homem não percebeu a origem da voz. Curiosamente o atendente ficou desesperado e telefonou para a família. Na minha história isso acontece em um ônibus e desencadeia uma série de acontecimentos”, comenta.

Genocídio na década de 1920

Um altruísta pesquisador da história local, o escritor Paulo Campos sempre procurou informações sobre fatos não oficiais, principalmente do início da colonização, quando Paranavaí ainda era conhecida como Vila Montoya. “Na década de 1920, havia um foco de interesse anti-revolucionário aqui e acredita-se que um exército foi enviado para praticar assassinatos em massa, o que resultou na morte de muita gente”, relata.

Mais tarde, alguns sobreviventes decidiram viver na mata, instalando-se em buracos no interior das árvores, assim como fazem os animais. Cogita-se que os remanescentes do genocídio viveram em ostracismo por mais de dez anos. “Em pesquisas, descobri que viveram nus todo esse tempo”, informa Paulo Campos.

Outra curiosidade é que à época não havia estrada até a Vila Montoya. Mesmo assim, alguns pioneiros encontraram um piano no interior de uma residência. “O acesso a Paranavaí era pelo Porto Tigre, de Presidente Prudente, tinha que atravessar por um picadão. Ninguém sabe como esse piano chegou aqui”, declara Campos, que conhece também muitos outros fatos dignos de contos, não somente ligados a Paranavaí, mas também outras cidades.

“Em Querência do Norte tinha uma pessoa que morava em um sítio e vivia nu, apenas vestia roupa quando ia à cidade. Ele fazia pregações, era considerado louco, mas levava a vida normalmente. Era conhecido por praguejar os poderosos na época”, afirma.

Curiosidade

“Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” era o pseudônimo do escritor Paulo Campos quando concluiu “Chão Bruto”. Só que durante a adaptação da peça em Curitiba, o grupo do Centro Cultural Teatro Guaíra perdeu a primeira folha com o nome do espetáculo, então usaram “Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” como título. A diretora da peça e o presidente do CCTG gostaram tanto do nome que o escritor adotou definitivamente o pseudônimo como título alternativo.

Aluga-se ideologia cinematográfica

with 2 comments

Ex-bancário mantém em Paranavaí uma videolocadora com grande acervo de filmes alternativos 

Téia com alguns de seus títulos do cinema humanista japonês, expressionista alemão e revolucionário soviético (Foto: David Arioch)

Téia com alguns de seus títulos do cinema humanista japonês, expressionista alemão e revolucionário soviético (Foto: David Arioch)

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, a videolocadora de José de Arimateia Tavares se destaca, mesmo com a ascensão dos filmes online e de plataformas como Netflix. José de Arimateia não se limita a oferecer ao público somente filmes comerciais. Vai muito além, disponibilizando cultura e educação em DVD e Blu-ray. Em um passeio pelos expositores, geometricamente alinhados, é fácil encontrar as mais importantes correntes artísticas do cinema mundial.

Enamorado pelo cinema alternativo ou cult desde a juventude, na década de 1990 o ex-bancário conhecido como Teia decidiu abrir uma videolocadora idealizada muitos anos antes. Sua missão extracomercial e até pessoal era reunir um acervo com títulos que tanto vislumbrou assistir.

“Tentei comprar esses filmes apenas para apreciação pessoal, mas as produtoras não negociavam com quem não fosse do ramo. Então esse foi o estímulo final para que eu abrisse a locadora”, justifica José de Arimateia.

A partir de 1996, com o novo empreendimento, Teia parou de viajar até Curitiba e Londrina para alimentar o amor pela sétima arte. “Fiz isso durante 12 anos. Ia até a capital nos finais de semana e assistia pelo menos sete filmes”, conta.

O empresário se emociona ao se recordar da década de 1970, quando o cinema político do cineasta russo Sergei Eisenstein parecia tão distante da realidade de quem vivia no interior do Paraná. “Pensei que nunca assistiria ‘A Greve’, ‘Outubro’ e ‘Encouraçado Potemkin’”, frisa, referindo-se ao cinema revolucionário que contribuiu para os rumos do socialismo na Rússia.

Dentre os preferidos, José de Arimateia cita também o cinema surrealista e neorrealista do italiano Federico Fellini e os franceses Jean Renoir, expoente do realismo poético, e o controverso Jean-Luc Godard, ícone da Nouvelle Vague. Segundo o empresário, o contato com filmes tão paradoxais, convergentes e divergentes proporciona uma grande coerência de apreciação. “Automaticamente, você começa a selecionar coisas diferentes”, enfatiza.

