David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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“Meu objetivo era fazer com que as famílias se fixassem aqui”

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Otávio Marques de Siqueira veio a Paranavaí por recomendação do major Fernando Flores

Antigo Hospital do Estado foi fundado por Siqueira (Foto: Reprodução)

O médico gaúcho Otávio Marques de Siqueira, responsável pela construção do Hospital Professor João Cândido Ferreira, onde é hoje a Praça da Xícara, se mudou para Paranavaí em 1949, a pedido do major Fernando Flores. Além de se responsabilizar pela saúde da população, Siqueira foi incumbido de convencer os migrantes a fixarem residência em Paranavaí e não em Alto Paraná.

Otávio Marques de Siqueira veio a Paranavaí pela primeira vez no tempo da Fazenda Brasileira, em 1941, após participar da inauguração da primeira balsa do Porto São José, um recurso que intensificaria as relações entre Paraná e Mato Grosso. Em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás, Siqueira relatou que naquele ano quando chegou à Brasileira se deparou com um imenso vazio. “Não havia nada por aqui, só quiçaça e capoeira”, afirmou o pioneiro gaúcho que chegou ao povoado por meio da única estrada que existia à época, reaberta pelo Capitão Telmo Ribeiro em 1939.

Siqueira conheceu em Londrina o diretor da 4ª Inspetoria de Terras do Estado, Francisco de Almeida Faria, que lhe mostrou um mapa retangular de Paranavaí. “Ele olhou com o jeitão dele e falou: ‘Isto está muito monótono’, então traçou duas diagonais no mapa e saiu duas avenidas, uma era a Paraná”, enfatizou o médico que teve os primeiros contatos com o cotidiano da colônia em 1945, mas se mudou para Paranavaí em 1949, a convite do major Fernando Flores que em Londrina lhe falou sobre a necessidade de se construir um hospital em Paranavaí.

“Antes de vir pra cá, eu exercia o cargo de diretor da Santa Casa de Londrina”, destacou Siqueira que coordenou a construção do extinto Hospital Professor João Cândido Ferreira, o Hospital do Estado, em área onde está atualmente a Praça Dr. Sinval Reis, conhecida como Praça da Xícara. Após a inauguração, o pioneiro assumiu o cargo de diretor do hospital. “O Dr. Siqueira era um médico muito bom”, comentou o pioneiro gaúcho Severino Colombelli, acrescentando que Otávio Marques salvou muitas vidas.

Siqueira não veio a Paranavaí apenas para atuar como médico. “Meu objetivo era fazer com que as famílias se fixassem aqui e não em Alto Paraná”, revelou. Pioneiros lembram que esse tipo de missão era muito comum, pois todos aqueles que vinham ao povoado para assumir alguma liderança também tinham o papel de atrair novos moradores. A publicidade mais apregoada em Paranavaí era a de que cada propriedade valeria até cem vezes mais no futuro. Porém, muitos diziam que isso não passava de utopia.

A colônia era um local tranquilo em 1949, quando os principais pontos comerciais pertenciam a Carlos Faber, Severino Colombelli, Luiz Ambrósio e José Francisco, irmão de Natal Francisco, segundo o médico que nunca se esqueceu da vez em que pioneiros pegaram uma jaguatirica nas imediações do antigo Cine Ouro Branco.

Em 1950, o desenvolvimento local chamou a atenção do governador Moisés Lupion que enviou a Paranavaí um funcionário encarregado de vender imóveis. “Deu liberdade para que ele fizesse o que bem entendesse, desde que atraísse pessoas com muito dinheiro”, pontuou Siqueira. Logo surgiu uma onda de assassinatos motivados pela posse de terras. De acordo com o médico, as propriedades eram tomadas na marra. “Eu não me preocupei, nem me meti nisso”, declarou.

Saiba Mais

Otávio Marques de Siqueira nasceu em 18 de julho de 1914 em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.