E o que não falta na videolocadora é variedade. São mais de 700 títulos de filmes que compõem um cosmopolitismo cinematográfico atraente aos olhos de quem busca não apenas entretenimento, mas uma significativa contribuição para a formação humana.

Téia: “Não interessa quem seja o idealizador ou qual é a proposta dele com o filme, a verdade é que ali teremos alguma novidade, algo jamais oferecido por um filme convencional” (Foto: David Arioch)

Téia: “Não interessa quem seja o idealizador ou qual é a proposta dele com o filme, a verdade é que ali teremos alguma novidade, algo jamais oferecido por um filme convencional” (Foto: David Arioch)

Cinema novo, surrealista, expressionista alemão, revolucionário soviético, nouvelle vague são algumas das correntes artísticas que fazem da locadora um subjetivo reduto de estudantes universitários, artistas e intelectuais.

Dos clássicos que não atendem diretamente aos anseios da indústria cultural, Teia adianta que os mais procurados são sempre os filmes de Stanley Kubrick, Steve McQueen, Quentin Tarantino e Alfred Hitchcock.

O ano de produção assusta quem não gosta de arte”

Para quem está acostumado apenas com lançamentos e filmes comerciais, a área cult da locadora de José de Arimateia Tavares pode até despertar atenção em um primeiro momento, mas a curiosidade não ultrapassa os limites da sinopse no estojo do DVD ou Blu-ray. “O ano de produção normalmente assusta quem não gosta de arte”, diz Teia.

Os mais relegados ao ostracismo são os filmes do cinema expressionista alemão e revolucionário soviético. O Gabinete do Dr. Caligari, por exemplo, do realizador alemão Robert Wiene, foi lançado em 1920.

“É algo que não está no âmbito das informações que muitas pessoas têm. Por isso, o cliente apenas olha, mas sem maior profundidade”, pondera José de Arimateia. O empresário atribui a surpresa dos clientes ao fato de que a locadora é a única em Paranavaí que não oferece apenas filmes comerciais.

No entanto, há clientes que valorizam o acervo da videolocadora, normalmente são jovens com pouco mais de 20 anos. “Eles procuram idealizadores como Federico Fellini e Stanley Kubrick. Isso tem relação com a formação cultural adquirida nas universidades”, avalia o empresário.

“Qualquer filme não comercial é interessante”

Como o ser humano vive sob a égide de um plano cartesiano de informações, é impossível que uma pessoa esteja atenta a todos os gêneros cinematográficos, sejam artísticos ou não. O empresário José de Arimateia Tavares admite esse fato, mas ressalta que qualquer filme de gênero não comercial já se torna interessante apenas em existir.

“Não interessa quem seja o idealizador ou qual é a proposta dele com o filme, a verdade é que ali teremos alguma novidade, algo jamais oferecido por um filme convencional”, justifica.

Para Teia, é regozijante ter uma locadora, principalmente pela oportunidade de conhecer a fundo o trabalho de cineastas brasileiros que tardiamente são valorizados. “O Fernando Meirelles é um grande cineasta e o primeiro filme dele que adquiri foi ‘Domésticas’. É uma pena que a maioria só conheça o seu trabalho em ‘Cidade de Deus’”, destaca.

O empresário também reconhece qualidade nos títulos do Cinema Novo que tem Glauber Rocha como um de seus grandes representantes. “Não tenho tanta simpatia por essa corrente cinematográfica, mas alguns filmes realmente são clássicos e de extrema qualidade”, comenta.

O interesse de Teia por filmes não comerciais não significa que ele desmereça os demais. “Não sou preconceituoso com relação a filmes. Por pior que seja o filme, assisto de ponta a ponta para reconhecer alguma qualidade”, assegura.

Alguns realizadores do cinema não convencional que podem ser encontrados na locadora do Teia

Federico Fellini, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, Sergei Eisenstein, Glauber Rocha, Jean-Luc Godard, Jean Renoir, Fritz Lang, Robert Wiene, Luis Buñuel, Ed Wood, Michelangelo Antonioni, Ettore Scola, Friedrich Wilhelm Murnau, Akira Kurosawa, etc.